A persistência da violência contra as mulheres no Brasil

Por Jane Beatriz Fernandes Alves e Cláudia Cristina Ribeiro*

Há dezesseis anos, a Lei nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, foi sancionada. Há oito anos, houve a criação da Lei nº 13.104, conhecida como Lei do Feminicídio. Essas leis têm por finalidade coibir e prevenir a violência contra mulheres, que sofrem com múltiplas formas de agressão, e criminalizar crimes hediondos em razão do gênero contra pessoas do sexo feminino. As leis são instrumentos de grande importância para um estado democrático, pois visam controlar as ações e comportamentos dos indivíduos para garantir a justiça na sociedade.

Apesar da existência das leis, a violência e os crimes contra mulheres ainda persistem, pois o que se vê é que, na maioria das vezes, a justiça não é feita. A educação também é importante, não apenas para educar uma sociedade menos sexista e menos violenta, mas também para fornecer conhecimento e informação sobre os direitos de muitas mulheres e jovens, sejam da cidade ou do campo.

Muitas mulheres, principalmente as que vivem nas zonas rurais, encontram-se afastadas de assistências básicas necessárias para enfrentar situações de violência. As causas do feminicídio são diversas, mas majoritariamente estão relacionadas à violência doméstica, ao machismo e à cultura de objetificação da mulher. Em muitos casos, o agressor é uma pessoa próxima da vítima, e os crimes muitas vezes se acumulam a outros decorrentes de interseccionalidades.

As práticas desses atos estão ligadas ao patriarcado, que foi criado historicamente e permanece com traços até os dias atuais. Entretanto, o machismo é considerado uma situação extremamente preocupante na qual a sociedade vive, colocando o homem em posição hierárquica diante da mulher, colocando-a em situações de vulnerabilidade. Também se apoia a misoginia, que é o ódio às mulheres, ao universo feminino e à fatalidade de punição por mulheres assumirem suas sexualidades como lésbicas ou bissexuais. Além da violência, em alguns casos, é praticado o lesbocídio.

Além disso, como resultado das violências diárias decorrentes dessa estrutura patriarcal, muitas mulheres mantêm relacionamentos mal estruturados com receio de serem violentadas, mas também por fatores como falta de recursos financeiros para se sustentar sozinhas e por falta de apoio da família, como citado por Ana Prado.[1]

Há muitos fatores que levam as mulheres a se calarem ou não denunciarem diante os ataques e as agressões sofridas, como inadequação do atendimento às vítimas, falta de impunidade e ameaças constantes. Como resultado, os agressores não se intimidem e continuem com suas práticas violentas, levando ao ponto de cometer violências fatais. Segundo dados do site do G1[2] (2022), no primeiro semestre de 2022, 699 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, uma média de quatro mulheres por dia, que se refere ao maior número já registrado em um semestre. Analisando a trajetória histórica percebe-se que mesmo com a implementação de leis de proteção, vem aumentando casos de violência e, consequentemente, de feminicídio em vários estados do Brasil, como é mostrado pelo G1[3].

Essa dura realidade não atinge somente as mulheres dos centros urbanos, mas também muitas que vivem em zonas rurais. Nesse contexto, há exemplos como o caso de feminicídio na comunidade de São Gonçalo dos Rios das Pedras[4], cuja vítima foi assassinada dentro da casa de parentes pelo antigo companheiro. Há falta de registros de casos, pois essas mulheres são, muitas vezes, silenciadas e há uma naturalização desse ciclo. As mulheres do campo são vítimas de várias formas de violências que são resultados de fatores como a pobreza, a desigualdade de gênero, a precariedade de acesso aos serviços públicos e às políticas públicas, as quais tornaram-se pouco eficazes para sancionar determinados problemas.  

Conforme dados do anuário de Segurança Pública do MST[5], em 2021, foram registrados 1.341 crimes de feminicídios, sendo que 62% eram negras. A violência também avançou entre a comunidade LGBT: hoje uma travesti ou mulher trans é assassinada a cada 2 dias. As mulheres negras e a população LGBT sofrem de forma específica de violência de gênero, em razão do gênero de sua orientação sexual e/ou sua identidade de gênero, além da interseccionalidade com as questões raciais. Frequentemente esses grupos são discriminados e marginalizados em nossa sociedade, o que aumenta sua vulnerabilidade e a violência. Essas mulheres enfrentam vários tipos de preconceitos, incluindo o mercado de trabalho e a educação. Além disso, diariamente lidam com a homofobia e o racismo. De acordo com levantamento da Comissão Pastoral de Terra (CPT)[6], no campo, entre 2011 e 2020 foram registradas 77 tentativas e 37 assassinatos de mulheres por conflitos fundiários e ambientais, além de agressões, ameaças, estupros e outros crimes de violência.

Diante das múltiplas violências que as mulheres sofrem na sociedade, medidas para devem ser implementadas como políticas públicas relacionadas, como programas de conscientização que envolvam debates e diálogos com finalidade de que as leis existentes em proteção às mulheres saiam dos papéis e funcionem. É importante investir na educação e na conscientização sobre desigualdade de gênero e direitos, na finalidade de combater a violência contra as mulheres desde a infância, mostrando o quanto elas devem ser respeitadas dentro da sociedade, destacando que elas estão em posição de igualdade e direito com os homens. O Estado deve preparar as mulheres para que elas não fiquem desamparadas e tenham conhecimento sobre as leis que as asseguram. Em relação às mulheres do campo, elas devem procurar movimentos que tenham contato com mulheres camponesas, como o Movimento Macha das Margaridas e o Movimento Sem Terra (MST) para apoio e diálogo. É necessário divulgar com eficiência canais de apoio e de denúncias, para que informações e apoio cheguem a toda a população feminina, além da zona urbana.


Referências

[1]  <https://super.abril.com.br/coluna/como-pessoas-funcionam/por-que-tantas-mulheres-continuam-em-relacionamentos-abusivos>

[2] <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/12/07/feminicidios-batem-recorde-no-1o-semestre-de-2022-no-brasil-quando-repasse-ao-combate-a-violencia-contra-a-mulher-foi-o-mais-baixo.ghtml>

[3] <https://www.google.com/amp/s/g1.globo.com/google/amp/monitor-da-violencia/noticia/2023/03/08/aumento-dos-feminicidios-no-brasil-mostra-que-mulheres-ainda-nao-conquistaram-o-direito-a-vida.ghtml>

[4] RIBEIRO, Cláudia Cristina. Entrevista concedida a Igor Cássio dos Passos no dia 12 fev. 2023. Sobre: Caso de Feminicídio na Comunidade de São Gonçalo do Rio das Pedras.

[5] MST. Anuário de Segurança Pública. Disponível em: <https://mst.org.br/2022/11/25/lutamos-pelo-direito-de-existir-em-todas-as-possibilidades-afirma-dirigente-do-mst>.

[6] <https://mst.org.br/2022/11/25/lutamos-pelo-direito-de-existir-em-todas-as-possibilidades-afirma-dirigente-do-mst>




* Jane Beatriz Fernandes Alves e Cláudia Cristina Ribeiro são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

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