Passo a passo

Passo a passo

Por Solidade da Conceição Figueira [1]

Ao voltar no tempo e relembrar minhas memórias vividas na escola, vejo como uma escada, onde cada conquista era um passo fundamental na trajetória de minha vida, e como cada degrau foi essencial para ser e fazer o que escolhi hoje. Meu primeiro contato com a leitura foi com livros didáticos, pois tenho quatro irmãs mais velhas que já estavam ingressadas na escola e sempre que as via fazendo suas tarefas eu as atormentava para me dar um papel e uma caneta e ali começava minhas “escritas”, também em casa possuía jornaizinhos da igreja onde minha mãe era presidente da reunião de todos os domingos, ela levava alguns já vencidos para nossa casa e com eles acendia o fogo no fogão a lenha e sempre deixava um ou mais para minhas brincadeiras de leitura, canto e escrita. 

Comecei minha trajetória na escola já bem cedo, aos quatro anos de idade fui direto para primeira série. Minha primeira professora foi Edna que até hoje atua na área da educação, sempre que ela me vê relembra e me elogia pelo esforço, esperteza e força de vontade e ainda diz que espera que todas essas qualidades estejam me acompanhando. Meus colegas de sala também me ajudaram muito, era a única da sala que estava naquela serie, lembro-me com carinho de cada um de meus companheiros que mesmo estando em series mais avançadas que eu sempre me ajudaram, eram  primos, amigos que até hoje me acompanham e me dão  incentivo. Essa fase da minha vida foi marcada pelo deslumbre de frequentar pela primeira vez uma sala de aula, pelo anseio de aprender a escrever meu nome e o nome de minha mãe.

Com muita paciência e persistência fui aprender os primeiros traços, enchíamos uma folha inteira com traços e círculos que nos auxiliaram na coordenação motora. Aos poucos e ao passar de séries, comecei a desenvolver então a escrita conhecendo as letras, os números, as figuras, cores, e mais todos os tipos de leitura que nos rodeiam, mas que naquela época era sempre uma novidade diferente. Ao passar dos anos as coisas foram tomando sentido, formas, nomes, valores, cores, me ensinando uma coisa diferente. Veio à quarta depois a quinta serie o Ensino Fundamental II e as responsabilidades e compromissos foram vindos juntos, números misturados com letras, histórias antigas misturado com a realidade de hoje, o ensino de português fora do contexto em que eu cresci. Aos poucos fui me adaptando e entendendo o que a escola queria me passar e me ensinar, todas as lições aceitadas com respeito. Assim passando os anos cheguei ao Ensino Médio e mais responsabilidades e desafios surgiram, por exemplo, a necessidade de continuar a estudar. Como diziam meus professores: a garantia do meu futuro.

Com essa ideia e esse “incentivo” sentia como se finalmente chegasse ao auge de minha responsabilidade, até entrar na Universidade. O curso Licenciatura em Educação do Campo o qual eu hoje estou ingressada me mostrou vários olhares diferentes os quais eu não tinha, sempre entendi que educar é somente passar o que está nos livros, mas hoje percebo que como futura educadora eu posso ir mais além e mostrar aos meus futuros alunos o mundo por trás dos livros, textos e números. Agradeço sempre a Socorro Amaral por ter me apresentado este curso e ter me inscrito nele, pois se não fosse também por ela e por sua insistência jamais teria conhecimento sobre este modelo de curso.  No primeiro momento após conseguir a vaga e entrar na universidade pela primeira vez, me senti como se estivesse na escola, e realmente era até a hora em que percebi o quanto tinha que me dedicar para realização das tarefas e trabalhos. Cada dia um aprendizado sobre matérias, convivência e conduta que me leva a crer que estou no caminho certo de minha escolha.

Em vista dos degraus que até hoje subi e agora no terceiro período do curso. Tenho a dizer que toda essa minha trajetória na vida escolar e fora dela me mostra que quando achamos que estamos no auge do aprendizado sempre podemos aprender mais, que a vida é um constante aprendizado, cada dia uma lição e visão nova sobre o mundo. Espero que ao final de tudo isso eu olhe para trás e sinta uma gratidão tão grande como a que sinto, em ver que cada acerto e cada erro foram de extrema importância para o que vivo hoje, e que eu trilhe sempre o caminho da perseverança com a vontade de aprender e ser sempre mais!

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Trajetória escolar de uma campesina

Trajetória escolar de uma campesina

 

Por Solange Santos [1]

 

Nasci em uma comunidade rural chamada Boa Vista do Choro, localizada na zona rural de Padre Paraíso, no médio Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Neste ambiente rural, cresci e tive os primeiros ensinamentos que se tornaram base para minha vida e para minha formação como ser humano: fé, família, amor à minha terra e aos estudos.

Sou a oitava filha de uma família com 11 irmãos. Iniciei os estudos aos sete anos e, até a terceira série do Fundamental I, tive aulas diárias, em turmas multisseriadas. Nesta época, eu tinha a companhia minha prima Vilania, da mesma faixa etária que eu. Fazíamos o trajeto de uma hora até a escola a pé. Enfrentamos vaca brava, poeira, chuva e frio e, na maioria das vezes, sem tomar o café da manhã. Na escola, havia apenas sete alunos. A professora era respeitadíssima por nós, mas era um respeito adquirido de forma mais enérgica: ela possuía uma vara que não saía de sua mesa, usada quando necessário, ou seja, quando um aluno agredia outro, desobedecia às regras ou mesmo para chamar nossa atenção para algo.

 O recreio era um momento muito esperado, tínhamos um tempinho para brincar de correr, de pique-salvo, de pedrinhas, dentre outras brincadeiras. Na terceira série, formação máxima ofertada por essa escola, parei de estudar. Em 1998, a escola foi contemplada com uma verba para ampliação do espaço e das atividades. Vi uma oportunidade para dar sequência aos estudos, porém, estudei nesta instituição por apenas mais um ano, até concluir a quarta série do Ensino Fundamental I.

 Para continua a estudar, tive que me transferir para outra escola, que ficava em um povoado chamado Encachoeirado, local em que pude concluir meus estudos.

No período em que cursei o Ensino Fundamental II, algo marcante ocorreu em minha vida. Voltando ao meu passado sombrio, faço um esforço, agora, para relatar parte destes acontecimentos.  Quando eu tinha 13 e 14 anos, já cursando a 7ª série do Ensino Fundamental II, Vilania, minha única companhia para ir à escola, mudou-se para outra comunidade. Passei a fazer o trajeto para a escola sozinha e, por duas vezes, por volta de cinco horas, sofri duas tentativas de estupro.  Por causa disto, quase parei de estudar, pois sempre passaria por aquele local. Nem mesmo o tempo será capaz de apagar estas lembranças dolorosas.

Na juventude, mudei-me para a sede da cidade de Padre Paraíso, onde trabalhei como doméstica, para conseguir terminar meus estudos e, assim, concluir o Ensino Médio, cursado na Escola Estadual. O sonho de continuar os estudos foi novamente adiado, pois me casei e os afazeres de dona de casa, mãe e esposa soterraram, naquele momento, meus sonhos.

A vontade de cursar o ensino superior voltou quando meu amigo, da cidade vizinha, Itinga, percebendo meu desejo de voltar a estudar, apresentou-me a LEC – Licenciatura em Educação do Campo (UFVJM) e me incentivou fazer o vestibular.

Estar em uma Universidade Federal abriu-me um leque de oportunidades, como o acesso à educação de qualidade, à profissão, a convivências individuais e coletivas enriquecedoras.  Hoje, vejo o Vale do Jequitinhonha como lugar de riquezas diversas, dentre as quais destaco a cultura local e os eventos, principalmente, os literários.

 Atualmente, sou voluntária no telecentro na cidade de Caraí, onde resido há mais de 12 anos. Pretendo dar continuidade aos meus estudos, fazer mestrado ou, no mínimo, uma especialização, tratando de um tema que me é caro: a falta de formação adequada dos professores que atuam em sala de aula. Tentarei compreender como é possível transformar a educação, como é possível propiciar aos professores uma educação contextualizada, porque há falta de espaço físico e de materiais na educação brasileira, ou seja, a ideia é justamente entender por que alguns educadores, principalmente no meio rural, não têm acesso a conceitos relevantes sobre a educação em geral. 

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Memórias de minha trajetória escolar

Memórias de minha trajetória escolar

Por Natania Ferreira da Silva [1]

Entre cinco e seis anos, tive a presença e o primeiro incentivo de minha mãe na minha vida escolar, já que ela teve acesso à escola e tinha o segundo grau completo. Ela me ajudou com os primeiros rabiscos até a entrada na escola. Sua presença foi muito importante em minha vida.

Ingressei na escola com sete anos, já conhecendo algumas palavras. No início do Ensino Fundamental I, estudei em uma escolinha pequena que havia na minha comunidade. O Ensino Médio foi cursado em outra escola, na cidade Ouro Verde de Minas, período em que tive as dificuldades com o transporte, pois, com a falta de ônibus, perdia aulas e ficava um pouco prejudicada nas disciplinas.

Nas outras séries do Ensino Fundamental I, encontrei apoio da professora Vilma, que me ajudou muito. Como disse, em casa, tinha incentivo desde que era criança: minha mãe, Ivani, me ensinou as primeiras letras, e com sete anos, eu conhecia algumas palavras. Por exemplo, já conhecia o alfabeto e as vogais, já tinha contato com os números, mas só comecei a praticar a leitura na escola.

Desde o Ensino Fundamental, tínhamos os livros didáticos para estudar em casa, entretanto, era muito difícil ter acesso a livros literários. A partir do Ensino Fundamental II, tive acesso à biblioteca da escola, que disponibilizava os livros aos alunos. Entretanto, não tínhamos muito interesse pela leitura e muito menos incentivo dos professores para fazê-la, por isso, não li esses livros. Em muitos casos, os alunos pegavam os livros, levavam para casa e não os devolviam. Por isso, muitas vezes, faltavam livros na biblioteca.

Lembro-me que os professores nos mandavam à biblioteca só para assistirmos algum filme e, assim, elaborar um resumo ou atividade sobre ele. Na maioria das vezes, quando algum professor faltava, colocavam-nos para assistir filmes, sem objetivos pedagógicos claros. Isto era ruim, pois perdíamos muitos conteúdos, sobretudo no início do Ensino Médio. 

Depois do Ensino Fundamental II, minha mãe quis que eu estudasse no período matutino, das 7h às 11h 25 min. Recordo-me de ter aulas aos sábados, porque algum professor havia faltado ou feito greve, requerendo aumento de salário. Sempre me saí bem em todas as disciplinas, mas, ao chegar ao final do terceiro ano do Ensino Médio, tive dificuldades com a disciplina de inglês. De fato, acho que não me adaptei a ela.

No final do Ensino Médio, eu não pensava em continuar os estudos, só pensava em conseguir um emprego, mas na minha cidade não há muitas opções de trabalho. Este é um dos motivos que me levou a ingressar na faculdade. Minha mãe, novamente, incentivou-me a ingressar na universidade, pois ela já havia feito o curso de Licenciatura em Educação do Campo, em Viçosa, Minas Gerais. Foi ela quem me deu todo apoio quando prestei o vestibular para a faculdade, em Diamantina.

Em 2018, ingressei na Licenciatura em Educação do Campo (LEC-UFVJM), e, hoje, estou no terceiro período do curso, com outra visão sobre Educação, outro olhar para os estudos. Apesar de ter tido pouco acesso à leitura, agora tenho penso diferente, pois percebo que a leitura é bem gratificante. Percebo que do início de meus estudos até hoje, as coisas mudaram, tenho mais afinidade com a leitura. Tenho necessidade de aprender, de construir algo novo. Entendo que vale a pena continuar, prosseguir rumo ao final deste processo de aprendizagem, mesmo sabendo que não é fácil. Pensar que seria uma educadora do campo é sempre muito gratificante.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Minha trajetória de letramento

Minha trajetória de letramento

Por Joice Rocha Da Cruz [1]

Quando comecei a estudar, morava na cidade de Cristália, Minas Gerais. Com sete anos, mudei-me para a comunidade quilombola do Paiol, onde moro ainda hoje. Na minha casa só havia CD de histórias, pois minha mãe não gostava de comprar livros. Quando nos mudamos para a roça, só tínhamos livros de matéria escolar, por isso, eu não lia: achava tudo muito chato. Comecei a estudar com quatro anos em uma creche que permanece no mesmo lugar, pois meus pais, naquela época, moravam na cidade. No primeiro ano na creche, não líamos livros. As atividades desenvolvidas eram de desenho e a maioria das crianças só dormia.

Minha professora, Dora, gostava de contar história infantil e cantar músicas com cinco anos, aprendi a escrever meu nome e o alfabeto, mas, quando comecei a estudar na primeira série, tive muitas dificuldades em função de não ter livros para ler. Minha professora escrevia mais no quadro e dava desenhos para colorir. Ela gostava muito de mim e meu desempenho estava crescendo. Ao chegar ao fim do ano, meu desenvolvimento diminuiu, pois eu estava mais adiantada que os colegas ingressantes daquele ano. 

Quando eu estava na segunda série, montaram uma biblioteca na escola e começaram a “tomar” a leitura dos alunos e ditados de palavras. Essas práticas me trouxeram dificuldades, portanto comecei a decorar os textos e, assim, não conseguia desenvolver a leitura autônoma. Acabei sofrendo muito, porque meus colegas me chamavam de “besta” dentro da escola. Eu conseguia responder às questões que a professora passava e sempre fui uma das primeiras a terminar as atividades. Já na terceira série, a professora começou a nos levar à biblioteca, porém não podíamos mexer nos livros novos, só nos antigos. Continuaram a “tomar” a leitura, e descobriram que, em vez de aprender, eu estava decorando. A professora pediu à minha mãe que eu repetisse a série, e minha mãe concordou. Eu não concordei com a ideia e falei que eu iria parar de estudar, pois ia ser a maior vergonha da minha vida.

Ao conversar com uma antiga professora, ela falou sobre o meu desenvolvimento em sala de aula e minha mãe revolveu não concordar com a ideia de me reprovar: assim, passei de ano. Vencendo esse obstáculo, fui me dedicando cada dia mais à leitura. Quando cheguei à quarta série, tive uma ótima professora que me ensinou a ler. Quando eu tinha que ler um texto, ela me escolhia para me ajudar a superar o medo e as dificuldades. Eu gostava de ler histórias infantis, como a “Chapeuzinho vermelho”. No sexto ano, eu tinha aula de literatura junto com português, estudava as fábulas, e o professor nos colocava para interpretar tais textos.  Apesar de ter biblioteca na escola, os que moravam na roça não podiam levar livros para casa, pois eles tinham medo de que eles fossem danificados.  Quando os professores resolviam passar atividades de leitura, como resumo, eu pegava parte do livro.

Durante o Ensino Fundamental II, percebi que os professores passavam no quadro só questões sobre gêneros textuais, verbos ou cópias dos livros. Já no Ensino Médio, tive muitas atividades de produção de texto que visavam uma preparação para o Enem. Minha escrita e meu modo de pensar melhoraram, pois percebi que até mesmo em matemática era necessário saber interpretar textos. Nas aulas de português, aprendi a interpretar imagens e a fazer textos sobre elas.

Contei sempre com a ajuda da minha família, que não teve a mesma oportunidade que eu, em função das dificuldades pelas quais passaram. Minha mãe começou a trabalhar em “casa de família” com 12 anos e não pode terminar nem mesmo a quarta série. Meu pai andava mais de cinco quilômetros por dia para chegar à escola, mas aprendeu a ler e a escrever: foi ele que me ensinou a escrever meu nome. Portanto, ao longo da minha trajetória escolar, o processo de letramento foi falho, sobretudo pela falta de incentivo à leitura de textos diversificados. Hoje, na Licenciatura em Educação no Campo, na disciplina Estudos de Letramento, percebo a importância do incentivo à leitura e às reflexões sobre os textos lidos.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Construindo o meu ‘‘eu’’ e entendendo o mundo

Construindo o meu ‘‘eu’’ e entendendo o mundo

Por Isaura dos Santos Lopes [1]

Tenho dezenove anos, nasci e vivo ainda hoje na Comunidade Quilombola do Suaçuí, zona rural do município de Coluna, Minas Gerais. Sou filha de Seu João Cardoso e de Dona Lozinha: ele é conhecido por suas histórias e causos, e ela pela sua determinação, pela quantidade de filhos que teve e pelo modo de trazê-los ao mundo. Eu, assim como meus irmãos, nasci em casa mesmo, em função das habilidades de minha mãe, que era parteira. Sou a última dos oito filhos a nascer na propriedade de meu pai, que ficava no extremo da comunidade. Após meu nascimento, minha família se mudou para a propriedade de minha mãe, mais ao centro da comunidade e próxima de onde hoje estão a igreja e a escola.

Lembro-me, com certa ternura, que antes de iniciar o pré-escolar já sabia juntar as letras e a formar palavras. Isso se deve à ajuda de minhas duas irmãs mais velhas, que sempre me ajudavam. Também já conhecia alguns números, as cores e amava desenhar.  Desde pequena, com cerca de três anos, já brincava de escolinha com minhas irmãs e amigos, mas apenas quando eles tinham tempo, pois a lida da roça era dura. Era um momento mágico para mim, pois, naquele momento, estava realizando, mesmo que no universo do ‘‘faz de conta’’, o adorado sonho de ir à escola. Esses momentos não tiraram de mim o desejo de frequentar regularmente a escola.

Meus pais, ambos lavradores e semianalfabetos, mesmo cientes que eu já sabia ler e escrever, não dispensaram a necessidade de que eu e meus sete irmãos fôssemos à escola. Minha mãe sabia apenas escrever seu nome, mas sempre foi curiosa e nos pedia para que lêssemos para ela os bilhetes que a escola mandava, a bíblia e até nossos ‘‘para casas’’. Ela sempre nos incentivou a estudar e não apenas na escola. Seu maior desejo era se alfabetizar, tanto que, mesmo depois dos cinquenta anos de idade, ela se matriculou no programa Educação de Jovens e Adultos (EJA), e sempre destacava a importância de saber ler e escrever. Sua postura sempre me fomentou minha vontade de frequentar a escola.

Na minha infância foi marcada pela leitura e por um gosto especial pelas narrativas, o qual sofreu influência das narrativas das vivências, viagens e experiências em outros estados brasileiros e até fora do país de meu pai. O que eu mais gostava, dos poucos momentos que desfrutávamos juntos, eram suas narrativas sobre o “Sr. Coelho e a Dona Onça”. Eram histórias que eu ouvia sempre na hora de dormir, pois não tínhamos, em casa, acesso a mídias, como a televisão, por exemplo. Quando não nos deliciávamos com as histórias que meu amado pai trazia, ouvíamos os seus discos, alguns com histórias também, como o “Buc Sarampo”, o mais ouvido por nós.  Achava tão legal ouvir histórias, que as passei a contá-las para meus sobrinhos e outras crianças com quem tive contato quando mais velha.

Meu pai, pelo exercício da construção civil, além de bom contador de histórias, era excelente matemático, era rápido nos cálculos mentais e, além de resolvê-los, exemplificava-os de maneira simples. Talvez por isso, eu me identificasse também com os cálculos, que eram, e continuam sendo, uma de minhas grades paixões, juntamente com a leitura de poesia e de contos. Por isto, sempre me dedicava às provas da OMBEP, com gosto e desejo de passar para a próxima fase. De fato, passei algumas vezes. O contato com livros do acervo da biblioteca da escola Estadual Padre João Clarimundo, em que cursei o Fundamental II e o Ensino Médio, era, na maioria das vezes, com textos infantis, alguns para coleta de dados e para o treinamento de referências bibliográficas.  Mas o contato com o acervo da biblioteca municipal em que minha madrinha de batismo trabalhava, e com quem eu passava bastante tempo, sobretudo para fazer as reuniões de trabalhos em grupo, mas também nos dias de visitá-la, propiciou-me o acesso a diversos autores e temas.  Isto me levou a ler cada vez mais e melhor. Também me inspirei nesses textos para criar poemas e contos, nos quais registrei/ representei fatos marcantes de minha existência. Desses, gostei mais do que fiz, juntamente com uma de minhas irmãs, para uma brincadeira de confraternização. O conto recebeu o nome ‘‘O pereroi do brejo’’: contava a história de um de meus irmãos, quando ele e minha mãe chegaram de Belo Horizonte, aonde iam regularmente por causa de um problema crônico de saúde dele. A situação virou, naquele momento, uma brincadeira e foi contada como história de ninar para os filhos de minha irmã.

Tive a oportunidade de acompanhar duas edições do programa Cidadão Nota 10, que visava alfabetizar jovens e adultos, em aulas noturnas ministradas por voluntários. O projeto contemplou minha comunidade quando, possibilitando que meus pais frequentassem as aulas. Eu sempre ia junto com eles, e pude ter contato com um ensino diferente do que eu recebia na minha escola. Minha irmã foi uma das voluntárias, e eu a ajudava a corrigir exercícios e a orientar os alunos.  

No último ano do Ensino Médio, conheci a Licenciatura em Educação do Campo (LEC) da UFVJM, e, pensando no que aprendi na infância e adolescência, curiosa e ansiosa por questionar e descobrir as respostas do mundo, lancei-me nessa experiência, que até o momento tem sido enriquecedora. Na LEC, comecei a ler textos científicos e a ter contato com um vocabulário mais vasto e difícil que, entretanto, não me impedem, de ler meus amados poemas, contos e romances. Sempre trago para o Tempo Universidade livros de meu conterrâneo, Carlos Herculano Lopes, escritor com quem tive o prazer de me encontrar quando criança em um evento de incentivo à leitura em minha comunidade, e, em outra vez, na escola estadual em que estudei, em um evento de recital de poesias.

Por tudo isto, sou hoje uma pessoa que ama leitura, mas que não se isola nela, pelo contrário, busco sempre algo mais, busco dar sentido à vida e entender o mundo, aprendendo coisas novas, mas sem perder minhas origens.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Os desafios do aprender

Os desafios do aprender

Por Irene dos Santos Lopes [1]

Apresento aqui um pouco da minha história de vida. Eu nasci e cresci na comunidade quilombola de Suaçuí, zona rural da cidade de Coluna, no vale do Rio Doce, leste de Minas Gerais. A minha família trabalhava com plantação de milho, feijão, mandioca etc. Desde os três anos de idade já tinha uma enxadinha para as tarefas da roça. Não tive contato com leitura e escrita em casa. Aprendi minhas primeiras letras na escola, e foi bastante difícil, pois demorava a entender as letras. Lia e escrevia apenas na escola, pois em casa não tinha tempo: meus pais precisavam da minha ajuda. Eram muito rígidos, e eu tinha que fazer tarefas de casa e da roça, mas tinha incentivo deles na escola também.

Não escrevia letras, mas fazia alguns rabiscos. A escola foi uma das motivadoras na minha iniciação escolar. A comunicação era mais difícil, mas ouvia alguns poemas infantis, recitados por meus irmãos mais velhos.

Entrei na escola aos sete anos, mas não tinha horário fixo para as aulas. As professoras vinham da cidade que ficava a uns vinte quilômetros da comunidade. Não havia energia elétrica, nem transportes e, algumas vezes, não tinha merenda. Na escola não existia biblioteca, e os livros didáticos eram poucos e não podiam ser levados para casa. A escola criou o cantinho de leitura, com livros compartilhados de outra escola do município. Na sala de aula tínhamos que compartilhar os livros com os demais colegas. O livro que eu mais gostei foi o que contava a história da “Menina bonita do laço de fita”. Quando mudei da escola municipal para a estadual, fora do município, encontrei uma biblioteca, mas eu não lia muito, porque chegava da escola e tinha muitos afazeres domésticos e alguns deveres escolares para fazer à noite, à luz de lamparina. Gostava de livros de poesia, entretanto não pegava livros com medo de sujá-los ou sumi-los. Apenas fazia algumas leituras quando a professora mandava.

Conclui o Ensino Médio e continuei na comunidade, ajudando meus pais a cuidar dos irmãozinhos menores e com a lida da roça. Dez anos depois, através da ajuda do meu irmão, que já tem mais contato e facilidade com o mundo tecnológico, soube do curso de Licenciatura em Educação do Campo. Ele nos inscreveu no vestibular. Eu consegui passar na segunda tentativa, e aqui estou no terceiro período. Enfrento muitas dificuldades, tanto para acessar as ferramentas, como computador, plataformas digitais que necessitamos, quanto para dar conta das leituras dos textos científicos. A partir do contato com os textos e das explicações dos docentes do curso, estou aprendendo a ter outras perspectivas: a leitura crítica faz diferença, principalmente, para entender o meio onde vivo, as notícias, as leis e tudo que faz diferença em nossas vidas, principalmente, o debate político e histórico em que se inserem nossas histórias culturais e lutas.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Parte de uma história

Parte de uma história

Por Ingred Pereira da Silva [1]

Sempre fui muito dedicada aos estudos, gosto muito de ler, de ouvir histórias e sempre tive facilidade em aprender e falar em público. Estudar/aprender, para mim, era, e é, com certeza, algo muito prazeroso. Acredito que as minhas relações com a leitura dentro e fora da escola contribuíram muito para que esse prazer fosse constante em minha vida.

Na infância, era muito curiosa, aquele tipo de criança que perguntava o porquê de tudo. Lembro-me de minha mãe lendo a bíblia e celebrando os cultos na Igreja da minha comunidade com os folhetos litúrgicos, de minhas primas com os livros didáticos que usavam na escola: estes eram os contatos mais diretos que tinha com textos escritos antes de iniciar meus estudos.

As lembranças que guardo de toda minha vida são, na maioria, a partir de quando entrei na escola. Comecei a estudar com quatro anos na educação infantil (Pré-Escolar), momento em que aprendi a escrever meu nome e a ler. Isto era algo que eu queria muito. Depois que aprendi a ler, lia tudo que encontrava pela frente: placas, rótulos, entre outros, orgulhosa porque havia aprendido a ler. Quando estava no primário, participei de uma encenação teatral, representando a Chapeuzinho Vermelho. Acredito esta representação motivou meu gosto pela leitura, por histórias e por falar em público. Nesta época, tive uma professora de quem gostava muito, Tia Nardete, que me incentivou muito e por quem tenho, até hoje, um carinho grande. Ainda na infância, iniciei a catequese na igreja onde fazia atividades em grupo, a qual colaborou para desenvolvimento em mim de uma nova forma de entender o trabalho coletivo. Entendo que a escola teve papel fundamental para meu processo de letramento.

Foi no Ensino Fundamental I que tive maior acesso aos livros, às mídias e a produções textuais. Comecei a produzir textos, ler livros e recontá-los, e até mesmo a fazer resumos de filmes assistidos em sala de aula. Recordo-me de um momento de leitura que tive durante as aulas: o professor tinha um grande livro de contos e, a cada dia, lia um texto diferente Era o momento que eu mais esperava e sempre pedia ao professor para que me emprestasse o livro para levar para casa. O que eu escrevia antes dessa fase na escola se relacionava às questões de alfabetização, escrever palavras, formar frases etc. Como disse, no Ensino Fundamental I, exercitei minha escrita e leitura textual, que foram melhorando com o passar dos anos. Já no Ensino Fundamental II, aumentei meu repertório de leitura e pude ler livros de difícil acesso, como os de Shakespeare, Machado de Assis, Drummond entre outros. Tais livros estavam disponíveis na biblioteca da escola. Além disso, realizei várias atividades, como por exemplo, uma peça de teatro baseada em um livro. Os recontos e resumos passaram a estar mais presentes nos projetos de leitura. Durante essa etapa, tive ótimos professores que sempre me motivaram e acreditaram em minha capacidade, em especial o professor de história, Pedro, conhecido como Juninho. Suas aulas eram boas e construtivas, e me possibilitavam entender os fatos históricos e contemporâneos de forma mais analítica, permitindo-me contribuir com minhas considerações e pontos de vista. Meu senso crítico melhorou.

Durante o Ensino Médio, aumentei meu contato com os livros e tive mais acesso às mídias, como, por exemplo, o datashow. Realizava várias apresentações usando esses instrumentos mais modernos. Uma vez, meu grupo e eu fizemos um teatro através de vídeo, contando a história de Fernando Sabino, uma experiência muito rica.

Atualmente, estou cursando a Licenciatura em Educação do Campo (LEC), habilitação em Linguagens e Códigos, na Universidade Federal dos Vales Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Essa nova etapa é cheia de novas descobertas e experiências, como o aumento de minhas atividades de escrita e de leitura, de questionamentos sobre o mundo, minha vida acadêmica e meus pontos de vista. Por um lado, há pontos positivos: progresso na leitura, na escrita, na organização, na criticidade entre outros. Por outro, há pontos negativos: deixar de ler alguns textos/livros que costumava, para ler os que estão relacionados às temáticas estudadas, e que os professores solicitam. Apesar de todas essas coisas acredito que a caminhada vale a pena.

Enfim, todas estas fases que passei fizeram de mim o que sou hoje. Agradeço a Deus por me permitir viver para experimentar tudo isso, à minha família, em especial à minha mãe, Claudiana Silva, que sempre esteve do meu lado, aos colegas que andaram e andam juntos comigo por esses caminhos, e aos professores que acreditaram e acreditam em mim e na educação.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Meu processo de letramento

Meu processo de letramento

Ilza Fernandes de Oliveira [1]

Lembro-me que nós brincávamos de escolinha, substituindo o giz pelo carvão. Juntávamos grupinhos onde um de nós era o professor. Trocávamos de função para que todos pudessem ser o professor.   Brincávamos de escrever e desenhar, pois para nós essa era uma ótima aula. Cada um tinha uma enorme vontade de ir para escola. Tive meu primeiro lápis e caderno quando fui para a escola, com cinco anos. O primeiro livro também me foi dado nessa época. Eram experiências muito emocionantes, parecia até que eu tinha ido para um outro mundo.

Infelizmente não tivemos acesso a nenhum tipo de texto escrito até determinada idade, mas conhecemos muitos textos orais por causa dos contos que nossos pais contavam. Só tive acesso a livros quando meus irmãos traziam da escola. Esse foi o meu acesso a livro escrito. Fiquei muito curiosa, principalmente por causa das imagens que via. Era um mundo maravilhoso, fantasioso. Eu adorava revistas que tinham muitas gravuras. O acesso ao computador só ocorreu no final do ensino fundamental. Computador e internet, para mim, eram coisas de outro mundo, porque tudo que eu queria ver estava lá. Isso ocorreu quando eu já tinha 17 anos. Foi assim que eu conheci este mundo virtual. Hoje, crianças de um ano ou menos possuem acesso à internet.

Na escola, nos primeiros anos, as professoras nos davam revistas em quadrinhos. As figuras despertavam em nós o interesse pela leitura e escrita. Havia biblioteca nas escolas em que fiz o ensino fundamental e médio. Na universidade também há biblioteca. Somos incentivados a ler livros para que possamos desenvolver a leitura e a escrita. Isso foi muito importante, pois hoje meu interesse pela leitura aumentou, porque não eu tinha esse interesse em aprimorar esse processo de aprendizagem. Essas são as grandes mudanças que ocorreram na minha vida. 

Para mim, a minha formação, no ensino médio e na faculdade, é muito importante, porque incentivam tanto a família e os amigos a tentarem obter uma formação. Infelizmente, meus pais não tiveram oportunidade de estudar, então, já que eu estou tendo essa oportunidade, quero aproveitar e dar orgulho a eles.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Conto de uma vida

Conto de uma vida

Por Fernanda Lemes Costa [1]

Nasci no dia dez de setembro de 1981, em Diamantina, e cresci em Senador Modestino Gonçalves, Minas Gerais, onde vivo até os dias atuais. Iniciei a Educação Infantil aos sete anos, na Escola Estadual Darcília Godoy. Recordo-me com muita saudade de minha primeira professora, tão querida Tia Lada. Hoje posso dizer que ela deixou marcas positivas e permanentes em mim, com sua infinita paciência, seu carisma e sua sabedoria, fazendo, assim, uma ponte entre professor e aluno sempre com muito respeito e amor. 

Ao voltar ao passado, lembro-me como foi meu primeiro contato com a leitura e a escrita. Minha alfabetização foi marcada por muita ansiedade e descobertas, pois passei a conhecer um mundo cheio de letras, números e cores.

Minha alfabetização se deu através das cantigas de roda, contos literários, histórias contadas a partir de desenhos feitos em cartolinas (o que me permitia construir histórias usando minha imaginação), e através das datas comemorativas de cada mês. A minha época preferida do ano era o mês de outubro, que tinha a semana da criança com várias brincadeiras educativas. Esta era uma iniciativa dos professores, que nos levavam para um lindo gramado verde e fazíamos grandes descobertas, pois as brincadeiras possibilitavam conhecer melhor os colegas, a escola e os professores.

Em minha casa não havia acesso a livros, rádio ou televisão. Dos jornais, só me recordo de ver o da igreja, com as passagens da bíblia. Lembro-me que, depois da missa, as pessoas deixavam esses jornais nos bancos, e eu pegava alguns deles e levava comigo para casa, porque gostava de recortar as letras e formar palavras novas com elas. Com o passar do tempo, já cursando a Educação Básica, a Escola Estadual Darcília Godoy se encontrava em melhores condições estruturais, tanto físicas quanto na qualidade do ensino, o que me proporcionou melhores condições de aprendizagem. Na biblioteca se encontrava uma pequena diversidade de livros, o que permitia ao professor cobrar mais práticas de leitura.

Mesmo a escola me motivando a ler, a visitar a biblioteca em outros horários, e a estar mais próxima dos livros, sempre tive dificuldade em frequentar a escola em horários especiais ou me dedicar mais à leitura e à escrita, pois precisava ajudar meus pais com o plantio de roça, na arrumação da casa, a cuidar dos irmãos mais novos, e em outras atividades. Meus pais tinham uma leitura de mundo diferente da minha, achavam que saber ler e escrever já me bastaria.

Somente no Ensino Médio fui perceber a importância da leitura e da escrita e o quanto eu havia perdido, não somente para a minha formação, mas para que eu tivesse uma visão mais ampla do mundo. Formei-me no Ensino Médio no ano de 2000, e não tive oportunidade de continuar os estudos imediatamente, pois, naquela época, somente quem tinha ‘‘melhores condições de vida’’ davam continuidade aos estudos. Apesar de muito tempo ter se passado, no segundo semestre de 2018, comecei uma nova jornada em minha vida, tive a chance de ingressar no curso Licenciatura em Educação do Campo (LEC), da UFVJM.

Na LEC, quando adentro na sala de aula, sinto a mesma ansiedade vivida na Educação Infantil, com sentimentos duvidosos e incertos e, ao mesmo tempo, uma enorme alegria em saber que nunca é tarde para o recomeço. Embora todos tenham o direito a uma Educação de qualidade, o que eu vivi, e o que a maioria dos alunos que estudam em escolas públicas ainda vivem, foi uma educação engavetada, centrada somente em livros pedagógicos, que não estimulavam a reflexão dos alunos, nem a busca de soluções criativas para seus problemas, para que leiam bons livros literários e discutam questões sociais.

Portanto, tenho o objetivo de me formar como uma educadora do campo que esteja mais atenta à realidade dos alunos, buscando a construção de uma Educação Contextualizada, que valorize as diferentes formas de saberes e de aprendizados.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Relembrar é escrever

Relembrar é escrever

Por Fernanda Antonina Rodrigues da Silva [1]

Atualmente, moro em Veredinha, mas, até cinco anos, residi com minha família na cidade de Diamantina, Minas Gerais. Em certa fase de nossas vidas, decidimos nos mudar para Veredinha, também em Minas Gerais, cidade onde ainda hoje moramos. Acredito que, de uma forma ou de outra, a leitura e a escrita sempre fizeram parte de minha história. Não me recordo de muita coisa sobre minhas primeiras experiências com a escrita e a leitura antes de frequentar a escola, mas, ainda assim, lembro-me que minha família recebia muitas cartas, único meio que tínhamos, naquela época, para nos comunicar com os amigos e familiares que viviam em Diamantina.

Minha mãe lia todas aquelas cartas e cartões de datas comemorativas para mim, e eu achava o máximo quando ela me deixava fazer um desenho para enviar junto com as cartas que ela enviaria aos parentes. Geralmente, esses desenhos que eu fazia iam para minhas primas que moravam longe. Mesmo que por meio de desenhos, esses foram os meus primeiros contatos com a leitura. Antes de frequentar a escola, os tipos de leituras que circulavam em minha casa, além dessas cartas, eram os livros didáticos da minha irmã mais velha e a bíblia da minha mãe. Um aspecto que considero significativo quanto ao meu processo de letramento era a leitura de revista de músicas do meu pai, pois ele sempre tocou violão.

Logo quando entrei na escola municipal da minha cidade, por volta de cinco ou seis anos, identifiquei-me imediatamente com os desenhos, porque eu amava colorir. Quando fui avançando pelas séries e cheguei à fase em que já dominava a escrita e a leitura, comecei a perceber um forte interesse pela leitura. Falando em leitura, tenho lembranças de quando ganhei o meu primeiro livro, com aproximadamente sete ou oito anos de idade: o conto de fadas ‘A Bela Adormecida’, que me foi doado por minha professora. Na escola, naquela época, sempre quando algum aluno fazia aniversário, a professora o presenteava com um livrinho de histórias infantis. Lembro-me que ficávamos ansiosos para descobrir qual livro iríamos ganhar e, quando chegava o dia, era só festa. Apesar de não ter biblioteca nessa primeira escola, eu sempre recorria à biblioteca municipal da minha cidade, e durante todo meu processo de aprendizagem nessa escola, durante os Anos Iniciais, busquei ler bastante.

Quando cheguei ao Ensino Fundamental II e, posteriormente, ao Ensino Médio, tudo começou a mudar: escola nova, novos professores e rotinas de aulas diferentes. Tantas modificações diminuíram meu interesse pela leitura. Eu já não tinha aquele mesmo interesse, passei a ler menos frequentemente os livros que gostava, substituindo-os pelos livros didáticos das disciplinas. Talvez isto tenha ocorrido em função da forma lúdica como os professores dos anos iniciais trabalhavam a leitura, despertando mais interesse. O que sei é que o Ensino Fundamental II tirou parte da minha vontade de ler textos que me davam prazer. Nos últimos anos do Ensino Médio, um projeto realizado pela escola me tocou e despertou em mim novamente o interesse pela leitura. Com esse projeto, a escola recebeu um acervo enorme de livros novos e muito bons. Para mim, ele foi de suma importância, pois tive a oportunidade de voltar a ler com a mesma intensidade de antes. A escola, antes disso, não tinha uma biblioteca provida de livros que chamassem minha atenção, o que aumentou meu desinteresse pelos textos até aquele momento. Como eu estava mais velha, a biblioteca municipal já não atendia minhas necessidades de leitura.

Nos dias atuais, estou fazendo graduação e percebi que o desinteresse pela leitura aumentou novamente. Agora, as leituras acadêmicas me tiraram um pouco do prazer de ler os livros que costumava ler. Minhas leituras românticas são agora substituídas por textos científicos. Mas isso não é ruim, não em parte, pois estou fazendo leituras que me levarão a alcançar uma coisa que eu desejo muito, que é me formar e poder ser uma boa profissional. Queria saber organizar o tempo para voltar a ler como lia na infância, com o olhar e a inocência de criança. Dito isso, não posso negar que fui e sou feita de leitura, seja de livros, desenhos, músicas, enfim!  Minha vida deu várias voltas em relação à leitura: ora leio demais, ora leio de menos, ora estou como agora. Todavia, o importante é registrar aqui que a leitura sempre me acompanhou de uma forma ou de outra, e vai continuar me acompanhando.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Um degrau da minha vida

Um degrau da minha vida

Por Eliude de Sousa Ferreira [1]

Nasci na cidade de Itamarandiba, no estado de Minas Gerais, e vivi minha infância na comunidade de Sapucaia, no município de Aricanduva-MG (Aricanduva é um município vizinho de Itamarandiba), onde ainda moro.

Meu primeiro contato com a escrita foi em minha casa. Antes de frequentar a escola, minha mãe me ensinou a escrever meu nome completo, os números de zero a dez, o alfabeto e o nome das cores. Ainda não sabia a distinção entre vogal e consoante. Desde pequena ouvia histórias quando ia para casa da minha avó: ao anoitecer, ela assentava no fogão e começava a contar histórias. Aquele era um momento muito, considerando que naquela época não tínhamos televisão.

O primeiro livro que eu tive acesso foi a bíblia, pois era o único que havia em minha casa. Quando meus irmãos mais velhos começaram a estudar, tive a oportunidade de ver os livros que eles levavam para casa, mesma época em que minha mãe também havia levado alguns livros para casa.

Com seis anos, aprendi a escrever meu nome, e com sete anos entrei na escola, como já sabia pegar no lápis não tive muitas dificuldades no início. Não dá para esquecer a régua de madeira que a professora do primeiro ano usava. Ela utilizava aquela régua todos os dias para apontar as sílabas das palavras que estavam escritas no quadro. A dificuldade que eu tinha, na verdade, era a distância de cerca de cinco quilômetros que precisávamos caminhar para ir e para voltar da escola. Foi um período muito difícil, pois a aula começava às 12 horas, estudávamos até 16 horas. Lembro-me que já saíamos da escola com fome e ainda tínhamos que andar cinco quilômetros para chegar em casa e jantar. No caminho de volta para casa, encontrávamos algumas frutas, como amora, na beira da estrada, o que provocava até brigas entre nós, e vez ou outra comíamos até limão no caminho. Foi muito difícil.

Meus pais sempre me incentivaram a estudar, diziam que quem estuda tem uma vida melhor. Na escola em que estudei o ensino Fundamental I não possuía biblioteca, havia apenas um armário de livros, usados em sala de aula. Além de atividades, os professores exigiam que os alunos fizessem leituras, às vezes coletivas, às vezes individuais, para saber como estava o desenvolvimento de cada aluno. Não tínhamos professor de Educação Física, costumava-se estender o horário do recreio para desenvolver jogos e brincadeiras com os alunos.

Após concluir o quinto ano na escola da comunidade que era vizinha da minha, fui estudar na Escola Estadual Teodomiro Caldeira Leão, em Aricanduva, Minas Gerais, e muita coisa mudou. Lá havia biblioteca, a professora de português incentivava a gente a ler e eu gostava de ler romances.  Às vezes, lia livros de poesia também. Nessa escola, conclui o Ensino Médio.

Em 2018, consegui ingressar na Universidade, cursando Linguagens e Códigos na Licenciatura em Educação do Campo. A faculdade mudou meu hábito de leitura, pois antes eu lia textos mais simples. Alguns eu ainda leio, porém, outros foram substituídos por textos científicos. Esses textos científicos que leio normalmente são textos indicados pelos professores, e os considero muito importantes para minha formação como futura educadora.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Um novo olhar

Um novo olhar

Por Elisete Martins da Silva [1]

Lembro-me que desde muito nova queria ir para a escola, sonhava em aprender a ler e a escrever. Ao ver minha irmã e prima indo para a escola todos os dias, pedia à minha mãe para que eu pudesse começar a estudar também, porém, como não tinha a idade certa, ela não deixava.

 Um dia, minha prima comentou com a professora que eu estava querendo estudar, mas devido à idade, ainda não podia. Então, a professora disse que eu poderia ir de vez em quando para a escola até que chegasse a época certa para que eu começasse a estudar. Nossa! Fiquei muito feliz com aquela notícia.

No outro dia, acordei logo cedo empolgada para ir à escola, pois era um sonho que estava sendo realizado. Morava na zona rural, e a escola era lá mesmo, entretanto não muito próxima da minha casa. Desta forma, íamos a pé ou de bicicleta.

Comecei a ler e a escrever desde muito nova, com aproximadamente seis anos, porém meus primeiros contatos com os livros foram na escola. Lá, os professores liam para nós na sala de aula, mas também podíamos levar livros para casa. Isto aguçou meu interesse pela leitura. Os livros que eu mais gostava de ler eram os livros da “Chapeuzinho vermelho”, “Os três porquinhos”, “Poesias das borboletas” o livro de “Piadas”. Na escola também havia biblioteca e armários com livros aos quais tínhamos acesso.

Como antigamente poucas pessoas tinham acesso à escola, meus pais estudaram somente até o 4º ano: sabiam apenas escrever os nomes, e liam pouca coisa através da junção das sílabas.

Apesar desta dificuldade na alfabetização, meus pais eram, de certa forma, “letrados”, pois nas práticas demonstravam um conhecimento limitado. Ou seja, meus pais conseguiam ler o mundo naturalmente, através do cotidiano e dos conhecimentos passados pelos antepassados, mas sem que tivessem um conhecimento escolar específico.

No Ensino Fundamental II, do sexto ao nono ano, achei tudo muito bom, porque fazíamos muitas apresentações teatrais como uma forma de retratar o que havíamos aprendido em sala de aula, embora tivéssemos estudado pouco sobre literatura. Líamos os textos, fazíamos resumos, respondíamos questões e sempre ficávamos apenas nisso. Não tínhamos, em minha opinião, um letramento crítico que visasse questionar o texto, a história, uma reflexão.

No Ensino Médio, tive muitas experiências exitosas: na matéria de artes, fizemos muitas aulas práticas, como, por exemplo, para a reutilização de materiais recicláveis e objetos que não tinham mais utilidade, transformando-os em peças decorativas. Havia também uma feira cultural no mês de agosto na qual os referidos objetos eram expostos juntamente com outros artefatos de antiguidade, que faziam parte da cultura regional, além de receitas culinárias, mudas de plantas e remédios caseiros, que eram partilhados com os visitantes. Estudamos literatura, mas superficialmente, incluída na disciplina de português.

Por fim, a universidade está sendo muito importante para o meu crescimento intelectual, pois estou descobrindo a literatura, compreendendo-a melhor e vendo o verdadeiro sentido dela e de como olhar criticamente a realidade.

Sabendo que a leitura nos impulsiona e nos faz refletir sobre a vida e o mundo, posso destacar a importância destas experiências enquanto discente da Licenciatura em Educação do Campo. Posso afirmar que, a partir do curso, estou sendo motivada a ler cada vez mais, e isso é apenas o começo para esse novo mundo onde a literatura está presente. Dessa forma, pensando em um ensino de qualidade, é imprescindível levá-la a cada pessoa, e principalmente aos nossos futuros alunos, mostrando o verdadeiro sentido da literatura, não a deixando ser limitada.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Lembranças

Lembranças

Por Elisama de Sousa Ferreira [1]

Nasci em uma família de pessoas semianalfabetas, meu pai estudou apenas alguns dias devido à falta de recursos financeiros enfrentados na casa de meus avós. Já minha mãe concluiu a antiga terceira série do ensino primário. Quando eu tinha dois anos, minha mãe resolveu voltar a estudar, por meio de um programa social que na época se chamava Bolsa Escola. Aos três anos de idade, eu já tinha contato com a leitura por meio de bíblia, cadernos que minha mãe usava na escola e um livro didático que ela possuía. Apesar de minha mãe ter estudado pouco, considero-a minha primeira professora, tendo em vista que ela me ensinou os primeiros passos com os números de um a dez, a escrever o meu nome, algumas letras do alfabeto e as cores.

Com cinco anos, comecei a estudar na Escola Municipal Alberto Fernandes, percorrendo o trajeto de dez quilômetros de transporte de segunda a sexta-feira. Na escola, a turma era multisseriada, mas alguns desafios eu já havia vencido, como saber segurar o lápis e a escrever o meu nome, o que facilitou o trabalho da professora. As atividades desenvolvidas no Ensino Fundamental, desde a frase introdutória como era chamada na época, eram aprender o alfabeto, formar sílabas, números, utilizar o caderno de caligrafia para aprender escrever no tamanho padrão. Do Ensino Fundamental I para o II muitas foram as diferenças encontradas, pois as matérias eram estudadas separadamente com cada professor e com o tempo determinado de 50 minutos para cada aula, o que exigia mais atenção, levando em conta que somente as disciplinas de português e de matemática tinham aulas quase todos os dias, além de acrescentar uma matéria nova de inglês.

Desde o início da minha alfabetização, sempre fui incentivada pelos meus pais, não sei se é este o motivo de sempre gostar de estudar. Sempre gostava de ler histórias em quadrinhos, coleção de livros infantis da escola, o que mais tarde foi substituído por histórias em quadrinhos e livros que a leitura era exigida pela professora no Fundamental II. Na biblioteca da escola onde cursei o Fundamental II e Ensino Médio, os livros eram acessíveis, tendo, então, várias opções de leitura. A professora avaliava as leituras, por meio de resumo do livro além de ter que contar a história na sala de aula. Enquanto a história estava sendo contada, os alunos e a professora podiam fazer perguntas relacionadas ao livro. Esta atividade acontecia uma vez a cada bimestre e era considerada importante, visto que seria uma forma do aluno praticar a leitura, pois não havia aula especificadamente para literatura. A escola promovia concurso de redação, mas a participação não era obrigatória.

Ao chegar à Universidade, notei a mudança na minha rotina de leitura, pois muitos textos que anteriormente eu lia tiveram que ser deixados de lado em detrimento da leitura dos textos científicos sugeridos pelos professores. Esses textos são de difícil compreensão, trazem palavras novas que requerem mais dedicação para serem interpretadas, mas, a meu ver, são de grande relevância para o meu aprendizado, trazendo diferentes maneiras de ver o mundo. Fazer as leituras sugeridas pelos professores no Tempo Comunidade é mais fácil, pois no Tempo Universidade a correria do dia a dia é maior e sempre se acumulam trabalhos de matérias diferentes que precisam ser realizados, e, com isso, o tempo precisa ser dividido segundo a necessidade de leitura para cada disciplina.

Minha expectativa, enquanto futura educadora do campo, é proporcionar aos alunos uma maneira de estudar os conteúdos curriculares contextualizados com a realidade que eles vivem.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Memorial minha vida no contexto escolar

Memorial minha vida no contexto escolar

Por Debora Jades Vieira Rios Aguilar

Meu primeiro contato com a alfabetização iniciou-se com a escrita do meu nome. Com minha mãe, pratiquei a leitura de historinhas dos livros didáticos dos meus irmãos, que já estudavam, e ia me ensinando a ler. Minha mãe me contava histórias da época de sua própria infância, além de me ensinar músicas infantis. Meu interesse pela leitura se deu a partir do incentivo de minha mãe e de meu contato com os livros didáticos de meus irmãos. Meus pais tinham como tarefa diária me ensinar a escrever. Aos sete anos, fui matriculada na escolinha de minha comunidade, onde comecei a ter contato com massinhas de modelar e desenhos, mas, com o passar do ano, ainda não conseguia ler. E, mais uma vez, o meus pais intervieram, colocando a tarefa de me ensinar a ler para meus irmãos. Comecei a soletrar, conhecer as palavras e a desenvolver a leitura.

Os livros escolares dos anos iniciais continham pequenos parágrafos coloridos na parte superior do livro, e meu aprendizado se tornou efetivo a partir destes textos. Na escola, quando foi chegada a fase que teríamos que saber ler, eu já havia antecipado este aprendizado em função do apoio da família, porque já possuía o hábito da leitura. Nesta fase de aprendizagem, na escola do ensino Fundamental I, eu tinha muito contato com desenhos, músicas, pequenos textos e pinturas. Dedicávamos a maior parte do tempo a desenhar e escrever o nome e os números, pois possuíamos apenas uma professora para duas salas, que ministrava matemática e português.

No Ensino Fundamental II, percebi que as atividades com desenhos diminuíram e passamos a aprender com textos maiores e palavras novas. A professora sempre nos passava textos com palavras desconhecidas para que conhecêssemos melhor o significado das palavras que estávamos lendo. Já trabalhávamos mais com atividades de leitura e produção de textos. Outra atividade diária era fazer resumos de nossas leituras, que no ensino médio se intensificou. Os textos complexos se tornam mais frequentes. A biblioteca da escola era aberta a todos, e lá poderíamos realizar trabalhos escolares com consulta aos livros, mas havia algumas restrições: só podíamos levar para casa apenas dois livros e com prazo de empréstimo de uma semana ou no máximo duas. Já peguei livros para ler, pois leitura em casa me dava prazer. A bibliotecária da escola dividia os livros pelas séries de cada aluno. No Ensino Médio, tive maiores experiências com livros, pois os trabalhos escolares eram desempenhados a partir deles. Acredito que a leitura contribuiu para o meu aprendizado, pois algumas palavras já não me eram tão estranhas ou diferentes e a compreensão dos textos agora é maior. Também fui melhorando a escrita, tendo em vista que errava muito a ortografia. Adquiri facilidade em produção de resumos e rapidez na leitura. Hoje já não tenho mais este hábito de pegar livros emprestados, talvez pelas indicações de leituras teóricas feitas pelos professores da universidade. Não tive mais contato com os livros ou com a biblioteca apenas pelo livre prazer da leitura.

Entrei na Universidade no ano de 2018, ano marcado por muitas descobertas, porque não tinha muito conhecimento de textos científicos e a produção de textos acadêmicos. Elaborar o primeiro relatório foi um desafio para mim, pois não tinha o costume de escrever trabalhos daquela natureza. As atividades em sala de aula, com apresentação de trabalhos, seminários e debates, incluem discussões dos textos científicos, tarefas que ainda hoje considero difíceis. Hoje, estou no terceiro período e enxergar este momento com outros olhos, olhos mais maduros. A Universidade me proporcionou crescimento em relação ao processo de letramento, ao diálogo com questões que nos cercam, à compreensão das questões que envolvem nossas relações sociais e ao processo de escrita. As maneiras que estas relações nos moldam, mudam as formas que compreendemos o mundo. Vejo que a leitura esteve muito presente em minha vida escolar, mas pude entender o conceito de literatura somente na Universidade, ir além do conteúdo, buscando contextualizar as reflexões com nossa visão de mundo. Pude ver que meu percurso escolar, mesmo que por vezes tivesse falhas, contribuiu para que eu esteja onde estou, e que o letramento que adquiri foi fruto de todo este processo escolar, no qual pude ter outra visão da literatura e dos letramentos. Não devemos nos impor limites por causa da ignorância ou arrogância, por vezes imposta de modo oculto pelas próprias escolas. Penso que devemos ser abertos ao mundo e às inúmeras possibilidades de questionamentos, de leituras, e que não há algo programado que nos impõem e deveríamos executar.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Minhas memórias

Minhas memórias

Por Claudiana Aparecida de Paula [1]

Desde a infância, sempre morei em área rural, no povoado nomeado como Canavial, no município da cidade de Santo Antônio do Itambé, Minas Gerais. Antes de seis anos, eu já frequentava a escola, não formalmente, mas como acompanhante de minha irmã mais velha, Graciele Ferreira, que não gostava de ir para a escola. No período em Graciele estudava, eu ficava dentro da sala folheando alguns livros infantis, observando as imagens que tinham neles. Um dos primeiros livros que tive contato, e lembro bem, foi “João e o pé de feijão” e a “Menina bonita dos laços de fitas”.

Enquanto minha irmã estava sendo alfabetizada, comecei querer aprender também, entretanto, eu não podia participar da aula como os outros alunos. A professora, então, doou-me alguns materiais, como gibis, canetinhas, giz de cera, dominó com números ou com letras do alfabeto para que eu desenvolvesse algumas atividades, não avaliativas. Meu interesse foi aumentando cada vez mais. 

Em casa, pedia ajuda aos meus irmãos mais velhos com o alfabeto. A partir daí, aguardava ansiosamente a oportunidade de ingressar regularmente na escola. Com sete anos, aconteceu o que eu mais queria: enfim fui matriculada na escola. Devido à trajetória anterior, tive mais facilidade na alfabetização do que meus demais colegas.

Desde o início do meu primário até a quarta série, estudei com apenas uma professora a cada série. Recordo-me constantemente das minhas queridas professoras, que à época chamávamos de “tia’’. Tia Rosângela, tia Vanir, tia Rosilene e tia Marilene. Sempre as considerei de suma importância em minha vida, pois era na escola que eu mantinha um contato diário com professores, colegas e as serventes, que também foram significativas em minha vida. Cresci ouvindo meus pais dizerem que “a educação vem do berço”, ou seja, que o respeito e os bons costumes devem ser aprendidos em casa. Recebi apoio para estudar de meus pais, Inedina Vitorina e José Anselmo, que sempre me incentivavam para que eu continuasse a seguir em frente. Rosângela foi a professora que me alfabetizou, e, juntamente com as outras professoras, fui desenvolvendo outras práticas de letramento, processo lento e complexo de compreender o mundo.

Com o passar dos anos, fui transferida para a Escola Estadual Alcebíades Nunes, na cidade de Santo Antônio do Itambé, onde estudei as séries finais do Ensino Fundamental II e o Ensino Médio. Durante esse período, tive uma visão diferenciada do mundo, porque eram ambientes novos. Fui conhecendo novas pessoas professores e colegas e, com isso, fui fazendo novas amizades e aprendendo diversos conhecimentos. Ao finalizar o Ensino Médio, tive interesse em fazer alguns cursos profissionalizantes, por isso fiz o curso de Magistério, no ano de 2016, uma forma que encontrei de continuar centrada nos estudos. Então, no ano de 2018, ingressei no curso de Licenciatura em Educação do Campo, na UFVJM, estruturado com a Pedagogia da Alternância. Essa é uma forma de ensino contextualizado, disposto de maneiras alternativas: no Tempo Universidade e Tempo Comunidade. Assim, os estudantes conciliam os conhecimentos acadêmicos com a realidade das suas comunidades, de seus territórios. E esse curso nos possibilita o trabalho com os conhecimentos científicos juntamente com os conhecimentos populares.

Em minha percepção, a cada etapa de nossas vidas, temos uma nova maneira de ver o mundo. O tempo e o espaço fazem com que vivenciemos novas experiências e diferentes conceitos. E todo aquele conhecimento que aprendemos no primário se torna um alicerce para as nossas vidas futuras. Esse conhecimento vem sendo aprimorado a cada vez que conseguimos fazer uma leitura crítica do mundo.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Varanda da minha infância

Varanda da minha infância

Por Carla Batista Dias [1]

Durante minha infância, antes de entrar na escola, tive acesso à leitura e à escrita através de livros de história infantil, revista em quadrinhos e panfletos de supermercado. Lembro-me de meu pai lendo apostilas sobre temas relacionados à saúde, pois ele era agente comunitário, escrevendo atas da associação, de minhas tias escrevendo receitas de bolos. O primeiro livro que tive foi da “Branca de neve”, um presente da minha tia. Eu estava iniciando os estudos e precisava ter este contato com os livros. 

Meus pais sempre me incentivaram a ler, mostrando-me as letras do alfabeto, desde que eu tinha quatro ou cinco anos. Quando entrei na escola já sabia escrever meu nome e associar algumas palavras a objetos, como, por exemplo, bola, dado, gato, rato entre outras. Foi um momento de alegria, pois este era o sonho da maioria das crianças: aprender a ler e a escrever.

Nos primeiros anos na escola, a prática de escrita foi bem tranquila, porque não tive tanta dificuldade em relação a associar as letras às palavras. Minha professora me incentivava muito a ler, e a aprender a escrever as palavras corretamente. Os textos escritos, em sua maioria, eram sobre a nossa própria história de vida ou sobre algumas histórias que nossos pais contavam. Recordo-me que, no Ensino Fundamental I, fazia leitura de historinhas e depois a recontava, produzindo histórias em formato de desenhos. No Fundamental II, fazia leitura de livros pedagógicos, literários e de contos, produzindo redação dissertativo-argumentativa, cartas, bilhetes, entre outras. Já no Ensino Médio, lia revistas científicas, textos literários e livros pedagógicos. Também assistia filmes, fazia debates a respeito das leituras, preparava peças teatrais com temas dos livros literários. Na minha escola havia uma biblioteca, e os alunos tinham livre acesso a ela, pois estava sempre aberta para o uso. Éramos incentivados a ler com o projeto “Leitor nota 10”. Tínhamos que ler muitos livros e depois recontá-los para a classe. Aqueles que conseguissem recontar os textos teriam a nota de melhor leitor da classe.

As mudanças nas minhas relações com a leitura foram muito grandes, desde o Ensino Fundamental até o Médio, já que tive contato com vários tipos de livros e isso me possibilitou ler mais e, ao mesmo tempo, escrever. No momento que passei a ler e compreender os textos, pude ter outros conhecimentos e a desenvolver a prática de escrita. O livro que mais marcou minha vida e que, de certa forma, ajudou-me bastante com minha escrita foi o livro “Projeto Semeando Torrãozinho”, que abordava temas sobre a água e a terra. Tínhamos que lê-lo e fazer uma redação, buscando soluções para o problema apresentado na narrativa. Não considero que a escola tenha me ajudado a ler melhor e relacionar os textos com minhas práticas sociais, porque muitas vezes focamos atenção somente no autor e não a contrastamos com as nossas.

Atualmente, com 23 anos de idade, resido na comunidade quilombola Pega, no município de Virgem Da Lapa. Em 2018, ingressei na UFVJM, em Diamantina, no curso em Licenciatura em Educação do Campo. Penso que o curso dialoga com minha comunidade, porque relaciona o conhecimento científico ao conhecimento popular do meu grupo social. Em relação à leitura, tive uma grande transformação: troquei os livros que lia por prazer e pelas leituras que me ajudam a compreender os conteúdos propostos pelas unidades curriculares. Há um ponto positivo em toda essa mudança: ela me propicia novos conhecimentos sobre o campo científico, o acesso a novos livros de autores diferentes e a ter contato com linguagens diferentes. É uma experiência enriquecedora, pois abre novas possibilidades de leitura.  Não é possível aprender somente com o conteúdo passado nas unidades curriculares. Vou além, busco novos livros e outras ideias para compreender um determinado assunto. Isto é muito bom, pois comecei a me dedicar mais às leituras, não só a elas, mas também a debates que têm me ajudado bastante a argumentar.

Ainda tenho dificuldade em compreender alguns textos, por ter um tempo corrido e vários textos diferentes para ler. Os que mais me identifico são os relacionados ao sujeito do campo, pois trabalham minha realidade como campesina, motivo pelo qual faço esse curso.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Letramento visual

Letramento visual

Por Alexandre dos Santos Baldaia [1]

Tenho vinte anos, nasci, cresci e resido atualmente na comunidade Quilombola do Paiol. Na minha infância tive poucas oportunidades de ler um livro ou mesmo de ter um, pois naquela época era tudo muito difícil. Minha família sempre morou no campo, assim não tive muitos contatos com a leitura. Apenas quando meus irmãos mais velhos começaram a estudar na escola do município, trazendo alguns livros didáticos para casa é que tive os primeiros contatos com os livros.

Como eles já sabiam ler, passaram a me ajudar a decorar o alfabeto e a escrever as primeiras palavras. Foi assim que aprendi a escrever meu nome, e sempre tive interesse em ler. Nesses livros didáticos também havia algumas histórias em quadrinhos, como “A turma da Mônica”, por exemplo, que eu tentava entender, porque ainda não sabia ler.  Na minha infância, então, aprendi primeiro a ler as imagens: sempre que olhava qualquer tipo de figura, tentava descobrir uma posição crítica no texto, pensando sempre no que poderiam representar.e

Aos seis anos de idade ingressei na escola e com sete anos comecei a ler e a escrever. Foi muito difícil me adaptar àquele lugar e a usar o lápis. Cheguei a pensar, em certo momento, que não conseguiria aperfeiçoar a prática de leitura. No entanto, os professores sempre exigiam que eu e meus colegas lêssemos e escrevêssemos. Sempre nos passavam o alfabeto e, logo em seguida, tentávamos escrever nosso nome, o nome da cidade e da comunidade em que morávamos. Começar a ler foi a melhor experiência que tive, porque a cada dia eu procurava aperfeiçoar minha prática de leitura e, assim, fui aprimorando meus conhecimentos. Meus primeiros livros foram dados por minha mãe quando entrei na escola. Todos os anos, passava um homem vendendo alguns kits de livros perto de minha casa. Como minha mãe é religiosa, optou por comprar livros religiosos. Recordo-me que, do início ao final do Ensino Fundamental I, os professores sempre exigiam dos alunos que lessem livros durante a aula. Lembro-me que um desses livros era “O rato roeu a roupa do rei de Roma”.

Sobre o papel da escola no desenvolvimento da leitura, penso que tanto professores quanto diretores incentivam a leitura nos primeiros cinco anos iniciais do Ensino Fundamental I, mas depois passam a não dar valor à leitura, como se os alunos não necessitassem mais ler. Acredito nisto porque não os vi passando livros para leitura e discussão em sala de aula após o período mencionado. Na escola havia uma biblioteca, mas não podíamos pegar livros para ler. Também não podíamos levar livros para a casa, pois, segundo a escola, não tínhamos responsabilidade e poderíamos sujá-los.

Quando terminei o Ensino Médio, fiquei um período sem ter acesso a livros, pois trabalhava no campo e quase não tinha tempo para ler. Ao entrar na Universidade, comecei a ler alguns textos acadêmicos, assim voltei a ter o hábito de ler. No entanto, alguns desses textos são cansativos e difíceis de entender, mas sei que são necessários, pois a partir desses livros começamos a ter uma visão de mundo que será útil em minha vida profissional e social. As dificuldades que tive em ter um livro ou até mesmo para ler me fizeram perceber que a leitura não se realiza apenas oralmente; e que o letramento não é um processo de decorar o alfabeto ou ler. Entendi que o que está por trás disso tudo. Entendo que para me tornar um educador do campo é preciso buscar conhecer a realidade dos alunos e contextualizar o ensino.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: https://auladigital.net.br/ebooks.

Relembrando o começo do meu futuro

Relembrando o começo do meu futuro

Alcione Aparecida Ferreira [1]

Sou filha de Afonso Fernandes e Ivanildes Venância e irmã de Wilson Elias, quatro anos mais velho que eu. Somos campesinos e moradores da comunidade Botafogo pertencente ao município de Santo Antônio do Itambé-MG. Quando criança, adorava brincar de professora. No meu quarto, escondida dos meus pais, fazia riscos atrás da porta com pedaços de barro, pois ainda não sabia escrever, e alegremente pensava estar lecionando. Muitas vezes, na varanda, improvisava uma sala de empresa, em que eu sonhava ser secretária e, com os materiais escolares do meu irmão, riscava o papel como se fizesse anotações importantes. Meu pai sempre percebeu que eu tinha grande interesse pela escola, então, aos cinco anos de idade, deu-me um caderninho, um lápis de escrever e uma borracha. Sempre que tinha um tempinho, sentava comigo para me ensinar a escrever meu nome. Lembro-me da época em que minha casa ainda não tinha luz, e sentávamo-nos no banco da cozinha com a lamparina acesa. Meu pai lia a bíblia, e rezávamos o Terço e o Ofício de Nossa Senhora com um livrinho que eu sempre folheava.

Aos seis anos, entrei na Escola Municipal de Botafogo, como havia grande demanda de alunos e as salas de aula eram poucas, criaram turmas multisseriadas. No meu primeiro ano na escola, a professora ensinava apenas a escrever o nome, alguns números e as vogais. Nisto, eu levava vantagem, pois já sabia escrever meu nome completo. Lembro-me bem de minhas professoras, Vanir, Rosângela, Rosilene e Marielene, mas, principalmente, da primeira professora, a tia Vanir, como era conhecida. Ela sempre gostou de músicas, então colocava canções para cantarmos e dançarmos na sala de aula. As músicas de que mais gostava eram: A pulga e o percevejo, A barata, A canoa virou e Cantigas de roda.

A partir da segunda série, fazíamos pequenas redações praticamente todos os dias. Eu adorava ler as minhas para a turma e ilustrá-las, porque ganhávamos prêmios com a atividade. Os temas eram voltados à nossa imaginação e todos os alunos viajavam no universo imaginário. Eu sempre iniciava meus textos com um ‘‘era uma vez’’ para marcar o caráter fictício das histórias. Havia, também, o projeto “Semeando” cujo objetivo era valorizar a terra através de narrativas dos livrinhos dos personagens Torrãozinho e Sementinha. Ainda na segunda série, quebrei a clavícula ao correr para a catequese, ficando o braço direito engessado e preso, mas que não me impedia de fazer as atividades escritas. Minha atitude alcançou o apreço da professora que me escolheu como aluna modelo da turma. A escola tinha um quartinho com livros didáticos e de historinhas infantis dentro de um armário trancado com cadeado. Tínhamos acesso apenas aos textos didáticos. Toda semana, o supervisor fazia visitas para avaliar as leituras e os cadernos dos alunos. Adorava ler para o supervisor, Humberto Magno, pois fazíamos muitas fichas com nome da escola, da professora e do aluno. As atividades e avaliações eram mimeografadas.

Estudei o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio na Escola Estadual Alcebíades Nunes, localizada na cidade. Lá havia uma biblioteca à disposição de todos, mas eu quase não pegava livros literários, somente os didáticos. Só fazia empréstimo dos textos literários quando o professor solicitava um resumo do livro que, em geral, eu nem lia. Só copiava e entregava. A escola promovia viagens para os alunos que mais faziam empréstimo de livros literários. Geralmente, os alunos pegavam os livros e não liam, porque não era solicitado um resumo da obra. Aos dezoito anos de idade concluí o Ensino Médio, e aos vinte anos cursei o magistério, Curso Normal em Nível Médio nessa mesma instituição. Nessa escola, tive muitas experiências, como trabalhar histórias infantis com crianças, com atividades de reconto.

Em 2018, prestei o vestibular para a Licenciatura em Educação do Campo da UFVJM e fui aprovada. A partir de então, descobri a importância da leitura, mesmo com dificuldades com textos acadêmicos. Entendo que essas leituras me ajudarão a ter um maior embasamento teórico para a realização dos trabalhos acadêmicos e, claro, para a vida. Assim sendo, avalio como positiva a mudança pela qual estou passando, pois é o que fortalecerá meu crescimento como estudante, pessoa e futura educadora do campo.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: https://auladigital.net.br/ebooks.

Práticas de letramento e superações

Práticas de letramento e superações

Por Airton Alves Chaves Junior [1]

Durante parte de minha infância não tive oportunidade de ter acesso a práticas de leitura, pois meus pais não sabiam ler e não tinham nenhum livro que pudesse influenciar meu processo de aprendizagem. Em minha casa havia apenas um rádio antigo, através do qual meu pai ouvia os jogos de futebol. Este hábito de meu pai me beneficiou, porque eu tentava entender o que era ali narrado para os ouvintes. Na comunidade onde morro não tinha escola, assim era muito difícil para os moradores terem acesso ao ensino. Meus irmãos não tiveram oportunidade de ir à escola, porquanto não tinham condições de custear as despesas ou até mesmo o deslocamento até o município em que se localizava a escola. Para irem de ônibus, teriam que andar muito, assim escolheram trabalhar na roça para ajudar as necessidades da família.

Aos sete anos, ingressei na escola, mas também tive dificuldades em função do deslocamento da minha comunidade, que fica na zona rural, até à escola, que se localizava na cidade de Cristália. Eu saía de casa às 8 horas e só chegava à escola por volta das 12 horas. Nessa época, eu não tinha conhecimentos sobre letras ou números, mas desde novo já tentava ler as palavras ou números que via nas ruas da cidade. Aos poucos fui aprendendo na prática e, assim, comecei a desenvolver minha escrita, incentivada apenas pelo professor, que passava historinhas, como a dos Três porquinhos, para facilitar o aprendizado.

Além das dificuldades de acesso à escola, também precisava trabalhar com meu pai nas lavouras de feijão. Depois da colheita, o produto seria vendido para custear meus materiais e uniformes, produto difícil para adquirir.

Na escola, os problemas mais frequentes eram relacionados às tarefas que os professores passavam como atividade extraclasse. Como meus pais não eram alfabetizados, não era possível que me ajudassem, sendo assim, quando eu não conseguia fazer sozinho as atividades, voltava para as aulas com a tarefa sem fazer, na maioria das vezes. Sempre tentava fazer as tarefas enquanto estava na sala de aula para contar com a ajuda do professor. Com auxílio da escola, que possuía vários professores capacitados, pude ter um bom desenvolvimento da leitura e, assim, ajudar minha mãe a ler a Bíblia, que é de suma importância para ela.

Ao passar para o Ensino Médio ainda tive dificuldades por causa das atividades e leituras que eram passadas e que estarem fora do meu contexto de minha vida, ou seja, tudo que era passado não estava relacionado à minha forma de aprendizagem anterior.

Nas atividades desenvolvidas, o professor buscava livros na biblioteca e nos passava apenas resolução de atividades, o que não estimulava a leitura. Além disso, para ter acesso a um livro havia burocracias que nos faziam desistir, pois teríamos que preencher vários formulários para levar o livro para casa. Já no terceiro ano do Ensino Médio, busquei outras fontes de estudos, como a internet, para aprimorar meu desenvolvimento nas matérias. Isto contribuiu para importantes mudanças no meu modo de pensar e escrever.

Fiz o vestibular da Licenciatura em Educação do Campo ainda cursando o terceiro ano do Ensino Médio, o que me ajudou e incentivou a manter o foco e continuar os estudos. Ao ingressar na universidade, deparei-me com algumas dificuldades, pois na escola em que estudei não nos exigiam a leitura de texto de mais de 20 páginas, e as práticas de escritas eram descontextualizadas: nas redações, por exemplo, não havia uma estrutura a seguir e nem uma necessidade de interpretação textual.  Nesta nova rotina de leitura, obtive novos conhecimentos essenciais para meu processo de aprendizagem, uma vez que passei a ter uma visão crítica em minhas leituras.

Na graduação, atualmente, leio textos indicados pelos docentes – que, aliás, julgo serem muitas. Às vezes, o tempo curto e os textos difíceis de interpretar acabam me prejudicando, pois não consigo fazer todas as leituras propostas pelas disciplinas. Não posso, porém, deixar de mencionar um dos textos com o qual me identifico bastante, “Cultura Camponesa”, de José Maria Tardim, voltado para as culturas e tradições do homem camponês.

Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, percebo a importância da leitura em minha vida. Através dela, encontramos novas estratégias de resistência, novas possibilidades de interpretação do mundo, já que somos seres compostos de ideias, sonhos e posições críticas.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: https://auladigital.net.br/ebooks

Relembrando meu passado

Relembrando meu passado

Por Adilson Gomes Santos [1]

Durante minha infância, o acesso a textos escritos não era comum, visto que poucas pessoas de meu convívio tinham acesso à educação formal e, consequentemente, à escrita. Eu tinha acesso a áudios da rádio comunitária ou de fitas gravadas. Naquela época, tinha contato também com a Bíblia Sagrada. Por sermos crianças, e porque meus pais a consideravam um livro sagrado, apenas um adulto poderia ter contato direto com a Bíblia. Mesmo assim, eu ouvia a leitura do texto sagrado feita por minha mãe, com voz um pouco insegura em função de ela ter estudado apenas até a quarta série do Ensino Fundamental. As leituras da Bíblia eram reforçadas na igreja, principalmente nas ocasiões em que o padre estava presente nas missas. Além das escrituras, lia textos que circulavam no meio em que vivia, como bulas de medicamentos, listas de compras, listas de despesas de cada mês etc.

Eu me lembro que entre seis e sete anos, fui presenteado com uma fita de áudio com músicas de lambada, ritmo rápido e contagiante que me interessava tanto que ficava ao lado do toca-fitas. Ouvia, também, na casa de minha avó, o áudio do Ofício da Imaculada Conceição, música religiosa, todas as tardes. Desses áudios, o que mais gostei foi o da fita de Ofício, porque naquela época precisávamos saber a rezar o Ofício, como estratégia utilizada por nossa comunidade quilombola para preservar a cultura afro-brasileira. Participava de encontros coletivos para ouvir as contações de causos ou para fazer a Oração do Terço, tradições orais ainda hoje preservadas em minha comunidade.

Antes de frequentar a escola, tive contato com a prática de escrita por intermédio das atividades diárias da minha mãe. Quando ela deixava folhas ou listas de compras em locais baixos, eu aproveitava a oportunidade para rabiscar as folhas. Percebendo minha curiosidade e vontade de escrever, minha família me presenteou com uma caixinha de canetinhas e um caderninho de arame. Confesso que usava mais a parede para tentar escrever do que o caderno. Ficava ali, tentando reproduzir o alfabeto ou desenhando os animais, como, por exemplo, minha cachorrinha Floresta. No início de minha alfabetização, nos primeiros anos escolares, tive uma professora muito dedicada, a tia Lúcia do Celin, que alfabetizava usando metodologias que prendiam nossa atenção. Uma delas consistia em usar imagens de objetos presentes em nosso dia a dia relacionadas às letras do alfabeto.

Minha motivação para escrever iniciou-se com as atividades propostas pela professora, que levava contos para serem trabalhados em sala de aula. Essas narrativas, que faziam parte de minha (de nossas) vivência(s), eram expostas em sequências de imagens para que pudéssemos, a partir delas, elaborar textos escritos nas aulas de português. A escola, portanto, teve uma função muito relevante em meu aprendizado, ou melhor, em meu processo de letramento, porém acredito que poderíamos ter tido contato com os livros que ficavam trancados nos armários do “Cantinho de Leitura”.

A leitura era mais cobrada nos anos finais do Fundamental I. Tínhamos responsabilidades ao pegar os livros literários chamados de “novos” pelos professores, mas não via um real incentivo à leitura. Queriam que tivéssemos acesso ao livro, e os textos produzidos eram a partir de sequências de imagens e dos relatos do sobre o período de férias.

No ensino Fundamental II continuei a ter contato com a literatura. A partir da quinta série, estudei em uma escola Estadual que possuía uma biblioteca com um grande acervo de livros, o que facilitou a diversificação de textos. Os professores, muitas vezes, escolhiam quais livros seriam lidos, mas a partir dessas escolhas surgiu em mim uma grande curiosidade pelos textos, no sentido de buscar saber o que estava por trás daquela escrita, algo que ia além daquilo que nossos olhos alcançam. Mais tarde, em função de minha curiosidade pela Bíblia Sagrada, participei de cursos para melhor compreendê-la.

Chegando ao ensino superior, tive a sensação de que sabia muito pouco. Precisei despertar o leitor e o escritor que estavam adormecidos dento em mim. Em minha trajetória de vida não tive contato com textos teóricos, por isso, tive uma grande dificuldade para ler e interpretar textos deste tipo. Entretanto, tenho superado os obstáculos. Percebo que, muitas vezes, o professor quer trabalhar de forma contextualizada, mas existe uma grade curricular que funciona como uma barreira que limita a atuação do educador. Assim, acredito que o docente nem sempre é culpado pela má formação de seus alunos.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: https://auladigital.net.br/ebooks

Cadernos DIVERSIDADES & EDUCAÇÃO DO CAMPO, v. 1

Cadernos DIVERSIDADES & EDUCAÇÃO DO CAMPO, v. 1

O projeto Olhares do Campo organizou o Cadernos Diversidades & Educação do Campo, v. 1, com opiniões de campesinos e quilombolas dos Vales sobre as temáticas.

Originalmente, os textos foram publicados semanalmente, de janeiro a abril de 2020.

O material completo pode ser acessado pelo site do programa Aula Digital, do qual o Olhares do Campo faz parte, nesta página que tem outros ebooks produzidos no âmbito da Licenciatura em Educação do Campo da UFVJM: https://auladigital.net.br/wp-content/uploads/2020/08/CADERNO-DIVERSIDADES-E-EDUCA%C3%87%C3%83O-vol1.pdf