Perspectivas e Desafios no Ensino Remoto

As seguintes ponderações relacionam-se com o que estudamos de forma remota na disciplina Estudos de Letramento pelo curso de Licenciatura em Educação no Campo, no primeiro semestre de 2021, e também com experiências pessoais neste período pandêmico.

 Ao iniciar o ano de 2020, nos deparamos com essa situação de uma pandemia global, algo inédito para nossa geração. Isso fez com que o ser humano mudasse repentinamente suas rotinas e suas maneiras de ler o mundo, uma vez que foi necessário diminuir o contato pessoal até mesmo com os familiares. O isolamento social foi primordial no combate à doença, e tivemos que ir nos adaptando a outras estratégias para dar sequência em todas as tarefas do dia a dia. Não foi diferente com as atividades educacionais, que precisaram passar por adequações, para que de maneira online fosse possível dar sequência nos estudos. Importante salientar também que muitos estão sendo os desafios, tanto pessoais, coletivamente e ainda por parte das instituições. Porém, com organização, planejamento e união o mundo irá superar este dificílimo período de calamidade na saúde pública.

UM POUCO SOBRE MINHA REALIDADE

Arlei utilizando seu computador pessoal no ensino remoto. 2021. Fonte: Arquivo Pessoal.

Eu, Arlei, tenho 29 anos de idade e sou morador da comunidade de São Gonçalo do Rio das Pedras, distrito de Serro. Para que eu possa descrever a minha realidade no contexto da pandemia, é necessário retroceder alguns meses no tempo. Até outubro de 2020 eu ainda morava com meus pais, éramos quatro pessoas na mesma casa, pois os outros três irmãos já haviam se casado. Porém, a partir do dia 31/10/2020, eu mudei de residência e passei a morar na minha própria casa juntamente com uma mulher que neste mesmo dia se tornara minha esposa.

No que refere-se ao estudo, decidimos juntos fazer o vestibular para cursar Licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuro. Ambos cursamos a habilitação em Linguagens e Códigos e o mesmo período, isso gera uma compreensão mútua das necessidades que o momento impõe e facilita bastante os estudos. Nós dois estamos cientes da necessidade de um ambiente tranquilo e com o mínimo de barulho possível para que haja uma maior concentração nos estudos e em outras várias atividades que estamos realizando remotamente. Para podermos realizar nossos afazeres com mais fluidez, foi imprescindível algumas adaptações tecnológicas. Instalamos uma rede de internet mais eficiente e, mesmo em um momento que as condições financeiras não era favorável, compramos um aparelho celular para minha esposa com maior compatibilidade às exigências do momento. Eu já desfrutava de um bom aparelho e um notebook que comprei há uns 10 anos atrás e apesar do seu ótimo estado físico se encontra muito debilitado no quesito funcionalidade.

Até o presente momento nós dois estamos estudando e conciliando isso com o trabalho, tarefa que não é 100% assegurada, uma vez que minha esposa trabalha em um Centro de Atendimento ao Turista, que luta por renovação de contrato anualmente. Já eu trabalho como autônomo fazendo de tudo um pouco, e aos fins de semana estou trabalhando como motoboy para ajudar na renda. Com a pandemia do novo coronavírus (COVID-19) muitas de nossas rotinas sofreram mudanças. Em função da ocasião, passei um ano trabalhando em barreira sanitária na minha comunidade, mas, em geral, o objetivo da atividade foi atingido. Com as pessoas mais confinadas, houve ainda uma diminuição significativa de oportunidades de trabalho no contexto da comunidade. Se antes alguns moradores pagavam para fazer tarefas como olhar os filhos, arrumar casa e lavar roupas, nesse novo contexto, as pessoas mesmo estão realizando essas tarefas. E, pelo fato de morarmos em um povoado onde o capital circula através do turismo, a ausência dessa atividade gerou desemprego em massa. Por longos meses decretos municipais impediam que pousadas, quitinetes e coisas do gênero funcionassem, deixando o empregador e o empregado de mãos atadas.

Temos como entretenimento, assistir filmes evangélicos, de aventura e comédia, fazer exercícios físicos, conectarmos em redes sociais e ainda gosto muito de assistir futebol. Outra ocupação comum em nossa casa é a prática da oração e meditação em textos bíblicos, pois apesar de todas as dificuldades a nível mundial, nós cremos em Deus e não podemos perder a fé nem a esperança de que dias melhores breve virão! Fazendo referência ao que mudou na minha rotina devido a pandemia, poderia ainda salientar a paralisação dos cultos religiosos, dado que anteriormente frequentava a igreja pelo menos 3 vezes por semana, contudo, o atual cenário tem nos impossibilitado desta prática, assim, estou permanecendo a maior parte do tempo em casa com minha esposa. 

ESTUDAR EM TEMPOS DE PANDEMIA

Diante desse caótico cenário, todo o sistema precisou se reinventar. Em se tratando dos estudos não foi diferente, uma vez que as atividades presenciais não puderam continuar, em função do altíssimo poder de contágio do vírus. E para uma maior preservação da saúde, um novo modelo de ensino precisou ser implantado. As instituições de ensino fecharam as portas para aulas presenciais por tempo indeterminado e passaram a ministrar atividades de forma remota, o que exigiu adaptações por parte dos educadores, educandos e mesmo seus familiares, por exemplo. Nesse novo modelo, as novas tecnologias foram os recursos mais eficientes encontrados pelas instituições para continuar oferecendo um estudo de qualidade.

Porém, para que o processo formativo atingisse as expectativas, seria imprescindível que os alunos independentemente da sua classe social ou da localização de sua residência, tivessem acesso a uma rede de internet competente para atender as demandas impostas. Infelizmente não foi assim que aconteceu. Diversos colegas de curso estão frequentemente reclamando a esse respeito. Com isso, entende-se que o fato de não ter uma internet de qualidade está sendo uma das dificuldades enfrentadas nesse processo, visto que, para realização das atividades, usa-se diversos aplicativos, plataformas e outros programas de computadores. Pessoalmente, não cheguei a encontrar dificuldades, pois já possuía um certo domínio das ferramentas requeridas na ocasião.

Tem sido muito desafiador conciliar os estudos com nossos afazeres diários, incluindo o trabalho. No ensino remoto não se tem como disponibilizar o tempo exclusivamente para as aulas, desse modo, se não houver um grande esforço, perde-se alguns momentos síncronos, o que acaba sendo amplamente prejudicial. Para participar das atividades síncronas tenho deixado de trabalhar alguns dias na semana, porém isso só é possível porque atualmente estou trabalhando como autônomo. Já para executar as atividades assíncronas tenho me empenhado bastante nas horas vagas e nos períodos noturnos. Assim, tenho conseguido cumprir todas as exigências do ensino remoto.

Com relação ao aprendizado, confesso que é bem mais limitado, mas acredito que nesse momento estamos todos, desde instituição a alunos, sendo submetidos a um forçado processo de transição do ensino, onde fica perceptível o engajamento da maioria dos envolvidos para não perder demasiadamente a qualidade do ensino. Nota-se que a interação entre professores e alunos fica mais escassa nesse novo modelo e, consequentemente, a absorção dos conteúdos disponibilizados e debatidos nos diálogos também é mais insatisfatória. Outro ponto a ser destacado é que, ao se priorizar a teleconferência, fica-se totalmente dependente dos meios tecnológicos. Havendo alguma falha, perde-se assuntos importantes que podem fazer falta em uma avaliação ou até mesmo na sua trajetória profissional.

Por fim, mesmo que os pontos positivos sobressaem os negativos acerca da utilização dos meios tecnológicos, ainda assim, são encontradas diversas dificuldades, no entanto, é de suma importância que nesse processo de transição haja um trabalho em coletividade, para que todos tenham acesso igualitário à internet e às ferramentas exigidas, pois, uma vez que o ensino é ofertado a toda classe social, é necessário que ninguém querendo envolver, se sinta excluído.

 REFLETINDO SOBRE O PROCESSO

Com base nas análises sobre as vivências do ensino remoto e nas reflexões teóricas estudadas na disciplina Estudos de letramento, consuma-se que o novo modelo de ensino não é eficaz a ponto de manter o mesmo nível das estratégias presenciais. Percebe-se ainda que apesar de o ensino ser ofertado a todas as classes sociais, existe uma parcela desses envolvidos que são menos favorecidos ou mais prejudicados quando pensamos nos quesitos aparelhos tecnológicos e acesso à internet de qualidade. Nesta lógica concordo com Souza (2000), quando afirma que: […] “é possível observar que as falas dos professores do campo estão sendo associadas principalmente à dificuldade de acesso à internet e a equipamentos tecnológicos que permitam a todos os alunos da zona rural acompanharem as aulas remotas” […].

Souza (2000), reitera também que: “A dificuldade de acesso à internet pelas populações do campo é de conhecimento comum e representa a displicência do poder público em não garantir aos camponeses algo fundamental na chamada Era da Informação: o acesso à internet e aos meios de comunicação.”. Ainda poderia ressaltar que o fato de muitos estudantes morarem com famílias numerosas e não terem um ambiente adequado dentro de casa para estudar com tranquilidade é muito prejudicial, tornando-se um desafio para a concentração, principalmente em práticas por intermédio de videoconferência. Assim sendo, fica explícito que há desigualdade para uma porção desses indivíduos envolvidos no ensino remoto.

Outro fator desafiador é a adaptação a essa nova rotina. Nesta perspectiva, são cabíveis as colocações de Silva, Goulart e Cabral, quando fazem o seguinte argumento:

Para diminuir o avanço do vírus e minimizar os impactos no sistema de saúde, instaurou-se no mundo medidas de higiene pessoal e coletiva e o isolamento social, que acarretou novas adaptações para o mundo do trabalho e para a vida acadêmica, estabelecendo novas formas e rotinas para o cumprimento das atividades diárias. ( SILVA, GOULART, CABRAL, 2021, p. 409.)

  • Conciliar o emprego, e os afazeres diários com os estudos, é algo que requer bastante esforço e organização. Dependendo dos horários programados para os encontros, ocorrem conflitos de agenda, obrigando-nos a ponderar qual perda será mais prejudicial.

Constata-se, em suma, que estudar de forma remota tem trazido inúmeras contrariedades a todos os envolvidos neste processo. Todavia, é necessário deixar explícito que é possível extrairmos conhecimentos extremamente significativos provenientes dos conteúdos da disciplina que nos foram aplicados e ainda dos relatos e diálogos provenientes dos colegas, pois apesar de estarmos todos atrás de uma tela, tivemos a oportunidade de expor ideias, dúvidas, fazer questionamentos e comparações quanto às diferenças e semelhanças referentes aos estudos e adaptações a esse novo modelo de ensino.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREIRE, Paulo Reglus Neves. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam, 23ª Ed. São Paulo: Cortez. 1989.

Leituras de um analfabeto. Producão: MACHADO, Cláudia; RODRIGUES, Patrícia. São Paulo, Editora Caminho Suave, 28 agosto de 1991.

SILVA, Joselma; GOULART, Iisa do Campo Vieira; CABRAL, Giovanna Rodrigues. Ensino Remoto na Educação Superior; Impactos na formação inicial docente. Revista Ibero- Americana de estados em Educação, v. 16, n.2, p. 407-423, abr. /jun. 2021.

SOUZA, Everton de. Escolas do Campo e Ensino Remoto: Vozes docentes nas mídias digitais. V 14, n. 30, set. /dez. 2000.

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