Varanda da minha infância

Por Carla Batista Dias [1]

Durante minha infância, antes de entrar na escola, tive acesso à leitura e à escrita através de livros de história infantil, revista em quadrinhos e panfletos de supermercado. Lembro-me de meu pai lendo apostilas sobre temas relacionados à saúde, pois ele era agente comunitário, escrevendo atas da associação, de minhas tias escrevendo receitas de bolos. O primeiro livro que tive foi da “Branca de neve”, um presente da minha tia. Eu estava iniciando os estudos e precisava ter este contato com os livros. 

Meus pais sempre me incentivaram a ler, mostrando-me as letras do alfabeto, desde que eu tinha quatro ou cinco anos. Quando entrei na escola já sabia escrever meu nome e associar algumas palavras a objetos, como, por exemplo, bola, dado, gato, rato entre outras. Foi um momento de alegria, pois este era o sonho da maioria das crianças: aprender a ler e a escrever.

Nos primeiros anos na escola, a prática de escrita foi bem tranquila, porque não tive tanta dificuldade em relação a associar as letras às palavras. Minha professora me incentivava muito a ler, e a aprender a escrever as palavras corretamente. Os textos escritos, em sua maioria, eram sobre a nossa própria história de vida ou sobre algumas histórias que nossos pais contavam. Recordo-me que, no Ensino Fundamental I, fazia leitura de historinhas e depois a recontava, produzindo histórias em formato de desenhos. No Fundamental II, fazia leitura de livros pedagógicos, literários e de contos, produzindo redação dissertativo-argumentativa, cartas, bilhetes, entre outras. Já no Ensino Médio, lia revistas científicas, textos literários e livros pedagógicos. Também assistia filmes, fazia debates a respeito das leituras, preparava peças teatrais com temas dos livros literários. Na minha escola havia uma biblioteca, e os alunos tinham livre acesso a ela, pois estava sempre aberta para o uso. Éramos incentivados a ler com o projeto “Leitor nota 10”. Tínhamos que ler muitos livros e depois recontá-los para a classe. Aqueles que conseguissem recontar os textos teriam a nota de melhor leitor da classe.

As mudanças nas minhas relações com a leitura foram muito grandes, desde o Ensino Fundamental até o Médio, já que tive contato com vários tipos de livros e isso me possibilitou ler mais e, ao mesmo tempo, escrever. No momento que passei a ler e compreender os textos, pude ter outros conhecimentos e a desenvolver a prática de escrita. O livro que mais marcou minha vida e que, de certa forma, ajudou-me bastante com minha escrita foi o livro “Projeto Semeando Torrãozinho”, que abordava temas sobre a água e a terra. Tínhamos que lê-lo e fazer uma redação, buscando soluções para o problema apresentado na narrativa. Não considero que a escola tenha me ajudado a ler melhor e relacionar os textos com minhas práticas sociais, porque muitas vezes focamos atenção somente no autor e não a contrastamos com as nossas.

Atualmente, com 23 anos de idade, resido na comunidade quilombola Pega, no município de Virgem Da Lapa. Em 2018, ingressei na UFVJM, em Diamantina, no curso em Licenciatura em Educação do Campo. Penso que o curso dialoga com minha comunidade, porque relaciona o conhecimento científico ao conhecimento popular do meu grupo social. Em relação à leitura, tive uma grande transformação: troquei os livros que lia por prazer e pelas leituras que me ajudam a compreender os conteúdos propostos pelas unidades curriculares. Há um ponto positivo em toda essa mudança: ela me propicia novos conhecimentos sobre o campo científico, o acesso a novos livros de autores diferentes e a ter contato com linguagens diferentes. É uma experiência enriquecedora, pois abre novas possibilidades de leitura.  Não é possível aprender somente com o conteúdo passado nas unidades curriculares. Vou além, busco novos livros e outras ideias para compreender um determinado assunto. Isto é muito bom, pois comecei a me dedicar mais às leituras, não só a elas, mas também a debates que têm me ajudado bastante a argumentar.

Ainda tenho dificuldade em compreender alguns textos, por ter um tempo corrido e vários textos diferentes para ler. Os que mais me identifico são os relacionados ao sujeito do campo, pois trabalham minha realidade como campesina, motivo pelo qual faço esse curso.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.
%d blogueiros gostam disto: