Airton Alves Chaves Junior [1]
Ouça um trecho lido pelo próprio autor a seguir. O texto completo, em formato escrito, segue logo abaixo.
Aqui abordo alguns aspectos vinculados às minhas experiências com tecnologia digital. Aos 15 anos de idade, tive contato com um computador de mesa da escola onde eu estudava. Acredito que esse foi meu primeiro contato com um aparelho digital, meio tardio. Naquela época fiquei admirado ao ver a máquina. A professora pediu que realizássemos uma pesquisa, mas eu não sabia nem ligar a ferramenta.
Após a professora ligá-la, alguns colegas me ensinaram a usar o mouse, a usar a aba de pesquisa e outras coisas. Tive bastante dificuldade para controlar o mouse, mas o que me chamou muita atenção foi o fato de que se o levantasse da mesa, não funcionava muito bem. Esse primeiro contato com a ferramenta impactou meu processo de aprendizagem, pois fiquei muito curioso ao ver que meus colegas estavam obtendo muita informação nas pesquisas que faziam. Porém não tive bom resultado na atividade em si, pois não consegui acessar as informações como meus colegas.
Aos 17 anos consegui comprar meu primeiro celular e tive muita dificuldade em instalar o Facebook, pois naquela época, e até mesmo hoje em dia, acessar a internet na minha comunidade é difícil. Há algum tempo utilizando o aparelho pude aprender bastante coisa e logo comecei a utilizar o Google para pesquisar e realizar atividades mais complexas. Até hoje essa ferramenta tem sido uma das que mais utilizo. Acredito que o vínculo com o curso de graduação tem sido um dos principais elementos que me direciona/aproxima a esses usos, pois sempre utilizo para pesquisar, estudar, dificilmente acesso com outro intuito. Também uso bastante o WhatsApp e Gmail, ferramentas que me dão acesso a questões do curso e informações de familiares. Até pouco tempo usava o app do Facebook, porém acabei desinstalando, pois notei que estava havia muita frequência de sorteios de rifas.
Sempre tive pouco acesso a tecnologias digitais, pois passei a infância na roça onde não há nem sinal de telefonia. Nos dias atuais resido no mesmo lugar, porém acesso as ferramentas com mais frequência para estudar. Meu uso diário de internet se dá apenas quando estou no Tempo Universidade, que é totalmente diferente de quando estou na comunidade, quando fico semanas sem acessar nenhuma plataforma digital. As tecnologias têm facilitado muito meu processo de adaptação na graduação, inclusive na pandemia, quando realizamos muitos trabalhos e pesquisas de Tempo Comunidade em reuniões virtuais e diálogos no WhatsApp. Se não houvesse tais plataformas não tínhamos condições de desenvolver tais propostas.
Nas pesquisas e diálogos realizados na comunidade fica visível a mudança nas relações entre as gerações novas e mais velhas com o uso de tecnologias, como alguns moradores têm se queixado. Os mais velhos afirmam que a “cultura tem se perdido” na comunidade, pois os jovens se recusam a aprender os costumes. Inclusive. um senhor me relatou em uma entrevista, que ele é o único que ainda sabe fazer bolsas de couro na região. Ele afirma que seu pai lhe ensinou e hoje não pode fazer da mesma maneira com seus filhos, pois eles não querem. Após adquirirem celulares, “não têm gosto de fazer mais nada”. Mesmo não havendo internet, o contato de crianças e jovens com os aparelhos é constante, que os utilizam para jogos digitais.
Vejamos que há pontos negativos e positivos quando discutimos a nossa relação com essas novas tecnologias. Proporcionam muito conhecimento e têm contribuído para a minha formação; mas deparo-me com pontos negativos quando noto que minha comunidade tem perdido muitas tradições pelo mal-uso das tecnologias digitais. Como educador do campo, uma boa possibilidade de se trabalhar com os estudantes e novas tecnologias seria usá-las para o estudo das culturas locais, com vídeos de depoimentos, dentre outros.
Hoje percebo como tudo tem evoluído, inclusive a escola, pois na que frequentei há vários computadores com conexão Wi-Fi que, são utilizados com frequência, pelos alunos. Também, nas salas de aula há televisores com acesso à internet, diferente da minha época. Na Licenciatura em Educação do Campo (LEC) tenho aprendido muito com o uso de tecnologias digitas. Meus principais aprendizados estão relacionados ao uso do computador, onde acesso diversos sites e fontes de estudos.
Quando estava cursado o terceiro período tive que comprar um notebook e um celular, pois dependia desses aparelhos para estudar. No momento de pandemia a plataforma como Classroom dificultou significativamente meu processo de aprendizagem, pois eu perdia aulas anunciadas na plataforma, quase não entendiam as explicações virtuais, não encontrava as informações para o trabalho, devido não saber manusear o aplicativo. Essas dificuldades encontradas têm feito parte de minha formação e me proporcionado diversos conhecimentos. A pandemia em mudou toda minha rotina. Para ter acesso a aulas em vídeo, devido à dificuldade de acesso à internet, tinha que me deslocar todos os dias até o alto de um morro onde o sinal é melhor. Talvez eu não entendesse as explicações virtuais por fatores como esses: subir um morro, no mato, às com fome, outras com frio.
Na escola básica na comunidade não foi muito diferente. Sem ir à escola presencialmente, os alunos tinham que subir o morro para pesquisarem diversas questões dadas por seus professores. Além de que, em sua maioria, não possuem um aparelho adequado para acessar a internet. Eu mesmo emprestei meu celular para alguns que não tinham. A pandemia afetou gravemente muitos alunos, inclusive os oriundos do campo.
É de suma importância afirmar que o acesso às tecnologias existentes no contexto urbano não é o mesmo do campo, a exemplo da internet. Isso tem sido um fator que afeta o ensino/aprendizagem dos estudantes campesinos, pois os impedem de ter o contato com tais ferramentas e seus usos, como vimos na pandemia. Ao longo de minhas experiências de estágio, pude perceber que os docentes optam por trabalhar com livro didático ao invés de passarem um filme na televisão, ou desenvolverem atividades na sala de informática. Os professores afirmam que, quando mudam as práticas tradicionais, os alunos acabam bagunçando e não fazem as atividades. Esta é a “desculpa” que tenho presenciado por diversas vezes no contexto escolar.
Acredito que práticas conscientes com as tecnologias digitais na escola proporcionam um universo de possibilidades para tornar o ensino realmente significativo para os estudantes, porém devemos ter o cuidado para não colocarmos esse público expostos a mais consumismo. Com o objetivo de aumentar o consumo, na internet o mercado recorre a diversas propagandas, por vezes duvidosas, além dos falsos padrões criados. A tecnologia contribui para o nosso avanço e para educação em geral, e por isso faz muita falta para muitos que ainda não têm acesso.
[1] Airton Alves Chaves Júnior é graduando do curso Licenciatura em Educação do Campo (LEC), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).
Este trabalho foi orientado pelos professores Carlos Henrique Silva de Castro, Luiz Henrique Magnani e Mauricio Teixeira Mendes.