Minha realidade em contexto de pandemia e ensino remoto

Foto de Matheus em ambiente aberto.

Matheus Henrique Rocha –

Meu nome é Matheus, tenho 21 anos e moro na comunidade quilombola do Baú. Moro com minha avó desde os 4 anos de idade e hoje apenas com ela e o meu tio, ele trabalha remunerado quando encontra serviço, ora de pedreiro, ora em atividades remuneradas rurais. Ele passa boa parte dos dias úteis trabalhando e os fins de semana bebendo. Ao fim de 2019 meu núcleo familiar já estava menor devido à mudança de minhas irmãs mais novas, de 16 e 18 anos, para o município de Serro-MG. Eu não me mudei, porque cuido das plantações, dos animais da família e de outras tarefas do domicílio de que minha avó com sua idade não deveria fazer.

Minha mãe sempre nos visita e tenta ser a mais atenciosa possível. Ela mora com o meu padrasto. No entanto, ela é quem recebe os benefícios previdenciários de minha avó, faz as compras da casa em geral, além de pagar as contas, compra as vitaminas e remédios de minha avó. Minha mãe trabalhou durante 4 anos como cuidadora de um casal de idosos no município. Em meados de 2020 ela teve que retomar a sua profissão como lavradora e dona de casa. Eu presto alguns serviços sociais comunitários de forma voluntária e em épocas de plantio e de colheita trabalho remunerado na agricultura ajudando algumas famílias da comunidade. Em outras épocas, ocupo as horas de meu tempo com os afazeres na propriedade da família, cultivando, limpando e cuidando do terreno e de alguns afazeres domésticos.

Com a Covid-19, algumas coisas mudaram em minha rotina, como ir menos vezes na cidade, a adesão a novos cuidados com a saúde e a uma organização mais rígida para cumprir a rotina do dia-a-dia. Deste modo, deixei o trabalho remunerado para me dedicar ao período de tempo universidade do curso de Educação do Campo e ao ensino remoto. Sinto-me prejudicado em estudar esse período em casa, pois tenho que dispor de mais horas para o estudo do que dispunha para o tempo comunidade que já estava habituado. Sinto um desconforto com isso e uma sensação de que o contexto de ensino-aprendizado da academia invade nossa realidade, interferindo completamente na rotina.

Aqui em casa apenas eu estudo, disponho de um celular e um notebook para essa finalidade. O meu tio possui um telefone celular para ligação e bate papo no Facebook e WhatsApp, porém, pouco o explora por não ser letrado em tecnologias e ter problemas de visão. Já a minha avó tem um telefone de mesa com antena para captar sinal, sua finalidade é de possibilitar a interação com os familiares mais distantes via ligações. Temos uma televisão com antena parabólica que nos permite assistir programações, como jornais, filmes, novelas e cultos evangélicos.

Minha experiência em estudar em tempos de pandemia e em ensino remoto

Minha rotina de estudo com a volta as aulas do Curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEC), neste ano de 2021 cursando o período extemporâneo 2020/2, foi tranquila. Quando as aulas eram presenciais, havia uma padronização dos horários, que eram dedicados às atividades regulares do curso, leituras de textos e preparação de trabalhos acadêmicos. Em outro contexto, ao se tratar de ensino remoto em nossas casas, uma experiência nunca testada antes por nós e com as diversas funções que exerço no domicílio e na comunidade que estou inserido, me desafiei com a situação e adotei uma nova estratégia, a organização de um cronograma pessoal, para isso, tive que abrir mão de algumas coisas.

Além das atividades do núcleo familiar e as comunitárias que exerço, busco trabalhar remunerado para juntar uns trocados. Na confiança ao acesso à Bolsa Permanência do MEC, que me aproxima do direito como quilombola de cursar um ensino superior, e com os eventuais auxílios emergenciais da Universidade, decidi parar de participar das atividades remuneradas no serviço rural da comunidade durante esse período e dedicar meu tempo para os estudos. Isso me possibilitou passar pela situação imposta pela pandemia do Covid-19 com êxito.

Nesse período de TU, passei a conhecer e participar das aulas na plataforma do Google Meet, no entanto, necessito melhorar o diálogo, que é defasado devido uma dificuldade de organizar o pensamento durante discurso. Outra dificuldade é acessar as tecnologias essenciais durante a aula, como ligar o microfone do notebook para falar e o acesso à internet que em dado momento causa interferência durante as aulas de videoconferências. Essas são algumas justificativas a respeito da participação limitada durante as aulas remotas. Nesse processo aprendi a interagir no Moodle, que possibilitou dialogar nos fóruns de diálogos e de dúvidas, ofertados pelo professor da unidade curricular (UC) “Estudos de Letramentos”. Além disso, por meio dos grupos do WhatsApp, tive acesso a vários links de eventos, cursos e programações online via YouTube e que ofereciam certificados de participação. Essa plataforma é um importante meio de pesquisa e informação no ensino remoto, assim como também o mais fundamental nos momentos de distração e lazer.

Como estudante de uma graduação de ensino superior e morador consciente dos meus direitos e deveres, busco contribuir com o desenvolvimento socioeconômico das famílias locais. Assim, portanto faço parte do comitê gestor do Fundo Quilombo Solidário, que integra o projeto Quilombo Vivo, no qual a comunidade foi contemplada no edital com dois projetos. Atualmente estou na responsabilidade de acompanhar toda etapa de execução de tais projetos; essa é uma das obrigações de que tento dar conta juntamente ao ensino remoto neste TU, pois são ambas práticas fundamentais na minha leitura de mundo.

Uma reflexão sobre o processo de ensino remoto na pandemia

Para apresentar uma reflexão sobre o ensino remoto é necessário trazer as experiências tidas com nossa primeira unidade curricular (UC) do período de TU, “Estudo de Letramentos”. Nela experienciamos nossas primeiras aulas síncronas e, como eram quatro horas semanalmente durante 5 semanas, a internet móvel não foi um fator excludente. Entretanto foi possível perceber as dificuldades de acesso por parte da turma. Alguns colegas em certos momentos não conseguiram acompanhar toda a duração da aula. Todavia, como o docente deixava gravados os encontros, era possível rever quando a internet estava mais estável.

Outra situação percebida durante as aulas no Google Meet foi a instabilidade da internet que causava ruídos e falhas no áudio dos encontros para alguns alunos. Sabemos que a internet é uma rede capaz de ligar as pessoas em qualquer parte do mundo através da interligação entre os computadores e outras tecnologias eletrônicas, sendo que, atualmente, muitas pessoas estão diariamente em constante processo de aprendizado ligados à rede. Em conformidade com esse fato, a acessibilidade a internet é uma questão de repassar informações que possibilite uma inclusão dos grupos sociais, algo que nas aulas remotas estão sendo possíveis devido a opção de rever as aulas síncronas quando disponibilizada em gravação e o debate nos fóruns em uma plataforma que não demanda muito um acesso à internet de qualidade, desse modo aos poucos vamos nos letrando por meio das tecnologias digitais e criando novos olhares a esse novo mundo.

Em nossas práticas cotidianas estamos em constante contato com a língua portuguesa e com a variação da linguagem em diversos contextos. No caso do ensino remoto, as práticas de leitura e escrita se dão através de tecnologias como celular e computador e através da caderneta física, onde fazemos anotações importantes das aulas síncronas e assíncronas e revemos para fixar o conteúdo na memória de longo prazo, metodologia essa que cada aluno aborda de acordo com suas habilidades que variam de indivíduo a indivíduo e de uma comunidade para outra. O aluno que adota métodos de aprendizados, por meio de anotações a respeito de uma fala ou outras observações durante a aula de videoconferência adquiri a capacidade de absorver práticas letradas através do diálogo.

O ensino remoto ainda continuou após a edição deste texto. Em razão disso, não foi possível trazer uma completa reflexão a respeito do ensino remoto durante TU por inteiro. Porém, no seu primeiro momento já foi oportuno para trazer a público nossa experiência com ao menos uma UC que, até então, trouxe uma carga muito expressiva de aprendizados. Acredito que numa oportunidade futura traremos uma reflexão embasada no todo e com mais criticidade. Ainda assim, deixo registradas minhas reflexões a respeito do ensino remoto baseado na experiência com a unidade curricular Estudos de Letramentos.

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