Perspectivas e Desafios no Ensino Remoto

Perspectivas e Desafios no Ensino Remoto

As seguintes ponderações relacionam-se com o que estudamos de forma remota na disciplina Estudos de Letramento pelo curso de Licenciatura em Educação no Campo, no primeiro semestre de 2021, e também com experiências pessoais neste período pandêmico.

 Ao iniciar o ano de 2020, nos deparamos com essa situação de uma pandemia global, algo inédito para nossa geração. Isso fez com que o ser humano mudasse repentinamente suas rotinas e suas maneiras de ler o mundo, uma vez que foi necessário diminuir o contato pessoal até mesmo com os familiares. O isolamento social foi primordial no combate à doença, e tivemos que ir nos adaptando a outras estratégias para dar sequência em todas as tarefas do dia a dia. Não foi diferente com as atividades educacionais, que precisaram passar por adequações, para que de maneira online fosse possível dar sequência nos estudos. Importante salientar também que muitos estão sendo os desafios, tanto pessoais, coletivamente e ainda por parte das instituições. Porém, com organização, planejamento e união o mundo irá superar este dificílimo período de calamidade na saúde pública.

UM POUCO SOBRE MINHA REALIDADE

Arlei utilizando seu computador pessoal no ensino remoto. 2021. Fonte: Arquivo Pessoal.

Eu, Arlei, tenho 29 anos de idade e sou morador da comunidade de São Gonçalo do Rio das Pedras, distrito de Serro. Para que eu possa descrever a minha realidade no contexto da pandemia, é necessário retroceder alguns meses no tempo. Até outubro de 2020 eu ainda morava com meus pais, éramos quatro pessoas na mesma casa, pois os outros três irmãos já haviam se casado. Porém, a partir do dia 31/10/2020, eu mudei de residência e passei a morar na minha própria casa juntamente com uma mulher que neste mesmo dia se tornara minha esposa.

No que refere-se ao estudo, decidimos juntos fazer o vestibular para cursar Licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuro. Ambos cursamos a habilitação em Linguagens e Códigos e o mesmo período, isso gera uma compreensão mútua das necessidades que o momento impõe e facilita bastante os estudos. Nós dois estamos cientes da necessidade de um ambiente tranquilo e com o mínimo de barulho possível para que haja uma maior concentração nos estudos e em outras várias atividades que estamos realizando remotamente. Para podermos realizar nossos afazeres com mais fluidez, foi imprescindível algumas adaptações tecnológicas. Instalamos uma rede de internet mais eficiente e, mesmo em um momento que as condições financeiras não era favorável, compramos um aparelho celular para minha esposa com maior compatibilidade às exigências do momento. Eu já desfrutava de um bom aparelho e um notebook que comprei há uns 10 anos atrás e apesar do seu ótimo estado físico se encontra muito debilitado no quesito funcionalidade.

Até o presente momento nós dois estamos estudando e conciliando isso com o trabalho, tarefa que não é 100% assegurada, uma vez que minha esposa trabalha em um Centro de Atendimento ao Turista, que luta por renovação de contrato anualmente. Já eu trabalho como autônomo fazendo de tudo um pouco, e aos fins de semana estou trabalhando como motoboy para ajudar na renda. Com a pandemia do novo coronavírus (COVID-19) muitas de nossas rotinas sofreram mudanças. Em função da ocasião, passei um ano trabalhando em barreira sanitária na minha comunidade, mas, em geral, o objetivo da atividade foi atingido. Com as pessoas mais confinadas, houve ainda uma diminuição significativa de oportunidades de trabalho no contexto da comunidade. Se antes alguns moradores pagavam para fazer tarefas como olhar os filhos, arrumar casa e lavar roupas, nesse novo contexto, as pessoas mesmo estão realizando essas tarefas. E, pelo fato de morarmos em um povoado onde o capital circula através do turismo, a ausência dessa atividade gerou desemprego em massa. Por longos meses decretos municipais impediam que pousadas, quitinetes e coisas do gênero funcionassem, deixando o empregador e o empregado de mãos atadas.

Temos como entretenimento, assistir filmes evangélicos, de aventura e comédia, fazer exercícios físicos, conectarmos em redes sociais e ainda gosto muito de assistir futebol. Outra ocupação comum em nossa casa é a prática da oração e meditação em textos bíblicos, pois apesar de todas as dificuldades a nível mundial, nós cremos em Deus e não podemos perder a fé nem a esperança de que dias melhores breve virão! Fazendo referência ao que mudou na minha rotina devido a pandemia, poderia ainda salientar a paralisação dos cultos religiosos, dado que anteriormente frequentava a igreja pelo menos 3 vezes por semana, contudo, o atual cenário tem nos impossibilitado desta prática, assim, estou permanecendo a maior parte do tempo em casa com minha esposa. 

ESTUDAR EM TEMPOS DE PANDEMIA

Diante desse caótico cenário, todo o sistema precisou se reinventar. Em se tratando dos estudos não foi diferente, uma vez que as atividades presenciais não puderam continuar, em função do altíssimo poder de contágio do vírus. E para uma maior preservação da saúde, um novo modelo de ensino precisou ser implantado. As instituições de ensino fecharam as portas para aulas presenciais por tempo indeterminado e passaram a ministrar atividades de forma remota, o que exigiu adaptações por parte dos educadores, educandos e mesmo seus familiares, por exemplo. Nesse novo modelo, as novas tecnologias foram os recursos mais eficientes encontrados pelas instituições para continuar oferecendo um estudo de qualidade.

Porém, para que o processo formativo atingisse as expectativas, seria imprescindível que os alunos independentemente da sua classe social ou da localização de sua residência, tivessem acesso a uma rede de internet competente para atender as demandas impostas. Infelizmente não foi assim que aconteceu. Diversos colegas de curso estão frequentemente reclamando a esse respeito. Com isso, entende-se que o fato de não ter uma internet de qualidade está sendo uma das dificuldades enfrentadas nesse processo, visto que, para realização das atividades, usa-se diversos aplicativos, plataformas e outros programas de computadores. Pessoalmente, não cheguei a encontrar dificuldades, pois já possuía um certo domínio das ferramentas requeridas na ocasião.

Tem sido muito desafiador conciliar os estudos com nossos afazeres diários, incluindo o trabalho. No ensino remoto não se tem como disponibilizar o tempo exclusivamente para as aulas, desse modo, se não houver um grande esforço, perde-se alguns momentos síncronos, o que acaba sendo amplamente prejudicial. Para participar das atividades síncronas tenho deixado de trabalhar alguns dias na semana, porém isso só é possível porque atualmente estou trabalhando como autônomo. Já para executar as atividades assíncronas tenho me empenhado bastante nas horas vagas e nos períodos noturnos. Assim, tenho conseguido cumprir todas as exigências do ensino remoto.

Com relação ao aprendizado, confesso que é bem mais limitado, mas acredito que nesse momento estamos todos, desde instituição a alunos, sendo submetidos a um forçado processo de transição do ensino, onde fica perceptível o engajamento da maioria dos envolvidos para não perder demasiadamente a qualidade do ensino. Nota-se que a interação entre professores e alunos fica mais escassa nesse novo modelo e, consequentemente, a absorção dos conteúdos disponibilizados e debatidos nos diálogos também é mais insatisfatória. Outro ponto a ser destacado é que, ao se priorizar a teleconferência, fica-se totalmente dependente dos meios tecnológicos. Havendo alguma falha, perde-se assuntos importantes que podem fazer falta em uma avaliação ou até mesmo na sua trajetória profissional.

Por fim, mesmo que os pontos positivos sobressaem os negativos acerca da utilização dos meios tecnológicos, ainda assim, são encontradas diversas dificuldades, no entanto, é de suma importância que nesse processo de transição haja um trabalho em coletividade, para que todos tenham acesso igualitário à internet e às ferramentas exigidas, pois, uma vez que o ensino é ofertado a toda classe social, é necessário que ninguém querendo envolver, se sinta excluído.

 REFLETINDO SOBRE O PROCESSO

Com base nas análises sobre as vivências do ensino remoto e nas reflexões teóricas estudadas na disciplina Estudos de letramento, consuma-se que o novo modelo de ensino não é eficaz a ponto de manter o mesmo nível das estratégias presenciais. Percebe-se ainda que apesar de o ensino ser ofertado a todas as classes sociais, existe uma parcela desses envolvidos que são menos favorecidos ou mais prejudicados quando pensamos nos quesitos aparelhos tecnológicos e acesso à internet de qualidade. Nesta lógica concordo com Souza (2000), quando afirma que: […] “é possível observar que as falas dos professores do campo estão sendo associadas principalmente à dificuldade de acesso à internet e a equipamentos tecnológicos que permitam a todos os alunos da zona rural acompanharem as aulas remotas” […].

Souza (2000), reitera também que: “A dificuldade de acesso à internet pelas populações do campo é de conhecimento comum e representa a displicência do poder público em não garantir aos camponeses algo fundamental na chamada Era da Informação: o acesso à internet e aos meios de comunicação.”. Ainda poderia ressaltar que o fato de muitos estudantes morarem com famílias numerosas e não terem um ambiente adequado dentro de casa para estudar com tranquilidade é muito prejudicial, tornando-se um desafio para a concentração, principalmente em práticas por intermédio de videoconferência. Assim sendo, fica explícito que há desigualdade para uma porção desses indivíduos envolvidos no ensino remoto.

Outro fator desafiador é a adaptação a essa nova rotina. Nesta perspectiva, são cabíveis as colocações de Silva, Goulart e Cabral, quando fazem o seguinte argumento:

Para diminuir o avanço do vírus e minimizar os impactos no sistema de saúde, instaurou-se no mundo medidas de higiene pessoal e coletiva e o isolamento social, que acarretou novas adaptações para o mundo do trabalho e para a vida acadêmica, estabelecendo novas formas e rotinas para o cumprimento das atividades diárias. ( SILVA, GOULART, CABRAL, 2021, p. 409.)

  • Conciliar o emprego, e os afazeres diários com os estudos, é algo que requer bastante esforço e organização. Dependendo dos horários programados para os encontros, ocorrem conflitos de agenda, obrigando-nos a ponderar qual perda será mais prejudicial.

Constata-se, em suma, que estudar de forma remota tem trazido inúmeras contrariedades a todos os envolvidos neste processo. Todavia, é necessário deixar explícito que é possível extrairmos conhecimentos extremamente significativos provenientes dos conteúdos da disciplina que nos foram aplicados e ainda dos relatos e diálogos provenientes dos colegas, pois apesar de estarmos todos atrás de uma tela, tivemos a oportunidade de expor ideias, dúvidas, fazer questionamentos e comparações quanto às diferenças e semelhanças referentes aos estudos e adaptações a esse novo modelo de ensino.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREIRE, Paulo Reglus Neves. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam, 23ª Ed. São Paulo: Cortez. 1989.

Leituras de um analfabeto. Producão: MACHADO, Cláudia; RODRIGUES, Patrícia. São Paulo, Editora Caminho Suave, 28 agosto de 1991.

SILVA, Joselma; GOULART, Iisa do Campo Vieira; CABRAL, Giovanna Rodrigues. Ensino Remoto na Educação Superior; Impactos na formação inicial docente. Revista Ibero- Americana de estados em Educação, v. 16, n.2, p. 407-423, abr. /jun. 2021.

SOUZA, Everton de. Escolas do Campo e Ensino Remoto: Vozes docentes nas mídias digitais. V 14, n. 30, set. /dez. 2000.

Pandemia e desafios do cotidiano

Pandemia e desafios do cotidiano
SESC Pompeia, em São Paulo – SP, local que abriga o CineSesc.

– Clayton D R Fernandes –

UM POUCO SOBRE MINHA REALIDADE

Minha esposa e eu, diferente de todos os anos que posso me lembrar, resolvemos não viajar no Carnaval de 2020. Pela primeira vez estávamos os dois aposentados e sem nenhum compromisso que não pudesse ser feito via internet. E, também, porque não? Queríamos sentir o renascimento do carnaval de São Paulo. Acho que São Paulo inteiro também quis e ficou em São Paulo. Tudo lotado e agitado. Difícil encontrar um lugarzinho na calçada. E foi. Tudo relevado porque tínhamos uma meia vida de férias pela frente. E veio a pandemia.

O Sesc São Paulo. O primeiro trauma foi a privação ao Sesc. Somos frequentadores diários das Unidades do Sesc. Tanto em São Paulo como em várias cidades do Brasil. Fazemos cursos, almoçamos, jantamos, nadamos, praticamos yoga, vamos a shows, exposições, dançamos, encontramos a turma, conhecemos gentes, viajamos em excursão. Dificilmente passamos uma semana sem ir ao CineSesc. Nunca sai de São Paulo nas duas semanas do Festival Internacional do Cinema. Diariamente no CineSesc.

ESTUDAR EM TEMPOS DE PANDEMIA

A Rotina. Parece que a gente está remando para não sair do lugar. Minha estratégia para enfrentar a pandemia é arrumar muita coisa para fazer e para ler. Cuidar das plantas, pesquisar na internet como semear e replantar antúrios e orquídeas, consertar cadeira estragada, trocar fechadura antiga, pintar muro, trocar tomadas, vedação das torneiras e um monte mais de coisas. Quando o tempo (aqui é o clima) está firme, andar pela cidade com a minha cachorrinha, fotografar esquinas e vitrines. Para ver como eu estou ainda. Tenho lido bastante, coisas que nunca me interessei antes, história da arte, impressionismo, um pouco sobre a idade média que eu nunca soube o que foi. Também li alguns textos sobre a Alemanha na primeira guerra, como surgiu o nazismo, as várias guerras que a gente chama de segunda guerra, a escravidão no Brasil, livro do Laurentino Gomes. E as poesias da Ana Martins Marques que eu conheci, sem intenção, num curso sobre literatura no Sesc SP. Então, para não confundir tudo isso, na minha cabeça, montei um banco de dados de tudo que li recentemente e do que estou lendo. Inclusive para a LEC. Montei este banco de dados por dor da abstinência. Tantos anos desenvolvendo banco de dados, não é possível parar simplesmente…

Ensino remoto é como noivado à distância ou curso de natação sem piscina. A gente tem só uma ideia das coisas. Da noiva e da água. Participei de dois TUs em Diamantina. E foram muito marcantes. Acho que todos nós alunos saímos maiores destas duas experiências. A classe de aula com gente de diferentes lugares, idades, sonhos e repertórios. De repente, juntos, montar e apresentar uma tarefa. Isto sempre foi muito bom. Das 8 às 18 horas. Tempo passava depressa, apesar do sono e do cansaço. Muitos conceitos novos voltaram para casa. Penso que cada um de nós voltou outro para seus lugares.

Tecnologias. Para acompanhar as atividades da LEC usamos alguns aplicativos que eu nunca tinha utilizado. Moodle (parece que outras universidades também usam este aplicativo) e ClassRoom (a UFVJM fez algum acordo com a Google e adotou este aplicativo para o ensino remoto. É um arrazoado dos aplicativos da Google: Drive, editor de texto e Meet).

Para o nosso curso o ensino remoto não serve. A convivência – e as dificuldades da convivência – é uma parte importante do nosso aprendizado. E uma sala de aula virtual é a negação da convivência. É muito chato!

Temos que descobrir e inventar um jeito de fazer trabalho em grupo. Talvez experimentar ler um texto em conjunto via Meeting. Cada colega lê um parágrafo, se quiser ler. Depois de cada parágrafo a gente discute um pouco as ideias apresentadas.

REFLETINDO SOBRE O PROCESSO

Das práticas educativas ocorridas no primeiro semestre de 2021 de modo remoto na LEC-UFVJM, destaco o aprendizado de alguns conceitos no contexto da disciplina Estudos de Letramento. O primeiro foi o conceito de Paulo Freire sobre o Ato de Ler, como sendo uma atitude fruto da trajetória do sujeito. Quando lemos utilizamos toda a nossa história para compreender o texto. A leitura do mundo precede a leitura da palavra… …A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. (FREIRE, 1989, p. 9). Assim podemos dizer que a nossa experiência de vida nos faz compreender a palavra, contudo a compreensão desta nos acumula experiência e com isto podemos reler o mundo.

Outro conceito estudado foi o Letramento. Aqui o mais importante, para mim, foi a separação entre letramento e alfabetização (alfabetização entendida como o processo de ensinar a ler e a escrever). Letramento é um conjunto de ferramentas cognitivas que o sujeito utiliza para entender o seu ambiente, enquanto a alfabetização se reduz ao uso da escrita. Contudo a alfabetização é utilizada como métrica na escala social. O analfabeto é marcado como um sujeito a ser consertado. Mas a falta de habilidades letradas frequentemente não é uma barreira real ao desemprego, como sugerem as declarações oficiais (STREET, 2014, p. 35). Cabe ao educador pensar a alfabetização dentro das necessidades do sujeito e não dentro das necessidades do mercado. E perceber que a alfabetização, tida como dogma para a emancipação do indivíduo, é um conceito criado pela elite para impor um letramento de seu interesse.

A relação entre território e produção de conhecimento foi estudada através do texto Práticas letradas, tecnologias e territórios (CASTRO; MAGNANI, 2019). O conhecimento, por ser uma produção humana, é uma riqueza. Portanto está em disputa entre as classes sociais e territórios, e segundo os autores

  • Emerge, em decorrência, a questão de como pensar e produzir conhecimento acadêmico sobre tecnologias e letramentos com a preocupação de que tais conhecimentos sejam relevantes e condizentes em relação às demandas e vivências de diversas realidades não-urbanas ou menos urbanizadas existentes no Brasil. (CASTRO; MAGNANI, 2019, p. 64) .

Por fim, no último texto estudado, refletimos à seguinte questão: O domínio da escrita é ponte de acesso à participação social? (BRAGA; VÓVIO, 2015, p. 34). Dentro de uma sociedade altamente subordinada à comunicação digital o domínio destas tecnologias é requisito à inserção social, principalmente a um emprego não precário. A alfabetização não acaba com as desigualdades, mas a equidade pode, sim, acabar com os analfabetismos, tanto de letramento como político.

REFERÊNCIAS

BRAGA, Denise Bértoli; VÓVIO, Claudia Lemos. Uso de tecnologia e participação em letramentos digitais em contextos de desigualdade. Cortez, São Paulo, 2015.

CASTRO, Carlos Henrique Silva de; MAGNANI, Luiz Henrique. Práticas Letradas, tecnologias e territórios. R E V I S T A X, Curitiba, vol/núm. 14/5, p. 56-81, 2019.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. Cortez, São Paulo, 1989.

STREET, Brian V. Letramentos sociais. Parábula, São Paulo, 2014.

Memórias de Letramento

Memórias de Letramento

Márcia lendo junto a livros. 2021. Fonte: Arquivo Pessoal.

Márcia Martins de Vasconcelos –

Aprendi a ler aos seis anos de idade, ainda no primeiro ano da educação básica. Sempre gostei de ler, sendo que meus livros preferidos são os romances. Na minha infância não tive muitos livros, mas os que tinha eu aproveitava ao máximo. A leitura era o meu escape de tantas dificuldades que eu e minha família tínhamos. Às vezes lia para meus sobrinhos e para alguns colegas da turma que ainda não sabiam ler. Atualmente os livros são mais acessíveis, pois estão disponíveis virtualmente, porém eu prefiro poder tocá-los, sentir o cheiro deles etc. Prefiro romance aos textos científicos, mas faço uso de ambos. 

Para mim, ler é poder viajar no tempo e no espaço a qualquer momento. Alguns dos motivos pelo qual escolhi estudar a linguagem foram tanto o interesse em conhecer mais sobre as variações da língua brasileira como também o desejo de conhecer melhor as origens ou teorias da nossa literatura. Como possível futura educadora, anseio um currículo diversificado, a partir do qual o professor tenha autonomia para mostrar aos alunos essas variações linguísticas e não simplesmente repassar conhecimentos que sequer passam por sua análise ou escolha. Nesse sentido, não gostaria de trabalhar somente com o conteúdo dos livros didáticos. 

O ensino remoto me obrigou a mudar a rotina. Antes da pandemia, durante o período de Tempo Universidade (TU), em que costumávamos ter atividades presenciais em Diamantina-MG, tínhamos todo o tempo dedicado às aulas. Atualmente temos que dividir o tempo entre trabalho e estudo.  O ensino em alternância, como era antes da pandemia, favorecia nossas atividades de estudo. O TU com aulas presenciais e o contato com várias pessoas e culturas facilitavam o aprendizado. Além de compartilharmos conhecimentos, culturas e a rotina do curso, a presença dos colegas na sala de aula nos tranquilizava diante das dificuldades, especialmente as relacionadas com o curso.

Estou um tanto perdida com esse ensino remoto, me sinto triste por mim e pelos meus colegas que estão vivendo situação semelhante a minha e a quem na maioria dos casos não posso ajudar. Estou ainda tentando organizar as atividades e conciliar trabalho e estudos. Nem sempre consigo cumprir os prazos para entrega das atividades e não estou conseguindo ler os textos indicados. O que dificulta é o fato de eu não ter internet e computador em casa, pois gasto mais tempo para realizar as atividades e para assistir a aulas, e principalmente gasto muito mais tempo para fazer os trabalhos pelo celular. Às vezes penso em desistir do curso, pois com o ensino remoto sempre tenho que ficar sem trabalhar para ter tempo de assistir às aulas e realizar os trabalhos do curso.

As aulas via internet, por videoconferência, não são tão legais quanto as presenciais. São formas de substituir as aulas presenciais, porém são ineficientes diante da falta de estrutura em que nós discentes nos encontramos. Não consigo me concentrar e acabo tendo dificuldade de aprender, além do fato de que às vezes assisto as aulas em algum ponto que eu possa usar wifi, que, na maioria das vezes, é na rua, em que o movimento e barulho me desconcentram. Quanto a leituras a serem realizadas para a universidade, eu baixo da internet para poder ler à tarde, quando chego do trabalho.

Apesar dos problemas citados acima, aprendi muito nesse processo. Tive que me acostumar a usar várias ferramentas e plataformas como o Google Classroom, a aprender a fazer os trabalhos pelo celular, a reorganizar minha rotina etc. Tudo isso são práticas de letramento. Tive apoio dos professores durante todo o processo, mas da universidade não vejo apoio em relação às dificuldades do ensino remoto. Ressalto também que os colegas do curso têm auxiliado muito. Durante as aulas de Estudos de Letramento entendi que letramento não acontece só na sala de aula (presencial ou virtual), e tudo que vivenciamos e aprendemos ao longo da vida pode envolver uma forma de letramento, algo que não depende de um diploma. 

OUTRAS CONSIDERAÇÕES

Ao refletir sobre letramento nesse TU, entendi que ser letrado não significa necessariamente ser formado na academia e que há cidadãos letrados sem sequer ter frequentado a escola. Essa percepção me ocorreu durante uma conversa com um senhor morador da minha comunidade. Para o senhor Joaquim, o letramento é relativo à capacidade de aprender e executar tarefas diversas e de vários níveis. Ao ouvir isso, fiz uma busca na minha memória e percebi que inúmeras tarefas para as quais o mercado de trabalho exige formação acadêmica são executadas por pessoas sem essa escolarização. E algumas dessas tarefas são executadas até mesmo por analfabetos. 

A partir do texto de Street (2014), podemos também pensar que o significado do termo não é algo dado por fixo ou definitivo. O autor considera que a própria prática de letramento e suas implicações variam com o contexto social. (Street, 2014, p.40):

  • A teoria atual, portanto, nos diz que o letramento em si mesmo não promove o avanço cognitivo, a mobilidade social ou o progresso: práticas letradas são específicas ao contexto político e ideológico e suas consequências variam confirme a situação. (Street, 2014, p.41).

O letramento é um processo coletivo que ocorre ao longo da vida e é decorrente das nossas práticas cotidianas, não apenas na escola. Somos sujeitos pensantes, portanto somos aptos à aprendizagem a todo tempo. O que ocorre é que a escola “molda” cidadãos para fins diversos, por exemplo, para o mercado de trabalho. Assim, alguns saberes, práticas e sujeitos passam a ser mais valorizados que outros. O que ocorreu e ainda ocorre especialmente no campo é uma desvalorização do saber popular e das culturas ali presentes. Em contrapartida, destacam-se “valores” como diplomas e classe social. 

Uma vez que a escola historicamente forma cidadãos para “obedecer” a partir de critérios criados pela elite, ainda vemos reflexo dessa lógica em vários momentos, embora o acesso à academia tenha sido ampliado para a classe pobre e sujeitos do campo, como na LEC.  Vejamos em  Magnani e Castro (2019) alguns fatores que podem contribuir com essa desvalorização: 

  • O ponto é que, em sua grande maioria as universidades do Brasil, sabidamente as maiores produtoras de saber científico do país, localizam-se em centros urbanos. Assim, ainda que possam absorver sujeitos oriundos de comunidades rurais, seu funcionamento, seu local de produção, a realidade cotidiana empírica, os índices de produtividade aos quais estão sujeitos, entre outros fatores, tendem a atravessar a produção científica realizada, reiterando a atenção para contextos urbanos. Entre outros fatores, essa condição pode ajudar a explicar um descompasso entre variadas reflexões acadêmicas ou propostas pedagógicas que partam do uso (ou de certos usos) de certas tecnologias e estruturas e as realidades de muitas escolas e comunidades do campo. (MAGNANI; CASTRO 2019 p. 63,64)

Um desses momentos recentes em que essa lógica assimétrica pode ser conferida diz respeito às políticas públicas ligadas à educação em resposta à pandemia da covid-19. As instituições nos obrigam ao ensino remoto, porém não nos dão estrutura para tal, como se a universidade esperasse que todos os alunos tivessem a estrutura necessária para um processo ensino/aprendizagem de qualidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MAGNANI;CASTRO. Práticas letradas, tecnologias e territórios: transgredindo relações de poder. Curitiba. Revista X.2019.p.63,64.

STREET. Trazer os letramentos para a agenda política. Cap.1 In. STREET. Letramentos Sociais. São Paulo. Parábola Editorial, 2014.

Alguns números sobre o ensino remoto na comunidade de Três Barras

Alguns números sobre o ensino remoto na comunidade de Três Barras

 

Por Taliele Santana Higino [1]

 

O presente texto tem como objetivo analisar as metodologias e tecnologias de estudo utilizadas pelos alunos no REANP-MG (Regime Especial de Atividades Não Presenciais – Minas Gerais), a partir de uma pesquisa sobre a percepção de estudantes do Ensino Médio da Escola Estadual Leopoldo Pereira, distrito de Milho Verde, município Serro – MG.

A metodologia utilizada para a realização desta pesquisa foi a aplicação de um questionário eletrônico para os alunos que cursam o ensino médio na Escola Estadual Leopoldo Pereira, e que residem no distrito de Três Barras. Ao todo foram realizadas cinco entrevistas por meio do Google formulários no período de maio/2021, com autorização e nomes omitidos, contendo 37 perguntas fechadas e 1 pergunta aberta.

Segundo os resultados obtidos com os questionários, 60% dos alunos são homens e 40% são mulheres, e possuem de 16 a 18 anos de idade. No total, 20% dos alunos estão no primeiro ano do Ensino Médio, 60% no segundo ano e 20% no terceiro. As famílias dos estudantes são compostas por 2, 5, 6, 7 ou mais pessoas. O que demonstra um número alto de filhos por família. Nesse período de pandemia, 40% das famílias não receberam nenhum tipo de auxílio do governo. É importante citar que 80% dos pais possuem o ensino fundamental incompleto.

Nas casas das famílias entrevistadas, os aparelhos eletrônicos mais utilizados são os celulares por 100%, TV por 80% e Notebook por 40%. O Canal TV Rede de Minas, responsável pelo programa Se Liga na Educação, disponibilizado pelo REANP, pega em 80% das casas. Já a maioria dos alunos, 60%, não têm notebook ou computadores em suas casas, o que dificulta os trabalhos de digitação. 60% dos alunos têm acesso a internet 4G e 40% a cabo.

Das famílias, 40% possuem internet ilimitada e os demais via dados 4G. Desses que usam 4G, 20% afirmam que os dados não duram de 21 dias – 80% dura de 21 a 30 dias – com estabilidade para assistir os vídeos escolares. Predomina o uso de um celular por pessoa para os estudos. A maioria, 60%, não possui auxílio dos pais para realizar as tarefas da escola, pois ou trabalham ou não sabem o conteúdo. Todos os alunos possuem seu próprio celular, assim não precisam compartilhar com outro membro da família. As recargas dos créditos dos celulares são feitas pelos próprios alunos, 60%; os outros 40% são feitas por pais ou avós.

As ferramentas mais utilizadas pelos alunos e professores são o WhatsApp (60%) e o Youtube (20%). O Google Sala é menos usado, apenas 40% dos alunos. Os alunos afirmaram gastar de 1 a 3 horas por dia para realizar as atividades escolares. Entre as ferramentas disponíveis, a menos utilizada é a Conexão Escola 2.0, por 20% dos respondentes.

Sobre a última questão do questionário, aberta solicitando depoimentos sobre os principais problemas enfrentados, trago dois depoimentos a seguir para melhor contextualizam a realidade dos alunos entrevistados e alguns anseios diante da nova situação.

  • Bom… minha dificuldade é entender o que os professores mandam acho meio desorganizado, às vezes os vídeos que têm no Se Liga na Educação não explicam exatamente o que está na apostila, aí acaba que muita gente pega resposta da internet porque ninguém vai adivinhar as matérias. Por isso eu opto por outras videoaulas, mas o que seria bom mesmo se os professores fizessem um vídeo explicando sua matéria.”
  •  
  • “Minha principal dificuldade está sendo conciliar as atividades da escola com o meu cursinho para o Enem. Também não consigo entender as matérias de química, física e matemática.”

A partir dos resultados dessa pesquisa, concluímos que à internet vem sendo o meio de comunicação mais importante e a principal barreira para o contato entre professor e aluno, permitindo aos alunos o acesso as ferramentas de ensino e aos recursos tecnológicos que permitem a concretização do processo de ensino-aprendizagem. Além disso, o grau de escolaridade dos pais para o auxílio nas atividades dos filhos interfere muito neste processo. Por último, os entrevistados também citam como problema o acompanhamento dos professores e a explicação dos conteúdos, o que pode estar ligado às tecnologias também, já que tudo isso, no REANP, é feito à distância e padronizado para todo o estado.

[1] Taliele é estudante da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Esta pesquisa foi supervisionada pelo professor Vítor Sousa Dittz, da Escola Estadual Professor Leopoldo Pereira, e orientada pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro, da UFVJM, no âmbito do PIBID-UFVJM.

Agradecimentos aos estudantes-sujeitos e suas famílias, bem como ao diretor da E. E. Professor Leopoldo Pereira, o professor Maycon Souza.

Práticas Letradas no Contexto da Pandemia

Práticas Letradas no Contexto da Pandemia

– Delane de Fátima Eusébio –

Delane verificando atividades em agenda digital.

Sou Delane, tenho 25 anos de idade, resido na comunidade de São Gonçalo do Rio das Pedras, distrito de Serro-MG. Há poucos meses eu morava com minha mãe e mais dois irmãos, algo que mudou recentemente. Em outubro de 2019, eu e meu namorado, que já estávamos juntos há seis anos, tomamos a importante decisão de ficarmos noivos. E o casamento veio a ser um ano depois. Como muitos de nossos projetos para 2020 tomaram rumos inesperados diante da pandemia, a realização do nosso casamento na data planejada estava ameaçada. Apesar da necessidade de cancelarmos a festa e readequar a execução da cerimônia, ainda se tornou possível a concretização da nossa união matrimonial na data desejada.

Assim, a partir de outubro do ano passado, residem na nossa casa somente eu e meu marido. Estamos fazendo o mesmo curso de Licenciatura em Educação do Campo, no mesmo período e ambos na mesma habilitação, o que é maravilhoso, pois nos ajudamos em tudo, principalmente em se tratando de ferramentas digitais, que não é “meu forte”, mas que ele domina bem melhor. Possuímos em casa para contribuir com nossos estudos: rede wi-fi, que instalamos justamente em razão de necessidade por causa do curso, (mas que nem sempre funciona satisfatoriamente); um notebook, o qual, apesar do seu bom estado físico, infelizmente não se encontra em condições favoráveis para o uso, mas que ainda nos atende dentro do possível; e dois celulares.

O último aparelho celular que eu tinha não atendia mais às minhas necessidades diante do ensino remoto, sua memória era insuficiente para abrir arquivos, baixar aplicativos e etc. Dessa forma, apesar de o momento não estar financeiramente propício a isso, precisamos comprar um aparelho novo. E esses equipamentos eletrônicos têm sido uma forma de escape também para o entretenimento, onde em certos momentos livres optamos por assistir filmes (gospeis, de aventura e comédia). Gostamos também de realizar leituras bíblicas, jogos domésticos e exercícios físicos. Além de mexer com jardim e plantas em geral, como também ouvir e louvar hinos evangélicos, que são meu fascínio.

Há 4 anos trabalho como atendente no Centro de Atendimento ao Turista (CAT), aqui na minha comunidade, contudo, não é um trabalho muito garantido, visto que o contrato é renovado anualmente. E este ano, com mudanças na gestão e contínuas paralisações no setor turístico, por não compor a lista de serviços essenciais, meu contrato até o presente momento não foi renovado e consequentemente não estou trabalhando. Já meu marido trabalha como motoboy aos finais de semana e nos outros dias como autônomo. Esse período pandêmico, afetou diretamente o trabalho com o turismo. Os atrativos naturais, que são os principais destinos turísticos daqui, e locais para hospedagem encontravam-se proibidos de receber pessoas até o momento da escrita desse texto (abril de 2021), algo que tem refletido fortemente na economia local.

Outro ponto que abalou significativamente também nossa rotina foi o fechamento dos templos religiosos. Eu e meu marido somos evangélicos e tínhamos o hábito de ir a cultos e outros trabalhos ligados às nossas práticas cristãs, mas infelizmente a necessidade do distanciamento social tem nos privado também de tais atividades. Aquilo que é possível, como por exemplo o ato da oração, fazemos em casa. Particularmente vejo na fé em Deus um escape para manter viva a esperança de dias melhores pela frente.

ESTUDOS NO CONTEXTO DO ENSINO REMOTO

A presença da COVID-19 tem trazido mudanças radicais na rotina de toda a população. Sendo assim, não teria como ser diferente nos estudos, em que a modalidade presencial precisou ser temporariamente suspensa, dando lugar ao ensino remoto como mais uma medida protetiva. Uma das minhas dificuldades enfrentadas diante dessas novas condições de estudos têm sido o choque entre obrigações diárias, aulas, tarefas e trabalhos propostos. Isso porque no período de Tempo Universidade do curso da LEC-UFVJM, outrora vivenciado, tínhamos todo o tempo voltado para nossas atividades estudantis, o que acaba sendo um aspecto bastante facilitador. Mas, estando em nossas comunidades, com toda uma rotina diária para cumprir, acaba sendo complexo realizar todas as obrigações necessárias sem que uma afete a outra.

Outro fator dificultador é o fato de que são muitas distrações que surgem a fim de tirar o nosso foco. É um celular que toca, uma visita que chega, dentre outros. E nem sempre é possível não dar atenção, já que a pessoa não tem como adivinhar que estamos ocupados. O melhor método de organização que considero diante dessas questões é um gerenciamento do tempo, exceto em alguns contratempos inevitáveis, para que possa haver comprometimento suficiente em todas as áreas, porque sempre gostei de que tudo o que se encontra sob a minha responsabilidade e que depende de mim seja feito da melhor forma possível, ainda que possa ser uma tarefa árdua.

Em termos de aprendizado, sinto que houve uma perda expressiva. Ao ter acesso aos conteúdos das aulas e também contato com os professores e colegas somente através das telas dos nossos aparelhos eletrônicos, percebo grande prejuízo na troca de saberes, visto que a interação é muito menor. E, por mais que haja esforço mútuo, o resultado final e o aproveitamento acaba sendo bastante inferior em comparação com o ensino presencial. Essa nova e complexa rotina de estudos requer de cada um de nós muita paciência, força de vontade, coragem para enfrentar infortúnios, a fim de estarmos “abertos” a novas práticas letradas diante do ensino remoto. Tarefas nada simples, no entanto imprescindíveis para amenizar os impactos sofridos diante das adversidades enfrentadas por cada um. Atitudes que tenho procurado adotar e tem sido proveitosas.

Nunca fui de ter facilidade no que diz respeito à tecnologia, mas têm circunstâncias em que não temos alternativa e a saída é procurar aprender ou, pelo menos, tentar. E, para manusear ferramentas digitais como o Moodle e o Google Meet, tem coisas que consigo fazer sozinha e outras não, depende muito da tarefa proposta pelos professores. A minha vantagem é que tenho em casa meu marido, que cursando o mesmo curso que o meu, atua como um grande suporte para mim, pois nessas áreas possui um grau de facilidade bem mais avançado que eu, e nesse processo venho aprendendo bastante com ele. E, apesar de professores que não fazem muito esforço para contribuir com as demasiadas dificuldades enfrentadas pelos alunos, é notável como alguns têm se empenhado em deixar esse fardo bem mais leve, algo de suma importância para todos nós discentes.

Erros, acertos, dúvidas, questionamentos, aprendizados, dificuldades. Acredito que são coisas que inevitavelmente irão nos acompanhar durante todo esse processo que aparenta ser longínquo, mas não podemos perder de vista o ânimo e a esperança, extraindo o que há de melhor em cada experiência que a nós for endereçada.

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO

A pandemia tomou proporções inimagináveis e trouxe consigo a necessidade de adoção de um ensino remoto para não haver estagnação total no processo de aprendizagem.Não foi um método recebido com grande satisfação pela totalidade dos envolvidos, principalmente no meio discente, perante a realidade que muitos enfrentam. Sob a ótica de Silveira, Piccirilli e Oliveira, pode-se colocar em pauta que:

  • Aprender se tornou mais um desafio em meio à luta contra o coronavírus. As rápidas mudanças, alto nível de cobranças, frustrações diárias e dificuldades técnicas durante o ensino remoto comprometem o psicológico dos estudantes. É possível presenciar que entre os termos mais utilizados pelas pessoas com as quais conversamos para descrever a situação apareceu ansiedade, cansaço, estresse, preocupação, insegurança, medo, cobrança e angústia. (SILVEIRA, PICCIRILLI, OLIVEIRA, 2020, p. 125).

Ocorre que, com a ausência de alternativas mais plausíveis, a saída foi acatar a proposta sugerida e procurar se adequar a ela dentro das possibilidades pessoais de cada um. Apoiada nos debates e reflexões realizadas no decorrer das atividades do curso, refleti mais profundamente sobre interações por intermédio de recursos tecnológicos, sobretudo em territórios campesinos, que é onde se encontram os obstáculos mais visíveis. Através de atividades compartilhadas em fóruns interativos de ambientes educacionais, tive a oportunidade de conhecer mais sobre experiências similares à minha, enfrentadas por colegas do mesmo curso, concernentes aos aprendizados e dificuldades vivenciados no presente momento. Isso tudo reforçou meu entendimento de que residir no campo com acessos minimizados a certos recursos, sobretudo internet de qualidade, acarreta variadas disparidades quando comparadas a outrem que usufruem de mais oportunidades e mecanismos de estudos. A esse respeito, inclusive, recupero colocações de Magnani e Castro, quando pontuam que:

  • É comum termos estudantes que acessam os ambientes virtuais de aprendizagem apenas pela rede celular, o que, em muitas situações, é um impeditivo para abrir um arquivo maior ou rodar um vídeo. Em contextos assim, não surpreende que práticas com texto desconsiderem, por exemplo, o uso de corretores ortográficos e editores de texto online. (MAGNANI, CASTRO, 2019, p. 71).

Souza (2020) também argumenta que:

  • Embora nas últimas décadas a educação do campo tenha ganhado mais atenção e se aprimorado em muitos aspectos, percebe-se que ainda necessita evoluir muito para que se tenha uma educação de qualidade e que atenda de maneira satisfatória às demandas das populações rurais. (SOUZA, 2020, p, 15)

Acredito que vir de famílias nas quais certas práticas de letramento escolar não são comuns e, consequentemente, certos hábitos de leitura e escrita são escassos ou inexistentes, favorece para que alguns estudantes oriundos do campo enfrentem dificuldades diante de certas demandas de linguagem no contexto acadêmico, as quais pressupõem ou exigem experiências específicas. Poderia citar como exemplos tanto o domínio prévio de meios tecnológicos e ferramentas digitais em geral, além da familiaridade antecipada com o universo dos livros.

No presente semestre letivo refleti também sobre as noções de ‘leitura de mundo’ e ‘leitura de palavra’, concepções inspiradas nessas mesmas noções apresentadas por Paulo Freire. Na leitura de palavra, a maneira de se relacionar com o mundo pela linguagem inclui práticas escritas, que façam uso da tecnologia do alfabeto e que geralmente carecem de um processo de escolarização para estímulo da capacidade de decodificar letras. A leitura de mundo pode envolver símbolos, sinais, objetos, conhecimentos empíricos, dentre outras possibilidades. Por meio da discussão centrada nesses conceitos foi possível compreender que pessoas consideradas “iletradas” a todo o momento leem o mundo – todavia, muitas vezes de um modo diferenciado daqueles que são alfabetizados. A esse respeito, vale recuperar a consideração de Freire (2003), quando diz que:

  • Desde muito pequenos aprendemos a entender o mundo que nos rodeia. Por isso, antes mesmo de aprender a ler e a escrever palavras e frases, já estamos ‘lendo’, bem ou mal, o mundo que nos cerca (FREIRE, 2003, p.27)

Apesar das adversidades presentes no cotidiano de todos os que se encontram inseridos em meio a esse recém-adotado modelo de ensino, o qual tem sido desafiador, não se pode negar que dessa experiência é possível extrair aprendizados. Tais aprendizados envolvem tanto os conteúdos provindos das disciplinas, quanto os contatos, ainda que indiretos, com os professores e colegas, a partir dos quais foi possível perceber particularidades e similaridades entre realidades vividas. Penso que o melhor é seguimos nos ajudando, somando forças em prol do coletivo, na perspectiva de nos adaptar a cada nova situação que porventura surgir, visando conquistas, bom aproveitamento do curso e, por fim, resultados significativos na prática educativa como um todo.

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo Reglus Neves. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 45ª ed. São Paulo: Cortez, 2003.

MAGNANI, Luiz Henrique; CASTRO, Carlos Henrique Silva de. Práticas letradas, tecnologias e territórios: transgredindo relações de poder. Curitiba, volume 14, n.5, p. 56-81, 2019.

SILVEIRA, Ana Paula; PICCIRILLI, Giovanna Maria Recco; OLIVEIRA, Maria Eduarda. OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA E O ENSINO REMOTO EMERGENCIAL EM MEIO A PANDEMIA DA COVID-19. Revista Eletrônica da Educação, [ S.l.], v.3, n.1, p. 114-127, dec. 2020.

SOUZA, Everton de. Escolas do campo e o ensino remoto: vozes docentes nas mídias digitais. V. 14, n. 30: set./ dez. 2020.

Alguns números sobre o ensino remoto na comunidade do Ausente de Baixo

Alguns números sobre o ensino remoto na comunidade do Ausente de Baixo

Por Maria Madalena de Oliveira Gomes [1]

O presente texto traz informações sobre uma pesquisa realizada na Escola Estadual Professor Leopoldo Pereira, que atende a diversas comunidades rurais no entorno do distrito de Milhos Verde, município do Serro-MG, mais especificamente dos alunos do ensino médio na comunidade Ausente de Baixo. Esta é uma atividade desenvolvida pelos integrantes do PIBID-UFVJM, subprojeto da Licenciatura em Educação do Campo, e teve como foco entender como está sendo a trajetória de estudos desses alunos durante a pandemia, assim como as questões relacionadas a acesso, econômicas e sociais.

Para que esta pesquisa fosse realizada, a metodologia utilizada foi um questionário no Google Forms que continha 37 questões fechadas e 1 aberta opcional ligadas a trajetória escolar do estudante entrevistado, condições das famílias e condições de estudos na pandemia. Quando os estudantes entrevistados não tinham condições de responderem diretamente o formulário, as perguntas foram realizadas através do WhatsApp.

Na comunidade Quilombola do Ausente de Baixo, responderam ao questionário sete alunos com idades entre 15 e 17 anos, cursando o ensino médio. Em relação às características socioeconômicas das famílias, todas são de baixa renda pois 100% receberam algum tipo de auxílio do governo no ano de 2021, seja Bolsa Família ou Bolsa Escola. Os grupos familiares são numerosos, todos com mais de cinco filhos. A renda de muitos nem sempre fornece o que é necessário para o estudo, como o acesso à internet, ou até mesmo o celular. Vemos que os moradores comunidade de Ausente de Baixo sobrevivem da agricultura familiar de subsistência, sendo que a maioria, 60%, conta também com a ajuda do Auxílio Emergencial. Entre os pais, apenas 20% possuem o ensino fundamental completo. Entre os irmãos, 80% possuem ensino médio completo.

A partir da análise das respostas das entrevistas, percebe-se que os recursos tecnológicos tv e internet estão presentes em 100% das famílias. Quanto ao acesso à internet, 80% são por meio do 4G dos celulares e 20% é via antena. O acesso pré-pago representa 80% do total, sendo que 20% falaram que suas recargas mensais duram de um a dez dias; outros 20%, de onze a vinte dias; e 60% de vinte um a trinta dias. 80% afirmaram que o sinal é instável. Ou seja: o número de estudantes que acessa a internet com estabilidade ao longo de todo o mês é ínfimo.

Contemplando a questão 38, questão aberta onde foi solicitado que os alunos relatassem a principal dificuldade encontrada no ensino remoto, 100% dos alunos afirmam que ir à escola antes ajudava muito mais, visto que as relações interpessoais são de fundamental importância no processo ensino aprendizado. A maioria declarou que as metodologias de agora até ajudam, mas não se comparam às vantagens ao ensino presencial. Afirmaram que durante a pandemia eles consideram que está sendo bem mais difícil aprender o conteúdo, pois mesmo que assistam a videoaulas é difícil adquirir todo conhecimento que se é passado. Isso se dá pelo fato de muitos dos alunos não terem ajuda apropriada e mediação do professor, como também pela falta de conhecimento para manuseio e utilização das ferramentas tecnológicas como o Google Sala de Aula, o Conexão Escola 2.0, e mesmo o Youtube. Além disso, foi apontada que 80% dos alunos possuem uma internet ruim, como citado no parágrafo anterior.

Ao final das entrevistas, bem como minhas próprias experiências, noto que o ensino remoto para os alunos e os familiares se torna uma forma segura para suprir a falta do ensino presencial durante o contexto atual de pandemia. Contudo, a falta de um acesso contínuo e estável à internet, além do baixo nível de escolaridade dos pais, constitui agravante no processo de ensino aprendizagem, como é o caso da comunidade estudada. Levando em consideração a realidade vivenciada pelos estudantes de Ausente de Baixo, e pensando na educação no contexto durante a pandemia, podemos enfatizar a necessidade de se ter maior atenção à realidade do educando, pois nem sempre eles possuem as ferramentas corretas e necessárias para o ensino, como a internet e o celular.

[1] Maria Madalena é estudante da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Esta pesquisa foi supervisionada pelo professor Vítor Sousa Dittz, da Escola Estadual Professor Leopoldo Pereira, e orientada pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro, da UFVJM, no âmbito do PIBID-UFVJM.

Agradecimentos aos estudantes-sujeitos e suas famílias, bem como ao diretor da E. E. Professor Leopoldo Pereira, o professor Maycon Souza.