Letramentos e Tecnologias na Pandemia

Letramentos e Tecnologias na Pandemia

– Elizete Pires de Sena-

Elizete em Diamantina

Moro na comunidade Passa Sete, município de Conceição do Mato Dentro- MG. Vivo com meu irmão e também com meus pais que, apesar de já serem aposentados, seguem trabalhando com agricultura voltada ao consumo próprio familiar, trabalho em que eu e meu irmão ajudamos quando possível. Na minha casa, só eu estou estudando.

Meu irmão e eu temos celulares, minha mãe está sem celular no momento, pois o que ela tinha, estragou. Como ela tem dificuldade de mexer com celular digital, meu irmão e eu estamos ensinando-a. Com essa pandemia e o ensino remoto, eu tive que comprar um celular com maior memória para meus estudos. Dessa forma, irei passar o meu antigo para ela. Na minha casa tem um notebook o qual até então somente eu uso para estudar, mas, como meu irmão vai começar a trabalhar, ele irá precisar do aparelho também. Assim, será necessário que busquemos uma organização para a divisão do uso.

Uma das mudanças na minha rotina foi o estudo de forma remota, que demandou e ainda tem demandado adaptações. Devido a essa realidade, tive que colocar internet na minha casa. É internet rural, às vezes falha, entretanto, está me ajudando muito, pois, quando na minha casa não tinha internet, eu ia em um morro onde pega internet móvel, e eu só conseguia acessar pelo celular e não dava para subir lá todos os dias. Ou seja, se eu não colocasse internet em casa, não iria conseguir fazer nada do que estou fazendo, pois constantemente tem algo para fazer que demanda internet. E, com as aulas remotas, estou tendo que aprender a lidar com essas novas ferramentas de comunicação, como por exemplo o Google Sala de Aula, o Google Meet, entre outras plataformas virtuais.

Tudo isso intensificou bastante, ainda, minha prática com o celular e com notebook. Além do curso, estou em um projeto da UFVJM no qual eu sou bolsista cujas atividades estão acontecendo remotamente. Somam-se a isso as atividades do movimento e as demandas (pautas) aqui da comunidade que estão podendo ser mobilizadas online, das quais estou participando. Sobre a comunidade, vale observar que há muitas pessoas trabalhando na mineração, em fazendas e em outros serviços, como o de pedreiro, porém, quem é do grupo de risco e está fixado na empresa de mineração, está em casa.

Tanto na minha comunidade quanto nas outras comunidades atingidas, a pandemia fez com que ficasse mais difícil de nos organizarmos para movimentos de luta por direitos e contra o avanço do modelo predatório de mineração que tanto afeta a vida e o cotidiano de moradores de regiões mineradas. Antes da pandemia, todas as atividades que os atingidos faziam eram presenciais e, atualmente, muitas coisas não são possíveis de serem feitas virtualmente. Além disso, muitas pessoas não possuem celulares e/ou acesso à internet.

A pandemia modificou bastante também a nossa forma de lazer. Como nós aqui da comunidade temos o costume de passear nas casas dos vizinhos, fazer festas entre outras coisas, algumas coisas se alteram por causa da pandemia, pois já não podemos fazer isso. Hoje, jogamos baralho (de preferencialmente o truco), assistimos televisão, ouvimos rádio, coisas que já fazíamos antes, porém dentro de casa. Além disso, como meus pais são do grupo de risco, eu passei a fazer todas as atividades as quais são necessárias ir à cidade, como fazer compras, pagar as contas, entre outras coisas.

ESTUDAR EM TEMPOS DE PANDEMIA

Desde a volta do TU (março de 2021) até o momento de escrever este texto (abril de 2021), estávamos tendo apenas uma disciplina na universidade, “Estudos do Letramento”. Assim não tive muitas dificuldades para participar das atividades. A dinâmica das aulas esteve bem tranquila, de um modo que estou conseguindo me organizar. Às vezes, a dificuldade que tenho é que, quando a internet fica lenta, ao ponto que eu não consiga entrar na plataforma Moodle, onde estão as atividades, eu preciso subir o morro próximo a minha casa, em que há acesso a internet através dos dados móveis pelo celular.

Para eu assistir a um a um documentário demandado pela disciplina, tive problema também com internet lenta. Como sempre, no horário, a partir da meia-noite, o acesso melhora, e assim pude assistir nesse horário. Sobre o aprendizado, pensei que iria ser muito difícil, pela questão de não ser presencial como era no período de 2019/2 e 2020/1. Até o momento, no entanto, estou conseguindo aprender e entender bastante do que está sendo proposto e falado na disciplina. Apesar de ter que ficar muito mais tempo ligada no celular e no notebook, estou me adaptando a essa rotina, mas sentindo muita falta dos estudos presenciais, dos colegas, e do ensino presencial que acredito ser muito mais didático.

Nas aulas presenciais, para as leituras dos textos indicados pelos professores, meus amigos e eu líamos juntos, pois era uma forma de um ajudar o outro, tirar dúvidas, etc. Nesse momento, à distância, não conseguimos mais fazer isso, pois cada um tem sua rotina e, com isso os horários não batem. Há vezes em que apenas pelo whatsapp comentamos sobre as leituras propostas. As aulas presenciais envolviam também atividades práticas, em espaços como a biblioteca e o pavilhão de auditórios da universidade, além de trabalhos de campo diversos. Além das aulas por teleconferências, por enquanto, tivemos como tarefa assistir ao documentário “Leituras de um Analfabeto” e ao episódio “NOSEDIVE” da série “Black Mirror”, o que considero como aulas práticas, igual tínhamos no pavilhão de auditórios onde todos ficavam reunidos, porém, hoje, com a pandemia, cada um na sua casa.

Sobre os aplicativos tecnológicos que estamos usando bastante nesse período de aulas remotas, eu já tinha conhecimento do Google Meet, pois antes de começar o TU já participava de reuniões através dele. Sobre o Moodle, eu aprendi algumas coisas que eu não tinha conhecimento, como a execução de atividades dentro de um fórum da própria ferramenta Moodle, em que é possível comentar as atividades dos outros. Eu pensava que a plataforma era apenas para enviar trabalhos já finalizados diretamente aos docentes. Um aplicativo que também está sendo usado nesse período de aulas remotas é o Google Sala de Aula, eu ainda tenho um pouco de dificuldade em trabalhar com ele, entretanto, quando as demais aulas começarem, acredito que irei aprender bastante.

REFLETINDO SOBRE O PROCESSO

A pandemia do coronavírus chegou ao Brasil em 2020, e se espalhou de forma muito rápida. Devido a isso, a partir do dia 15 de março de 2020, foi decretado quarentena em todo país. Sendo assim, muitas pessoas passaram a ficar mais dependentes das tecnologias, seja para trabalhar, estudar, etc. Porém, os moradores dos territórios rurais têm muita dificuldade de acesso à internet. Conforme apontam Fornasier; Scarantti, (2017), aproximadamente 85% da população que mora no campo está excluída digitalmente (p.135).

Na minha comunidade, e acredito que isso também ocorra em muitas outras comunidades rurais, nesse período de pandemia a comunicação e a organização para as lutas e debates das pautas que demandam o território, ficaram muito complicadas. Isso porque não é possível realizar encontros presenciais devido ao distanciamento social, necessário por causa da pandemia. E, por outro lado, muitas das pessoas não tem acesso aos meios de comunicação e redes sociais. Segundo Magnani e Castro (2019), muitas práticas e formas de interagir com a tecnologia não são comuns ou, por vezes, possíveis a muitos sujeitos de comunidades do campo brasileiros. Para os autores, isso pode ocorrer não só devido a falta de internet de qualidade, mas também, por exemplo, quando não se tem domínio de praticas letradas necessárias(p.62).

Com a pandemia, deixamos de fazer muitas coisas que fazíamos antes, o que está sendo muito ruim, pois tínhamos o costume de receber visitas, fazer passeios, ir em festas. Muitos dos nossos lazeres eram saindo de casa, como ir para o rio, para o bar, ir às igrejas. Isso não sendo possível, assim, passamos mais tempo assistindo televisão, ouvindo rádio, mexendo no celular, com uma maneira de nos ocuparmos. Mas, também para nós que moramos na roça e criamos animais, trabalhamos com a agricultura familiar. Como diz Tardim (2012),“a agricultura traduz, sem equívoco, uma relação humano–natureza marcada pelo sentido de forte conexão, de pertencimento, de ato transformador e criador, uma relação fundada no cuidado”. (p. 181).

Nesse período de pandemia, além de ser nosso trabalho, a agricultura e a criação de animais se tornou, para a minha família, e acredito que para outras famílias que vivem em territórios rurais, uma forma de distração e de manter a mente ocupada. E, por outro lado, uma forma muito interessante de aprender com meus pais sobre o trabalho na terra, escutar sua leitura de mundo, suas percepções e seus olhares. Leitura de mundo esta que, como descreve Freire (1989), vem de um contexto onde as palavras, as letras eram através dos cantos dos pássaros, das fases da lua, do período da chuva, do formato da folha e da fruta para identificar a espécie, olhar as horas através do sol, das estações do ano entre outros.

Como o ensino remoto mudou bastante coisas, muitas pessoas, assim como eu, tiveram que comprar aparelho celular novo para conseguir atender às demandas do ensino remoto, tiveram que colocar internet, entre outras. E o aprendizado de forma remota, por ser diferente do que estávamos acostumados, trouxe para nós estudantes e, acredito que para os professores também, muitos desafios a serem superados. Braga e Vóvio( 2015) falam sobre a articulação entre desigualdade social e escrita, em que o acesso pode ser, muitas vezes, um privilégio de classe. Sobre as tecnologias digitais também, não é diferente, pois, por mais que o acesso tecnológico digital hoje em dia está mais amplo e acessível para todas as classes sociais, ainda há muita desigualdade.

O acesso a tecnologias digitais na zona rural e até mesmo em periferias da grandes cidades é muito deficitário. Isso sem contar que muitas pessoas desse grupo social não têm condições de comprar um celular, um notebook dos melhores e colocar uma internet ótima, que são dispositivos muito caros para boa parte da população. Ou seja, os mais privilegiados em termos de acesso e uso de tecnologias digitais são as pessoas de classe dominante, enquanto as demais têm muito mais dificuldades ao lidar com o ensino a distância.

Por mais que muitos estejam se adaptando bem, aprendendo e entendendo as disciplinas, o ensino não é a mesma coisa de quando era no presencial, pois muitas das vezes a gente fica mais disperso. Por exemplo, antes fazíamos grupos de leituras com os amigos, e, hoje, como é possível apenas pelas redes sociais, acaba não sendo a mesma coisa, pois os horários não batem. Em contextos normais, não pandêmicos, as aulas presenciais ocorrem em Diamantina, no TU, e ficamos por conta somente dos estudos. Na pandemia, por outro lado, além das aulas e atividades da faculdade, foi necessário muitas vezes conciliar com o trabalho. Com essa situação, não é mais possível estar apenas por conta dos estudos. E se a pessoa não se esforçar, principalmente para conseguir participar das aulas síncronas, fica prejudicado o aprendizado.

Esses desafios que estamos enfrentando e aos quais precisamos nos adequar, também são formas de continuarmos estudando. Além disso, essa situação nos levou a ter algumas novas práticas de letramento, como aprender a lidar com as aulas por teleconferências,e, principalmente, a usar alguns aplicativos tecnológicos, dos quais muitos não tinham conhecimento.

REFERÊNCIAS

BRAGA, D, B; VÓVIO, C, L. Uso de tecnologia e participação em letramentos digitais em contextos de desigualdades. São Paulo, Cortez, p. 33-65, 2015.

FORNASIER, M, O; SCARANTTI, D, R. Internet no Campo: Direitos Humanos e Políticas Públicas de Inclusão Digital. Revista Extraprensa, v. 10, n. 2, p. 133-152, 2017.

FREIRE, P. A Importância do Ato de Ler. 23. ed. São Paulo, Cortez, 1989.

MAGNANI, L, H; CASTRO, C, H, S. Práticas Letradas, Tecnologias e Territórios: Transgredindo Relações de Poder. Revista X, Curitiba, v. 14, n. 5, p. 56-81, 2019.

TARDIM, J, M. Cultura Camponesa. In: CALDART, R, S. et al. (orgs.). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro; São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, p.180-188, 2012.

Alguns números sobre o ensino remoto nas comunidades Ausente de Cima e Serra da Bicha

Alguns números sobre o ensino remoto nas comunidades Ausente de Cima e Serra da Bicha

Por Juliana da Paz Ferreira [1]

 

Entre os dias 11 e 27 de maio de 2021 foi realizada uma pesquisa quantitativa com os estudantes do ensino médio da Escola Estadual Leopoldo Pereira no âmbito do PIBID-UFVJM da qual este relato faz parte.  O objetivo de toda a pesquisa é compreender quais são as principais dificuldades enfrentadas pelos estudantes da referida escola em relação às metodologias utilizadas na realização das atividades escolares durante o ensino remoto decorrente da pandemia da covid19.

Atualmente a escola atende 14 comunidades rurais e está situada no distrito de Milho Verde, Serro/MG. Dentre os dez estudantes oriundos das comunidades de Ausente de Cima e Serra da Bicha, quatro participaram desse processo sendo dois de cada uma delas. Para saber um pouco mais sobre essa realidade, organizamos um questionário contendo 37 questões fechadas e uma aberta opcional, aplicado via Google Forms. As perguntas fechadas trataram, sobretudo, sobre as formas de estudos online durante o tempo de pandemia, e como essas condições tecnológicas no meio rural são acessíveis a eles no auxílio às atividades escolares. Para além das condições tecnológicas, perguntamos ainda algumas questões de cunho social que comporão esta análise nos próximos parágrafos. Na última questão, a aberta, foi solicitado um comentário sobre as principais dificuldades encontradas pelo estudante no ensino remoto, e o que ele está fazendo para superá-las. A divulgação dos resultados foi autorizada pelos próprios estudantes em conjunto com a direção da escola com a condição de manter os nomes em anonimato.

Conforme os resultados da pesquisa, 50% dos estudantes são do sexo feminino e 50% do sexo masculino, com idades entre 16 e 17 anos. Todos cursam o ensino médio. Isso significa que esses estudantes estão se preparando, ou deveriam, para dar continuidade nos estudos no ensino superior. Quanto à renda familiar, no Ausente de Cima, 100% dos entrevistados recebem o Bolsa Família e apenas 50% receberam o Auxílio Emergencial. Já na Serra da Bicha, 50% recebem o Bolsa Família e 100% receberam o Auxílio Emergencial. Em ambas as comunidades as famílias dos estudantes sobrevivem da agricultura familiar de subsistência. Tanto na Serra da Bicha como no Ausente de Cima, predomina o baixo grau de escolaridade como afirmam os estudantes ao responderem que o nível de escolaridade dos seus pais é baixo, sendo que nenhum finalizou o ensino fundamental. Com isso, podemos deduzir que o apoio dos pais na realização dos Planos de Estudos Tutorados (PETs) e das atividades complementares fica comprometido.

50% dos estudantes afirmaram que a família não possui televisão em casa, em contrapartida todos têm aparelho celular na residência. Em relação às ferramentas de ensino remoto mais utilizadas no dia a dia, no Ausente de Cima 50% dos entrevistados responderam que utilizam o WhatsApp e 50% o Google Sala de Aula com maior frequência. Já na Serra da Bicha, 100% dos entrevistados afirmaram que utilizam no dia a dia com maior frequência os grupos do WhatsApp. Ao perguntar sobre as ferramentas na qual possuem maior dificuldade, em ambas as comunidades, 100% afirmaram que eles têm maior dificuldade em acessar o aplicativo Conexão Escola 2.0, ferramenta destinada à interação síncrona entre professor e aluno. Como causa desta realidade, nas duas localidades, 50% dos alunos afirmaram que não sabem e 50% disseram que o sinal de internet é muito fraco, pois acessam através dos dados móveis do aparelho celular para estudar porque não tem antena nem internet a cabo em casa. 50% dos estudantes da Serra da Bicha e 100% de Ausente de Cima consideraram a conexão instável, e 100% dos estudantes, das duas comunidades, disseram que o sinal de internet é ruim, impossibilitando-os de baixar arquivos ou vídeos que os professores disponibilizam. Todos afirmaram também que a escola tem utilizado com maior frequência as ferramentas de ensino remoto e com maior diversidade comparada ao ano de 2020.

No ensino remoto, há uma dependência muito grande em relação às tecnologias e vários fatores influenciam no acesso. O mais agravante é que as famílias são de baixa renda por isso não conseguem colocar recarga com frequência no telefone dos filhos para garantir o acesso à internet. No caso desta pesquisa, os quatro estudantes utilizam a internet 4G pré-paga. Em relação ao tempo disponível de acesso ao serviço de internet, no Ausente de Cima 50% dos estudantes tem acesso de onze a vinte dias, e a outra metade de vinte um a trinta dias. Na comunidade de Serra da Bicha os dados são iguais quanto ao tempo de acesso à rede. Ao serem questionados sobre as principais dificuldades enfrentadas nesse ensino remoto, foram unânimes em dizer que a falta de acesso à internet.

Por mais que os professores mandem impressos todos os materiais dos PETs, eles dependem de um auxílio tecnológico para solucionar possíveis dúvidas e pesquisas em relação às atividades. Em uma das respostas, no comentário final, uma estudante ressalta que a maior dificuldade encontrada é a falta de internet, pois muitas vezes o sinal é muito fraco, em condições que o aplicativo Conexão Escola 2.0, utilizado na interação entre professores e alunos, não funciona, dificultando assim o aprendizado dos conteúdos. A entrevistada relatou que mesmo com toda dificuldade enfrentada, não deixa de fazer as atividades pedidas e busca sempre se dedicar ao máximo.

Ao analisar as respostas dadas pelos estudantes, verifica-se que os resultados são preocupantes uma vez que, por mais que eles tenham interesse em aprender, as ferramentas de trabalho não são acessíveis a todos, o que dificulta muito o aprendizado. Conversando com alguns professores da Escola Estadual Professor Leopoldo Pereira, eles relatam que se preocupam muito com a aprendizagem dos estudantes por muitas vezes não obter o retorno desejado, pois o contato por meios das plataformas de comunicação digital é mínimo entre eles, isso fez com que os professores buscassem alternativas de ensino para que os alunos não saiam prejudicados. Uma dessas alternativas foi montar um grupo através do aplicativo WhatsApp visto que, esse aplicativo é muito utilizado entre os adolescentes da escola. O avanço da vacinação e, como consequência, os planejamentos para o retorno às aulas presenciais ajudarão a esses estudantes que não conseguiram se adaptar ao ensino remoto devido à falta de condições das famílias de baixa renda, dentre outras questões.

[1] Juliana é estudante da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Esta pesquisa foi supervisionada pelo professor Vítor Sousa Dittz, da Escola Estadual Professor Leopoldo Pereira, e orientada pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro, da UFVJM, no âmbito do PIBID-UFVJM.

Agradecimentos aos estudantes-sujeitos e suas famílias, bem como ao diretor da E. E. Professor Leopoldo Pereira, o professor Maycon Souza.

Letramentos no ensino remoto: uma apresentação

Letramentos no ensino remoto: uma apresentação

Nesse inusitado período de pandemia, em que práticas antes impensáveis tornaram-se rotina – como foi o caso do ensino remoto – muita coisa tem acontecido no contexto educacional. A migração forçada para o meio digital como forma de não interromper as atividades educacionais geram formas específicas de lecionar, aprender, interagir, preocupar-se, organizar-se, lutar por direitos, adaptar-se ao estabelecido, entre outros.

Como era de se esperar, toda essa situação foi sentida no contexto da Licenciatura em Educação do Campo (LEC) da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. A formação de professores é um exercício que envolve um lidar constante com o acontecimento, com a dinamicidade da vida e essa situação recente tem deixado isso muito explícito. Isso, ainda que cada contexto, território, cultura, comunidade tenha vivido toda essa condição de modo necessariamente contingente.

Ao se partir das condições concretas nas quais nos encontrávamos, nós, docente e discentes, enquanto coletivo, procuramos refletir sobre questões ligadas a noções de letramento, leitura, alfabetização, linguagem, ensino, práticas letradas, entre outros. Isso, em um exercício centrado nas práticas letradas e nas condições concretas de cada um de nós enquanto participante daquele coletivo.

Assim, a presente série é resultado de um trabalho coletivamente realizado no contexto da disciplina Estudos de Letramento do terceiro período do curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEC) da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. A cada sexta-feira, então, um trabalho autoral produzido por um discente do curso será publicado.

Fica o convite à leitura, ao diálogo e à reflexão conjunto a respeito de práticas letradas que ocorreram e ainda têm ocorrido nesse inusitado contexto de ensino remoto, distanciamento físico e pandemia.

Alguns números sobre o ensino remoto nas comunidades da Barra da Cega, Jacutinga e Córrego da Areia

Alguns números sobre o ensino remoto nas comunidades da Barra da Cega, Jacutinga e Córrego da Areia

Por Izabela Pilar Alves Ferreira [1]

 

Trago aqui resultados de pesquisa de cunho quantitativo executada por meio de um questionário contendo 37 perguntas fechadas e uma aberta. Responderam as interrogativas quatro alunos do ensino médio da Escola Estadual Professor Leopoldo Pereira, e que residem nas comunidades da Barra da Cega, Córrego da Areia e Jacutinga. Nessas três comunidades as famílias sobrevivem da pequena agriculta familiar de subsistência.

A proposta do trabalho em questão é expor algumas realidades de ensino e aprendizagem desses alunos em meio à pandemia, salientando também suas condições socioeconômicas e educacionais, suas condições escolares e sua percepção sobre o Regime Especial de Atividades Não Presenciais (REANP).

A escola Estadual Professor Leopoldo Pereira é considerada nucleada rural, ou seja, possui uma sede, onde fica localizada a direção, que fica localizada em Milho Verde, um distrito de Serro, interior do estado de Minas Gerais, e outros núcleos (prédios físicos diferentes da sede). Esses núcleos estão presentes em 14 comunidades, entre elas estão as citadas Barra da Cega que fica localizada a 3 km da escola, Córrego da Areia a 11 km e Jacutinga, situada a 16 km.

O estudo foi realizado com alunos do sexo feminino e masculino com idades entre 15 e 18 anos que cursam o primeiro e segundo ano do ensino médio. Mediante tal investigação, fica perceptível que o perfil familiar é de baixa renda, pois todas recebem auxílios financeiros do governo. As famílias são numerosas, 100% delas possuem 5 ou mais integrantes. Com relação ao grau de escolaridade dos pais, 100% dos pais e das mães não terminaram o nível fundamental, o que coloca esse grupo familiar em condições escolares limitadas.

Os alunos das comunidades em estudo possuem celular e internet com cobertura 4G, 50% dos alunos afirmaram que o sinal é instável e a maioria, 70%, relatou que não consegue assistir a vídeos, como as videoaulas disponibilizadas nos planos de ensino que devem cumprir semanalmente. Outros 40% também mencionaram que precisam dividir o uso do celular com outros familiares para fins estudantis. Nas três localidades os alunos, em sua maioria, 60%, acessam a internet de 21 a 30 dias no mês.  Na Barra da Cega 50% dos alunos contam com a ajuda dos pais nas atividades escolares e 50% não. Na Jacutinga e no Córrego da Areia 100% dos alunos afirmaram que não contam com a assistência dos pais, pois não têm domínio dos conteúdos.

Os estudantes alegam que utilizam entre 1 e 10 horas para estudar por semana. Desses, 40% usam como ferramentas de estudo vídeos diversos – que encontram com pesquisa – do Youtube, ou vídeos oficiais do programa Se Liga na Educação, também disponíveis no Youtube, que é parte do Estudo no Regime de Estudo Não-Presencial (REANP). Além disso, todos declaram que neste ano de 2021 a escola e os professores têm utilizado ferramentas de ensino remoto para se comunicar com maior assiduidade. Dentre essas, a utilizada com frequência maior é o WhatsApp, segundo 100% dos respondentes. Todos afirmaram que o e-mail e o aplicativo Conexão Escola 2.0 estão sendo menos utilizado, pois demandam uma internet com maior estabilidade no sinal.

Por último, respondendo sobre as principais dificuldades encontradas no ensino remoto em questão aberta, um dos entrevistados diz que a sua principal dificuldade é aprender por meio do aparelho celular, sobretudo pela necessidade de acessar os aparelhos celulares dos pais, que sempre estão fora de casa trabalhando. Além disso, nem sempre o celular tem recursos tecnológicos ou conectividade que suportem o recebimento e envio dos conteúdos pedagógicos.

A partir da entrevista, de maneira geral, conclui-se que para participar dessa nova escola, a família precisa de boas condições financeiras. Percebe-se que esses estudantes são dependentes de tecnologias caras e até inexistentes na região, como internet a cabo. Sendo assim, as más condições sociais que o indivíduo vive influenciam negativamente na sua aprendizagem escolar e aprofundam as desigualdades de maneira geral.

[1] Izabela é estudante da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Esta pesquisa foi supervisionada pelo professor Vítor Sousa Dittz, da Escola Estadual Professor Leopoldo Pereira, e orientada pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro, da UFVJM, no âmbito do PIBID-UFVJM.

Agradecimentos aos estudantes-sujeitos e suas famílias, bem como ao diretor da E. E. Professor Leopoldo Pereira, o professor Maycon Souza.

Alguns números sobre o ensino remoto na comunidade de Capivari – Parte 2

Alguns números sobre o ensino remoto na comunidade de Capivari – Parte 2

Por Claudemar Alves Ferreira [1]

 

Este é um relato que traz considerações sobre a percepção de alguns alunos do ensino médio de uma escola rural sobre as metodologias e as tecnologias de estudo e suas principais dificuldades encontradas no ensino remoto. Neste contexto, foi realizada uma pesquisa com 11 alunos da Escola Estadual Professor Leopoldo Pereira que está localizada no distrito de Milho Verde, município do Serro – MG.

A metodologia utilizada foi um questionário enviado a 11 estudantes do ensino médio que moram na comunidade de Capivari, situada a 16 km de Milho Verde. Da localidade, antes do período pandêmico e esperamos que em breve novamente, saem dois ônibus na parte da manhã, fazendo o percurso de 1 hora da comunidade até chegar à escola. Na pesquisa foram abordados os seguintes temas: condições socioeconômicas, condições educacionais das famílias, percepções do aluno sobre suas dificuldades no REANP.

A partir dos dados, percebe-se que as condições socioeconômicas dos alunos é um fator que influencia em um bom aprendizado, pois a falta de recursos tecnológicos necessários no ensino remoto, como um computador, aparelho celular e internet de boa qualidade, faz com que os alunos não tenham um bom desempenho. Nesse sentido, 50% dos entrevistados recebem o Bolsa Família e 30% receberam o Auxílio Emergencial do governo federal. Nessa situação, 40% dos alunos têm que compartilhar com seus irmãos os aparelhos tecnológicos para acessarem as videoaulas, o aplicativo Conexão Escola, assim como os grupos de WhatsApp das turmas, que são ferramentas disponibilizadas pela escola, sendo que 80% dos entrevistados afirmaram que utilizam a última com maior frequência. 90% dos alunos relatam que possuem dificuldade para acessar o aplicativo Conexão Escola, que oficialmente deveria substituir o WhatsApp. Os dados reforçam, assim, que a questão do acesso é um ponto que contribui para o atraso na aprendizagem.

Outra dificuldade encontrada é a necessidade de um acompanhamento de uma pessoa qualificada para sanar as dúvidas que surgem, pois vimos que grande parte das famílias de Capivari não tem uma qualificação para acompanhar as atividades com seus filhos, sendo que 100% dos pais possuem ensino fundamental incompleto e cerca de 70% das mães também. Além da falta de tecnologias e da falta de conhecimento, ficam prejudicados ainda com o fato de que 25% dos familiares afirmam não tempo de ajudar seus filhos. Assim, as respostas ao questionário mostram que esses alunos apresentam grandes dificuldades para estudar.

A partir das entrevistas realizadas, e sobretudo nos relatos da única questão aberta do questionário, percebe-se que o REANP tem prejudicado muito a educação e que os estudantes estão desmotivados, desatentos e despreparados para prosseguir com os estudos. Como exemplo selecionei um dos relatos para melhor justificar minha afirmação: “É um pouco difícil né porque quando tinha as aulas presenciais a gente tinha mais a presença do professor, a gente tinha ali os amigos para tá apoiando também principalmente professor que ensina muito bem, e longe, no ensino remoto, a gente fica mais distraído.”                                            

Ao fim, podemos concluir que a falta de recursos tecnológicos de acesso e infraestrutura para um grupo de alunos é de extrema preocupação em Capivari onde 50% conseguem acessar as videoaulas online e os outros 50% não, pois ou possuem internet precária ou nenhuma internet. Também o acesso com maior estabilidade a internet só é uma realidade para apenas 60% dos alunos que possuem antena. Entre os entrevistados 80% afirmaram que possuem acesso à internet todos os dias do mês, considerando o 4G do celular. Esses mesmos 80% relataram que utiliza com maior frequência como ferramenta de ensino o grupo do WhatsApp da turma. Apenas 10% conseguem acessar o aplicativo Conexão Escola.

Dentre os dificultadores, a partir das respostas dadas, podemos afirmar que o grau de escolaridade dos pais, assim como o limitado acesso às tecnologias. Sem contar que esse ensino remoto é um hábito novo, uma nova cultura. Se no ensino presencial já é difícil os alunos terem o hábito de estudar, no ensino remoto a situação tende a se agravar, tendo em vista o perfil das famílias pesquisadas.

[1] Claudemar é estudante da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Esta pesquisa foi supervisionada pelo professor Vítor Sousa Dittz, da Escola Estadual Professor Leopoldo Pereira, e orientada pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro, da UFVJM, no âmbito do PIBID-UFVJM.

Agradecimentos aos estudantes-sujeitos e suas famílias, bem como ao diretor da E. E. Professor Leopoldo Pereira, o professor Maycon Souza.

Alguns números sobre o ensino remoto na comunidade de Capivari – Parte 1

Alguns números sobre o ensino remoto na comunidade de Capivari – Parte 1

Por Ana Roberta Cléo dos Santos Ferreira [1]

Este texto relata os resultados de uma pesquisa quantitativa que aborda a percepção de alguns alunos da comunidade rural de Capivari sobre o chamado Regime de Estudo não Presencial (REANP-Minas Gerais), assim como suas condições de acesso, infraestrutura de telecomunicação e as ferramentas utilizadas pela escola. O universo da pesquisa foi um grupo de 8 alunos da comunidade de Capivari, que estudam na Escola Estadual Professor Leopoldo Pereira, localizada no distrito de Milho Verde, município do Serro/MG.

Como metodologia adotada para o levantamento dos dados, foi aplicado um questionário no Google Formulário com 37 perguntas fechadas e um comentário aberto opcional. Os nomes dos estudantes são mantidos na confidencialidade e as questões abordadas estão ligadas às metodologias e às tecnologias utilizadas pelos estudantes do ensino médio da referida escola, assim como as suas principais dificuldades. Como resultados da pesquisa, percebemos que a questão de tecnologias tem influenciado muito a não-aprendizagem. No contexto de Capivari, 100% afirmaram que têm o aparelho celular, mas apenas 60% têm acesso a conexão estável à internet, que na comunidade só é possível via antena, e metade também relatou que às vezes não consegue nem acessar videoaulas no Youtube. Entre os que acessam à rede tanto via antena e celular, 80% possuem acesso à rede de 21 a 30 dias no mês. O baixo nível de escolaridade dos pais também é um ponto que pode influenciar no aprendizado dos alunos uma vez que 100% dos pais não terminaram o ensino fundamental.  Perguntados sobre apoio nas atividades propostas pelo REANP através das apostilas denominadas Plano de Estudos Tutorados (PET) por parte dos pais, 100% deles não conseguem fazê-lo. Metade afirma que por competência, já que não finalizaram o fundamental, e a outra metade alega trabalhar e não ter tempo para apoiar seus filhos com as atividades.

De acordo com os dados da pesquisa, percebemos que 80% dos estudantes são de baixa renda, pois suas famílias participam dos programas governamentais Bolsa Família e Auxílio Emergencial. Por falta de condições financeiras, muitos irmãos têm que utilizar um único aparelho celular ou computador, quando existe um, para os estudos. Sobre as ferramentas de uso, todos afirmaram que possuem mais facilidades com grupo de WhatsApp e videoaulas do Youtube. 80% dos entrevistados afirmaram que fazem uso da ferramenta WhatsApp com maior frequência sobretudo pelo fato de que a escola criou um grupo de WhatsApp para cada turma. No ambiente virtual esclarecem suas dúvidas com mais facilidade e aprendem os conteúdos. Por outro lado, 90% dos alunos encontram dificuldades em acessar o aplicativo Conexão Escola 2.0, criado pelo governo do estado destinado à interação nos moldes do popular WhatsApp.

Ainda segundo os entrevistados, na questão aberta aos comentários diversos, o ensino remoto dificultou o aprendizado, pois antes, na sala de aula, tinham a presença dos professores e amigos para estar dando um apoio moral e auxiliando na aprendizagem, pois o professor está ali presente e responde com mais rapidez suas dúvidas. Relataram em seus comentários que no ensino remoto não é sempre a mesma coisa, pois o professor tem vários alunos para estar respondendo. Muitas vezes pelo fato de o aluno não compreender o conteúdo não tem nem base de como formular uma pergunta para o professor. Um outro problema identificado foi a falta de um ambiente adequado para os estudos, pois o ambiente doméstico pode gerar falta de atenção como relata uma estudante: ‘‘Com o ensino remoto a gente fica distraído. Se passar um mosquito na nossa frente, a gente fica observando o mosquito e esquece da atividade. E antes, na sala de aula, tínhamos mais concentração na explicação do professor’’.

Com todas essas respostas, notamos que não só a concentração nas atividades, mas o acesso à internet e o baixo grau de escolaridade dos pais também têm sido fatores que dificultam o aprendizado; pois se o aluno não tem uma internet de boa qualidade, não consegue acessar os aplicativos que necessita, fazendo com que seu rendimento não seja satisfatório. Problema agravado pelo fato de não possuírem na família um membro que possa auxiliá-lo nas atividades. Concluímos, assim, que a qualidade da educação destes alunos está comprometida por estes problemas identificados.

[1] Ana Roberta é estudante da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Esta pesquisa foi supervisionada pelo professor Vítor Sousa Dittz, da Escola Estadual Professor Leopoldo Pereira, e orientada pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro, da UFVJM, no âmbito do PIBID-UFVJM.

Agradecimentos aos estudantes-sujeitos e suas famílias, bem como ao diretor da E. E. Professor Leopoldo Pereira, o professor Maycon Souza.