Pandemia e desafios do cotidiano

SESC Pompeia, em São Paulo – SP, local que abriga o CineSesc.

– Clayton D R Fernandes –

UM POUCO SOBRE MINHA REALIDADE

Minha esposa e eu, diferente de todos os anos que posso me lembrar, resolvemos não viajar no Carnaval de 2020. Pela primeira vez estávamos os dois aposentados e sem nenhum compromisso que não pudesse ser feito via internet. E, também, porque não? Queríamos sentir o renascimento do carnaval de São Paulo. Acho que São Paulo inteiro também quis e ficou em São Paulo. Tudo lotado e agitado. Difícil encontrar um lugarzinho na calçada. E foi. Tudo relevado porque tínhamos uma meia vida de férias pela frente. E veio a pandemia.

O Sesc São Paulo. O primeiro trauma foi a privação ao Sesc. Somos frequentadores diários das Unidades do Sesc. Tanto em São Paulo como em várias cidades do Brasil. Fazemos cursos, almoçamos, jantamos, nadamos, praticamos yoga, vamos a shows, exposições, dançamos, encontramos a turma, conhecemos gentes, viajamos em excursão. Dificilmente passamos uma semana sem ir ao CineSesc. Nunca sai de São Paulo nas duas semanas do Festival Internacional do Cinema. Diariamente no CineSesc.

ESTUDAR EM TEMPOS DE PANDEMIA

A Rotina. Parece que a gente está remando para não sair do lugar. Minha estratégia para enfrentar a pandemia é arrumar muita coisa para fazer e para ler. Cuidar das plantas, pesquisar na internet como semear e replantar antúrios e orquídeas, consertar cadeira estragada, trocar fechadura antiga, pintar muro, trocar tomadas, vedação das torneiras e um monte mais de coisas. Quando o tempo (aqui é o clima) está firme, andar pela cidade com a minha cachorrinha, fotografar esquinas e vitrines. Para ver como eu estou ainda. Tenho lido bastante, coisas que nunca me interessei antes, história da arte, impressionismo, um pouco sobre a idade média que eu nunca soube o que foi. Também li alguns textos sobre a Alemanha na primeira guerra, como surgiu o nazismo, as várias guerras que a gente chama de segunda guerra, a escravidão no Brasil, livro do Laurentino Gomes. E as poesias da Ana Martins Marques que eu conheci, sem intenção, num curso sobre literatura no Sesc SP. Então, para não confundir tudo isso, na minha cabeça, montei um banco de dados de tudo que li recentemente e do que estou lendo. Inclusive para a LEC. Montei este banco de dados por dor da abstinência. Tantos anos desenvolvendo banco de dados, não é possível parar simplesmente…

Ensino remoto é como noivado à distância ou curso de natação sem piscina. A gente tem só uma ideia das coisas. Da noiva e da água. Participei de dois TUs em Diamantina. E foram muito marcantes. Acho que todos nós alunos saímos maiores destas duas experiências. A classe de aula com gente de diferentes lugares, idades, sonhos e repertórios. De repente, juntos, montar e apresentar uma tarefa. Isto sempre foi muito bom. Das 8 às 18 horas. Tempo passava depressa, apesar do sono e do cansaço. Muitos conceitos novos voltaram para casa. Penso que cada um de nós voltou outro para seus lugares.

Tecnologias. Para acompanhar as atividades da LEC usamos alguns aplicativos que eu nunca tinha utilizado. Moodle (parece que outras universidades também usam este aplicativo) e ClassRoom (a UFVJM fez algum acordo com a Google e adotou este aplicativo para o ensino remoto. É um arrazoado dos aplicativos da Google: Drive, editor de texto e Meet).

Para o nosso curso o ensino remoto não serve. A convivência – e as dificuldades da convivência – é uma parte importante do nosso aprendizado. E uma sala de aula virtual é a negação da convivência. É muito chato!

Temos que descobrir e inventar um jeito de fazer trabalho em grupo. Talvez experimentar ler um texto em conjunto via Meeting. Cada colega lê um parágrafo, se quiser ler. Depois de cada parágrafo a gente discute um pouco as ideias apresentadas.

REFLETINDO SOBRE O PROCESSO

Das práticas educativas ocorridas no primeiro semestre de 2021 de modo remoto na LEC-UFVJM, destaco o aprendizado de alguns conceitos no contexto da disciplina Estudos de Letramento. O primeiro foi o conceito de Paulo Freire sobre o Ato de Ler, como sendo uma atitude fruto da trajetória do sujeito. Quando lemos utilizamos toda a nossa história para compreender o texto. A leitura do mundo precede a leitura da palavra… …A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. (FREIRE, 1989, p. 9). Assim podemos dizer que a nossa experiência de vida nos faz compreender a palavra, contudo a compreensão desta nos acumula experiência e com isto podemos reler o mundo.

Outro conceito estudado foi o Letramento. Aqui o mais importante, para mim, foi a separação entre letramento e alfabetização (alfabetização entendida como o processo de ensinar a ler e a escrever). Letramento é um conjunto de ferramentas cognitivas que o sujeito utiliza para entender o seu ambiente, enquanto a alfabetização se reduz ao uso da escrita. Contudo a alfabetização é utilizada como métrica na escala social. O analfabeto é marcado como um sujeito a ser consertado. Mas a falta de habilidades letradas frequentemente não é uma barreira real ao desemprego, como sugerem as declarações oficiais (STREET, 2014, p. 35). Cabe ao educador pensar a alfabetização dentro das necessidades do sujeito e não dentro das necessidades do mercado. E perceber que a alfabetização, tida como dogma para a emancipação do indivíduo, é um conceito criado pela elite para impor um letramento de seu interesse.

A relação entre território e produção de conhecimento foi estudada através do texto Práticas letradas, tecnologias e territórios (CASTRO; MAGNANI, 2019). O conhecimento, por ser uma produção humana, é uma riqueza. Portanto está em disputa entre as classes sociais e territórios, e segundo os autores

  • Emerge, em decorrência, a questão de como pensar e produzir conhecimento acadêmico sobre tecnologias e letramentos com a preocupação de que tais conhecimentos sejam relevantes e condizentes em relação às demandas e vivências de diversas realidades não-urbanas ou menos urbanizadas existentes no Brasil. (CASTRO; MAGNANI, 2019, p. 64) .

Por fim, no último texto estudado, refletimos à seguinte questão: O domínio da escrita é ponte de acesso à participação social? (BRAGA; VÓVIO, 2015, p. 34). Dentro de uma sociedade altamente subordinada à comunicação digital o domínio destas tecnologias é requisito à inserção social, principalmente a um emprego não precário. A alfabetização não acaba com as desigualdades, mas a equidade pode, sim, acabar com os analfabetismos, tanto de letramento como político.

REFERÊNCIAS

BRAGA, Denise Bértoli; VÓVIO, Claudia Lemos. Uso de tecnologia e participação em letramentos digitais em contextos de desigualdade. Cortez, São Paulo, 2015.

CASTRO, Carlos Henrique Silva de; MAGNANI, Luiz Henrique. Práticas Letradas, tecnologias e territórios. R E V I S T A X, Curitiba, vol/núm. 14/5, p. 56-81, 2019.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. Cortez, São Paulo, 1989.

STREET, Brian V. Letramentos sociais. Parábula, São Paulo, 2014.

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