Por Marília Gabriela Rodrigues da Silva e Vitória Cristina Alves *
É na família que se inicia a socialização fundamental para a formação dos indivíduos. No Brasil, há diversidades nas composições familiares, pois temos exemplos de famílias patriarcais, matriarcais, monoparentais, homoafetivas, anaparentais, matrimoniais, pluriparentais, dentre outras. Dessa forma, é excludente uma definição de família associada somente a casais heterossexuais.
Compreende-se que a ideia da família tradicional brasileira, tão discutida nos últimos anos, corresponde à antiga família patriarcal de origem colonial, onde o homem é o provedor da família e a mulher, assim como os filhos, estão submissos a ele. No entanto, como pontua Paiva (2016, s. p.)[1], “[p]ouco mais da metade (54,9%) das famílias no Brasil é constituída por um casal heterossexual com filhos. Os outros (45,1%) se desdobram em uma pluralidade de arranjos”.
Ainda que de maneira sutil, esse cenário começou a se modificar, pois já é possível perceber uma melhoria na igualdade de gênero, por exemplo, no mercado de trabalho, além da lei do casamento LGBTQIA+ e outras. Contudo, o mesmo não ocorre nos lares das famílias brasileiras, visto que as mulheres continuam sobrecarregadas pela jornada dupla, enfrentando tanto o trabalho formal quanto as tarefas domésticas, bem como os cuidados com os filhos. Trata-se da construção cultural brasileira, conforme Borsa e Nunes (2011, p. 32-33)[2], “[…] na família ocidental os papéis de homens e mulheres têm sido diferentes e essas diferenças se evidenciam, por exemplo, no fato de que o trabalho doméstico e o cuidado da prole continuam sendo atribuídos à mulher, prioritariamente”.
Ainda sobre a excludente definição de família, existe a Lei 9.278, de 10 de maio de 1996[3], que reconhece como entidade familiar o convívio de um homem e uma mulher, o que reforçando uma única forma de composição familiar. No entanto, desde 2011 o casamento LGBTQIA+ é legalizado no Brasil. Mas o que se vê é que ainda existem preconceitos relacionados a esse grupo, alguns deles têm como base estereótipos e discriminações enraizadas, como supor que esses casais podem influenciar a identidade de gênero ou a orientação sexual do indivíduo adotado. Vale ressaltar as muitas adoções realizadas por pertencentes do público LGBTQIA+ e a alta demanda de crianças aguardando por adoção no Brasil. Dessa forma, é inadmissível que existam preconceitos acerca desse assunto, que quase sempre vem daqueles que dizem estar a favor da família.
Uma comissão especial das Câmara dos Deputados, em 24 de setembro de 2015, rejeitou uma ampliação para o conceito de família no Estatuto da Família (Projeto de Lei 6.583/13)[4] e manteve o entendimento legal de família apenas aquela formada por homem, mulher e filhos. Trata-se, claramente, de uma violação discriminatória e preconceituosa, pois milhões de brasileiros não se enquadram nessa definição. Como afirma Paiva (2016, s.p.)[5]:
Precisamos estar atentos para não tomarmos esse modelo imaginário como único, verdadeiro, correto e saudável. Se tomarmos assim, estaremos tratando todas as outras famílias como ‘desestruturadas ou em crise’ e tratando a diferença como desigualdade, o que leva a relações de assimétricas e não democráticas. A intolerância com a diferença leva à patologização, à judicialização e à criminalização dos diferentes.”
Apesar de já ser reconhecida pela justiça algumas composições familiares não “tradicionais”, diante da realidade, existe a necessidade de ampliar o conceito de família, pois é preciso uma lei que acolha e inclua todos os tipos de composições familiares, de todos os sujeitos. É indispensável que as famílias homoafetivas sejam incluídas no Estatuto da Família, para que, desse modo, seja possível refletir sobre essas diferentes configurações familiares dentro da escola, espaço importante de socialização do indivíduo. Esses conteúdos devem ser inseridos nos Planos de Cursos da educação do governo para reeducar os nossos jovens, a começar pela educação infantil, de forma singela, com atividades, por exemplo, onde as crianças possam identificar em qual composição familiar se enquadram e ampliar essas visões com os exemplos dos coleguinhas. No decorrer dos anos escolares questões mais complexas podem ser trabalhadas e debates são importantes para as grandes reflexões e reformas humanas, sobretudo de consciência.
Referências
[1] PAIVA, Thais. Por uma nova (e ampla) definição de família. Carta Capital. 2016. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/educacao/por-uma-nova-e-ampla-definicao-de-familia/>. Acesso em: 10/03/2023.
[2] BORSA, Juliane Callegaro. NUNES, Maria Lucia Tiellet. Aspectos psicossociais da parentalidade: O papel de homens e mulheres na família nuclear, 2011. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/258032978>. Acesso em: 14/03/2023.
[3] Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9278.htm#:~:text=Dissolvida%20a%20uni%C3%A3o%20est%C3%A1vel%20por%20morte%20de%20um%20dos%20conviventes,destinado%20%C3%A0%20resid%C3%AAncia%20da%20fam%C3%ADlia.>
[4] Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=47FC186CDB5C27E515DF6EEB0712A562.proposicoesWeb2?codteor=1398893&filename=Avulso+-PL+6583/2013>
[5] Disponível em: PAIVA, Thais. Por uma nova (e ampla) definição de família. Carta Capital. 2016. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/educacao/por-uma-nova-e-ampla-definicao-de-familia/>. Acesso em: 10/03/2023.
* Marília Gabriela Rodrigues da Silva e Vitória Cristina Alves são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.