Minha realidade em contexto de pandemia e ensino remoto

Minha realidade em contexto de pandemia e ensino remoto
Foto de Matheus em ambiente aberto.

Matheus Henrique Rocha –

Meu nome é Matheus, tenho 21 anos e moro na comunidade quilombola do Baú. Moro com minha avó desde os 4 anos de idade e hoje apenas com ela e o meu tio, ele trabalha remunerado quando encontra serviço, ora de pedreiro, ora em atividades remuneradas rurais. Ele passa boa parte dos dias úteis trabalhando e os fins de semana bebendo. Ao fim de 2019 meu núcleo familiar já estava menor devido à mudança de minhas irmãs mais novas, de 16 e 18 anos, para o município de Serro-MG. Eu não me mudei, porque cuido das plantações, dos animais da família e de outras tarefas do domicílio de que minha avó com sua idade não deveria fazer.

Minha mãe sempre nos visita e tenta ser a mais atenciosa possível. Ela mora com o meu padrasto. No entanto, ela é quem recebe os benefícios previdenciários de minha avó, faz as compras da casa em geral, além de pagar as contas, compra as vitaminas e remédios de minha avó. Minha mãe trabalhou durante 4 anos como cuidadora de um casal de idosos no município. Em meados de 2020 ela teve que retomar a sua profissão como lavradora e dona de casa. Eu presto alguns serviços sociais comunitários de forma voluntária e em épocas de plantio e de colheita trabalho remunerado na agricultura ajudando algumas famílias da comunidade. Em outras épocas, ocupo as horas de meu tempo com os afazeres na propriedade da família, cultivando, limpando e cuidando do terreno e de alguns afazeres domésticos.

Com a Covid-19, algumas coisas mudaram em minha rotina, como ir menos vezes na cidade, a adesão a novos cuidados com a saúde e a uma organização mais rígida para cumprir a rotina do dia-a-dia. Deste modo, deixei o trabalho remunerado para me dedicar ao período de tempo universidade do curso de Educação do Campo e ao ensino remoto. Sinto-me prejudicado em estudar esse período em casa, pois tenho que dispor de mais horas para o estudo do que dispunha para o tempo comunidade que já estava habituado. Sinto um desconforto com isso e uma sensação de que o contexto de ensino-aprendizado da academia invade nossa realidade, interferindo completamente na rotina.

Aqui em casa apenas eu estudo, disponho de um celular e um notebook para essa finalidade. O meu tio possui um telefone celular para ligação e bate papo no Facebook e WhatsApp, porém, pouco o explora por não ser letrado em tecnologias e ter problemas de visão. Já a minha avó tem um telefone de mesa com antena para captar sinal, sua finalidade é de possibilitar a interação com os familiares mais distantes via ligações. Temos uma televisão com antena parabólica que nos permite assistir programações, como jornais, filmes, novelas e cultos evangélicos.

Minha experiência em estudar em tempos de pandemia e em ensino remoto

Minha rotina de estudo com a volta as aulas do Curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEC), neste ano de 2021 cursando o período extemporâneo 2020/2, foi tranquila. Quando as aulas eram presenciais, havia uma padronização dos horários, que eram dedicados às atividades regulares do curso, leituras de textos e preparação de trabalhos acadêmicos. Em outro contexto, ao se tratar de ensino remoto em nossas casas, uma experiência nunca testada antes por nós e com as diversas funções que exerço no domicílio e na comunidade que estou inserido, me desafiei com a situação e adotei uma nova estratégia, a organização de um cronograma pessoal, para isso, tive que abrir mão de algumas coisas.

Além das atividades do núcleo familiar e as comunitárias que exerço, busco trabalhar remunerado para juntar uns trocados. Na confiança ao acesso à Bolsa Permanência do MEC, que me aproxima do direito como quilombola de cursar um ensino superior, e com os eventuais auxílios emergenciais da Universidade, decidi parar de participar das atividades remuneradas no serviço rural da comunidade durante esse período e dedicar meu tempo para os estudos. Isso me possibilitou passar pela situação imposta pela pandemia do Covid-19 com êxito.

Nesse período de TU, passei a conhecer e participar das aulas na plataforma do Google Meet, no entanto, necessito melhorar o diálogo, que é defasado devido uma dificuldade de organizar o pensamento durante discurso. Outra dificuldade é acessar as tecnologias essenciais durante a aula, como ligar o microfone do notebook para falar e o acesso à internet que em dado momento causa interferência durante as aulas de videoconferências. Essas são algumas justificativas a respeito da participação limitada durante as aulas remotas. Nesse processo aprendi a interagir no Moodle, que possibilitou dialogar nos fóruns de diálogos e de dúvidas, ofertados pelo professor da unidade curricular (UC) “Estudos de Letramentos”. Além disso, por meio dos grupos do WhatsApp, tive acesso a vários links de eventos, cursos e programações online via YouTube e que ofereciam certificados de participação. Essa plataforma é um importante meio de pesquisa e informação no ensino remoto, assim como também o mais fundamental nos momentos de distração e lazer.

Como estudante de uma graduação de ensino superior e morador consciente dos meus direitos e deveres, busco contribuir com o desenvolvimento socioeconômico das famílias locais. Assim, portanto faço parte do comitê gestor do Fundo Quilombo Solidário, que integra o projeto Quilombo Vivo, no qual a comunidade foi contemplada no edital com dois projetos. Atualmente estou na responsabilidade de acompanhar toda etapa de execução de tais projetos; essa é uma das obrigações de que tento dar conta juntamente ao ensino remoto neste TU, pois são ambas práticas fundamentais na minha leitura de mundo.

Uma reflexão sobre o processo de ensino remoto na pandemia

Para apresentar uma reflexão sobre o ensino remoto é necessário trazer as experiências tidas com nossa primeira unidade curricular (UC) do período de TU, “Estudo de Letramentos”. Nela experienciamos nossas primeiras aulas síncronas e, como eram quatro horas semanalmente durante 5 semanas, a internet móvel não foi um fator excludente. Entretanto foi possível perceber as dificuldades de acesso por parte da turma. Alguns colegas em certos momentos não conseguiram acompanhar toda a duração da aula. Todavia, como o docente deixava gravados os encontros, era possível rever quando a internet estava mais estável.

Outra situação percebida durante as aulas no Google Meet foi a instabilidade da internet que causava ruídos e falhas no áudio dos encontros para alguns alunos. Sabemos que a internet é uma rede capaz de ligar as pessoas em qualquer parte do mundo através da interligação entre os computadores e outras tecnologias eletrônicas, sendo que, atualmente, muitas pessoas estão diariamente em constante processo de aprendizado ligados à rede. Em conformidade com esse fato, a acessibilidade a internet é uma questão de repassar informações que possibilite uma inclusão dos grupos sociais, algo que nas aulas remotas estão sendo possíveis devido a opção de rever as aulas síncronas quando disponibilizada em gravação e o debate nos fóruns em uma plataforma que não demanda muito um acesso à internet de qualidade, desse modo aos poucos vamos nos letrando por meio das tecnologias digitais e criando novos olhares a esse novo mundo.

Em nossas práticas cotidianas estamos em constante contato com a língua portuguesa e com a variação da linguagem em diversos contextos. No caso do ensino remoto, as práticas de leitura e escrita se dão através de tecnologias como celular e computador e através da caderneta física, onde fazemos anotações importantes das aulas síncronas e assíncronas e revemos para fixar o conteúdo na memória de longo prazo, metodologia essa que cada aluno aborda de acordo com suas habilidades que variam de indivíduo a indivíduo e de uma comunidade para outra. O aluno que adota métodos de aprendizados, por meio de anotações a respeito de uma fala ou outras observações durante a aula de videoconferência adquiri a capacidade de absorver práticas letradas através do diálogo.

O ensino remoto ainda continuou após a edição deste texto. Em razão disso, não foi possível trazer uma completa reflexão a respeito do ensino remoto durante TU por inteiro. Porém, no seu primeiro momento já foi oportuno para trazer a público nossa experiência com ao menos uma UC que, até então, trouxe uma carga muito expressiva de aprendizados. Acredito que numa oportunidade futura traremos uma reflexão embasada no todo e com mais criticidade. Ainda assim, deixo registradas minhas reflexões a respeito do ensino remoto baseado na experiência com a unidade curricular Estudos de Letramentos.

Ler o mundo em um “novo normal”?

Ler o mundo em um “novo normal”?

– Luciene Aparecida Campos Viríssimo –

Luciene em frente ao centro comunitário da comunidade quilombola Ausente

UM POUCO DA MINHA REALIDADE

Eu, Luciene, moro na comunidade quilombola de Ausente, município de Serro. Estou morando com minha mãe, meu padrasto e minha filha de 4 anos. Meu companheiro só vem uma vez a cada mês. Até o último dia do mês de fevereiro deste ano ajudava a cuidar da minha tia que estava acamada devido um AVC que havia sofrido. Ela era totalmente dependente de nós que cuidávamos dela, desde alimentação ate trocar as fraldas.

Com a pandemia minha mãe teve de ficar mais tempo em casa. Antes, por ser presidente da associação comunitária, ela saia muito e geralmente tinha muitas reuniões. A partir do isolamento que a pandemia trouxe o tempo dela passou a ser ocupado quase todo com plantações, roça e hortas, além de participar de projetos de comércio de produtos de agricultura familiar. Minha mãe cuida da minha filha para eu estudar e trabalhar, eu trabalho em casas de famílias com faxinas alguns dias da semana. Meu padrasto fica em casa cuidando das coisinhas dele, já que não pode trabalhar em serviços pesados por motivos de saúde.

Além de eu estudar e trabalhar, também tenho que dividir meu tempo com minha filha, que começou a estudar esse ano com o famoso PET. Para ela, que começou a escola agora, essa dinâmica acaba exigindo uma atenção maior, até que ela consiga acompanhar tudo. Além disso, todas atividades que ela está fazendo estão sendo passadas pelo whatsapp do mesmo celular que utilizo para assistir minhas aulas e ler textos.

A pandemia mudou muito a rotina da minha comunidade e da minha família, já que não temos muitas formas de distração igual antes. Sem reuniões, festas e viagens, as formas de distrair ficaram por conta da televisão. Nesse tempo de pandemia foi criado também na minha comunidade um coletivo de agroecologia na qual e voltado para a comercialização de produtos orgânicos, em que eu participo como articuladora e apoiadora entre agricultoras e clientes, além de fazer parte do financeiro desse grupo que tem me rendido muito aprendizado. O difícil com esse tempo vem a ser o acesso à internet, já que só uso dados móveis. Isso porque na minha comunidade ainda não conseguimos colocar uma internet boa, sendo a única que funciona e a via satélite, mas não atende totalmente nossas necessidades. Mas sigamos na esperança que tudo passe logo para voltarmos as nossas antigas rotinas com muito aprendizado.

ESTUDAR EM TEMPOS DE PANDEMIA

Com o início da pandemia muitos desafios foram encontrados, como o ensino remoto, estudar a distância. O que fazer? Como fazer? Foram muitos os medos de não dar conta, pois as dificuldades eram visíveis logo de cara. A internet não ajuda muito e, como onde moro um dos melhores acessos seriam via satélite, a qual é uma internet muito cara e nem sempre resolve, optei pelos dados moveis mesmo. Pago um plano mais caro que, porém, me atende bem. O sinal nem sempre é bom, mas dá para seguir em frente.

Essa rotina de estudar de forma remota requer muito comprometimento e disciplina, já que, muitas vezes esquecemos dos horários das aulas e até mesmo das atividades propostas, porque colocamos outras atividades do dia a dia a frente. Como tradicionalmente estamos e tempo todo em Diamantina na época do Tempo Universidade só para o estudo, não estando lá por conta do contexto, à vezes dificulta muito.

Nos semestres passados estávamos todos juntos, fazíamos grupos para estudar e discutir textos das disciplinas, que eram para ser lidos e compreendidos. No entanto, com o isolamento social por causa da pandemia, a forma que temos agora para discutir os textos com alguns colegas é através do Whatsapp. Discutir os textos com os colegas é uma das formas de entendermos ele melhor, pois um vai tirando as dúvidas do outro. Atualmente a teleconferência é nossa sala de aula, onde nem sempre vemos os colegas, ou os ouvimos, sendo uma forma de matar a saudade e de estarmos juntos.

Nas atividades de Prática de Ensino que encerraram o semestre anterior a esse no qual escrevo, houve uma atividade de colocação em comum em que conhecemos um pouco sobre o gênero webinário, palavra essa que quase não se ouvia falar, e que hoje está sendo muito usada. Além desse exemplo, há muitas outras mudanças em prática até o momento. Tive de aprender a usar alguns aplicativos novos, por exemplo. O Google Meet eu já usava para algumas reuniões, mas com as aulas, aprendi melhor a usá-lo. Google Sala de Aula eu já conhecia, mas ainda não sei dominá-lo. O e-mail institucional foi também uma ferramenta exigida. A partir de quando o conheci já me adaptei e hoje em dia tenho até mais facilidade de lidar com ele. Com a disciplina de Estudos de Letramento, conheci melhor o Moodle, já que usava apenas para enviar trabalhos TC e TITC e ver textos propostos. Atualmente aprendi a usar outras funções que eu não conhecia. Nesse tempo não aprendi a dominar o podcast, gênero usado nas atividades de Prática de Ensino, mas espero aprender logo.

Em resumo, os docentes da universidade, assim como os colegas, têm dado muito apoio uns para os outros, sendo um apoio muito importante para que ninguém fique prejudicado.

REFLETINDO SOBRE O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

Com a chegada da pandemia no Brasil, muitas coisas precisaram ser readaptadas para um “novo normal”, o qual nem todos conseguem acompanhar. Juntamente a isso tudo, as escolas e universidades precisaram se adaptar ao ensino remoto, o que não está sendo fácil para ninguém, nem para educandos e nem para educadores. São muitos aplicativos novos para administrar e aprender em pouco tempo. Isso, ainda levando em consideração que muitas famílias não tem condições de ter internet e outras tem apenas um aparelho celular para vários filhos estudarem ao mesmo tempo. Braga e Vóvio (2015) analisam, em um contexto anterior ao da pandemia, a questão do acesso à escola e aos meios tecnológicos de acordo com a classe sociais.

“se analisarmos a historia, e possível depreender que desde sua origem o acesso e o uso dessa tecnologia sempre foram privilegiados das camadas econômicas favorecidas. (BRAGA; VÓVIO. 2015, p.46-47).

Por outro lado, tenho percebido ao meu redor que a pandemia fez com que as pessoas valorizassem ainda mais o meio onde vive. Isso, tanto ensinando quanto aprendendo com os outros a ler o mundo de maneiras diferentes no ambiente doméstico e do cotidiano. Muitas das vezes esses fazeres do dia a dia fazem com que esqueçamos um pouco da realidade do mundo lá fora e das notícias ruins. Os mais velhos se ocupam com práticas de leituras de mundo, mesmo sem chamar suas atividades com esse nome. Conforme Paulo Freire (1989) fala em seu texto “A importância do ato de ler”, a leitura pode ser pensada a partir de diversos sentidos.

“os textos”, as “palavras” as “letras” se encarnavam também no assovio do vento, nas nuvens do céu, nas suas cores, nos seus movimentos; na cor da folhagens, na forma das folhas, no cheiro das flores- rosas e jasmins- , na copa das arvores, na casca dos frutos. Na tonalidade diferente de cores de um mesmo fruto em momentos distintos: o verde da manga espada, o verde da manga- espada inchada; o amarelo esverdeado da mesma manga amadurecendo, as pintas negras da manga mais além de madura. A relação entre essas cores, o desenvolvimento do fruto, a sua resistência a nossa manipulação e o seu gosto. Foi nesse tempo, possivelmente que eu, fazendo e vendo fazer, aprendi a significação da ação de amolengar”. (FREIRE. 1989, p.10).

Nos Estudos de Letramento tive a oportunidade de entender como uma pessoa analfabeta pode saber muito das coisas do mundo e da vida, e que e a leitura de mundo que antecede a leitura da palavra. Vimos em sala de aula em um antigo documentário chamado ”Leituras de um Analfabeto”, da TV Cultura. Pessoas sem domínio da escrita saiam das roças rumo à capital em busca de vidas melhores e, num mundo letrado, identificavam os ônibus por cores, por exemplo, ou por escutar os outros falarem. O interessante dessas leituras de mundo e que muitas vezes as pessoas com leituras de palavras sabem muito menos em certos contextos.

A leitura de mundo é fundamental e tem uma importância grande para nós da LEC que, a partir da Pedagogia da Alternância, intercalamos nossas práticas de aprendizado entre a comunidade, e o meio acadêmico como mencionam MAGNANI, CASTRO (2019),

A metodologia permite que estudantes estejam em suas comunidades em momentos cruciais como em época de colheita em alguns casos na universidade o tempo necessário a sua formação, bem como promove o dialogo entre saberes, envolvendo comunidade e universidade na medida em que não só atividades de pesquisas protagonizadas por estudantes são realizadas em conjunto com suas comunidades de origem ou atuação profissional como também é parte constitutiva do curso a ida periódica de docentes da universidade para orientação e execução de praticas de ensino, normalmente originários de problematizações locais. (MAGNANI; CASTRO, 2019, p.68).

Em resumo, aprendemos que um tem de ajudar o outro para que ninguém se perca no meio do caminho, juntando leitura de mundo e leitura de palavra para lidar com a realidade do mundo atual.

REFERÊNCIAS

BRAGA. D.B; VOVIO, C.L. Uso de tecnologias e participação em letramentos digitais em contextos de desigualdades. In: BRAGA. D, B; VOVIO, C. L. (orgs) Tecnologias digitais da informação e comunicação e participação social. São Paulo: Cortez São Paulo, Cortez, p.33-65,2015

FREIRE, P. A importância o ato de ler. 23 ed. São paulo, Cortez,1989

MAGNANI, L.H.; CASTRO, C.H.S. práticas letradas, tecnologias e territórios: transgredindo relação de poder. Revista X, Curitiba,v:14,n.5.p.56-81, 2019

Perspectivas e Desafios no Ensino Remoto

Perspectivas e Desafios no Ensino Remoto

As seguintes ponderações relacionam-se com o que estudamos de forma remota na disciplina Estudos de Letramento pelo curso de Licenciatura em Educação no Campo, no primeiro semestre de 2021, e também com experiências pessoais neste período pandêmico.

 Ao iniciar o ano de 2020, nos deparamos com essa situação de uma pandemia global, algo inédito para nossa geração. Isso fez com que o ser humano mudasse repentinamente suas rotinas e suas maneiras de ler o mundo, uma vez que foi necessário diminuir o contato pessoal até mesmo com os familiares. O isolamento social foi primordial no combate à doença, e tivemos que ir nos adaptando a outras estratégias para dar sequência em todas as tarefas do dia a dia. Não foi diferente com as atividades educacionais, que precisaram passar por adequações, para que de maneira online fosse possível dar sequência nos estudos. Importante salientar também que muitos estão sendo os desafios, tanto pessoais, coletivamente e ainda por parte das instituições. Porém, com organização, planejamento e união o mundo irá superar este dificílimo período de calamidade na saúde pública.

UM POUCO SOBRE MINHA REALIDADE

Arlei utilizando seu computador pessoal no ensino remoto. 2021. Fonte: Arquivo Pessoal.

Eu, Arlei, tenho 29 anos de idade e sou morador da comunidade de São Gonçalo do Rio das Pedras, distrito de Serro. Para que eu possa descrever a minha realidade no contexto da pandemia, é necessário retroceder alguns meses no tempo. Até outubro de 2020 eu ainda morava com meus pais, éramos quatro pessoas na mesma casa, pois os outros três irmãos já haviam se casado. Porém, a partir do dia 31/10/2020, eu mudei de residência e passei a morar na minha própria casa juntamente com uma mulher que neste mesmo dia se tornara minha esposa.

No que refere-se ao estudo, decidimos juntos fazer o vestibular para cursar Licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuro. Ambos cursamos a habilitação em Linguagens e Códigos e o mesmo período, isso gera uma compreensão mútua das necessidades que o momento impõe e facilita bastante os estudos. Nós dois estamos cientes da necessidade de um ambiente tranquilo e com o mínimo de barulho possível para que haja uma maior concentração nos estudos e em outras várias atividades que estamos realizando remotamente. Para podermos realizar nossos afazeres com mais fluidez, foi imprescindível algumas adaptações tecnológicas. Instalamos uma rede de internet mais eficiente e, mesmo em um momento que as condições financeiras não era favorável, compramos um aparelho celular para minha esposa com maior compatibilidade às exigências do momento. Eu já desfrutava de um bom aparelho e um notebook que comprei há uns 10 anos atrás e apesar do seu ótimo estado físico se encontra muito debilitado no quesito funcionalidade.

Até o presente momento nós dois estamos estudando e conciliando isso com o trabalho, tarefa que não é 100% assegurada, uma vez que minha esposa trabalha em um Centro de Atendimento ao Turista, que luta por renovação de contrato anualmente. Já eu trabalho como autônomo fazendo de tudo um pouco, e aos fins de semana estou trabalhando como motoboy para ajudar na renda. Com a pandemia do novo coronavírus (COVID-19) muitas de nossas rotinas sofreram mudanças. Em função da ocasião, passei um ano trabalhando em barreira sanitária na minha comunidade, mas, em geral, o objetivo da atividade foi atingido. Com as pessoas mais confinadas, houve ainda uma diminuição significativa de oportunidades de trabalho no contexto da comunidade. Se antes alguns moradores pagavam para fazer tarefas como olhar os filhos, arrumar casa e lavar roupas, nesse novo contexto, as pessoas mesmo estão realizando essas tarefas. E, pelo fato de morarmos em um povoado onde o capital circula através do turismo, a ausência dessa atividade gerou desemprego em massa. Por longos meses decretos municipais impediam que pousadas, quitinetes e coisas do gênero funcionassem, deixando o empregador e o empregado de mãos atadas.

Temos como entretenimento, assistir filmes evangélicos, de aventura e comédia, fazer exercícios físicos, conectarmos em redes sociais e ainda gosto muito de assistir futebol. Outra ocupação comum em nossa casa é a prática da oração e meditação em textos bíblicos, pois apesar de todas as dificuldades a nível mundial, nós cremos em Deus e não podemos perder a fé nem a esperança de que dias melhores breve virão! Fazendo referência ao que mudou na minha rotina devido a pandemia, poderia ainda salientar a paralisação dos cultos religiosos, dado que anteriormente frequentava a igreja pelo menos 3 vezes por semana, contudo, o atual cenário tem nos impossibilitado desta prática, assim, estou permanecendo a maior parte do tempo em casa com minha esposa. 

ESTUDAR EM TEMPOS DE PANDEMIA

Diante desse caótico cenário, todo o sistema precisou se reinventar. Em se tratando dos estudos não foi diferente, uma vez que as atividades presenciais não puderam continuar, em função do altíssimo poder de contágio do vírus. E para uma maior preservação da saúde, um novo modelo de ensino precisou ser implantado. As instituições de ensino fecharam as portas para aulas presenciais por tempo indeterminado e passaram a ministrar atividades de forma remota, o que exigiu adaptações por parte dos educadores, educandos e mesmo seus familiares, por exemplo. Nesse novo modelo, as novas tecnologias foram os recursos mais eficientes encontrados pelas instituições para continuar oferecendo um estudo de qualidade.

Porém, para que o processo formativo atingisse as expectativas, seria imprescindível que os alunos independentemente da sua classe social ou da localização de sua residência, tivessem acesso a uma rede de internet competente para atender as demandas impostas. Infelizmente não foi assim que aconteceu. Diversos colegas de curso estão frequentemente reclamando a esse respeito. Com isso, entende-se que o fato de não ter uma internet de qualidade está sendo uma das dificuldades enfrentadas nesse processo, visto que, para realização das atividades, usa-se diversos aplicativos, plataformas e outros programas de computadores. Pessoalmente, não cheguei a encontrar dificuldades, pois já possuía um certo domínio das ferramentas requeridas na ocasião.

Tem sido muito desafiador conciliar os estudos com nossos afazeres diários, incluindo o trabalho. No ensino remoto não se tem como disponibilizar o tempo exclusivamente para as aulas, desse modo, se não houver um grande esforço, perde-se alguns momentos síncronos, o que acaba sendo amplamente prejudicial. Para participar das atividades síncronas tenho deixado de trabalhar alguns dias na semana, porém isso só é possível porque atualmente estou trabalhando como autônomo. Já para executar as atividades assíncronas tenho me empenhado bastante nas horas vagas e nos períodos noturnos. Assim, tenho conseguido cumprir todas as exigências do ensino remoto.

Com relação ao aprendizado, confesso que é bem mais limitado, mas acredito que nesse momento estamos todos, desde instituição a alunos, sendo submetidos a um forçado processo de transição do ensino, onde fica perceptível o engajamento da maioria dos envolvidos para não perder demasiadamente a qualidade do ensino. Nota-se que a interação entre professores e alunos fica mais escassa nesse novo modelo e, consequentemente, a absorção dos conteúdos disponibilizados e debatidos nos diálogos também é mais insatisfatória. Outro ponto a ser destacado é que, ao se priorizar a teleconferência, fica-se totalmente dependente dos meios tecnológicos. Havendo alguma falha, perde-se assuntos importantes que podem fazer falta em uma avaliação ou até mesmo na sua trajetória profissional.

Por fim, mesmo que os pontos positivos sobressaem os negativos acerca da utilização dos meios tecnológicos, ainda assim, são encontradas diversas dificuldades, no entanto, é de suma importância que nesse processo de transição haja um trabalho em coletividade, para que todos tenham acesso igualitário à internet e às ferramentas exigidas, pois, uma vez que o ensino é ofertado a toda classe social, é necessário que ninguém querendo envolver, se sinta excluído.

 REFLETINDO SOBRE O PROCESSO

Com base nas análises sobre as vivências do ensino remoto e nas reflexões teóricas estudadas na disciplina Estudos de letramento, consuma-se que o novo modelo de ensino não é eficaz a ponto de manter o mesmo nível das estratégias presenciais. Percebe-se ainda que apesar de o ensino ser ofertado a todas as classes sociais, existe uma parcela desses envolvidos que são menos favorecidos ou mais prejudicados quando pensamos nos quesitos aparelhos tecnológicos e acesso à internet de qualidade. Nesta lógica concordo com Souza (2000), quando afirma que: […] “é possível observar que as falas dos professores do campo estão sendo associadas principalmente à dificuldade de acesso à internet e a equipamentos tecnológicos que permitam a todos os alunos da zona rural acompanharem as aulas remotas” […].

Souza (2000), reitera também que: “A dificuldade de acesso à internet pelas populações do campo é de conhecimento comum e representa a displicência do poder público em não garantir aos camponeses algo fundamental na chamada Era da Informação: o acesso à internet e aos meios de comunicação.”. Ainda poderia ressaltar que o fato de muitos estudantes morarem com famílias numerosas e não terem um ambiente adequado dentro de casa para estudar com tranquilidade é muito prejudicial, tornando-se um desafio para a concentração, principalmente em práticas por intermédio de videoconferência. Assim sendo, fica explícito que há desigualdade para uma porção desses indivíduos envolvidos no ensino remoto.

Outro fator desafiador é a adaptação a essa nova rotina. Nesta perspectiva, são cabíveis as colocações de Silva, Goulart e Cabral, quando fazem o seguinte argumento:

Para diminuir o avanço do vírus e minimizar os impactos no sistema de saúde, instaurou-se no mundo medidas de higiene pessoal e coletiva e o isolamento social, que acarretou novas adaptações para o mundo do trabalho e para a vida acadêmica, estabelecendo novas formas e rotinas para o cumprimento das atividades diárias. ( SILVA, GOULART, CABRAL, 2021, p. 409.)

  • Conciliar o emprego, e os afazeres diários com os estudos, é algo que requer bastante esforço e organização. Dependendo dos horários programados para os encontros, ocorrem conflitos de agenda, obrigando-nos a ponderar qual perda será mais prejudicial.

Constata-se, em suma, que estudar de forma remota tem trazido inúmeras contrariedades a todos os envolvidos neste processo. Todavia, é necessário deixar explícito que é possível extrairmos conhecimentos extremamente significativos provenientes dos conteúdos da disciplina que nos foram aplicados e ainda dos relatos e diálogos provenientes dos colegas, pois apesar de estarmos todos atrás de uma tela, tivemos a oportunidade de expor ideias, dúvidas, fazer questionamentos e comparações quanto às diferenças e semelhanças referentes aos estudos e adaptações a esse novo modelo de ensino.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREIRE, Paulo Reglus Neves. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam, 23ª Ed. São Paulo: Cortez. 1989.

Leituras de um analfabeto. Producão: MACHADO, Cláudia; RODRIGUES, Patrícia. São Paulo, Editora Caminho Suave, 28 agosto de 1991.

SILVA, Joselma; GOULART, Iisa do Campo Vieira; CABRAL, Giovanna Rodrigues. Ensino Remoto na Educação Superior; Impactos na formação inicial docente. Revista Ibero- Americana de estados em Educação, v. 16, n.2, p. 407-423, abr. /jun. 2021.

SOUZA, Everton de. Escolas do Campo e Ensino Remoto: Vozes docentes nas mídias digitais. V 14, n. 30, set. /dez. 2000.

Pandemia e desafios do cotidiano

Pandemia e desafios do cotidiano
SESC Pompeia, em São Paulo – SP, local que abriga o CineSesc.

– Clayton D R Fernandes –

UM POUCO SOBRE MINHA REALIDADE

Minha esposa e eu, diferente de todos os anos que posso me lembrar, resolvemos não viajar no Carnaval de 2020. Pela primeira vez estávamos os dois aposentados e sem nenhum compromisso que não pudesse ser feito via internet. E, também, porque não? Queríamos sentir o renascimento do carnaval de São Paulo. Acho que São Paulo inteiro também quis e ficou em São Paulo. Tudo lotado e agitado. Difícil encontrar um lugarzinho na calçada. E foi. Tudo relevado porque tínhamos uma meia vida de férias pela frente. E veio a pandemia.

O Sesc São Paulo. O primeiro trauma foi a privação ao Sesc. Somos frequentadores diários das Unidades do Sesc. Tanto em São Paulo como em várias cidades do Brasil. Fazemos cursos, almoçamos, jantamos, nadamos, praticamos yoga, vamos a shows, exposições, dançamos, encontramos a turma, conhecemos gentes, viajamos em excursão. Dificilmente passamos uma semana sem ir ao CineSesc. Nunca sai de São Paulo nas duas semanas do Festival Internacional do Cinema. Diariamente no CineSesc.

ESTUDAR EM TEMPOS DE PANDEMIA

A Rotina. Parece que a gente está remando para não sair do lugar. Minha estratégia para enfrentar a pandemia é arrumar muita coisa para fazer e para ler. Cuidar das plantas, pesquisar na internet como semear e replantar antúrios e orquídeas, consertar cadeira estragada, trocar fechadura antiga, pintar muro, trocar tomadas, vedação das torneiras e um monte mais de coisas. Quando o tempo (aqui é o clima) está firme, andar pela cidade com a minha cachorrinha, fotografar esquinas e vitrines. Para ver como eu estou ainda. Tenho lido bastante, coisas que nunca me interessei antes, história da arte, impressionismo, um pouco sobre a idade média que eu nunca soube o que foi. Também li alguns textos sobre a Alemanha na primeira guerra, como surgiu o nazismo, as várias guerras que a gente chama de segunda guerra, a escravidão no Brasil, livro do Laurentino Gomes. E as poesias da Ana Martins Marques que eu conheci, sem intenção, num curso sobre literatura no Sesc SP. Então, para não confundir tudo isso, na minha cabeça, montei um banco de dados de tudo que li recentemente e do que estou lendo. Inclusive para a LEC. Montei este banco de dados por dor da abstinência. Tantos anos desenvolvendo banco de dados, não é possível parar simplesmente…

Ensino remoto é como noivado à distância ou curso de natação sem piscina. A gente tem só uma ideia das coisas. Da noiva e da água. Participei de dois TUs em Diamantina. E foram muito marcantes. Acho que todos nós alunos saímos maiores destas duas experiências. A classe de aula com gente de diferentes lugares, idades, sonhos e repertórios. De repente, juntos, montar e apresentar uma tarefa. Isto sempre foi muito bom. Das 8 às 18 horas. Tempo passava depressa, apesar do sono e do cansaço. Muitos conceitos novos voltaram para casa. Penso que cada um de nós voltou outro para seus lugares.

Tecnologias. Para acompanhar as atividades da LEC usamos alguns aplicativos que eu nunca tinha utilizado. Moodle (parece que outras universidades também usam este aplicativo) e ClassRoom (a UFVJM fez algum acordo com a Google e adotou este aplicativo para o ensino remoto. É um arrazoado dos aplicativos da Google: Drive, editor de texto e Meet).

Para o nosso curso o ensino remoto não serve. A convivência – e as dificuldades da convivência – é uma parte importante do nosso aprendizado. E uma sala de aula virtual é a negação da convivência. É muito chato!

Temos que descobrir e inventar um jeito de fazer trabalho em grupo. Talvez experimentar ler um texto em conjunto via Meeting. Cada colega lê um parágrafo, se quiser ler. Depois de cada parágrafo a gente discute um pouco as ideias apresentadas.

REFLETINDO SOBRE O PROCESSO

Das práticas educativas ocorridas no primeiro semestre de 2021 de modo remoto na LEC-UFVJM, destaco o aprendizado de alguns conceitos no contexto da disciplina Estudos de Letramento. O primeiro foi o conceito de Paulo Freire sobre o Ato de Ler, como sendo uma atitude fruto da trajetória do sujeito. Quando lemos utilizamos toda a nossa história para compreender o texto. A leitura do mundo precede a leitura da palavra… …A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. (FREIRE, 1989, p. 9). Assim podemos dizer que a nossa experiência de vida nos faz compreender a palavra, contudo a compreensão desta nos acumula experiência e com isto podemos reler o mundo.

Outro conceito estudado foi o Letramento. Aqui o mais importante, para mim, foi a separação entre letramento e alfabetização (alfabetização entendida como o processo de ensinar a ler e a escrever). Letramento é um conjunto de ferramentas cognitivas que o sujeito utiliza para entender o seu ambiente, enquanto a alfabetização se reduz ao uso da escrita. Contudo a alfabetização é utilizada como métrica na escala social. O analfabeto é marcado como um sujeito a ser consertado. Mas a falta de habilidades letradas frequentemente não é uma barreira real ao desemprego, como sugerem as declarações oficiais (STREET, 2014, p. 35). Cabe ao educador pensar a alfabetização dentro das necessidades do sujeito e não dentro das necessidades do mercado. E perceber que a alfabetização, tida como dogma para a emancipação do indivíduo, é um conceito criado pela elite para impor um letramento de seu interesse.

A relação entre território e produção de conhecimento foi estudada através do texto Práticas letradas, tecnologias e territórios (CASTRO; MAGNANI, 2019). O conhecimento, por ser uma produção humana, é uma riqueza. Portanto está em disputa entre as classes sociais e territórios, e segundo os autores

  • Emerge, em decorrência, a questão de como pensar e produzir conhecimento acadêmico sobre tecnologias e letramentos com a preocupação de que tais conhecimentos sejam relevantes e condizentes em relação às demandas e vivências de diversas realidades não-urbanas ou menos urbanizadas existentes no Brasil. (CASTRO; MAGNANI, 2019, p. 64) .

Por fim, no último texto estudado, refletimos à seguinte questão: O domínio da escrita é ponte de acesso à participação social? (BRAGA; VÓVIO, 2015, p. 34). Dentro de uma sociedade altamente subordinada à comunicação digital o domínio destas tecnologias é requisito à inserção social, principalmente a um emprego não precário. A alfabetização não acaba com as desigualdades, mas a equidade pode, sim, acabar com os analfabetismos, tanto de letramento como político.

REFERÊNCIAS

BRAGA, Denise Bértoli; VÓVIO, Claudia Lemos. Uso de tecnologia e participação em letramentos digitais em contextos de desigualdade. Cortez, São Paulo, 2015.

CASTRO, Carlos Henrique Silva de; MAGNANI, Luiz Henrique. Práticas Letradas, tecnologias e territórios. R E V I S T A X, Curitiba, vol/núm. 14/5, p. 56-81, 2019.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. Cortez, São Paulo, 1989.

STREET, Brian V. Letramentos sociais. Parábula, São Paulo, 2014.

Memórias de Letramento

Memórias de Letramento

Márcia lendo junto a livros. 2021. Fonte: Arquivo Pessoal.

Márcia Martins de Vasconcelos –

Aprendi a ler aos seis anos de idade, ainda no primeiro ano da educação básica. Sempre gostei de ler, sendo que meus livros preferidos são os romances. Na minha infância não tive muitos livros, mas os que tinha eu aproveitava ao máximo. A leitura era o meu escape de tantas dificuldades que eu e minha família tínhamos. Às vezes lia para meus sobrinhos e para alguns colegas da turma que ainda não sabiam ler. Atualmente os livros são mais acessíveis, pois estão disponíveis virtualmente, porém eu prefiro poder tocá-los, sentir o cheiro deles etc. Prefiro romance aos textos científicos, mas faço uso de ambos. 

Para mim, ler é poder viajar no tempo e no espaço a qualquer momento. Alguns dos motivos pelo qual escolhi estudar a linguagem foram tanto o interesse em conhecer mais sobre as variações da língua brasileira como também o desejo de conhecer melhor as origens ou teorias da nossa literatura. Como possível futura educadora, anseio um currículo diversificado, a partir do qual o professor tenha autonomia para mostrar aos alunos essas variações linguísticas e não simplesmente repassar conhecimentos que sequer passam por sua análise ou escolha. Nesse sentido, não gostaria de trabalhar somente com o conteúdo dos livros didáticos. 

O ensino remoto me obrigou a mudar a rotina. Antes da pandemia, durante o período de Tempo Universidade (TU), em que costumávamos ter atividades presenciais em Diamantina-MG, tínhamos todo o tempo dedicado às aulas. Atualmente temos que dividir o tempo entre trabalho e estudo.  O ensino em alternância, como era antes da pandemia, favorecia nossas atividades de estudo. O TU com aulas presenciais e o contato com várias pessoas e culturas facilitavam o aprendizado. Além de compartilharmos conhecimentos, culturas e a rotina do curso, a presença dos colegas na sala de aula nos tranquilizava diante das dificuldades, especialmente as relacionadas com o curso.

Estou um tanto perdida com esse ensino remoto, me sinto triste por mim e pelos meus colegas que estão vivendo situação semelhante a minha e a quem na maioria dos casos não posso ajudar. Estou ainda tentando organizar as atividades e conciliar trabalho e estudos. Nem sempre consigo cumprir os prazos para entrega das atividades e não estou conseguindo ler os textos indicados. O que dificulta é o fato de eu não ter internet e computador em casa, pois gasto mais tempo para realizar as atividades e para assistir a aulas, e principalmente gasto muito mais tempo para fazer os trabalhos pelo celular. Às vezes penso em desistir do curso, pois com o ensino remoto sempre tenho que ficar sem trabalhar para ter tempo de assistir às aulas e realizar os trabalhos do curso.

As aulas via internet, por videoconferência, não são tão legais quanto as presenciais. São formas de substituir as aulas presenciais, porém são ineficientes diante da falta de estrutura em que nós discentes nos encontramos. Não consigo me concentrar e acabo tendo dificuldade de aprender, além do fato de que às vezes assisto as aulas em algum ponto que eu possa usar wifi, que, na maioria das vezes, é na rua, em que o movimento e barulho me desconcentram. Quanto a leituras a serem realizadas para a universidade, eu baixo da internet para poder ler à tarde, quando chego do trabalho.

Apesar dos problemas citados acima, aprendi muito nesse processo. Tive que me acostumar a usar várias ferramentas e plataformas como o Google Classroom, a aprender a fazer os trabalhos pelo celular, a reorganizar minha rotina etc. Tudo isso são práticas de letramento. Tive apoio dos professores durante todo o processo, mas da universidade não vejo apoio em relação às dificuldades do ensino remoto. Ressalto também que os colegas do curso têm auxiliado muito. Durante as aulas de Estudos de Letramento entendi que letramento não acontece só na sala de aula (presencial ou virtual), e tudo que vivenciamos e aprendemos ao longo da vida pode envolver uma forma de letramento, algo que não depende de um diploma. 

OUTRAS CONSIDERAÇÕES

Ao refletir sobre letramento nesse TU, entendi que ser letrado não significa necessariamente ser formado na academia e que há cidadãos letrados sem sequer ter frequentado a escola. Essa percepção me ocorreu durante uma conversa com um senhor morador da minha comunidade. Para o senhor Joaquim, o letramento é relativo à capacidade de aprender e executar tarefas diversas e de vários níveis. Ao ouvir isso, fiz uma busca na minha memória e percebi que inúmeras tarefas para as quais o mercado de trabalho exige formação acadêmica são executadas por pessoas sem essa escolarização. E algumas dessas tarefas são executadas até mesmo por analfabetos. 

A partir do texto de Street (2014), podemos também pensar que o significado do termo não é algo dado por fixo ou definitivo. O autor considera que a própria prática de letramento e suas implicações variam com o contexto social. (Street, 2014, p.40):

  • A teoria atual, portanto, nos diz que o letramento em si mesmo não promove o avanço cognitivo, a mobilidade social ou o progresso: práticas letradas são específicas ao contexto político e ideológico e suas consequências variam confirme a situação. (Street, 2014, p.41).

O letramento é um processo coletivo que ocorre ao longo da vida e é decorrente das nossas práticas cotidianas, não apenas na escola. Somos sujeitos pensantes, portanto somos aptos à aprendizagem a todo tempo. O que ocorre é que a escola “molda” cidadãos para fins diversos, por exemplo, para o mercado de trabalho. Assim, alguns saberes, práticas e sujeitos passam a ser mais valorizados que outros. O que ocorreu e ainda ocorre especialmente no campo é uma desvalorização do saber popular e das culturas ali presentes. Em contrapartida, destacam-se “valores” como diplomas e classe social. 

Uma vez que a escola historicamente forma cidadãos para “obedecer” a partir de critérios criados pela elite, ainda vemos reflexo dessa lógica em vários momentos, embora o acesso à academia tenha sido ampliado para a classe pobre e sujeitos do campo, como na LEC.  Vejamos em  Magnani e Castro (2019) alguns fatores que podem contribuir com essa desvalorização: 

  • O ponto é que, em sua grande maioria as universidades do Brasil, sabidamente as maiores produtoras de saber científico do país, localizam-se em centros urbanos. Assim, ainda que possam absorver sujeitos oriundos de comunidades rurais, seu funcionamento, seu local de produção, a realidade cotidiana empírica, os índices de produtividade aos quais estão sujeitos, entre outros fatores, tendem a atravessar a produção científica realizada, reiterando a atenção para contextos urbanos. Entre outros fatores, essa condição pode ajudar a explicar um descompasso entre variadas reflexões acadêmicas ou propostas pedagógicas que partam do uso (ou de certos usos) de certas tecnologias e estruturas e as realidades de muitas escolas e comunidades do campo. (MAGNANI; CASTRO 2019 p. 63,64)

Um desses momentos recentes em que essa lógica assimétrica pode ser conferida diz respeito às políticas públicas ligadas à educação em resposta à pandemia da covid-19. As instituições nos obrigam ao ensino remoto, porém não nos dão estrutura para tal, como se a universidade esperasse que todos os alunos tivessem a estrutura necessária para um processo ensino/aprendizagem de qualidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MAGNANI;CASTRO. Práticas letradas, tecnologias e territórios: transgredindo relações de poder. Curitiba. Revista X.2019.p.63,64.

STREET. Trazer os letramentos para a agenda política. Cap.1 In. STREET. Letramentos Sociais. São Paulo. Parábola Editorial, 2014.

Práticas Letradas no Contexto da Pandemia

Práticas Letradas no Contexto da Pandemia

– Delane de Fátima Eusébio –

Delane verificando atividades em agenda digital.

Sou Delane, tenho 25 anos de idade, resido na comunidade de São Gonçalo do Rio das Pedras, distrito de Serro-MG. Há poucos meses eu morava com minha mãe e mais dois irmãos, algo que mudou recentemente. Em outubro de 2019, eu e meu namorado, que já estávamos juntos há seis anos, tomamos a importante decisão de ficarmos noivos. E o casamento veio a ser um ano depois. Como muitos de nossos projetos para 2020 tomaram rumos inesperados diante da pandemia, a realização do nosso casamento na data planejada estava ameaçada. Apesar da necessidade de cancelarmos a festa e readequar a execução da cerimônia, ainda se tornou possível a concretização da nossa união matrimonial na data desejada.

Assim, a partir de outubro do ano passado, residem na nossa casa somente eu e meu marido. Estamos fazendo o mesmo curso de Licenciatura em Educação do Campo, no mesmo período e ambos na mesma habilitação, o que é maravilhoso, pois nos ajudamos em tudo, principalmente em se tratando de ferramentas digitais, que não é “meu forte”, mas que ele domina bem melhor. Possuímos em casa para contribuir com nossos estudos: rede wi-fi, que instalamos justamente em razão de necessidade por causa do curso, (mas que nem sempre funciona satisfatoriamente); um notebook, o qual, apesar do seu bom estado físico, infelizmente não se encontra em condições favoráveis para o uso, mas que ainda nos atende dentro do possível; e dois celulares.

O último aparelho celular que eu tinha não atendia mais às minhas necessidades diante do ensino remoto, sua memória era insuficiente para abrir arquivos, baixar aplicativos e etc. Dessa forma, apesar de o momento não estar financeiramente propício a isso, precisamos comprar um aparelho novo. E esses equipamentos eletrônicos têm sido uma forma de escape também para o entretenimento, onde em certos momentos livres optamos por assistir filmes (gospeis, de aventura e comédia). Gostamos também de realizar leituras bíblicas, jogos domésticos e exercícios físicos. Além de mexer com jardim e plantas em geral, como também ouvir e louvar hinos evangélicos, que são meu fascínio.

Há 4 anos trabalho como atendente no Centro de Atendimento ao Turista (CAT), aqui na minha comunidade, contudo, não é um trabalho muito garantido, visto que o contrato é renovado anualmente. E este ano, com mudanças na gestão e contínuas paralisações no setor turístico, por não compor a lista de serviços essenciais, meu contrato até o presente momento não foi renovado e consequentemente não estou trabalhando. Já meu marido trabalha como motoboy aos finais de semana e nos outros dias como autônomo. Esse período pandêmico, afetou diretamente o trabalho com o turismo. Os atrativos naturais, que são os principais destinos turísticos daqui, e locais para hospedagem encontravam-se proibidos de receber pessoas até o momento da escrita desse texto (abril de 2021), algo que tem refletido fortemente na economia local.

Outro ponto que abalou significativamente também nossa rotina foi o fechamento dos templos religiosos. Eu e meu marido somos evangélicos e tínhamos o hábito de ir a cultos e outros trabalhos ligados às nossas práticas cristãs, mas infelizmente a necessidade do distanciamento social tem nos privado também de tais atividades. Aquilo que é possível, como por exemplo o ato da oração, fazemos em casa. Particularmente vejo na fé em Deus um escape para manter viva a esperança de dias melhores pela frente.

ESTUDOS NO CONTEXTO DO ENSINO REMOTO

A presença da COVID-19 tem trazido mudanças radicais na rotina de toda a população. Sendo assim, não teria como ser diferente nos estudos, em que a modalidade presencial precisou ser temporariamente suspensa, dando lugar ao ensino remoto como mais uma medida protetiva. Uma das minhas dificuldades enfrentadas diante dessas novas condições de estudos têm sido o choque entre obrigações diárias, aulas, tarefas e trabalhos propostos. Isso porque no período de Tempo Universidade do curso da LEC-UFVJM, outrora vivenciado, tínhamos todo o tempo voltado para nossas atividades estudantis, o que acaba sendo um aspecto bastante facilitador. Mas, estando em nossas comunidades, com toda uma rotina diária para cumprir, acaba sendo complexo realizar todas as obrigações necessárias sem que uma afete a outra.

Outro fator dificultador é o fato de que são muitas distrações que surgem a fim de tirar o nosso foco. É um celular que toca, uma visita que chega, dentre outros. E nem sempre é possível não dar atenção, já que a pessoa não tem como adivinhar que estamos ocupados. O melhor método de organização que considero diante dessas questões é um gerenciamento do tempo, exceto em alguns contratempos inevitáveis, para que possa haver comprometimento suficiente em todas as áreas, porque sempre gostei de que tudo o que se encontra sob a minha responsabilidade e que depende de mim seja feito da melhor forma possível, ainda que possa ser uma tarefa árdua.

Em termos de aprendizado, sinto que houve uma perda expressiva. Ao ter acesso aos conteúdos das aulas e também contato com os professores e colegas somente através das telas dos nossos aparelhos eletrônicos, percebo grande prejuízo na troca de saberes, visto que a interação é muito menor. E, por mais que haja esforço mútuo, o resultado final e o aproveitamento acaba sendo bastante inferior em comparação com o ensino presencial. Essa nova e complexa rotina de estudos requer de cada um de nós muita paciência, força de vontade, coragem para enfrentar infortúnios, a fim de estarmos “abertos” a novas práticas letradas diante do ensino remoto. Tarefas nada simples, no entanto imprescindíveis para amenizar os impactos sofridos diante das adversidades enfrentadas por cada um. Atitudes que tenho procurado adotar e tem sido proveitosas.

Nunca fui de ter facilidade no que diz respeito à tecnologia, mas têm circunstâncias em que não temos alternativa e a saída é procurar aprender ou, pelo menos, tentar. E, para manusear ferramentas digitais como o Moodle e o Google Meet, tem coisas que consigo fazer sozinha e outras não, depende muito da tarefa proposta pelos professores. A minha vantagem é que tenho em casa meu marido, que cursando o mesmo curso que o meu, atua como um grande suporte para mim, pois nessas áreas possui um grau de facilidade bem mais avançado que eu, e nesse processo venho aprendendo bastante com ele. E, apesar de professores que não fazem muito esforço para contribuir com as demasiadas dificuldades enfrentadas pelos alunos, é notável como alguns têm se empenhado em deixar esse fardo bem mais leve, algo de suma importância para todos nós discentes.

Erros, acertos, dúvidas, questionamentos, aprendizados, dificuldades. Acredito que são coisas que inevitavelmente irão nos acompanhar durante todo esse processo que aparenta ser longínquo, mas não podemos perder de vista o ânimo e a esperança, extraindo o que há de melhor em cada experiência que a nós for endereçada.

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO

A pandemia tomou proporções inimagináveis e trouxe consigo a necessidade de adoção de um ensino remoto para não haver estagnação total no processo de aprendizagem.Não foi um método recebido com grande satisfação pela totalidade dos envolvidos, principalmente no meio discente, perante a realidade que muitos enfrentam. Sob a ótica de Silveira, Piccirilli e Oliveira, pode-se colocar em pauta que:

  • Aprender se tornou mais um desafio em meio à luta contra o coronavírus. As rápidas mudanças, alto nível de cobranças, frustrações diárias e dificuldades técnicas durante o ensino remoto comprometem o psicológico dos estudantes. É possível presenciar que entre os termos mais utilizados pelas pessoas com as quais conversamos para descrever a situação apareceu ansiedade, cansaço, estresse, preocupação, insegurança, medo, cobrança e angústia. (SILVEIRA, PICCIRILLI, OLIVEIRA, 2020, p. 125).

Ocorre que, com a ausência de alternativas mais plausíveis, a saída foi acatar a proposta sugerida e procurar se adequar a ela dentro das possibilidades pessoais de cada um. Apoiada nos debates e reflexões realizadas no decorrer das atividades do curso, refleti mais profundamente sobre interações por intermédio de recursos tecnológicos, sobretudo em territórios campesinos, que é onde se encontram os obstáculos mais visíveis. Através de atividades compartilhadas em fóruns interativos de ambientes educacionais, tive a oportunidade de conhecer mais sobre experiências similares à minha, enfrentadas por colegas do mesmo curso, concernentes aos aprendizados e dificuldades vivenciados no presente momento. Isso tudo reforçou meu entendimento de que residir no campo com acessos minimizados a certos recursos, sobretudo internet de qualidade, acarreta variadas disparidades quando comparadas a outrem que usufruem de mais oportunidades e mecanismos de estudos. A esse respeito, inclusive, recupero colocações de Magnani e Castro, quando pontuam que:

  • É comum termos estudantes que acessam os ambientes virtuais de aprendizagem apenas pela rede celular, o que, em muitas situações, é um impeditivo para abrir um arquivo maior ou rodar um vídeo. Em contextos assim, não surpreende que práticas com texto desconsiderem, por exemplo, o uso de corretores ortográficos e editores de texto online. (MAGNANI, CASTRO, 2019, p. 71).

Souza (2020) também argumenta que:

  • Embora nas últimas décadas a educação do campo tenha ganhado mais atenção e se aprimorado em muitos aspectos, percebe-se que ainda necessita evoluir muito para que se tenha uma educação de qualidade e que atenda de maneira satisfatória às demandas das populações rurais. (SOUZA, 2020, p, 15)

Acredito que vir de famílias nas quais certas práticas de letramento escolar não são comuns e, consequentemente, certos hábitos de leitura e escrita são escassos ou inexistentes, favorece para que alguns estudantes oriundos do campo enfrentem dificuldades diante de certas demandas de linguagem no contexto acadêmico, as quais pressupõem ou exigem experiências específicas. Poderia citar como exemplos tanto o domínio prévio de meios tecnológicos e ferramentas digitais em geral, além da familiaridade antecipada com o universo dos livros.

No presente semestre letivo refleti também sobre as noções de ‘leitura de mundo’ e ‘leitura de palavra’, concepções inspiradas nessas mesmas noções apresentadas por Paulo Freire. Na leitura de palavra, a maneira de se relacionar com o mundo pela linguagem inclui práticas escritas, que façam uso da tecnologia do alfabeto e que geralmente carecem de um processo de escolarização para estímulo da capacidade de decodificar letras. A leitura de mundo pode envolver símbolos, sinais, objetos, conhecimentos empíricos, dentre outras possibilidades. Por meio da discussão centrada nesses conceitos foi possível compreender que pessoas consideradas “iletradas” a todo o momento leem o mundo – todavia, muitas vezes de um modo diferenciado daqueles que são alfabetizados. A esse respeito, vale recuperar a consideração de Freire (2003), quando diz que:

  • Desde muito pequenos aprendemos a entender o mundo que nos rodeia. Por isso, antes mesmo de aprender a ler e a escrever palavras e frases, já estamos ‘lendo’, bem ou mal, o mundo que nos cerca (FREIRE, 2003, p.27)

Apesar das adversidades presentes no cotidiano de todos os que se encontram inseridos em meio a esse recém-adotado modelo de ensino, o qual tem sido desafiador, não se pode negar que dessa experiência é possível extrair aprendizados. Tais aprendizados envolvem tanto os conteúdos provindos das disciplinas, quanto os contatos, ainda que indiretos, com os professores e colegas, a partir dos quais foi possível perceber particularidades e similaridades entre realidades vividas. Penso que o melhor é seguimos nos ajudando, somando forças em prol do coletivo, na perspectiva de nos adaptar a cada nova situação que porventura surgir, visando conquistas, bom aproveitamento do curso e, por fim, resultados significativos na prática educativa como um todo.

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo Reglus Neves. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 45ª ed. São Paulo: Cortez, 2003.

MAGNANI, Luiz Henrique; CASTRO, Carlos Henrique Silva de. Práticas letradas, tecnologias e territórios: transgredindo relações de poder. Curitiba, volume 14, n.5, p. 56-81, 2019.

SILVEIRA, Ana Paula; PICCIRILLI, Giovanna Maria Recco; OLIVEIRA, Maria Eduarda. OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA E O ENSINO REMOTO EMERGENCIAL EM MEIO A PANDEMIA DA COVID-19. Revista Eletrônica da Educação, [ S.l.], v.3, n.1, p. 114-127, dec. 2020.

SOUZA, Everton de. Escolas do campo e o ensino remoto: vozes docentes nas mídias digitais. V. 14, n. 30: set./ dez. 2020.

Letramentos e Tecnologias na Pandemia

Letramentos e Tecnologias na Pandemia

– Elizete Pires de Sena-

Elizete em Diamantina

Moro na comunidade Passa Sete, município de Conceição do Mato Dentro- MG. Vivo com meu irmão e também com meus pais que, apesar de já serem aposentados, seguem trabalhando com agricultura voltada ao consumo próprio familiar, trabalho em que eu e meu irmão ajudamos quando possível. Na minha casa, só eu estou estudando.

Meu irmão e eu temos celulares, minha mãe está sem celular no momento, pois o que ela tinha, estragou. Como ela tem dificuldade de mexer com celular digital, meu irmão e eu estamos ensinando-a. Com essa pandemia e o ensino remoto, eu tive que comprar um celular com maior memória para meus estudos. Dessa forma, irei passar o meu antigo para ela. Na minha casa tem um notebook o qual até então somente eu uso para estudar, mas, como meu irmão vai começar a trabalhar, ele irá precisar do aparelho também. Assim, será necessário que busquemos uma organização para a divisão do uso.

Uma das mudanças na minha rotina foi o estudo de forma remota, que demandou e ainda tem demandado adaptações. Devido a essa realidade, tive que colocar internet na minha casa. É internet rural, às vezes falha, entretanto, está me ajudando muito, pois, quando na minha casa não tinha internet, eu ia em um morro onde pega internet móvel, e eu só conseguia acessar pelo celular e não dava para subir lá todos os dias. Ou seja, se eu não colocasse internet em casa, não iria conseguir fazer nada do que estou fazendo, pois constantemente tem algo para fazer que demanda internet. E, com as aulas remotas, estou tendo que aprender a lidar com essas novas ferramentas de comunicação, como por exemplo o Google Sala de Aula, o Google Meet, entre outras plataformas virtuais.

Tudo isso intensificou bastante, ainda, minha prática com o celular e com notebook. Além do curso, estou em um projeto da UFVJM no qual eu sou bolsista cujas atividades estão acontecendo remotamente. Somam-se a isso as atividades do movimento e as demandas (pautas) aqui da comunidade que estão podendo ser mobilizadas online, das quais estou participando. Sobre a comunidade, vale observar que há muitas pessoas trabalhando na mineração, em fazendas e em outros serviços, como o de pedreiro, porém, quem é do grupo de risco e está fixado na empresa de mineração, está em casa.

Tanto na minha comunidade quanto nas outras comunidades atingidas, a pandemia fez com que ficasse mais difícil de nos organizarmos para movimentos de luta por direitos e contra o avanço do modelo predatório de mineração que tanto afeta a vida e o cotidiano de moradores de regiões mineradas. Antes da pandemia, todas as atividades que os atingidos faziam eram presenciais e, atualmente, muitas coisas não são possíveis de serem feitas virtualmente. Além disso, muitas pessoas não possuem celulares e/ou acesso à internet.

A pandemia modificou bastante também a nossa forma de lazer. Como nós aqui da comunidade temos o costume de passear nas casas dos vizinhos, fazer festas entre outras coisas, algumas coisas se alteram por causa da pandemia, pois já não podemos fazer isso. Hoje, jogamos baralho (de preferencialmente o truco), assistimos televisão, ouvimos rádio, coisas que já fazíamos antes, porém dentro de casa. Além disso, como meus pais são do grupo de risco, eu passei a fazer todas as atividades as quais são necessárias ir à cidade, como fazer compras, pagar as contas, entre outras coisas.

ESTUDAR EM TEMPOS DE PANDEMIA

Desde a volta do TU (março de 2021) até o momento de escrever este texto (abril de 2021), estávamos tendo apenas uma disciplina na universidade, “Estudos do Letramento”. Assim não tive muitas dificuldades para participar das atividades. A dinâmica das aulas esteve bem tranquila, de um modo que estou conseguindo me organizar. Às vezes, a dificuldade que tenho é que, quando a internet fica lenta, ao ponto que eu não consiga entrar na plataforma Moodle, onde estão as atividades, eu preciso subir o morro próximo a minha casa, em que há acesso a internet através dos dados móveis pelo celular.

Para eu assistir a um a um documentário demandado pela disciplina, tive problema também com internet lenta. Como sempre, no horário, a partir da meia-noite, o acesso melhora, e assim pude assistir nesse horário. Sobre o aprendizado, pensei que iria ser muito difícil, pela questão de não ser presencial como era no período de 2019/2 e 2020/1. Até o momento, no entanto, estou conseguindo aprender e entender bastante do que está sendo proposto e falado na disciplina. Apesar de ter que ficar muito mais tempo ligada no celular e no notebook, estou me adaptando a essa rotina, mas sentindo muita falta dos estudos presenciais, dos colegas, e do ensino presencial que acredito ser muito mais didático.

Nas aulas presenciais, para as leituras dos textos indicados pelos professores, meus amigos e eu líamos juntos, pois era uma forma de um ajudar o outro, tirar dúvidas, etc. Nesse momento, à distância, não conseguimos mais fazer isso, pois cada um tem sua rotina e, com isso os horários não batem. Há vezes em que apenas pelo whatsapp comentamos sobre as leituras propostas. As aulas presenciais envolviam também atividades práticas, em espaços como a biblioteca e o pavilhão de auditórios da universidade, além de trabalhos de campo diversos. Além das aulas por teleconferências, por enquanto, tivemos como tarefa assistir ao documentário “Leituras de um Analfabeto” e ao episódio “NOSEDIVE” da série “Black Mirror”, o que considero como aulas práticas, igual tínhamos no pavilhão de auditórios onde todos ficavam reunidos, porém, hoje, com a pandemia, cada um na sua casa.

Sobre os aplicativos tecnológicos que estamos usando bastante nesse período de aulas remotas, eu já tinha conhecimento do Google Meet, pois antes de começar o TU já participava de reuniões através dele. Sobre o Moodle, eu aprendi algumas coisas que eu não tinha conhecimento, como a execução de atividades dentro de um fórum da própria ferramenta Moodle, em que é possível comentar as atividades dos outros. Eu pensava que a plataforma era apenas para enviar trabalhos já finalizados diretamente aos docentes. Um aplicativo que também está sendo usado nesse período de aulas remotas é o Google Sala de Aula, eu ainda tenho um pouco de dificuldade em trabalhar com ele, entretanto, quando as demais aulas começarem, acredito que irei aprender bastante.

REFLETINDO SOBRE O PROCESSO

A pandemia do coronavírus chegou ao Brasil em 2020, e se espalhou de forma muito rápida. Devido a isso, a partir do dia 15 de março de 2020, foi decretado quarentena em todo país. Sendo assim, muitas pessoas passaram a ficar mais dependentes das tecnologias, seja para trabalhar, estudar, etc. Porém, os moradores dos territórios rurais têm muita dificuldade de acesso à internet. Conforme apontam Fornasier; Scarantti, (2017), aproximadamente 85% da população que mora no campo está excluída digitalmente (p.135).

Na minha comunidade, e acredito que isso também ocorra em muitas outras comunidades rurais, nesse período de pandemia a comunicação e a organização para as lutas e debates das pautas que demandam o território, ficaram muito complicadas. Isso porque não é possível realizar encontros presenciais devido ao distanciamento social, necessário por causa da pandemia. E, por outro lado, muitas das pessoas não tem acesso aos meios de comunicação e redes sociais. Segundo Magnani e Castro (2019), muitas práticas e formas de interagir com a tecnologia não são comuns ou, por vezes, possíveis a muitos sujeitos de comunidades do campo brasileiros. Para os autores, isso pode ocorrer não só devido a falta de internet de qualidade, mas também, por exemplo, quando não se tem domínio de praticas letradas necessárias(p.62).

Com a pandemia, deixamos de fazer muitas coisas que fazíamos antes, o que está sendo muito ruim, pois tínhamos o costume de receber visitas, fazer passeios, ir em festas. Muitos dos nossos lazeres eram saindo de casa, como ir para o rio, para o bar, ir às igrejas. Isso não sendo possível, assim, passamos mais tempo assistindo televisão, ouvindo rádio, mexendo no celular, com uma maneira de nos ocuparmos. Mas, também para nós que moramos na roça e criamos animais, trabalhamos com a agricultura familiar. Como diz Tardim (2012),“a agricultura traduz, sem equívoco, uma relação humano–natureza marcada pelo sentido de forte conexão, de pertencimento, de ato transformador e criador, uma relação fundada no cuidado”. (p. 181).

Nesse período de pandemia, além de ser nosso trabalho, a agricultura e a criação de animais se tornou, para a minha família, e acredito que para outras famílias que vivem em territórios rurais, uma forma de distração e de manter a mente ocupada. E, por outro lado, uma forma muito interessante de aprender com meus pais sobre o trabalho na terra, escutar sua leitura de mundo, suas percepções e seus olhares. Leitura de mundo esta que, como descreve Freire (1989), vem de um contexto onde as palavras, as letras eram através dos cantos dos pássaros, das fases da lua, do período da chuva, do formato da folha e da fruta para identificar a espécie, olhar as horas através do sol, das estações do ano entre outros.

Como o ensino remoto mudou bastante coisas, muitas pessoas, assim como eu, tiveram que comprar aparelho celular novo para conseguir atender às demandas do ensino remoto, tiveram que colocar internet, entre outras. E o aprendizado de forma remota, por ser diferente do que estávamos acostumados, trouxe para nós estudantes e, acredito que para os professores também, muitos desafios a serem superados. Braga e Vóvio( 2015) falam sobre a articulação entre desigualdade social e escrita, em que o acesso pode ser, muitas vezes, um privilégio de classe. Sobre as tecnologias digitais também, não é diferente, pois, por mais que o acesso tecnológico digital hoje em dia está mais amplo e acessível para todas as classes sociais, ainda há muita desigualdade.

O acesso a tecnologias digitais na zona rural e até mesmo em periferias da grandes cidades é muito deficitário. Isso sem contar que muitas pessoas desse grupo social não têm condições de comprar um celular, um notebook dos melhores e colocar uma internet ótima, que são dispositivos muito caros para boa parte da população. Ou seja, os mais privilegiados em termos de acesso e uso de tecnologias digitais são as pessoas de classe dominante, enquanto as demais têm muito mais dificuldades ao lidar com o ensino a distância.

Por mais que muitos estejam se adaptando bem, aprendendo e entendendo as disciplinas, o ensino não é a mesma coisa de quando era no presencial, pois muitas das vezes a gente fica mais disperso. Por exemplo, antes fazíamos grupos de leituras com os amigos, e, hoje, como é possível apenas pelas redes sociais, acaba não sendo a mesma coisa, pois os horários não batem. Em contextos normais, não pandêmicos, as aulas presenciais ocorrem em Diamantina, no TU, e ficamos por conta somente dos estudos. Na pandemia, por outro lado, além das aulas e atividades da faculdade, foi necessário muitas vezes conciliar com o trabalho. Com essa situação, não é mais possível estar apenas por conta dos estudos. E se a pessoa não se esforçar, principalmente para conseguir participar das aulas síncronas, fica prejudicado o aprendizado.

Esses desafios que estamos enfrentando e aos quais precisamos nos adequar, também são formas de continuarmos estudando. Além disso, essa situação nos levou a ter algumas novas práticas de letramento, como aprender a lidar com as aulas por teleconferências,e, principalmente, a usar alguns aplicativos tecnológicos, dos quais muitos não tinham conhecimento.

REFERÊNCIAS

BRAGA, D, B; VÓVIO, C, L. Uso de tecnologia e participação em letramentos digitais em contextos de desigualdades. São Paulo, Cortez, p. 33-65, 2015.

FORNASIER, M, O; SCARANTTI, D, R. Internet no Campo: Direitos Humanos e Políticas Públicas de Inclusão Digital. Revista Extraprensa, v. 10, n. 2, p. 133-152, 2017.

FREIRE, P. A Importância do Ato de Ler. 23. ed. São Paulo, Cortez, 1989.

MAGNANI, L, H; CASTRO, C, H, S. Práticas Letradas, Tecnologias e Territórios: Transgredindo Relações de Poder. Revista X, Curitiba, v. 14, n. 5, p. 56-81, 2019.

TARDIM, J, M. Cultura Camponesa. In: CALDART, R, S. et al. (orgs.). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro; São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, p.180-188, 2012.

Letramentos no ensino remoto: uma apresentação

Letramentos no ensino remoto: uma apresentação

Nesse inusitado período de pandemia, em que práticas antes impensáveis tornaram-se rotina – como foi o caso do ensino remoto – muita coisa tem acontecido no contexto educacional. A migração forçada para o meio digital como forma de não interromper as atividades educacionais geram formas específicas de lecionar, aprender, interagir, preocupar-se, organizar-se, lutar por direitos, adaptar-se ao estabelecido, entre outros.

Como era de se esperar, toda essa situação foi sentida no contexto da Licenciatura em Educação do Campo (LEC) da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. A formação de professores é um exercício que envolve um lidar constante com o acontecimento, com a dinamicidade da vida e essa situação recente tem deixado isso muito explícito. Isso, ainda que cada contexto, território, cultura, comunidade tenha vivido toda essa condição de modo necessariamente contingente.

Ao se partir das condições concretas nas quais nos encontrávamos, nós, docente e discentes, enquanto coletivo, procuramos refletir sobre questões ligadas a noções de letramento, leitura, alfabetização, linguagem, ensino, práticas letradas, entre outros. Isso, em um exercício centrado nas práticas letradas e nas condições concretas de cada um de nós enquanto participante daquele coletivo.

Assim, a presente série é resultado de um trabalho coletivamente realizado no contexto da disciplina Estudos de Letramento do terceiro período do curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEC) da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. A cada sexta-feira, então, um trabalho autoral produzido por um discente do curso será publicado.

Fica o convite à leitura, ao diálogo e à reflexão conjunto a respeito de práticas letradas que ocorreram e ainda têm ocorrido nesse inusitado contexto de ensino remoto, distanciamento físico e pandemia.