Por Sabrina Santos Esteves [1]
Ouça um trecho lido pela própria autora a seguir. O texto completo, em formato escrito, segue logo abaixo.
Abordo aqui lembranças relacionadas aos meus primeiros contatos com essas ferramentas digitais e os laços que fui criando com elas no decorrer dos tempos. Trago, também, reflexões relacionadas à inclusão digital nos contextos educacionais na perspectiva de educadora do campo, minha área de formação. Meu primeiro contato com tecnologias interativas foi quando tinha mais ou menos 9 anos de idade, quando abriram um Telecentro ao lado da minha casa para atender as crianças e adolescentes do bairro. Os monitores ensinavam como colorir usando o mouse em um aplicativo, nos orientavam como fazer pesquisas e no final das aulas nos deixavam ficar jogando. As crianças do meu bairro adoravam, pois era algo novo.
Mas nada substituía nossas brincadeiras de fins de tarde, quando chegávamos da escola, como queimada, rouba-bandeira, pula-corda, esconde-esconde. Brincadeiras da minha geração, diferentes das de hoje quando as crianças já nascem grudadas em um celular, rapidamente ficam fissuradas em internet, em Youtube, em jogos como Free Fire e plataformas como Tik Tok. Parece que as crianças da atualidade não sabem nem o que é assistir um desenho animado nas manhãs de sábado na TV, pois ficam presos nas minitelas dos celulares ou tabletes todo o tempo, com isso acabam perdendo a melhor fase de suas infâncias.
Na faixa etária de 14 anos eu gostava muito de frequentar a lan House, pois não tinha computador em casa e nem celular. Sou natural de Araçuaí-MG e, naquele tempo, era apenas 0,50 centavos uma hora de uso da internet. Lá criei meu Facebook, plataforma que utilizo até hoje. Naquele tempo também se utilizava muito o “Orkut”, que nos dias de hoje não é muito lembrado. Com a globalização e as tecnologias avançaram de tal maneira que hoje, na minha cidade, é raro encontrar uma lan house, pois quase todos possuem um aparelho, com isso os Telecentros também foram extintos.
Na atualidade a tecnologia que mais uso é o celular, onde acesso o pacote office da Microsoft, Google, YouTube, Instagram, WhatsApp, sites de compras (Shopee) etc. Me considero uma pessoa muito apegada a essas ferramentas, pois a primeira coisa que eu faço quando acordo é pegar no meu celular. É um ciclo vicioso, pois toda vez que pego no meu aparelho, ele consegue prender minha atenção de tal maneira que quando percebo já se passaram duas horas, e eu com o celular na mão.
Muitas práticas sociais foram perdidas com a modernização das ferramentas digitais, como conversar com os amigos na porta de casa, escrever cartas e catalogar números. Até a interação interpessoal ficou mais difícil e é comum em um grupo de pessoas não dialogarem entre si por estarem presos a seus celulares. Com isso, muitos costumes e tradições foram perdidos em certos contextos.
No meu ensino básico, não se utilizava muito as tecnologias. Os nossos trabalhos eram apresentados em cartazes e eram utilizadas ferramentas mais simples como som e TV para assistirmos a filmes ou ouvirmos música. Havia uma sala com computadores, mas nem todos funcionavam e percebia-se que a professora não tinha uma formação específica para manuseio daquelas máquinas. Então o uso era muito superficial e nossas habilidades com o digital não foram muito bem desenvolvidas na escola onde estudava. Vim a melhorar esse domínio quando entrei na universidade, quando me vi obrigada a mexer em programas como, por exemplo, Power Point para apresentações, Word para formatar textos, Gmail, fóruns. A área acadêmica me viabilizou vários conhecimentos significativos.
Com o isolamento social que vivemos durante a pandemia de covid19 tivemos que nos adaptar a uma forma de ensino remoto emergencial, que foi completamente diferente do presencial. Tivemos que realmente aumentar nossos letramentos digitais, pois acessar o Google Meet, assistir às aulas pela telinha, apresentar, dialogar e desenvolver trabalhos com os demais colegas sem aquela interação face a face de antes foi verdadeiramente algo muito desafiador. Me vi completamente dependente do meio digital para tudo e as tecnologias contribuíram bastante para que o nosso curso continuasse, mesmo com tantas dificuldades. De toda forma, pela falta de acessibilidade aos meios digitais em alguns contextos, não deixou de ser prejudicial. Muitas escolas do campo sofreram com essa nova metodologia de ensino por falta de recursos, de domínio das ferramentas, falta de internet de qualidade, com grandes perdas para o ensino-aprendizagem e certa exclusão social.
Na minha percepção, as tecnologias têm seus pontos positivos e negativos, dependendo de quem vai utilizar e de como vai utilizar. Se empregadas no contexto de ensino nas práticas docentes, podem ajudar a produzir aulas reflexivas e críticas. Na interação interpessoal também auxiliam muito. Como negativo, muitas dessas ferramentas podem ser utilizadas para manipular, enganar e disseminar a desinformação. O uso em massa das fake news pode trazer consequências graves para o campo, como viabilizar mais investimentos na mineração, ocasionando desmatamentos, deixando o solo improdutivo e desrespeitando a sustentabilidade para as gerações futuras. Faz-se necessário levar essa discussão para as salas de aula, para que os alunos tirem suas próprias conclusões em relação ao mundo digital e sejam incluídos de maneira crítica.
Por fim, como futura educadora do campo, concluo que devemos fazer uma leitura do mundo em relação às tecnologias e suas novas linguagens com nossos estudantes, pois a internet pode ficar no campo da utopia e até levar à distopia. Cabe a nós refletirmos sobre essas modernidades que vem se intensificando nas nossas vidas e ver até que ponto podem nos ajudar ou prejudicar.
[1] Sabrina Santos Esteves é graduanda do curso Licenciatura em Educação do Campo (LEC), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).
Este trabalho foi orientado pelos professores Carlos Henrique Silva de Castro, Luiz Henrique Magnani e Mauricio Teixeira Mendes.