Agroecologia: por uma vida saudável no campo

Agroecologia: por uma vida saudável no campo

Por Elisama de Sousa Ferreira e Eliude de Sousa Ferreira*

Trazemos aqui algumas reflexões acerca da agroecologia para a promoção da saúde e sustentabilidade no campo. ressaltando a significativa importância da preservação do ecossistema. Isso contrasta com a abordagem da revolução verde, que preconizava a modernização das práticas agrícolas por meio do uso de fertilizantes químicos, agrotóxicos e a expansão das áreas dedicadas à monocultura.

Trazemos aqui algumas reflexões acerca da agroecologia para a promoção da saúde e sustentabilidade no campo. ressaltando a significativa importância da preservação do ecossistema. Isso contrasta com a abordagem da revolução verde, que preconizava a modernização das práticas agrícolas por meio do uso de fertilizantes químicos, agrotóxicos e a expansão das áreas dedicadas à monocultura.

A agroecologia ocupa um espaço central na promoção de um estilo de vida saudável. Seminários como o intitulado “Direito Humano à Alimentação Adequada, Agroecologia e Saúde: Políticas Públicas para o Futuro”, promovido pela Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz em colaboração com associações e a Articulação Nacional de Agroecologia, têm abordado temas relevantes. Tais eventos levantaram questões sobre a necessidade de criação de políticas públicas para combater a fome, melhorar a qualidade da alimentação, lidar com as mudanças climáticas e reduzir as desigualdades sociais, reconhecendo os impactos diretos desses fatores na qualidade de vida das pessoas.

Além disso, é imprescindível direcionar a atenção para o risco à saúde dos agricultores, que enfrentam a exposição a insumos industrializados diretamente, além da alimentação, o que pode ter sérias consequências imediatas para suas vidas. Da mesma forma, a utilização de agrotóxicos nas plantações pode impactar a saúde de toda a comunidade local. Isso ocorre porque esses produtos não se restringem apenas às plantas ou ao solo onde são aplicados, sendo levados pelos rios durante os períodos de chuva. Pesquisa FAPESP (2018) afirma que “cerca de 200 mil pessoas morrem anualmente no mundo vítimas de envenenamento agudo por pesticidas – basicamente trabalhadores rurais.” Ou seja: é crucial considerar o ciclo completo de produção e todos os envolvidos, dos produtores aos alimentados.

A agroecologia é uma alternativa que se contrapõe ao uso excessivo de insumos industrializados e reconhece a necessidade da interação ecológica para obter resultados satisfatórios. Como afirma Azevedo e Pelicioni (2012)[1]:

A agroecologia seria a produção de alimentos de uma forma que produzisse uma boa qualidade de vida no final da cadeia, qualidade de vida para as duas pontas; para o agricultor evitando o uso de agrotóxicos e contaminação e para o consumidor, da mesma forma, produzindo um alimento saudável. (p. 292)

Mesmo cientes de que os insumos usados na monocultura podem causar mal à saúde da população, comumente vemos pessoas dizerem que a agricultura familiar não dá conta de produzir alimentos para sustentar a população mundial. Quando na verdade o que falta é adesão à agroecologia afirma Legnaioli no texto “Agroecologia: o que é e características – eCycle” [2]. Para a autora, a prática agroecológica tem capacidade de produzir ainda mais do que o agronegócio, com possibilidade de resultados satisfatórios do ponto de vista econômico, ecológico e social.  “A produção agroecológica tem capacidade para produzir cerca de 6 % a 10% a mais que o agronegócio.”

Logo o que falta é mudança no nosso sistema de produção. Como toda mudança tem seu ponto de partida, podemos iniciar com o esclarecimento da população, atuando primordialmente no ambiente da sala de aula. Podemos propor atividades aos alunos para que eles ampliem seu conhecimento acerca da produção agroecológica, expondo seus benefícios e fomentando a adoção de práticas sustentáveis. Além disso, é possível promover iniciativas educacionais com a participação tanto dos pais dos estudantes quanto da comunidade em geral.

Nesse contexto, um programa que se destaca é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) [3], que não só proporciona fonte de renda, mas também assegura que os agricultores tenham canais para comercializar suas colheitas. A resistência para aquisição de hábitos saudáveis pode se dar pela falta de conhecimento. Assim, o mais viável é possibilitar que a informação alcance nossas comunidades, a fim de termos mais pessoas preservando o meio ambiente e sua saúde.


Referências

[1] https://www.ecycle.com.br/agroecologia/

[2] Azevedo E, Pelicioni MCF. Agroecologia e promoção da saúde no Brasil. Ver Panam Salud. Pública. 2012;31(4):290-5.

[3] https://www.gov.br/mds/pt-br/acesso-a-informacao/carta-de-servicos/desenvolvimento-social/inclusao-social-e-produtiva-rural/programa-de-aquisicao-de-alimentos-2013-paa




*Elisama de Sousa Ferreira e Eliude de Sousa Ferreira são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Agroecologia e antirracismo

Agroecologia e antirracismo

Por Leiliane Pereira de Oliveira Lima e Maria da Solidade Antonio de Souza *

A agroecologia e importantíssima na luta contra o racismo, estrutural e enraizado em nossa sociedade. Ela traz consigo narrativas de luta, resiliência e superação de um povo que, por anos, sustentou e nutriu as famílias brasileiras por meio de práticas culturais e conhecimentos ancestrais, gerando uma produção diversificada de alimentos de forma sustentável.

Entretanto, a população negra ainda enfrenta marginalização, afastamento dos processos de socialização e ausência de representatividade nos sistemas de poder. Essa realidade é uma herança da escravidão, que mesmo após a abolição, privou a população negra de direitos básicos, refletindo na ausência de políticas públicas voltadas para os escravizados e a falta de reforma agrária.

As comunidades Quilombolas representam uma das formas de resistência ao sistema escravocrata. Suas práticas tradicionais enraizadas na agricultura camponesa constituem a base da resistência no Brasil. A abordagem com que eles interagem com a terra, coexistindo de maneira harmoniosa, transcende o tempo, enfrentando as intempéries impostas pelo agronegócio. Nessa perspectiva, destaca-se a relevância de harmonizar o trabalho com a terra, respeitando seus recursos naturais, evitando assim desequilíbrios ambientais. O resultado é uma produção de alimentos saudáveis e a manutenção sustentável dos ecossistemas, sem a devastação das florestas.

Todo esse processo de luta, resistência e dor contribuiu para fortalecer o embate contra o racismo no contexto rural. Esse movimento ganhou ímpeto no movimento agroecológico, onde o racismo emergiu como temática central nos âmbitos políticos, culturais e científicos. Esse movimento também tem promovido a união entre quilombolas e indígenas, que compartilham a luta por seus direitos. A pesquisadora Fran Paula, engenheira agrônoma e mestra em saúde pública, conduziu estudos voltados para os povos quilombolas e indígenas, revelando um alarmante padrão de pulverização aérea sobre essas comunidades. Esse cenário ameaça as práticas agrícolas ancestrais, dificultando a produção e o consumo de alimentos saudáveis.

Desde a época da escravidão, a população negra tem enfrentado diversas formas de opressão. O acesso à terra, moradia e educação foi negado, manifestações claras do racismo estrutural que permeia nossa sociedade. Esse racismo enraizado transparece nas estruturas de direito, economia, ideologia e política. Ele se manifesta de maneira evidente nas práticas cotidianas, permeando hábitos e discursos, muitas vezes de forma inconsciente. A construção do Brasil foi permeada por ideias racistas, o que moldou profundamente nossa sociedade.

Os dados presentes na pesquisa “Atlas da Violência”, publicada pelo IPEA em 2021 , revelam a triste realidade: uma pessoa negra tem maior probabilidade de ser vítima de homicídio do que uma pessoa não negra. A violência letal contra pessoas negras e pardas em 2019 foi 162% maior em comparação às não negras. Vale ressaltar que pessoas negras representam 77% das vítimas de homicídio no país. Essa violência perpetua a reprodução de vidas, culturas, histórias e memórias, sobretudo nos quilombos. Infelizmente, a luta pela demarcação de terras quilombolas e o acesso a políticas públicas reparatórias ainda enfrentam desafios substanciais.

Diante de todo cenário, é incontestável que a luta contra o racismo deve ser disseminada em todos os âmbitos e movimentos. As comunidades quilombolas e indígenas não podem mais ser silenciadas, tendo seus direitos e dignidade usurpados. A mobilização e conscientização desses povos evidenciam a intersecção entre a luta antirracista e a agroecologia. Ambos almejam a preservação e proteção do meio ambiente, bem como a prática de agricultura de maneira harmônica. Nesse sentido, é imprescindível enfatizar que discutir agroecologia e agricultura familiar é, por extensão, abordar a luta antirracista. O Censo Agropecuário de 2017 revela que a maioria dos produtores rurais do Brasil é composta por negros, sendo 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros provenientes da agricultura familiar.

Diante dessas reflexões, propõe-se ações voltadas à luta antirracista e agroecológica. Um primeiro passo seria introduzir esses movimentos nas escolas, promovendo palestras ministradas por entidades parceiras nessa batalha, como sindicatos de trabalhadores rurais, Emater e representantes de comunidades quilombolas e indígenas. Essas palestras teriam o intuito de elucidar os pontos abordados em cada argumento, contribuindo para disseminar o conhecimento sobre a história desses povos e seus direitos. Ademais, essa conscientização deve se estender às próprias comunidades quilombolas, indígenas e outras áreas rurais, a fim de empoderar essas populações, superando o medo, a falta de informação e os obstáculos que historicamente os impediram de reivindicar seus direitos.

Em síntese, a agroecologia está diretamente ligada à luta antirracismo, pois busca promover uma relação harmoniosa entre os povos e a terra, reacendendo práticas ancestrais e direitos usurpados. Nesse processo, a disseminação do conhecimento e a conscientização ganham proeminência, forjando uma sociedade mais justa, inclusiva e equitativa, onde as raízes da cultura e a dignidade de todos são preservadas.



*Leiliane Pereira de Oliveira Lima e Maria da Solidade Antonio de Souza  são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Reforma agrária e permanência no Campo

Reforma agrária e permanência no Campo

Por Edson de Souza Santos e Maria Eunice de Souza Franco*

Sempre haverá um povo com sede de trabalhar e fazer com que a terra cumpra sua função social, e isso só é possível com a garantia de que esse povo tenha acesso a essas terras. O campo é lugar de (r)existir, pois nele estão as nossas histórias, nossas marcas, nossas lutas.

No entanto, muitos moradores do campo têm experimentado desmotivação em relação à permanência nesses espaços, devido à inviabilidade de uma vida de qualidade nas pequenas propriedades. Observa-se a concentração expressiva de vastos territórios nas mãos de um grupo minoritário, enquanto a ampla maioria encontra-se desprovida de glebas. Aqueles que possuem uma fração de terra reduzida não dispõem das condições para gerar renda suficiente que lhes permita subsistir dignamente no campo.

Tal cenário propicia o êxodo rural. Como aponta Fonseca et al (2015, p. 234)[1]: “O processo de êxodo rural vem sendo ocasionado principalmente por parte da população da zona rural que saem do campo em busca de melhores condições de vida nas cidades, porém, esse processo gera vários problemas sociais”. Contudo, essa expectativa, muitas vezes, é apenas uma utopia, ou fantasia diante do desespero de quem vive com pouca ou sem nenhuma terra para tirarem o seu sustento. Esses, ao chegarem às urbes, deparam-se com uma realidade díspare, marcada por desemprego galopante, encargos onerosos e aquisições dispendiosas. Sem alternativa, ocupam áreas irregulares, propiciando o crescimento de favelas e o aumento da violência, entre outros dilemas.

Em face da frustração, muitos sucumbem à influência de substâncias entorpecentes, à prostituição, ao delito e a outras formas de criminalidade. Poderá ser resolvida essa mazela do êxodo rural? Será viável assegurar a permanência do homem no campo, coadunando qualidade de vida, dignidade e sustentabilidade? Acreditamos que seja possível sim, a partir de uma lógica agroecológica e a promoção da reforma agrária. Para diversas famílias, o campo ainda é o melhor lugar para se viver.

A reforma agrária seria uma solução na medida que se sabe que a principal causa do êxodo rural é a falta de terras para trabalharem e viverem com dignidade. No entanto, questiona-se por que o tema da reforma agrária não figura nas agendas do poder executivo, legislativo e judiciário. Estará tal omissão vinculada a um controle econômico e privado das políticas estatais? A morosidade na implementação das políticas de reforma agrária seria uma consequência da intervenção de agentes externos? É notório que a pauta da reforma agrária carece de protagonismo no âmbito político, possivelmente por não ser interessante aos grandes proprietários partilhar latifúndios entre os agricultores, principalmente aquelas componentes da “bancada ruralista”, conjunto de deputados e senadores que congrega os expoentes do agronegócio, ou seus representantes.

A reforma agrária emerge como alternativa promissora para os camponeses, incluindo ribeirinhos, quilombolas, indígenas e outros povos. Com acesso à terra, será possível trabalhar na perspectiva da agroecologia, com agricultura familiar, criação de peixes, apicultura, pecuária, entre outras alternativas de trabalhos. Acreditamos que o campo é lugar de (r)existir, e que nós povos campesinos, precisamos continuar lutando pelo acesso à terra.

A mobilização dos movimentos sociais ao longo dos anos 2000 conferiu impulso à luta pela terra. Conforme enfatizam Ferrante et al (2008, p. 28)[2], “o avanço da luta pela terra tem mantido a reforma agrária na pauta política do estado”, contudo, ainda não se concretizou integralmente. É imperativo enfatizar que a necessidade de reforma agrária transcende a mera posse de terra, abarcando também a disponibilidade de crédito, educação, saúde, habitação e todos os direitos correlatos, visando garantir uma vida digna e de qualidade no campo.

Diante destas questões, é preciso se pensar em políticas públicas e ações afirmativas imediatamente, como: incentivo à agroecologia; retomada dos territórios tradicionais e devolução às comunidades; assentamentos rurais e a reforma agraria. Essas são alternativas para o desenvolvimento sustentável, como prega a agroecologia. Com essas políticas, seria possível o reordenamento do uso das terras em benefício dos povos trabalhadores rurais e contribuir para sua permanência no campo, além de manter suas tradições.

Na comunidade desses autores, o Quilombo Marques, localizado no município de Carlos Chagas, houve uma significativa conquista em 22 de dezembro de 2022, quando obtiveram posse de parte de seu território. Por mais de uma década. A conquista representa a segurança de permanecer no território, especialmente para a juventude. Propicia, também, a prática da agroecologia, já que a terra oferece as condições necessárias, o que incentiva o desenvolvimento das lavouras. Com isso, viabiliza-se a sustentabilidade da terra e a geração de renda para a comunidade.

Em suma, a questão da permanência da população rural nas áreas agrícolas carece de ações coordenadas e políticas deliberadas. A efetivação da reforma agrária, associada ao fomento da agroecologia e à restituição de territórios tradicionais, aparecem como uma via promissora para a construção de um campo sustentável e economicamente viável, um espaço onde as comunidades possam não somente subsistir, mas também prosperar, preservando sua cultura e tradições.


Referências

[1]https://www.researchgate.net/publication/353243084_CAUSAS_E_CONSEQUENCIAS_DO_EXODO_RURAL_NO_NORDESTE_BRASILEIRO_CAUSES_AND_RURAL_EXODUS_AFTERMATH_IN_NORTHEASTERN_BRAZIL

[2]https://bibliotecadigital.economia.gov.br/bitstream/123456789/565/1/Reforma%20agr%C3%A1ria%20e%20desenvolvimento.pdf




*Edson de Souza Santos e Maria Eunice de Souza Franco são acadêmicos da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

A revolução verde e o êxodo rural

A revolução verde e o êxodo rural

Por Madilene Geni Ferreira e Maria Flor De Maio De Jesus Silva*

A chamada “revolução” verde refere-se a um conjunto de mudanças que acarretou um problema estrutural na agricultura familiar, pois mudou o modelo de produção sem valorizar as culturas alimentares locais e diversificadas (Santilli, 2009) [1] . Com a promessa de resolver problemas e preservar a estrutura agrícola, a tal revolução chegou no Brasil por volta da década de 1960, porém promoveu o uso intensivo de insumos químicos na agricultura, contribuiu para o êxodo rural e a degradação ambiental.

Enquanto a agroecologia, na contramão, surge como uma alternativa para promover a agricultura sustentável e revitalizar o campo. Como afirma a autora Santili (2009) [1], “[c]om a chegada da revolução verde, a modernização do campo fez com que pequenos produtores fossem expropriados, dando lugar aos moldes empresariais de organização da produção.”

A nova estruturação trouxe efeitos negativos não são somente nas formas de produção, com a monocultura em substituição à diversificação e impactos ambientais, como também na alimentação, pois diminuiu a oferta de alimentos saudáveis e de qualidade, aumentando a fome no mundo. Esses são fatos importantes que as políticas públicas devem observar para assegurar alimentos de qualidade para todos e recursos para acabar com o êxodo rural. Outro ponto refere-se às relações de trabalho que sofreu mecanização e reduziu postos mão de obra.

A monocultura substituiu ecossistemas naturais e, com isso, tornou a produção agrícola mais vulnerável a pragas e doenças, desestruturou a mão de obra, as famílias envolvidas. Consequentemente, o mercado de alimentos, que tinha foco nos orgânicos, abriu espaço para mais alimentos transgênicos. Assim, as sementes que antes eram crioulas passam a ser transgênicas. As terras, que antes eram férteis para produção, tornam-se dependentes de adubos e fertilizantes químicos, que aceleram a produção para as exportações, mas esgotam a terra rapidamente. Esses fatores, combinados com a falta de incentivos para a permanência dos agricultores no campo, levaram a um êxodo rural em larga escala, com consequências sociais profundas.

A agroecologia surge como uma alternativa para promover a agricultura sustentável e revitalizar o campo. Ela é baseada em princípios de equidade, justiça social, sustentabilidade e respeito aos saberes e fazeres ancestrais dos povos do campo. Como explica Gusman and Molina (2005)[2] “O campesinato é, mais que uma categoria histórica ou sujeito social, uma forma de manejar os recursos naturais vinculados aos agroecossistemas locais e específicos de cada zona, utilizando um conhecimento sobre tal entorno condicionado pelo nível tecnológico de cada momento histórico e o grau de apropriação de tal tecnologia…”

A agroecologia propõe uma abordagem holística para a produção de alimentos, que considera a interação entre os seres humanos, os ecossistemas e as culturas, buscando sempre, promover a saúde da sociedade através de uma produção de alimentos de qualidade, garantindo a segurança alimentar. Busca, então, fazê-lo de forma sustentável, por meio não apenas de práticas agroecológicas, como a rotação de culturas, o uso de adubos orgânicos, o controle biológico de pragas e a integração lavoura-pecuária-floresta, mas também promovendo a conservação da biodiversidade, a revitalização e a valorização das culturas tradicionais do campo. Tudo isso fortalece a base familiar, o que fomenta a permanência das famílias no campo.

A participação do poder público, com iniciativas no desenvolvimento rural sustentável, tais com as agroecológicas que trazemos ao debate, pode promover a sustentabilidade ambiental, social e econômica, com inclusão social, redução de danos ambientais e nutricionais, oferta de alimentos saudáveis, garantindo a saúde da população. Dessa forma, são muito bem-vindas ações governamentais com enfoque agroecológico e fomento da agricultura familiar, tais como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)[3] e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)[4], que ajudam os produtores a fortalecerem suas produções de alimentos sustentáveis e, ainda, refletirem acerca das potencialidades e limitações da agroecologia.

Mesmo que de maneira incipiente, a agroecologia se apresenta como alternativa de um modelo hegemônico do agronegócio, de forma a valorizar o trabalho rural, que é mais que produzir, mas é também cultura, modo de vida e de trabalho, onde se articula e apoia a resistência do campesinato e, sobretudo, a insubordinação do homem do campo e transformação estrutural no modelo que é utilizado no campo, como forma de valorizar a cultura e a resistência do camponês. A adoção de práticas agroecológicas é essencial para enfrentar os desafios da agricultura moderna e garantir a permanência dos agricultores no campo.


Referências

[1] SANTILI, Juliana Agrobiodiversidade e o direito dos Agricultores. São Paulo, Petrópolis 2009.

[2] GUSMÁN, E.S. & MOLINA, M. G. Sobre a revolução do conceito de campesinato, Expressão São Paulo, 2005.

[3] https://www.gov.br/cidadania/pt-br/acoes-e-programas/inclusao-produtiva-rural/paa

[4] https://www.gov.br/secretariadegoverno/pt-br/portalfederativo/guiainicio/prefeito/trilhas-100-dias-de-governo/pnae-2013-programa-nacional-de-alimentacao-escolar




*Madilene Geni Ferreira e Maria Flor De Maio de Jesus Silva são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Agricultura familiar, agroecologia e sustentabilidade

Agricultura familiar, agroecologia e sustentabilidade

Por Diemerson Rocha da Cruz*

A agricultura familiar é um tipo de agricultura que se baseia em unidades familiares de produção, nas quais a família é a principal responsável pela gestão da propriedade agrícola e pela produção de alimentos. Caracteriza-se pela posse da terra, pelo trabalho familiar e pela transmissão intergeracional do conhecimento e das práticas agrícolas.

Por outro lado, a agroecologia é uma abordagem que busca promover a sustentabilidade agrícola, integrando princípios e práticas ecológicas, sociais e econômicas. Valoriza a conservação dos recursos naturais, a biodiversidade, a saúde dos ecossistemas e a equidade social. A agroecologia enfatiza a utilização de técnicas de manejo sustentáveis, como a rotação de culturas, o consórcio de plantas, a adubação orgânica e o controle biológico de pragas, entre outras.

A agricultura familiar desempenha um papel fundamental na preservação da biodiversidade, pois os agricultores familiares adotam práticas agrícolas promovem a conservação dos recursos naturais e a manutenção da diversidade biológica. Conforme destacou Silva et al. (2018)[1], a agricultura familiar contribui para a preservação da biodiversidade ao utilizar técnicas agroecológicas, como o manejo integrado de pragas, o uso de adubos orgânicos e a diversificação de culturas. Essas práticas auxiliam na redução da dependência de agroquímicos, protegendo a saúde dos ecossistemas e favorecendo a presença de espécies nativas, assim como a conservação da fauna e flora local.

Além disso, os agricultores familiares costumam manter áreas de vegetação nativa em suas propriedades, como fragmentos de florestas, matas ciliares e áreas de reserva. Esses espaços fornecem habitat e abrigo para diversas espécies de plantas e nimais, o que contribui para a manutenção da biodiversidade[2].

A preservação das sementes crioulas, variedades tradicionais adaptadas às condições locais, e sua manutenção e intercâmbio é uma prática comum na agricultura familiar, o que contribui para a preservação da diversidade genética das culturas agrícolas. Dessa forma, a agricultura familiar, por meio de suas práticas sustentáveis e do cuidado com os recursos naturais, desempenha um papel essencial na conservação da biodiversidade.

A agricultura familiar oferece diversos benefícios em comparação ao agronegócio. Estudos e pesquisas têm enfatizado esses benefícios, ressaltando a importância da agricultura familiar para a sociedade e o meio ambiente. Através da adoção de práticas sustentáveis, ela promove a preservação ambiental. Segundo um estudo realizado por Teixeira e Silva (2020)[3](…) a agricultura familiar é caracterizada por um menor uso de agroquímicos, favorecendo a preservação da biodiversidade e a conservação dos recursos naturais.”

Essas práticas agrícolas mais amigáveis ao meio ambiente contribuem para a manutenção dos ecossistemas e a proteção da flora e fauna locais. Além disso, a agricultura familiar desempenha um papel significativo na segurança alimentar e na promoção de uma alimentação saudável. De acordo com a pesquisa conduzida por Cruz et al. (2021)[4], ” … agricultura familiar é responsável por uma parcela considerável da produção de alimentos, especialmente de frutas, hortaliças e produtos orgânicos, contribuindo para a diversificação da dieta e o acesso a alimentos frescos e nutritivos”.

Essa diversificação de culturas e a produção local de alimentos desempenham um papel crucial na redução da dependência de alimentos processados e importados, promovendo uma alimentação mais saudável e equilibrada. Tais evidências reforçam a importância da agricultura familiar como uma alternativa mais sustentável, valorizando a preservação ambiental e a segurança alimentar em comparação ao modelo predominante do agronegócio.

No contexto brasileiro, a agricultura familiar estabelece uma relação muito mais favorável com ao ambiente em comparação a outros tipos de agricultura, que resulta de uma série de práticas e características tradicionalmente adotadas, que colaboram com a preservação dos recursos naturais e à sustentabilidade. Uma das principais diferenças está no uso de insumos agrícolas. Os agricultores familiares tendem a utilizar menos agrotóxicos e fertilizantes químicos quando comparados à agricultura de larga escala. Essa prática reduz a contaminação do solo, da água e do ar, o que contribui para a preservação da biodiversidade e proteção de ecossistemas. Além disso, a agricultura familiar valoriza a adoção de práticas agroecológicas, como o manejo sustentável do solo, a rotação de culturas, o plantio consorciado e a utilização de adubos orgânicos. Esses métodos favorecem a conservação do solo, melhoram sua fertilidade e reduzem a erosão, contribuindo para a saúde dos ecossistemas agrícolas.

Outro aspecto importante é a diversificação de culturas e a preservação da agrobiodiversidade. Os agricultores familiares cultivam uma variedade de espécies e variedades locais, promovendo a conservação da diversidade genética e contribuindo para a adaptação aos desafios climáticos e a resiliência dos sistemas agrícolas. Além dos já citados benefícios ambientais, essas práticas contribuem para a mitigação das mudanças climáticas, uma vez que se baseiam em sistemas produtivos mais resilientes e com menor emissão de gases de efeito estufa.

Atualmente, a agricultura familiar está recebendo maior atenção e reconhecimento, tanto por parte das políticas públicas, quanto da sociedade em geral. As políticas públicas voltadas para a agricultura familiar concentram-se em fornecer apoio e incentivos específicos para esse setor, com inciativas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)[5]. Velhos conhecidos do campo, apesar da queda de verba dos últimos anos, esses programas têm sido (re)implementados para garantir o acesso a crédito, assistência técnica, mercados e compras públicas, fortalecendo, assim, a produção e a comercialização dos agricultores familiares.

No contexto das desigualdades sociais, a agricultura familiar desempenha um papel importante na geração de empregos e no desenvolvimento das comunidades rurais. Ela contribui para a fixação das pessoas no campo, o fortalecimento das relações comunitárias e a preservação das tradições culturais e conhecimentos tradicionais. Assim, é importante que a agricultura familiar receba mais atenção e valorização por meio de políticas públicas e programas específicos, que fortaleçam o setor, promovam sua sustentabilidade e reconheçam sua importância para a sociedade como um todo, tal como parece acontecer desde a ascensão do último governo federal.


Referências

[1] Silva, L. M. et al. (2018). Contribuição da Agricultura Familiar para a Biodiversidade. Revista Brasileira de Agroecologia, 13, 95-109.

[2] Schneider, S. et al. (2019). Agricultura Familiar e Biodiversidade: contribuições para uma agenda positiva de desenvolvimento. Revista de Política Agrícola, 28(3), 20-30.

[3] Teixeira, V. F., & Silva, C. M. (2020). Agricultura familiar e sustentabilidade ambiental: uma revisão sistemática da literatura.

[4] Cruz, G. C. et al. (2021). Agricultura familiar: importância para a segurança alimentar e nutricional.

[5] Ribeiro, V. M. (2018). Agricultura familiar no Brasil: ações governamentais e desafios na atualidade.




* Diemerson Rocha da Cruz é acadêmico da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Diversidade de famílias e famílias diversas

Diversidade de famílias e famílias diversas

Por Marília Gabriela Rodrigues da Silva e Vitória Cristina Alves *

É na família que se inicia a socialização fundamental para a formação dos indivíduos. No Brasil, há diversidades nas composições familiares, pois temos exemplos de famílias patriarcais, matriarcais, monoparentais, homoafetivas, anaparentais, matrimoniais, pluriparentais, dentre outras. Dessa forma, é excludente uma definição de família associada somente a casais heterossexuais.

Compreende-se que a ideia da família tradicional brasileira, tão discutida nos últimos anos, corresponde à antiga família patriarcal de origem colonial, onde o homem é o provedor da família e a mulher, assim como os filhos, estão submissos a ele. No entanto, como pontua Paiva (2016, s. p.)[1], “[p]ouco mais da metade (54,9%) das famílias no Brasil é constituída por um casal heterossexual com filhos. Os outros (45,1%) se desdobram em uma pluralidade de arranjos”. 

Ainda que de maneira sutil,  esse cenário começou a se modificar, pois já é possível perceber uma melhoria na igualdade de gênero, por exemplo, no mercado de trabalho, além da lei do casamento LGBTQIA+ e outras. Contudo, o mesmo não ocorre nos lares das famílias brasileiras, visto que as mulheres continuam sobrecarregadas pela jornada dupla, enfrentando tanto o trabalho formal quanto as tarefas domésticas, bem como os cuidados com os filhos. Trata-se da construção cultural brasileira, conforme Borsa e Nunes (2011, p. 32-33)[2], “[…] na família ocidental os papéis de homens e mulheres têm sido diferentes e essas diferenças se evidenciam, por exemplo, no fato de que o trabalho doméstico e o cuidado da prole continuam sendo atribuídos à mulher, prioritariamente”.

Ainda sobre a excludente definição de família, existe a Lei 9.278, de 10 de maio de 1996[3],  que reconhece como entidade familiar o convívio de um homem e uma mulher, o que reforçando uma única forma de composição familiar. No entanto, desde 2011 o casamento LGBTQIA+ é legalizado no Brasil. Mas o que se vê é que ainda existem preconceitos relacionados a esse grupo, alguns deles têm como base estereótipos e discriminações enraizadas, como supor que esses casais podem influenciar a identidade de gênero ou a orientação sexual do indivíduo adotado. Vale ressaltar as muitas adoções realizadas por pertencentes do público LGBTQIA+ e a alta demanda de crianças aguardando por adoção no Brasil. Dessa forma, é inadmissível que existam preconceitos acerca desse assunto, que quase sempre vem daqueles que dizem estar a favor da família.

Uma comissão especial das Câmara dos Deputados, em 24 de setembro de 2015, rejeitou uma ampliação para o conceito de família no Estatuto da Família (Projeto de Lei 6.583/13)[4] e manteve o entendimento legal de família apenas aquela formada por homem, mulher e filhos. Trata-se, claramente, de uma violação discriminatória e preconceituosa, pois milhões de brasileiros não se enquadram nessa definição. Como afirma Paiva (2016, s.p.)[5]:

Precisamos estar atentos para não tomarmos esse modelo imaginário como único, verdadeiro, correto e saudável. Se tomarmos assim, estaremos tratando todas as outras famílias como ‘desestruturadas ou em crise’ e tratando a diferença como desigualdade, o que leva a relações de assimétricas e não democráticas. A intolerância com a diferença leva à patologização, à judicialização e à criminalização dos diferentes.”

Apesar de já ser reconhecida pela justiça algumas composições familiares não “tradicionais”, diante da realidade, existe a necessidade de ampliar o conceito de família, pois é preciso uma lei que acolha e inclua todos os tipos de composições familiares, de todos os sujeitos. É indispensável que as famílias homoafetivas sejam incluídas no Estatuto da Família, para que, desse modo, seja possível refletir sobre essas diferentes configurações familiares dentro da escola, espaço importante de socialização do indivíduo. Esses conteúdos devem ser inseridos nos Planos de Cursos da educação do governo para reeducar os nossos jovens, a começar pela educação infantil, de forma singela, com atividades, por exemplo, onde as crianças possam identificar em qual composição familiar se enquadram e ampliar essas visões com os exemplos dos coleguinhas. No decorrer dos anos escolares questões mais complexas podem ser trabalhadas e debates são importantes para as grandes reflexões e reformas humanas, sobretudo de consciência.


Referências

[1] PAIVA, Thais. Por uma nova (e ampla) definição de família. Carta Capital. 2016. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/educacao/por-uma-nova-e-ampla-definicao-de-familia/>. Acesso em: 10/03/2023. 

[2] BORSA, Juliane Callegaro. NUNES, Maria Lucia Tiellet. Aspectos psicossociais da parentalidade: O papel de homens e mulheres na família nuclear, 2011. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/258032978>. Acesso em: 14/03/2023.

[3] Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9278.htm#:~:text=Dissolvida%20a%20uni%C3%A3o%20est%C3%A1vel%20por%20morte%20de%20um%20dos%20conviventes,destinado%20%C3%A0%20resid%C3%AAncia%20da%20fam%C3%ADlia.>

[4] Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=47FC186CDB5C27E515DF6EEB0712A562.proposicoesWeb2?codteor=1398893&filename=Avulso+-PL+6583/2013>

[5] Disponível em: PAIVA, Thais. Por uma nova (e ampla) definição de família. Carta Capital. 2016. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/educacao/por-uma-nova-e-ampla-definicao-de-familia/>. Acesso em: 10/03/2023.




* Marília Gabriela Rodrigues da Silva e Vitória Cristina Alves são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Genocídio Indígena

Genocídio Indígena

Por Carla Batista Dias e Ingred Pereira da Silva*

O genocídio dos povos originários é causado principalmente pelos conflitos fundiários. Inúmeras vidas indígenas foram e são ceifadas no enfrentamento para proteger e defender suas terras, garantindo a permanência de seus povos nelas. Nos conflitos fundiários, ocorre um verdadeiro genocídio desses povos, que perdem a vida diretamente no confronto, usando seus corpos como barreira para enfrentar a invasão ou sendo assassinados por serem lideranças e usarem suas palavras como ferramenta de luta. Indiretamente, morrem devido aos danos e efeitos causados pelas invasões em suas vidas.

Esses conflitos nos quais os indígenas se envolvem com latifundiários, fazendeiros, madeireiros, garimpeiros (entre outros) ilegais são temas de debates diários significativos. Apesar dos constantes ataques, as lideranças indígenas resistem na luta, contando com o apoio de indigenistas, ONGs e outros parceiros que fortalecem o debate. Essa resistência é frequentemente afetada pelas ameaças e assassinatos dessas lideranças, estratégias utilizadas para silenciar e intimidar seus povos e comunidades, com o intuito de desencorajar a resistência e a perda de suas terras. Como resultado, esses invasores ilegais avançam e usufruem indevidamente da riqueza presente nas terras indígenas, afetando diretamente o modo de vida desses povos.

Os ataques ocorrem, na maioria das vezes, com a conivência do poder público, que, por interesses políticos, fecha os olhos quando deveria proteger e defender os povos originários. Como evidenciado pela reportagem do Brasil de Fato: “Confinados em pequenos territórios, os indígenas enfrentam o poder político e policial dos ruralistas e pagam com a vida.” A negligência e o descaso das autoridades fazem com que elas se isentem da responsabilidade que possuem. É nesse momento que tragédias e genocídios acontecem, como o que ocorreu com os Yanomami, conforme demonstra a reportagem de Andría Vedélio da Agência Brasil, que aponta um levantamento do Ministério da Saúde que “(…) registrou três óbitos de crianças indígenas nas comunidades Keta, Kuniama e Lajahu entre 24 e 27 de dezembro de 2022. No ano de 2022, foram registrados 11.530 casos confirmados de malária na terra Yanomami.”[1]

Além desses conflitos, os povos originários enfrentam notícias falsas que fortalecem a ação dos invasores, como uma fala do ex-presidente Jair Bolsonaro, numa tentativa de invalidar a luta dos indígenas por suas terras em nome do que considera um “avanço”: “Há muita terra para poucos índios. A minha decisão é não demarcar mais terras para os índios.”[2] Trata-se de uma inverdade, pois há indígenas para todas as terras, e a extensão da terra é um fator importante para que esses povos possam viver de acordo com suas tradições, as quais também preservam seus territórios.

Um avanço que indica dias melhores são os representantes políticos eleitos, como Sônia Guajajara, indicada ao Ministério dos Povos Originários no governo Lula. Isso marca um começo importante para o desenvolvimento de políticas públicas que garantam a vida dos povos originários em seus territórios. Esses representantes políticos, ao contrário do ex-presidente, devem promover e perpetuar o discurso da valorização e proteção desses povos, ampliando e valorizando projetos agroecológicos nos territórios indígenas e arredores, como o projeto Etno Desenvolvimento Ceará Indígena[3], que, com base na agroecologia, contribui para a preservação da cultura e saberes dos povos originários. Esses projetos também possibilitam que eles vivam da maneira tradicional, preservando suas identidades, a relação com a terra e a própria terra.

O posicionamento positivo do governo, principalmente por meio das declarações do Presidente da República, é fundamental para avançar e acabar com o genocídio indígena, garantindo a proteção dos povos originários. Além disso, é fundamental fortalecer a demarcação de terras dos territórios indígenas, com assistência social e sanitária nessas áreas, garantindo equidade e dignidade à população. Além disso, é importante fortalecer o debate e construir novas políticas públicas que contribuam para a defesa dos povos originários e garantam uma coexistência saudável com esses povos e territórios.

O território é de suma importância para os povos originários, pois faz parte de quem eles são, sendo uma extensão deles e de suas culturas. Como Marciane Tapeba defende em sua fala no texto publicado pela Associação para Desenvolvimento Local Co-produzido (ADELCO)[4]: “Para nós, povos indígenas, a maior bandeira é o território. E não apenas o território da terra, mas do bem-viver, do cultivo saudável, de viver em harmonia.

Referências

[1]Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2023-01/ministerio-da-saude-declara-emergencia-em-saude-em-territorio-yanomami>.

[2]Disponível em: <https://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2019/08/30/bolsonaro-quer-rever-demarcacoes-muita-terra-para-pouco-indio.htm>.

[3]Disponível em: <https://adelco.org.br/geral/praticas-agroecologicas-mantem-tradicao-e-cultura-indigena/>.

[4] Disponível em: < https://adelco.org.br/geral/praticas-agroecologicas-mantem-tradicao-e-cultura-indigena/>




* Carla Batista Dias e Ingred Pereira da Silva são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este relato na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Da Escravidão à Agroecologia

Da Escravidão à Agroecologia

Por Maria Helena Ferreira Brito Santos Renato Aparecido Teixeira*

É importante que se esclareça que o trabalho escravo é uma prática que consiste na exploração de trabalhadores em condições desumanas e degradantes, sem o pagamento adequado e outros tipos de desrespeito aos direitos trabalhistas como locais insalubres, ausência de folgas e férias.

Obviamente, a escravidão é ilegal no nosso país, mas em sua forma “moderna”, que também viola os direitos humanos fundamentais, continua presente em diferentes esferas da sociedade (MIRAGLIA, et al. 2018)[1]A escravidão, no Brasil, remete à conquista dessas terras pelos portugueses no século XVI. A princípio, alguns indígenas foram escravizados, mesmo que com muita resistência. Depois foram os africanos trazidos à força para serem explorados em plantações de açúcar, tabaco, algodão, café e outras culturas. Hoje essas monoculturas são controladas, em grande maioria, pelo agronegócio.

Segundo Marquese (2006) [2], o tráfico negreiro atingiu seu auge entre os séculos XVIII e XIX, quando o Brasil se tornou o maior destino de escravos africanos nas Américas. Estima-se que cerca de 4 milhões de africanos tenham sido trazidos para o país durante o período de exploração portuguesa. Tratados como mercadorias, na condição de escravos, africanos de diversas etnias eram forçados a trabalhar em condições desumanas, sem direitos ou liberdade, cumprindo longas horas de trabalho, muitas vezes em condições insalubres e perigosas. Com frequência eram submetidos a castigos físicos e psicológicos severos.

A escravidão no Brasil foi teoricamente abolida em 13 de maio de 1888, com a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel (PINTO, 2021)[3]. No entanto, o gesto não significou a completa libertação dos escravizados, que foram deixados sem terra, sem educação, sem emprego e sem recursos para sobreviver. Ainda hoje, o legado da escravidão é sentido na sociedade brasileira, como as profundas desigualdades socioeconômicas que afetam negativamente e, sobretudo, a população negra, propiciando inclusive inúmeras formas de trabalhos análogos à escravidão.

No Brasil, o trabalho escravo é considerado crime pelo Art. 149 do Código Penal, onde aparece claramente a questão da “redução à condição análoga à de escravo”; alterado pela Lei 10.803, de 11 de dezembro de 2003[4]. O combate ao trabalho escravo é uma responsabilidade do Estado, mas também cabe à sociedade, sobretudo trabalhadores e empresas, assumir um papel ativo na luta contra essa prática, por meio da conscientização e medidas concretas para sua erradicação.

No agronegócio brasileiro, o trabalho escravo é um problema crônico, percebido desde a era colombiana e que afeta milhares de trabalhadores no país, ainda hoje. Segundo a Organização Internacional do Trabalho – OIT (2021)[5], milhares de pessoas, nas zonas urbanas e rurais, ainda são exploradas, por meio do trabalho forçado, da servidão por dívida, da submissão a condições degradantes de trabalho e de jornadas exaustivas.

Segundo dados da Agência Brasil (2023) [6], em 2022 foram resgatados 2.575 trabalhadores em condições análogas à escravidão em atividades relacionadas ao agronegócio. Entre as atividades com maior incidência de casos, destacam-se a produção de grãos, cana-de-açúcar, pecuária e a colheita de café, frutas e verduras.

A OIT (2021) [5] traz ainda que, entre 1995 e 2020, foram registrados mais de 55 mil trabalhadores resgatados em todo o país, sendo que cerca de 30% deste quantitativo estavam em atividades ligadas ao agronegócio. Além disso, os estados com maior número de casos de trabalho escravo são Minas Gerais, Pará, Mato Grosso e Goiás.

A pressão econômica exercida por grandes produtores que utilizam mão de obra análoga à escravidão muitas vezes dificulta a adoção de medidas que possam garantir condições de trabalho dignas para os trabalhadores do campo. Por isso, é importante perceber que a sociedade capitalista é refém do consumismo, não se importando com a origem e modo de produção do que consome diariamente.

Em uma perspectiva educativa baseada na agroecologia, em uma abordagem holística e que busca promover a sustentabilidade ambiental, social e econômica na agricultura (ARAUJO, 2020)[7], é possível elaborar e distribuir produtos educacionais, como uma “Cartilha”, com enfoque em conscientizar e desnudar o trabalho análogo à escravidão, principalmente no meio rural. Uma “cartilha”, ou materiais informativos similares, poderiam ser disseminados por setores como da educação formal, em escolas da Educação Básica no Campo e na Cidade, órgãos públicos pontos de acesso a público numeroso, Sindicatos, ONGs e outros parceiros diversos, de acordo com os contextos locais. Se existem grandes programas de materiais didáticos no país, a exemplo do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), não cremos que seria um problema logístico e financeiro produzir um material voltado para conscientizar as pessoas sobre o trabalho análogo à escravidão no agronegócio e para promover a agroecologia como uma alternativa sustentável e socialmente justa para a agricultura. A questão pode ser política.


Referências

[1] MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira et al. Trabalho escravo contemporâneo: conceituação, desafios e perspectivas /Lívia Mendes Moreira Miraglia, Julianna do Nascimento Hernandez, Rayhanna Fernandes de Souza Oliveira (organizadoras). – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018. 240 p. : il. ; 23 cm. – (Série Estudos do PPGD – UFMG).

[2] MARQUESE, Rafael de Bivar. A dinâmica da escravidão no Brasil: resistência, tráfico negreiro e alforrias, séculos XVII a XIX. Scielo – São Paulo. Disponível em: https://www.scielo.br/j/nec/a/xB5SjkdK7zXRvRjKRXRfKPh/. Acesso em: 26 de mar. de 2023.

[3] PINTO, Patrícia Duarte. Narrativas da abolição da escravidão no Brasil em livros didáticos de história (1889-1930). 2021. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Pelotas.

[4] BRASIL. Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003. Altera dispositivos do Decreto Lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências. Disponível: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.803.htm#art149. Acesso em: 27 de mar. de 2023.

[5] OIT. Organização Internacional do Trabalho. Manifesto digital do MPT, OIT e Unicamp mobiliza artistas no combate ao trabalho escravo no Brasil. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_767652/lang–pt/index.htm.Acesso em: 27 de mar. de 2023.

[6] CORRÊA, Gabriel. Trabalho escravo: 2.575 pessoas foram resgatadas em 2022. Agência Brasil. Publicado em 25/01/2023 – São Luís. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos.  Acesso em: 26 de mar. de 2023.

[7] ARAUJO, Keila Cássia Santos et al. Tecendo saberes com educadoras e educadores–uma proposta de Educação e Agroecologia. Cadernos de Agroecologia, v. 15, n. 2, 2020.




* Maria Helena Ferreira Brito Santos e Renato Aparecido Teixeira são acadêmicos da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientados pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Os povos tradicionais, o direito de modos de vida próprio e a nossa realidade

Os povos tradicionais, o direito de modos de vida próprio e a nossa realidade

Por Ana Roberta Cléo dos Santos Ferreira e Claudemar Alves Ferreira*

Quilombo de Raiz / Presidente Kubitscheck-MG

No decreto n° 6.040, de 7 de fevereiro de 2007[1], artigo 2º, está expresso que os povos tradicionais têm o direito de ter seus modos próprios de vida. Mas percebe-se que, na prática, o direito assegurado. Esse cenário só está assim por ação de mineradoras, garimpos ilegais e agronegócio nos territórios nos quais, teoricamente, os modos de vida tradicionais deveriam estar protegidos.

Os povos de comunidades tradicionais carregam em suas memórias, e sobretudo em suas práticas cotidianas, seja no plantio, ou no feito do alimento, tradições de suas ancestralidades, relacionadas às condições social, econômica e cultural, que sem um ambiente ecologicamente equilibrado fica inviabilizado. Têm um modo de fazer, ser e viver próprio, definido pelas relações territoriais, preservação da memória, saberes tradicionais diversos, mas sobretudo no uso de recursos naturais, ou seja, todo um patrimônio cultural material e imaterial historicamente construídos. E se reconhecem como um grupo, que são portadores de uma identidade própria e que deve ter seus direitos preservados, tal como aponta o Decreto 6040[2], no seu Inciso I, do art. 3.º, de 7 de fevereiro de 2007, que define comunidades tradicionais:

 (…) grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.

Esse mesmo decreto garante que essas identidades e modos de vida sejam garantidos, no seu artigo 2º que diz:[3] “Reconhecer, proteger e promover os direitos dos povos e comunidades tradicionais sobre os seus conhecimentos, práticas e usos tradicionais”. No entanto, para comunidades como o Quilombo de Raiz, no município de Presidente Kubitscheck/MG, onde vivem estes autores, a lei fica somente no papel, pois o direito da terra é de grandes fazendeiros. Com isso, os moradores do Quilombo de Raiz tiveram o acesso privado a essas terras, o que garantiria sua relação territorial e seus modos de próprios de vidas, pois é nessas terras que faziam suas atividades tradicionais como apanhar flores de sempre-vivas, lenha e esterco, coletar ervas medicinais etc.

Com a presença dos “homens de poder”, os moradores da comunidade encontram-se encurralados em seu próprio território, que tem grande valor patrimonial e cultural. Como resultado da ação externa tão perto, a comunidade perdeu muito do seu vínculo cultural com tradições dessas terras. O que contraria o artigo 225 da Constituição Federal de 1988[4] que afirma: “Todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida.”

Atualmente, 90% do território do Quilombo de Raiz encontra-se nas mãos de grandes donos de empreendimentos, que fazem desse território uma grande fonte de renda com a monocultura de eucalipto e a mineração, ignorando os vastos prejuízos aos verdadeiros donos e posseiros das terras, o povo quilombola. O território onde era feita a coleta de sempre vivas, frutos do cerrado, ervas medicinais entre outros, uma das formas de sustentos da comunidade, hoje está coberto pela monocultura de eucalipto e área restrita de acesso pela mineradora.        

No Brasil, são vários os direitos das comunidades tradicionais que são violados, tal como o exemplo dado. Infelizmente, a maioria desses territórios está nas mãos de grandes fazendeiros que têm apoio político. Esses, sem conhecer a realidade desses territórios ou com interesses particulares, liberam licenças de exploração das áreas, que muitas vezes resultam em grande prejuízo e destruição para a população local. Destroem o coração de um povo que vive e depende desses espaços para sobreviver, mas perdem até a dignidade. Quando chegam a promessa é sempre de trazer benefícios, o que de fato nunca acontece, pois objetivo de sempre é extrair recursos naturais para vender.

Outro exemplo de domínio de terras e destruição de população e culturas recente é o caso das terras indígenas ianomâmi, no norte do país. Ao invés de benefícios, segundo noticiado largamente[5], os invasores levaram a esses povos doenças, desnutrição, poluição de águas, abusos de toda sorte, inclusive sexual. Assim vão acabando com a memória daquele povo e de muitos outros, que em cada pedaço de seus territórios têm uma parte de suas histórias.

Na ausência de uma atuação política institucional forte, como vimos nos últimos anos de governo que permitiu que a tragédia se abatesse sobre os ianomâmis, a população deve buscar novos recursos e parcerias para reivindicar os direitos e fortalecer suas lutas. É importante, também, realizar debates nas comunidades sobre seus direitos, de maneira crítica e biscando entender o que está sendo ou pode ser violado. Há em algumas comunidades protocolos de defesa dos principais direitos, mas cabe aos moradores entenderem esses protocolos, as leis que os regem, e tê-los em mãos para buscar ajuda de autoridades sempre que necessitarem, no caso de violação dos territórios e outras violências.


[1] Disponível em <https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/94949/decreto-6040-07>. Acesso em 10 de fevereiro de 2023.

[2] [3]Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6040>. Acesso em 30 de janeiro de 2023.

[4] Disponível em:<https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10645661/artigo-225-da-constituicao-federal-de-1988>. Acesso em 05 de fevereiro de 2023.

[5] Disponível em:<https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2023/01/23/governo-bolsonaro-disse-para-onu-que-ianomamis-estavam-sendo-atendidos.htm>. Acesso em 29 de janeiro de 2023.




*Ana Roberta Cléo dos Santos Ferreira e Claudemar Alves Ferreira são quilombolas do Quilombo de Raiz e acadêmicos da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023), orientados pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Agroecologia e combate ao racismo

Agroecologia e combate ao racismo

Por Sabrina Santos Esteves e Ilza Fernandes de Oliveira*

Imagem criado pelo Bing IA,, com prompt deste ´projeto

O movimento agroecológico é muito importante no combate ao racismo, pois, além de acolher práticas de agricultura tradicional,  é antirracista na medida que é responsável por amenizar desigualdades sociais, contribuindo para o sustento de grupos mais vulneráveis, como comunidades quilombolas, indígenas, campesinas e ribeirinhas. Assim, a agroecologia é importante não só para a sustentabilidade, mas para promover o respeito às diversidades étnico-raciais com valorização, no Brasil, dos indígenas, negros e mestiços. Os movimentos devem ser entendidos juntos, pois se fortalecem e têm um diálogo histórico e coerente.

A cultura agroecológica promove a coletividade e a diversidade, viabiliza a igualdade de gêneros, possibilita espaços que valorizam os saberes populares e culturais, assim como são parte da produção de alimentos orgânicos para o sustento de famílias carentes. Quando falamos em agroecologia, é imprescindível não ter como lembrança, a imagem de pessoas negras, e qualquer prática cultural que possui vestígios desses grupos, não possuem muito prestígio , se sujeitando a sofrer vários ataques preconceituosos e racistas, inclusive de poderes econômicos que visam lucrar, por meio do desmatamento, monocultura e destruição dos solos com queimadas e agrotóxicos, deixando famílias dependentes, com seus territórios improdutivos, sendo a maioria de pardos ou negros, grupo majoritário entre as classes sociais mais baixas como se sabe.. Por isso resistir pela valorização da agricultura familiar, sustentável é considerada também uma luta antirracista. Como aponta Amorim (2022)[1]:

Em novembro, quando é comemorado o Dia da Consciência Negra, é preciso lembrar que falar sobre agroecologia e agricultura familiar também é falar sobre antirracismo. De acordo com o Censo Agropecuário de 2019, a maioria dos produtores rurais do país são negros. Em números absolutos, há 2,6 milhões de negros e 2,2 milhões de brancos.

A mulher negra, nos grupos tradicionais da agroecologia, tem um protagonismo muito forte, onde se tornam atuantes na produção de saberes e tecnologias relevantes para o processo de transformação social, como por exemplo na comunidade Macaúbas Palmito, localizada no município de Bocaiúva, que busca desnaturalizar o racismo e promover atitudes de conscientização, desenvolvendo ações que podem amenizar a desigualdade, e possibilitar melhores condições de vida para sua população. Reforçamos também a ideia de que é necessário fazer uma ressignificação da leitura histórica dos negros, tirando a imagem da escravidão, pois até os dias de hoje essa população sofre vários ataques violentos e preconceituosos, além de serem excluídos do meio social pelo sistema que concentra o poder na mão de poucos abastados, justamente aqueles cujos ancestrais, há pouco mais de cem anos, foram responsáveis pela escravidão.

As comunidades quilombolas são um grande símbolo de resistência a  essas classes dominantes, na medida que mantém sua diversidade em termos de culturas de plantio, de preservação da terra, valores, relações de trabalho etc. Nos quilombos, a agricultura local é de grande relevância para alimentação, saúde e sobrevivência das famílias daqueles territórios, além de compartilhar de práticas sustentáveis que ajudam na preservação do ambiente.  E o descaso das lutas desses quilombos por demarcação de terras ainda é muito grande em nosso país, pois as políticas públicas que dão assistência a esses grupos ainda são muito escassas. Segundo Catucci e Souza (2022)[2]:

O campo brasileiro é composto por maioria de trabalhadores negros, mas grande parte das terras não está sob sua posse. Além disso, quanto maior o território, maior o número de brancos proprietários. Em grandes propriedades, com área equivalente a cerca de 10 mil campos de futebol, 79,1% dos donos são brancos, enquanto apenas 17,4% são pardos e 1,6% são pretos, aponta o Censo Agropecuário 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

O agronegócio usa tecnologias que visam a inovação e a melhora na produtividade, mas na realidade é um fator que afeta bastante o campo agroecológico, com a inserção de máquinas que destroem os solos e promovem a desmatação. Os grupos que compõem esse meio, além de visar mais os benefícios econômicos e lucrativos, acabam explorando o trabalho da população vulnerável, o que contribui para o nível de desigualdade social.

O agronegócio é responsável pela extração limite dos recursos naturais, a exploração do trabalhador, e o incentivo ao consumo excessivo. Esse sistema traz semelhanças do “racismo estrutural”, com vestígios do colonialismo, que é responsável por dividir e organizar raças, gêneros, saberes e culturas.  Essas práticas foram originadas da cultura europeia, em que o trabalho escravo era um dos pilares do poder econômico, mostra também como determinadas classes sociais sofrem opressão e exploração por parte das classes dominantes. O agronegócio contribui para o “racismo fundiário”, pois a maior parte das terras para produção agrícola estão concentrada nas mãos de proprietários brancos que utilizam desses espaços para exportações, promovendo a monocultura e destruição do meio ambiente, enquanto os negros possuem hectares de terras menores, para o plantio do sustento familiar. Como aponta Amorim (2022) [1]:

(…) é observado, é possível perceber as heranças históricas presentes até hoje. Os negros produtores rurais são maioria apenas nas terras com menos de 5 hectares. A partir desse número e, principalmente, de 20 hectares para cima, os brancos são maioria absoluta. Ou seja, aos produtores pretos é permitido apenas o acesso a terras menores e, consequentemente, os grandes produtores, donos do agronegócio do país, são os latifundiários brancos. 

A concentração de terras na mão de poucos brancos no Brasil é resultado da forma que a abolição da escravidão foi feita, que excluiu essa população de seus direitos, deixando muitas das vezes reféns de proprietários opressores.

Pensando em todo esse discurso sobre a temática que a agroecologia ajuda a combater o racismo, consideramos a escola como um dos ambientes importantes de transformação social dos sujeitos. Nesse espaço privilegiado, junto com a comunidade, talvez fossem possíveis intervenções como desenvolver projetos de conscientização socioambiental e de valorização do trabalho comunitário, intensificando métodos e princípios da agricultura familiar. Outra possibilidade é organizar trabalhos com a temática agroecologia e racismo dentro das escolas e comunidades, para preservação do contexto cultural e fortalecimento de suas identidades, e viabilizar palestras sobre agroecologia e alimentação saudável. Concluímos reforçando que são extremamente importantes tais atividades educativas, tornando o processo de formação dos estudantes mais rico e significativo.


Referências citadas no artigo

[1] AMORIM, Roberta, Ana. A luta pela agroecologia também é uma luta antirracista. CAATINGA. Disponível em: <https://caatinga.org.br/2022/11/17/a-luta-pela-agroecologia-tambem-e-uma-luta-antirracista>. Acesso em: 25/07/2023.

[2] CATUCCI, Anaísa e SOUZA, Vivian. Racismo fundiário: negros são maioria no campo, mas têm menos terras do que brancos. G1. Disponível em: < https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2022/11/20/racismo-fundiario-negros-sao-maioria-no-campo-mas-tem-menos-terras-do-que-brancos.ghtml>. Acesso em: 25/07/2023.



*Sabrina Santos Esteves e Ilza Fernandes de Oliveira são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Agroecologia e Empoderamento Feminino

Agroecologia e Empoderamento Feminino

Por Alcione Aparecida Ferreira e Claudiana Aparecida de Paula*

A agroecologia compreende modelos alternativos de manejo, plantio e cultivo da terra, baseados em práticas sustentáveis e ecológicas. Esse modelo de produção difere significativamente do uso de fertilizantes e defensivos agrícolas, por exemplo. Um dos objetivos da agroecologia está relacionado ao uso e à conservação dos recursos naturais. Dessa forma, as práticas agroecológicas buscam respeitar o tempo e os limites da terra, utilizando adubo orgânico, cobertura do solo e consórcio de culturas. Como resultado, os alimentos cultivados são saudáveis para consumo e venda, o que contribui para a renda e sustento de muitas famílias rurais.

De acordo com o site Brasil Ecológico[1], o interesse por alimentos saudáveis e livres de contaminantes tem impulsionado o crescimento do consumo de produtos orgânicos no Brasil e no mundo. Em menos de uma década, o número de produtores orgânicos registrados no Brasil triplicou, segundo levantamento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Em 2012, havia quase 5,9 mil produtores registrados no país, e até março de 2019, esse número já ultrapassava 17,7 mil, representando um crescimento de 200%. No mesmo período, o número de unidades de produção orgânica no Brasil aumentou de 5,4 mil em 2010 para mais de 22 mil no ano passado, uma variação de mais de 300% (BRASIL ECOLÓGICO, 2019).

Observa-se que os produtos orgânicos, que anteriormente eram consumidos apenas pelos próprios produtores, estão sendo cada vez mais valorizados por diferentes grupos de pessoas no Brasil e no mundo, o que aumenta o número de produtores que adotam práticas e métodos agroecológicos.

A agroecologia não se limita apenas à produção e ao cultivo da terra, mas também dialoga com questões políticas e sociais. Em sua maioria, essas práticas são conduzidas pelas mulheres, o que contribui para a emancipação e empoderamento das mulheres do campo, cujo papel tem sido cada vez mais visível e valorizado pela sociedade. Grande parte da renda familiar é gerada pelo trabalho e esforço delas, o que lhes proporciona poder, aprendizado e pensamento crítico. Como mencionado por Farias e Schawade (2020)[2], “elas também garantem uma renda maior para a família por meio da comercialização dos produtos excedentes ao consumo próprio, além de buscarem a autonomia financeira.” O empoderamento feminino fortalece e encoraja as mulheres na luta por seus direitos de igualdade e crescimento perante a sociedade, além de proporcionar aprendizados valiosos para as novas gerações. Empoderar as mulheres, que segundo o site Varejo S.A.[3], representam a maioria no Brasil e são responsáveis por quase metade das famílias, pode resultar no desenvolvimento socioeconômico e ambiental do país.

No entanto, mesmo sendo sustentável, as pessoas que aderem ao modelo agroecológico enfrentam algumas dificuldades, como a falta de apoio da família, que muitas vezes não contribui nem na produção agrícola nem nas tarefas domésticas. Outras dificuldades recorrentes estão relacionadas à análise de custos, problemas de gerenciamento e dificuldade de competir no mercado com produtos de baixa qualidade que são vendidos a preços inferiores.

É de suma importância que os órgãos públicos estudem e trabalhem com políticas públicas voltadas para as práticas agroecológicas, de forma a esclarecer e incentivar as pessoas a consumirem alimentos saudáveis, livres de fertilizantes e agrotóxicos. Isso é fundamental, pois contribui para a economia em saúde e deveria ser um direito de todos. Além disso, é importante abordar o tema da agroecologia nas escolas e comunidades, apresentando os benefícios dessas práticas. Oferecer cursos para a comunidade escolar que ajudem na compreensão e no planejamento coletivo ou individual do cultivo e gerenciamento dos negócios, bem como buscar assistência técnica que auxilie na produção e no gerenciamento. Grupos de trabalho, coordenados por agentes locais como prefeituras ou CRAS, podem incentivar parcerias entre os produtores para a produção e comercialização de seus produtos, além de participar de projetos e editais que fortaleçam as práticas agroecológicas.


Referências utilizadas no texto

[1] <http://www.agroecologia.gov.br/noticia/em-7-anos…>

[2] <https://olma.org.br/2020/07/14/feminismo-e-agroecologia/>

[3] <https://cndl.org.br/varejosa/author/fernanda/>



*  Alcione Aparecida Ferreira e Claudiana Aparecida de Paula são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Racismo estrutural e transformação: realidade brasileira

Racismo estrutural e transformação: realidade brasileira

Tiago Aparecido da Silva*

 

No Brasil, o preconceito racial é evidente, construído desde a época da escravidão, quando a sociedade colocava aqueles considerados de “raça negra” na subalternidade. Isso resulta em altas porcentagens de mortes na população negra e desigualdades em todas as estruturas de poder, empregos e relações econômicas, conforme destaca Silvio Almeida, em entrevista a Djamila Ribeiro, 2020[1], “não existe racismo que não seja estrutural”.

A ausência de pessoas negras em cargos de liderança nas grandes empresas reforça a percepção da desigualdade. Há segregação até em locais públicos, como estádios, onde torcedores arremessam bananas em campo com o intuito de insultar jogadores negros chamando-os de macacos, uma situação que infelizmente ocorre com frequência. Nas novelas, a representação da maioria das empregadas domésticas como negras também ilustra esse cenário.

A desigualdade de oportunidades e renda acentua o abismo social entre brancos e negros, como reportado em 2018 pelo jornalismo do G1[2]. Os empregos considerados de elite são predominantemente ocupados por brancos, enquanto os negros têm maior presença em trabalhos mais precários e de baixa formação.

Dados revelam que, em média, 87% das vagas de professores de medicina, engenharia aeronáutica, odontologia, piloto de aeronáutica, matemática do ensino superior e projetista de máquinas são ocupadas por pessoas brancas. Por outro lado, 85% dos negros atuam em trabalhos como cultivo de dendê, trepadeiras frutíferas, criação de camarões, cultura de cacau, agente de higiene e segurança, cultura da cana de açúcar, técnicos de linhas elétricas e telefônicas. Isso mostra que os negros ainda enfrentam trabalhos árduos e com pouca formação no Brasil, evidenciando a desigualdade na distribuição de cargos e serviços superiores.

Em relação à escolaridade, embora os negros representem 54% da população brasileira, são minoria nas escolas, ocupando apenas 45,2% das vagas. Outra constatação da pesquisa é que 60% dos negros eram serventes em obras, enquanto 52% dos brancos ocupavam o cargo de mestres da obra. Essa desigualdade se estende aos sistemas prisional e judicial do país, refletindo o racismo arraigado na sociedade brasileira. Segundo o portal do Superior Tribunal de Justiça (2022)[3],

[…] o racismo estrutural está presente na atividade policial e no sistema de Justiça criminal brasileiro; afinal, os jovens negros são os maiores alvos dos agentes de segurança. Segundo o estudo, o percentual de negros entre as pessoas que já foram abordadas pela polícia chega a 63%, contra 31% de brancos, na cidade do Rio de Janeiro – cuja população total se divide em 51% de brancos, 48% de negros e 1% de outras raças. Dos que já sofreram abordagem policial mais de dez vezes, 66% são pretos ou pardos.

Esses números confirmam que, no Brasil, os que mais sofrem com a força policial são os negros, provavelmente devido a construção cultural que sempre marginalizou e associou a população negra com algo ruim. Isso vem desde a escravidão, pois a justificativa para a sua ocorrência era que os negros eram diferentes dos brancos, eram “raça” inferior, selvagens como aparece na carta de Pero Vaz de Caminha a Don João. Logo, estavam livres para escravizá-los. Após a abolição, a exploração e o preconceito não mudaram e reflete nos dias atuais. Tudo que vem do negro ainda é ruim e demonizado pela sociedade, sua dança, sua música, seu modo de vestir, suas crenças.  

É necessário que haja representatividade negra em todos os setores e locais, especialmente naqueles onde são tomadas as principais decisões sobre o país e a população. Ninguém melhor que um negro com consciência de classe para falar sobre o que um negro vive no Brasil. Nos lugares certos, poderão criar novas políticas públicas que visem à igualdade racial e à justiça social, com ampliação de oportunidades desde a educação infantil.


Referências citadas no texto

[1] Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ZADKtsNnx74>. Acesso em: 23/03/2023.

[2] GOMES, Helton Simões. Brancos são maioria em empregos de elite e negros ocupam vagas sem qualificação. G1, 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/brancos-sao-maioria-em-empregos-de-elite-e-negros-ocupam-vagas-sem-qualificacao.ghtml>. Acesso em: 23/03/2023.

[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Notícias. O negro como alvo: a questão do racismo estrutural nas investigações criminais. Brasília DF: Superior Tribunal de Justiça, 2022. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/20112022-O-negro-como-alvo-a-questao-do-racismo-estrutural-nas-investigacoes-criminais.aspx>. Acesso em 20/03/2023.




* Tiago Aparecido da Silva é acadêmico da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

O machismo é prejudicial aos homens

O machismo é prejudicial aos homens

Airton Alves Chaves Junior e Alexandre dos Santos Baldaia *

 

 


O machismo prejudica a socialização e o bem-estar de mulheres e homens e afeta relações familiares e interpessoais. Enquanto os danos para as mulheres são conhecidos, pouco se discute sobre o impacto na vida e na saúde dos homens.

 Como nos alerta Santos (2021)[1]:

(…) aspectos negativos do processo de socialização masculina são o estímulo a comportamentos de risco como prova de masculinidade, o afastamento das práticas de cuidado e convivência no ambiente familiar e doméstico, a ausência de contato ou negação de emoções que conotem fraqueza ou fragilidade.

No imaginário popular, a ideia de masculino está ligada ao ato de prover e proteger, bem como mostrar força e reprimir emoções que possam demonstrar vulnerabilidade. Na cultura machista, é comum a crença de que homens fortes, como esperam, não choram, não sofrem e devem ser fortes.

Essa mentalidade machista reprime, humilha e afeta a saúde mental e física dos homens, o que resulta em outros problemas associados à masculinidade violenta. Sousa (2005) revela que: “No Brasil, os homens vivem, em média, sete anos a menos que as mulheres e esse número, certamente, está ligado à toxicidade da masculinidade”.[2] O autor também cita algumas estatísticas:

Dos 15 aos 19 anos, os homens morrem 6.3 vezes mais que as mulheres; dos 20 aos 24 anos suas taxas são 10.1 vezes maiores que as das mulheres. Nos homicídios esse risco é de quase 12 óbitos masculinos em relação a cada morte feminina (SOUSA, 2005).

Existe certo consenso que o machismo mata os homens, principalmente, por três motivos: descaso com a saúde, relação perigosa com álcool, direção agressiva. A negligência em relação à saúde masculina é frequente, o que inviabiliza diagnósticos mais prematuros, profilaxia, controles, que diminuíram a mortalidade de diversas doenças, e diminui a expectativa de vida. Segundo Tenório (2019)[3], “[n]o Brasil, quase 40% dos homens até 39 anos e 20% daqueles com mais de 40 só vão ao médico quando se sentem mal. Boa parte deles não tem ideia de como anda o coração nem faz exames cardiológicos”.

Existe um senso comum de que o machismo é benéfico para os homens, pois supostamente eles não sofrem, não são frágeis ou adoecem. No entanto, essas ideologias são mentirosas e prejudiciais, pois práticas com graves consequências tanto para os homens quanto para a sociedade.

Para reduzir o machismo, é fundamental discutir e refletir sobre a cultura machista tóxica e o papel de homens e mulheres nas divisões do trabalho, incluindo tarefas domésticas, democracia, práticas agroecológicas, entre outros aspectos. Nesse sentido, é possível propor intervenções, como projetos que abordem questões relacionadas à saúde masculina em diferentes espaços e contextos, como comunidades e escolas. Um exemplo de campanha que já traz práticas nesse sentido e pode ser estendido ao longo do ano é a Novembro Azul, que busca conscientizar sobre a saúde masculina e promover discussões sobre as causas e consequências do descaso em relação à saúde.


Referências citadas no texto

[1] https://www.bulbapp.com/u/machismo-masculinidades-ressocializa%C3%A7%C3%A3o-do-autor-de-viol%C3%AAncia-contra

[2] https://www.scielo.br/j/csc/a/5QrxkHxfMdzwgCRVjPXf8yh/?lang=pt#

[3]  https://saude.abril.com.br/medicina/pesquisa-mostra-onde-os-homens-pisam-na-bola-com-a-saude/?_gl=1*d5gsl1*_ga*SFRibmxKT0RfRHlfSmtZNWhDVFlWNDNad1EtMnQ4cmxrRTRQNlI3NGx0SndnQ0p2bDdTdEdqbFhQR05Ua1JtRA




* Airton Alves Chaves Junior e Alexandre dos Santos Baldaia são acadêmicos da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Agroecologia, soberania e segurança alimentar em comunidades quilombolas

Agroecologia, soberania e segurança alimentar em comunidades quilombolas

Por Sunamita Nelma Ferreira Alves *

A agroecologia abrange diversas práticas agrícolas que asseguram a soberania e a segurança alimentar nas comunidades Quilombolas. A abordagem para lidar com a terra pode variar conforme a região, povo e condições climáticas. Contudo, um fator crucial para determinar qual prática adotar é a cultura de plantio local, que se relaciona com os conhecimentos transmitidos pelas gerações anteriores. O modo de plantar e cultivar a terra visando uma produção ecológica, em que as famílias assumem o protagonismo, resulta em alimentos saudáveis e contribui para uma melhor qualidade de vida.

A agroecologia é amplamente aplicada nas terras Quilombolas do Brasil, geralmente em pequenos quintais ou roças de toco. Essa prática está centrada na preservação da natureza e na garantia da segurança alimentar das famílias. O manejo do solo adotado nas comunidades Quilombolas consiste em produzir na estação apropriada o que a terra naturalmente oferece, utilizando poucos ou nenhum fertilizante. Essa abordagem está intrinsecamente relacionada aos povos do campo e às tradições que mantêm vínculos com a terra e seus territórios. Os habitantes dessas áreas reconhecem-se como parte do ambiente de plantio, conhecendo cada lugar pelo nome, em que cada denominação carrega o peso de uma história ancestral.

As práticas agroecológicas constituem uma parte essencial da cultura na comunidade Quilombola de Raiz, garantindo a soberania alimentar para sua população. A arte de escolher quais alimentos produzir, como produzi-los e como distribuí-los é um aspecto crucial para determinar quais alimentos serão consumidos, assegurando, assim, a segurança alimentar e nutricional.

Ao falar em alimentos nutritivos, a agroecologia emerge como o caminho para uma vida saudável e a conquista da soberania alimentar. Os povos Quilombolas, enraizados em suas culturas, adotam práticas comuns para o desenvolvimento da agricultura de forma sustentável e ecológica, fundamentada em princípios sólidos, historicamente construídos. Segundo Primavesi (2008, p. 3) [1]:

A Ecologia se refere ao sistema natural de cada local, envolvendo o solo, o clima, os seres vivos, bem como as inter-relações entre esses três componentes. Trabalhar ecologicamente significa manejar os recursos naturais respeitando a teia da vida. Sempre que os manejos agrícolas são realizados conforme as características locais do ambiente, alterando-as o mínimo possível, o potencial natural dos solos é aproveitado. Por essa razão, a Agroecologia depende muito da sabedoria de cada agricultor desenvolvida a partir de suas experiências e observações locais. 

A produção e manejo do solo são variáveis de acordo com a região e cultura. Encontramos cultivos em quintais, hortas isoladas, campos de produção e pequenos quintais. Algumas produções são completamente naturais, enquanto outras dependem da estabilização do solo, da matéria orgânica presente no local de plantio, do tipo do terreno e sua localização geográfica, seja plano ou em colinas. No Quilombo de Raiz, situado na porção meridional da Serra do Espinhaço, onde esta autora reside, não é diferente.

Em meio ao cerrado, próximo à nascente do rio Jequitinhonha, para garantir a segurança alimentar das famílias que ali residem, são utilizadas práticas agroecológicas, como o cultivo em pequenos quintais e roças de toco. Esses espaços são escolhidos por possuírem maior quantidade de matéria orgânica e geralmente ficam próximos a afluentes de água, proporcionando um solo mais fértil e produtivo. O desbravamento desse espaço é realizado com respeito à natureza, e o cultivo pode durar de um a dez anos, momento em que o agricultor, com seu conhecimento acumulado, compreende a necessidade de descanso do solo, migrando o plantio para um novo local semelhante, permitindo que o solo descanse e recupere suas características naturais.

Esse manejo está intrinsecamente ligado à cultura e assegura a soberania alimentar no Quilombo. As famílias produzem seguindo conhecimentos transmitidos de geração para geração. Os plantios são realizados de acordo com as fases da lua, que, segundo os agricultores, exercem uma influência significativa sobre a produção, conforme a sabedoria transmitida pela agricultura tradicional. Em entrevista para este projeto, uma agricultora que preservaremos a identidade relata:

Nós fazemos as plantações tanto nas roças como também nas hortas segundo as fazes da lua, o que se produz na horta são hortaliças diversas e essas necessitam da fase certa da lua para um bom resultado, hoje se vê muito dizer que isso não interfere e que também não tem nada a ver, que se plantar de qualquer forma vai produzir, porém segundo a nossa experiência isso não funciona, se plantados em lua errada o resultado jamais será o mesmo. As roças por exemplo, uma grande plantação de milho, feijão ou mandioca, pode dar caruncho, broca e perder muito daquela plantação, a batata doce por exemplo, fica amarga e cheia de caruncho além de cair muito na produção.

Ao analisar o relato da agricultora, é possível identificar as particularidades da produção exclusiva do Quilombo de Raiz. Esse quilombo, localizado em meio a colinas, adota uma produção inteiramente orgânica, o que garante alimentos de qualidade nas mesas das famílias. Para alcançar o equilíbrio entre a produção e o manejo de pragas, é necessária muita sabedoria, pois compreendem que nenhuma forma de vida deve ser exterminada e que há uma ampla cadeia natural em jogo. Portanto, a decisão de não utilizar produtos sintéticos para a proteção e controle de pragas requer um vasto conhecimento tradicional, transmitido de forma oral.

Vale ressaltar que nesse Quilombo, as famílias realizam as plantações em trabalho conjunto, onde todos colaboram: homens, mulheres e crianças, todos participam ativamente no processo da produção. É um quilombo liderado por mulheres jovens e essa liderança aparece em todas as partes, desde o momento de buscar políticas públicas para a produção até os projetos de escoação dos produtos. Essas lideranças buscam projetos para escoação como Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) [2]. O programa da esfera federal realiza a compra da produção agrícola de muitas famílias, a fim de alimentar outras. Assim, além de garantir a renda de muitas comunidades, o PAA acaba com a fome de inúmeras famílias, com uma boa oferta de alimentos saudáveis. Há também o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) [3], que, diferentemente do primeiro, garante a segurança alimentar nas escolas, mas também compra os alimentos produzidos pela agricultura familiar.

Assim como em outras comunidades Quilombolas, no Quilombo de Raiz, as mulheres assumem a dianteira nas múltiplas tarefas, buscando constantemente meios de sustentar a renda da comunidade. Embora todos desempenhem seu trabalho, são elas que se destacam nessa busca. A prática da agricultura é comum nesse cenário, e o manejo ecológico do solo assegura a soberania alimentar na comunidade. Através da agroecologia, o solo ganha vida e se torna nutriente. Como afirma Primavesi (2008, p. 3) [1]:

Um solo vivo pressupõe a presença de variadas formas de organismos interagindo entre si e com os componentes minerais e orgânicos do solo. Essa dinâmica biológica exerce uma função essencial na agregação do solo, de modo a torná-lo grumoso e permeável para o ar e para a água. Além disso, são esses organismos que mobilizam os nutrientes e os disponibilizam para as plantas.

É notável a relevância da produção agroecológica nas terras Quilombolas, pois proporciona a soberania alimentar para diversas famílias e instituições públicas, como escolas, uma vez que os alimentos provenientes da agroecologia garantem a segurança alimentar. Ao contrário de todo este movimento pela saúde, condições de trabalho e sobrevivência da população, temos uma luta política que perpassa falas contra a demarcação de terras quilombolas pelo ex-presidente da república e um movimento pela aprovação do marco temporal, que, na prática impediria novas demarcações no país, como pode se acompanhar na imprensa.

É um absurdo a defesa de pautas desse tipo, pois há uma dívida histórica e um genocídio desses povos que não cessaram. Adicionalmente, quem sustenta o Brasil são os PCTs (Povos de Comunidades Tradicionais) e quilombolas. A demarcação dessas terras é garantida na legislação brasileira na Organização Internacional do Trabalho – OIT 169 [4] , no plano nacional de PCT. Portanto, cabe ao Estado garantir tais direitos e agir em favor dos povos que trabalham pela manutenção da terra e pela soberania alimentar.

Compete aos povos tradicionais a luta pela implementação das políticas públicas, enquanto cabe ao Estado a execução dessas mesmas políticas, visando alcançar a soberania alimentar. Para a aplicação efetiva de uma política de segurança e soberania alimentar, baseada na agroecologia, é imprescindível que os povos tradicionais e Quilombolas tenham acesso à terra. A tradição não pode ser dissociada do território, pois a disponibilidade de alimentos e água de qualidade nas mesas é resultado do cuidado e do cultivo realizado pelos quilombolas e povos tradicionais em seus territórios, assegurando, assim, a soberania alimentar.


Referências citadas no texto

[1] https://www.bibliotecaagpta.org.br/agricultura-novo/agroecologia-artigos/

[2] https://www.gov.br/pt-br/noticias/agricultura-e-pecuaria/2020/01/entenda-como-funciona-o-programa-de-aquisicao-de-alimentos

[3] https://www.gov.br/fnde/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/programas/pnae

[4] https://portal.antt.gov.br/conven%C3%A7cao-n-169-da-oit-povos-indigenas-e-tribais

 



* Wesley Moreira dos Santos Paranhos é acadêmico da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Alimentação saudável e saúde mental

Alimentação saudável e saúde mental

Adilson Santos e Solidade Figueira*

Com certeza, em algum momento, você já deve ter ouvido o seguinte ditado popular: “Você é o que você come.” Este ditado carrega consigo diversas verdades. De acordo com Televita (2017)[1], uma alimentação saudável também impacta positivamente na saúde mental, podendo inclusive auxiliar na recuperação de transtornos mentais, como ansiedade e depressão. É imprescindível para a sobrevivência que uma boa alimentação, aliada a outras práticas de autocuidado, traga benefícios satisfatórios para a autoestima e o bem-estar.

Não é novidade que a saúde mental é tão importante quanto a saúde física, uma questão que ganhou bastante destaque atualmente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como um “estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença” (GOV.BR, 2020)[2]. São muitos os transtornos que se desenvolvem devido a diversos fatores e comportamentos, como estresse, preocupação e nervosismo. Atualmente, a depressão e a ansiedade são dois dos principais transtornos mentais que afetam as pessoas (SCIELO, 2018)[3].

Um dos fatores que influenciam o desencadeamento desses transtornos é o consumo de alimentos pobres em nutrientes, tais como carboidratos ruins, fast-foods, alimentos processados, entre outros. Segundo o agricultor e psiquiatra da Universidade de Columbia, em Nova York, Drew Ramsey, uma dieta deficiente é um dos maiores fatores que contribuem significativamente para o desenvolvimento da depressão (ASBRAN, 2019)[4]. Esse tipo de dieta, além de causar inflamações, prejudica também a formação dos neurotransmissores devido à ausência de certos nutrientes essenciais para sua composição. É por esse motivo que o intestino também é chamado de segundo cérebro.

Um dos neurotransmissores mais conhecidos e de grande importância para o organismo é a serotonina, também conhecida como hormônio da felicidade. Seu precursor é o aminoácido triptofano, que, quando consumido em grandes quantidades, provoca uma alteração positiva e significativa no humor. No entanto, esse aminoácido não é produzido pelo nosso organismo, sendo necessário obtê-lo por meio da ingestão de alimentos que o contenham ou por meio de suplementação. É por esse motivo que uma alimentação saudável pode influenciar positivamente na saúde mental.

Alguns alimentos, como queijo, ovos, amendoim, banana, cacau e abacate, que possuem o desejado aminoácido triptofano, devem estar presentes na alimentação, já que sua ingestão promove a produção de serotonina, responsável pelo bem-estar e pela regulação do humor, apetite, sono, libido e outras funções do organismo. Além da serotonina, vitaminas do complexo B, magnésio e ômega 3 também auxiliam na manutenção do equilíbrio entre as células nervosas e outras células, conforme informado pelo site Tua saúde (2023)[5].

Apesar de sabermos da importância da alimentação saudável para essas e outras funções na vida humana, é importante ressaltar as dificuldades em manter esse hábito. Os alimentos saudáveis, ou in natura, são de difícil acesso e, geralmente, possuem preços mais altos nos mercados e feiras em comparação aos alimentos processados. Segundo matéria do Correio Braziliense (2021) [6]:

O custo médio de uma alimentação saudável é cinco vezes mais alto do que o preço de uma refeição com baixo teor nutricional”, afirma Rafael Zavala, representante da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) no Brasil, em entrevista ao programa CB.Agro, uma parceria entre o Correio e a TV Brasília.

Além do alto preço desses produtos, que torna a alimentação saudável inacessível para muitas pessoas, outro fator relevante para explicar por que as pessoas se alimentam de forma inadequada, tendo a “falta de tempo” como justificativa para optar por alimentos “prontos”, devido à praticidade de consumo e preparo, além da falta de educação alimentar, uma vez que muitas pessoas não escolhem os alimentos com base em seu valor nutricional.

A indústria alimentícia também atrai os consumidores com receitas que utilizam diversos nutrientes de baixo valor nutricional, como gorduras, açúcares, sal e aromatizantes, tornando esses tipos de alimentos mais atrativos. Fast foods e serviços de entrega também são exemplos que ganharam grande visibilidade e têm “facilitado” a vida dos consumidores, que renunciam a uma boa alimentação, e muitas vezes pagam com a saúde.

Diante de todos os empecilhos, só mesmo com planejamento, organização, escolhas conscientes e condição financeira para arcar com os custos dos alimentos orgânicos, produzidos e cozidos de forma adequada. Para alcançar a soberania alimentar, é preciso investir mais na agricultura sustentável, dando protagonismo à agroecologia. Essa abordagem é responsável por incorporar em suas práticas questões sociais, culturais, ambientais e éticas. Só políticas públicas podem possibilitar acesso a alimentos saudáveis mais acessíveis. Deve fomentar educação para a agroecologia, infraestrutura adequada para todo tipo de agricultor, oferta de insumos, máquinas e formação para alimentação saudável. Fortalecer as iniciativas agroecológicas é fundamental, pois são benéficas para o planeta, para o ser humano e para o equilíbrio entre o corpo e a mente.

Referências utilizadas neste artigo de opinião:

[1] https://plus.google.com/share?url=https://www.telavita.com.br/blog/alimentacao-saudavel-na-saude-mental

[2] bvsms.saude.gov.br/05-8-dia-nacional-da-saude/

[3] www.scielo.br/j/sdeb/a/Y36fDqvZL5Js4nnWpXrYpBb/?lahttpsng=pt

[4] www.asbran.org.br/noticias/em-estudo-a-alimentacao-e-impacto-na-saude-mental

[5] www.tuasaude.com/omega-3/

[6] www.correiobraziliense.com.br/economia/2021/10/4955681-comida-saudavel-custa-5-vezes-mais-caro-diz-representante-da-fao-no-brasil.html




* Adilson Santos e Solidade Figueira são acadêmicos da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientados pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Agroecologia e Meritocracia

Agroecologia e Meritocracia

Por Wesley Moreira dos Santos Paranhos *

O idealismo da meritocracia capitalista é um pilar estrutural das desigualdades socioeconômicas existentes tanto no campo quanto na cidade. Amplamente difundido na sociedade contemporânea, o termo propõe a existência de uma sociedade ideal composta por “vencedores natos” que, ao superarem todas as adversidades[1], conquistariam seu lugar ao sol. Esse discurso tem sido incorporado ao arcabouço ideológico do neoliberalismo[2], que defende a competição como força motriz da economia e acredita que a “competição justa” leva ao sucesso individual e coletivo. No entanto, essa argumentação é contraditória, uma vez que aqueles que defendem a conquista pelo mérito pessoal são denunciados por uma estrutura de privilégios arraigada em todas as camadas sociais, que busca manter o status quo dos modos de produção (HARVEY, 2005)[3]. Ignoram completamente a complexidade da existência humana, na qual fatores externos como situação socioeconômica, raça, gênero, orientação sexual, disponibilidade de recursos e oportunidades atuam como potencializadores ou inibidores do sucesso. Pregar a meritocracia como justiça em uma sociedade que alimenta suas desigualdades é uma compreensão simplista e fantasiosa do mundo. Essa interpretação, difundida e aceita pelo público, valida os modelos dominantes de opressão, desmobiliza as lutas de classe e intensifica as desigualdades socioeconômicas, tanto no campo quanto na cidade.

Desde a criação das sesmarias, regime no qual as terras eram cedidas segundo a capacidade de exploração de cada requerente, e que naturalmente exigia trabalho escravo (ZENERATTI, 2021)[4], o Brasil sempre sustentou uma ideia extremamente imperialista quanto às suas relações com a terra, o trabalho e os privilégios. Esse legado persiste atualmente devido às concentrações fundiárias do agronegócio, geralmente promovidas pela apropriação de terras públicas, o que resulta em aumento da precarização do trabalho e da dominação violenta de povos tradicionais (ASSUNÇÃO & DEPIERI, 2022)[5]. Não é por acaso que, após a política conservadora neoliberal intensificar a destruição dos direitos trabalhistas, ocorrem tantas denúncias de trabalho análogo à escravidão, como os ocorridos no Rio Grande do Sul (XAVIER, 2023)[6].

Assim, o agronegócio pode ser entendido como expressão do capitalismo institucionalizado no campo brasileiro. Além disso, as empresas que prestam serviços por aplicativos, embora com uma proposta diferente, geram resultados semelhantes. Em tempos de crise no mercado de trabalho, muitas pessoas assumem jornadas longas com baixa remuneração em esquemas que beneficiam apenas os empregadores, os quais encontram na terceirização uma forma de se eximir das responsabilidades trabalhistas. Podemos observar que essas mesmas relações predatórias se manifestam tanto no campo quanto na cidade, evidenciando a era da precarização laboral (OLIVEIRA; MOITA e AQUINO, 2016)[7]. O status quo e a exploração continuam em alta. Essas dinâmicas trabalhistas, cada vez mais normalizadas, revelam uma nova faceta da meritocracia que é ocultada por seus maiores defensores. Tanto a existência dos latifúndios quanto a propriedade privada dos meios de produção exercem uma pressão socioeconômica semelhante em uma dinâmica de classes. Enquanto um pequeno grupo obtém altas taxas de lucratividade por meio da exploração do trabalho alheio, outro grupo é cada vez mais fragilizado pelas mazelas de uma estrutura de concentração de renda institucionalizada e mantida pelo capital político, o qual desempenha um papel determinante na crítica da meritocracia como uma competição justa para a ascensão social.

Desde a grande carga tributária destinada ao consumo (FARIA, 2023)[8], até os ataques neoliberais aos sindicatos dos trabalhadores (OLIVEIRA, 2020)[9], não se pode negar a importância da representatividade política de peso na defesa dos interesses das lutas de classes. O agronegócio, por exemplo, possui uma das bancadas mais bem organizadas no parlamento, o que não é surpreendente, considerando sua sustentação na exploração indiscriminada da natureza, acumulação de grandes riquezas por meio de trabalho “análogo à escravidão”, apropriação de terras públicas e de territórios tradicionais. Fica a questão de como um vereador pode defender tais práticas[10], evidenciando a manifestação mais pura da defesa de seus interesses privados, que são meramente negócios. Esses episódios levantam a reflexão sobre se o trabalhador médio possui representantes com determinação ferrenha e capital político para defendê-lo, enquanto seus empregadores certamente possuem. Assim, é revelado um padrão de que a “riqueza advém do trabalho” e, se houver excessiva concentração, é provável que a pessoa errada esteja se beneficiando dele. Esse é apenas um exemplo de como o capital político pode ser usado a favor ou contra uma determinada classe, e aqueles que possuem os melhores representantes diante do estado certamente terão maiores chances de sucesso.

Enfatizo a característica central da meritocracia na agenda neoliberal: a vitória individual manifestada pelo consumo. Essa noção atribui ao indivíduo a responsabilidade exclusiva por suas conquistas e fracassos, algo que já vimos anteriormente não ser tão simples. Além disso, classifica-os hierarquicamente com base em seus padrões/quantidades de consumo. Nessa narrativa, o colega de trabalho, que vive em um cenário socioeconômico semelhante, não é visto como amigo, mas sim como concorrente. E o chefe que o oprime não é considerado inimigo, mas sim um ideal de sucesso, o que Freire chama de a “Pedagogia do Oprimido”, título de uma de suas obras mais expressivas (FREIRE, 1987)[11].

O que mais impressiona nessa narrativa é a disseminação generalizada e espontânea que ela possui em nossa sociedade, mesmo que muitos a propaguem sem sequer compreender a agenda que estão defendendo. Nessa estratégia, pessoas da mesma classe, do mesmo sangue, da mesma luta, são colocadas umas contra as outras em discussões ideologizadas, beneficiando apenas aqueles que buscam manter as atuais contradições e usando o povo como massa de manobra. Ao atacarem seus vizinhos, perdem o foco do verdadeiro inimigo e, muitas vezes, do causador de suas angústias. Isso desmobiliza a organização popular, que é a única arma daqueles que não se beneficiam de dividendos e especulação imobiliária. Até mesmo o empreendedorismo absorveu essa abordagem, criando aversões e conflitos que levam à individualização das lutas sociais, esvaziando os sindicatos e movimentos que garantem os direitos da classe trabalhadora, o que, logicamente, apenas aumenta o abismo social entre a classe trabalhadora e a burguesia, mais uma vez questionando a validade da meritocracia.

Diante de todo o exposto, o problema da meritocracia está intrinsecamente ligado a diversos fatores estruturais de nossa sociedade, que se organizam em torno de uma lógica de mercado. Portanto, seria improvável criar uma intervenção eficiente e duradoura para esse problema sem uma mudança de igual magnitude. Um movimento inicial de transformação deve se basear na implementação de novas políticas públicas que revisem os modelos de produção, trabalho e privilégios existentes tanto no campo quanto na cidade. Isso também incluiria a análise das estruturas políticas que beneficiam as elites dominantes, como a alta carga tributária direcionada ao consumo e os ataques neoliberais aos sindicatos dos trabalhadores. No entanto, em um último estágio dessa mudança, que se aproxima de uma revolução, seria necessário abandonar o último vínculo que nos prende a essas estruturas de dominação: a superação do sistema capitalista.

Referências citadas no artigo

[1] BRONDI, Paulo. Limbo meritocrático. Brasil de Fato. dez. 2021. Acesso em: https://www.brasildefato.com.br/2021/12/02/limbo-meritocratico

[2] ESQUERDA. David Harvey: O neoliberalismo é um projeto político. 2016. Acesso em: https://www.esquerda.net/artigo/david-harvey-o-neoliberalismo-e-um-projeto-politico/43872

[3] HARVEY, David. O neoliberalismo. História e implicações. São Paulo: Loyola, 2005

[4] ZENERATTI, Fábio Luiz. O acesso à terra no Brasil: reforma agrária e regularização fundiária. Revista Katálysis, v. 24, p. 564-575, 2021. Acesso em: https://www.scielo.br/j/rk/a/stvqSwRD88wztYbCpGvSB4t/abstract/?lang=pt

[5] ASSUNÇÃO, Matheus Gringo de; DEPIERI, Marcelo Alvares de Lima. O agronegócio como elemento potencializador das desigualdades no campo no Brasil. Tricontinental. 2022. Acesso em: https://thetricontinental.org/pt-pt/brasil/o-agronegocio-como-elemento-potencializador-das-desigualdades-no-ca mpo-no-brasil/

[6] XAVIER, Getúlio. PF faz nova operação contra vinícolas flagradas com trabalho escravo. Carta Capital. 2023. Acesso em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/pf-faz-nova-operacao-contra-vinicolas-flagradas-com-trabalho-escravo/

[7] OLIVEIRA, Eveline Nogueira Pinheiro de; MOITA, Dimitre Sampaio; AQUINO, Cassio Adriano Braz de. O empreendedor na era do trabalho precário: relações entre empreendedorismo e precarização laboral. 2016. Acesso em: https://repositorio.ufc.br/handle/riufc/52938

[8] FARIA, Glauco. Tributação tem tudo a ver com a luta de classes”, afirma Pedro Rossi. Brasil de Fato. 2023 Acesso em: https://www.brasildefators.com.br/2023/01/26/tributacao-tem-tudo-a-ver-com-a-luta-de-classes-afirma-pedro-rossi

[9] OLIVEIRA, Caroline. Por mais lucro, os neoliberais atacam sindicatos para desorganizar trabalhadores. Brasil de Fato. 2020. Acesso em: https://www.brasildefato.com.br/2020/05/01/por-mais-lucro-neoliberais-atacam-sindicatos-para-desorganizar-trabalhadores

[10] REDAÇÃO G1. Vereador do RS que discursou contra baianos é alvo de pedidos de cassação; MPT apura apologia ao trabalho escravo. G1 – Rio Grande do Sul. 2023. Acesso em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2023/03/01/vereador-do-rs-que-discursou-contra-baianos-e-alvo-de-pedidos-de-cassacao-mpt-apura-apologia-ao-trabalho-escravo.ghtml

[11] FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.


 



* Wesley Moreira dos Santos Paranhos é acadêmico da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Invertendo a narrativa: a verdade por trás do estupro

Invertendo a narrativa: a verdade por trás do estupro

Por Adelaine Aparecida Santos e Maria Madalena de Oliveira Gomes*

A discussão que aqui nos propomos refere-se a desconstruir a culpabilização da vítima nos casos de estupros, comum na cultura do estupro em que estamos imersas. Apesar de ser meio óbvio que o estupro não seja causado pelas mulheres, vítimas na grande parte dos casos, percebemos que parte da sociedade não acredita na vítima e chega a culpá-la por, por exemplo, serem provocativas ao usarem certas vestimentas.

Destacamos, portanto, a importância de fornecer o apoio necessário às vítimas, uma vez que ocasionalmente não recebem o apoio adequado. O estupro é um dos crimes mais violentos, pois afeta o estado físico e emocional das vítimas. De acordo com o Código Penal Brasileiro, Lei nº 12.015 de 2009, considera-se estupro constranger alguém, violentar, ameaçar, coagir, agredir, oprimir, assediar, intimidar, forçar e praticar atos carnais sem o consentimento. A pena no Brasil varia de 12 a 30 anos, dependendo da conduta do agressor.

Segundo dados do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 180 mulheres são estupradas por dia no Brasil. Em uma publicação do Correio Braziliense por Thay Martins e Cristiane Norberto, foi relatado o caso de Maria Ferrer, que foi estuprada em 2018 pelo empresário André Aranha. O sistema judicial apresentou falhas ao absolver o empresário da acusação por falta de provas, em uma votação de três votos no TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina). Essa decisão levanta sérias preocupações sobre a capacidade do sistema de agir diante de casos de violência sexual. Apesar das evidências apresentadas, como o laudo médico do recente rompimento do hímen, a perícia que encontrou o sêmen, materiais de DNA comprovando a compatibilidade, imagens de câmeras e depoimentos de testemunhas, o caso de Maria Ferrer é um exemplo contundente das inúmeras dificuldades enfrentadas pelas vítimas de estupro na busca por justiça. Ele revela, de maneira inegável, como a cultura do estupro exerce um impacto profundamente negativo no acesso efetivo à justiça. Majoritariamente, as mulheres nestes casos não são bem-vistas por causa do machismo.

Apesar das notícias citadas, os números de casos são muito maiores do que os denunciados. Isso ocorre porque, na maioria das vezes, a vítima se sente acuada diante dos constantes julgamentos. No entanto, a denúncia é um dos primeiros passos que a mulher dá em busca de justiça. Em alguns casos, as mulheres podem se sentir completamente alienadas, resultando em uma diminuição da capacidade de pensar e reagir. Esse processo de alienação muitas vezes leva à negação, na qual a mulher se culpa e se torna vulnerável, resultando em sintomas psiquiátricos evidentes. O estupro tem consequências severas e devastadoras.

Em um artigo escrito pela Secretaria da Mulher Trabalhadora (CUT), publicado por Mara Feltes, comenta-se que “o estupro não é culpa da mulher e nem da roupa que ela usa”. O problema é de caráter estrutural e precisa ser abordado em conjunto nas escolas, comunidades e na sociedade em geral. Outro ponto expressado por Feltes diz respeito aos ensinamentos transmitidos aos filhos. Eles devem aprender questões como o fato de que o corpo da mulher pertence à mulher, ela pode usar a roupa que quiser, ir aonde quiser e suas opiniões devem ser respeitadas, assim como o “não é não”. Não é necessário ensinar as mulheres a se vestirem ou a não saírem pelas ruas; o que precisa ser ensinado é o respeito mútuo, independentemente de gênero, vestimenta ou local onde estejam.

O artigo intitulado “Cultura do estupro: prática e incitação à violência sexual contra a mulher” provoca uma reflexão profunda sobre os atos de violência presentes em nossa sociedade. O texto ressalta que os estupradores podem ser encontrados em todas as esferas da sociedade, independentemente de sua posição social ou classe. Por meio de atos violentos e desprezíveis, eles abusam das vítimas contra sua vontade, violando seus direitos mais básicos. É importante salientar que a busca pela satisfação do agressor se manifesta de diversas maneiras, mas nenhuma delas justifica a agressão. A violência contra as mulheres é uma clara manifestação da desigualdade de gênero presente em nossa sociedade. É alarmante constatar que uma parcela significativa das vítimas são pessoas de baixa renda, evidenciando como essa forma de violência impacta desproporcionalmente os segmentos mais vulneráveis da população.

A violência ocorre em diversos ambientes, muitas vezes até mesmo dentro do ambiente familiar. No entanto, não se limita a isso; também pode ocorrer no trabalho, em festas, escolas, faculdades e nas ruas. O preocupante é que, na maioria dos casos, os agressores são pessoas conhecidas das vítimas, o que torna a situação ainda mais chocante, pois a vítima não esperava por tal agressão. Diante desse contexto, é urgente uma reavaliação da percepção social em relação a certas práticas. É crucial reconhecer que algumas delas, como beijo não consentido e sexo oral não consensual, também se configuram como estupro. Infelizmente, muitas pessoas ainda limitam o conceito de estupro apenas à penetração sexual, o que é um equívoco lamentável.

Para combater essa problemática, é fundamental ampliar nossa compreensão e conscientização sobre o consentimento e os limites pessoais. Devemos reconhecer que qualquer forma de atividade sexual não consensual é uma violação séria e uma violência inaceitável. Somente por meio de uma mudança de mentalidade e de uma educação continuada é que poderemos criar uma sociedade mais justa e segura.

Em uma publicação intitulada “Estupro marital” no “Direito Net – Artigos”, Luciana Andrade Maia discute o ponto de vista de Nelson Hungria e Mário de Noronha. Esses doutrinadores afirmavam que não era possível que o marido cometesse estupro contra a própria esposa, argumentando que ele tinha o direito de exigir que a mulher tivesse conjunção carnal com ele, pois isso era considerado uma das obrigações matrimoniais. Essa visão baseava-se na concepção de que o casamento impunha certas obrigações sexuais à mulher.

Ainda existem muitos pensamentos ultrapassados que limitam a visão da mulher apenas ao papel de dona de casa, restringindo-a a ter filhos e participar apenas de relações sexuais. O artigo 5º da Constituição Federal garante que todos são iguais perante a lei e devem ter a liberdade, segurança e direitos garantidos. Essa liberdade mencionada também se refere à forma como a mulher se veste, aos locais que ela queira frequentar e com quem ela quiser se relacionar. Sendo assim, a Lei Maria da Penha definiu que “a violência doméstica e familiar contra a mulher consiste em qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico ou patrimonial: III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”.

Portanto, fica claro que as vítimas não são culpadas pela agressão. A violência praticada naturaliza o desrespeito aos direitos humanos. O estupro, presente em diversas partes do mundo, está intrinsecamente ligado a estruturas patriarcais que estabelecem relações de poder e dominação. Nesse contexto, existem crenças e valores socialmente aceitos que contribuem para a ocorrência do estupro. A cultura do estupro é alimentada por uma sociedade tolerante que aceita comportamentos repugnantes. Infelizmente, a mulher muitas vezes é culpabilizada, sendo vista como responsável por “incitar os homens”. No entanto, é fundamental reconhecer com maturidade que a mulher não é de forma alguma responsável pelo crime de estupro.

Acreditamos que a sociedade não ficará livre tão cedo do estupro, mas podemos optar por propostas de intervenção. Juntamente com a população e organizações não governamentais (ONGs) dedicadas à prevenção e apoio às vítimas, podemos produzir cartilhas. Outros grupos que poderiam atuar seriam os profissionais da área da saúde e profissionais da educação, fornecendo informações sobre educação sexual. Intervenções como exposição de cartazes, rodas de conversa, trabalhos nas instituições escolares e grupos de apoio podem ser ferramentas de auxílio às vítimas.

Um exemplo claro que serve para dar força às vítimas aconteceu na cidade de Toronto, Canadá, com um grupo de mulheres canadenses que foram às ruas em protesto contradiscursos de culpabilização e agressões sexuais. Após esse evento, manifestações semelhantes ocorreram em várias outras cidades. O protesto ficou conhecido como a Marcha das Vadias, que foi uma forma de intervenção. Ele chama a atenção para o fato de que nenhuma mulher está “pedindo” para ser estuprada, independentemente de como esteja vestida. Esta foi uma resposta à cultura do estupro e uma tentativa de despertar a conscientização pública sobre a violência sexual.

Portanto, é necessário quebrar os estereótipos e desafiar as normas culturais que perpetuam a cultura do estupro. É importante educar as pessoas desde cedo sobre o consentimento, o respeito mútuo e a igualdade de gênero. Além disso, é fundamental apoiar e ouvir as vítimas, garantir que elas sejam tratadas com respeito, oferecer-lhes apoio emocional e encorajá-las a denunciar os crimes. A responsabilidade de combater a cultura do estupro é de todos nós.




*Adelaine Aparecida Santos e Maria Madalena de Oliveira Gomes são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.