Práticas de letramento e superações

Por Airton Alves Chaves Junior [1]

Durante parte de minha infância não tive oportunidade de ter acesso a práticas de leitura, pois meus pais não sabiam ler e não tinham nenhum livro que pudesse influenciar meu processo de aprendizagem. Em minha casa havia apenas um rádio antigo, através do qual meu pai ouvia os jogos de futebol. Este hábito de meu pai me beneficiou, porque eu tentava entender o que era ali narrado para os ouvintes. Na comunidade onde morro não tinha escola, assim era muito difícil para os moradores terem acesso ao ensino. Meus irmãos não tiveram oportunidade de ir à escola, porquanto não tinham condições de custear as despesas ou até mesmo o deslocamento até o município em que se localizava a escola. Para irem de ônibus, teriam que andar muito, assim escolheram trabalhar na roça para ajudar as necessidades da família.

Aos sete anos, ingressei na escola, mas também tive dificuldades em função do deslocamento da minha comunidade, que fica na zona rural, até à escola, que se localizava na cidade de Cristália. Eu saía de casa às 8 horas e só chegava à escola por volta das 12 horas. Nessa época, eu não tinha conhecimentos sobre letras ou números, mas desde novo já tentava ler as palavras ou números que via nas ruas da cidade. Aos poucos fui aprendendo na prática e, assim, comecei a desenvolver minha escrita, incentivada apenas pelo professor, que passava historinhas, como a dos Três porquinhos, para facilitar o aprendizado.

Além das dificuldades de acesso à escola, também precisava trabalhar com meu pai nas lavouras de feijão. Depois da colheita, o produto seria vendido para custear meus materiais e uniformes, produto difícil para adquirir.

Na escola, os problemas mais frequentes eram relacionados às tarefas que os professores passavam como atividade extraclasse. Como meus pais não eram alfabetizados, não era possível que me ajudassem, sendo assim, quando eu não conseguia fazer sozinho as atividades, voltava para as aulas com a tarefa sem fazer, na maioria das vezes. Sempre tentava fazer as tarefas enquanto estava na sala de aula para contar com a ajuda do professor. Com auxílio da escola, que possuía vários professores capacitados, pude ter um bom desenvolvimento da leitura e, assim, ajudar minha mãe a ler a Bíblia, que é de suma importância para ela.

Ao passar para o Ensino Médio ainda tive dificuldades por causa das atividades e leituras que eram passadas e que estarem fora do meu contexto de minha vida, ou seja, tudo que era passado não estava relacionado à minha forma de aprendizagem anterior.

Nas atividades desenvolvidas, o professor buscava livros na biblioteca e nos passava apenas resolução de atividades, o que não estimulava a leitura. Além disso, para ter acesso a um livro havia burocracias que nos faziam desistir, pois teríamos que preencher vários formulários para levar o livro para casa. Já no terceiro ano do Ensino Médio, busquei outras fontes de estudos, como a internet, para aprimorar meu desenvolvimento nas matérias. Isto contribuiu para importantes mudanças no meu modo de pensar e escrever.

Fiz o vestibular da Licenciatura em Educação do Campo ainda cursando o terceiro ano do Ensino Médio, o que me ajudou e incentivou a manter o foco e continuar os estudos. Ao ingressar na universidade, deparei-me com algumas dificuldades, pois na escola em que estudei não nos exigiam a leitura de texto de mais de 20 páginas, e as práticas de escritas eram descontextualizadas: nas redações, por exemplo, não havia uma estrutura a seguir e nem uma necessidade de interpretação textual.  Nesta nova rotina de leitura, obtive novos conhecimentos essenciais para meu processo de aprendizagem, uma vez que passei a ter uma visão crítica em minhas leituras.

Na graduação, atualmente, leio textos indicados pelos docentes – que, aliás, julgo serem muitas. Às vezes, o tempo curto e os textos difíceis de interpretar acabam me prejudicando, pois não consigo fazer todas as leituras propostas pelas disciplinas. Não posso, porém, deixar de mencionar um dos textos com o qual me identifico bastante, “Cultura Camponesa”, de José Maria Tardim, voltado para as culturas e tradições do homem camponês.

Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, percebo a importância da leitura em minha vida. Através dela, encontramos novas estratégias de resistência, novas possibilidades de interpretação do mundo, já que somos seres compostos de ideias, sonhos e posições críticas.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: https://auladigital.net.br/ebooks
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