A agroecologia nos últimos tempos tem sido tema de muitos debates no Brasil, pois além de ser o principal meio de sustentabilidade econômica, que preza pelo cuidado com as pautas da sexualidade, afirmações de gênero e na redução do êxodo rural, é o futuro para as comunidades do campo. Nas atividades campesinas, o diálogo sobre a sexualidade faz parte de uma educação muito mais ampla e complexa. Nessa perspectiva educacional, o êxodo rural é um dos principais pontos de discussão, visto que evitar a saída das pessoas de suas próprias comunidades, através de formações na área da agroecologia, pode fortalecer seus conhecimentos e enriquecer seus aprendizados sobre a vida e sobre si mesmas.
Para discutir a agroecologia como fundamental para as afirmações e relações de gênero e sexualidade em comunidades do campo, citamos o artigo “Convergências e divergências entre feminismo e agroecologia”, publicado na revista Ciência e Cultura por Ferreira e Mattos (2017). Esses pesquisadores consideram fundamental o feminismo na agroecologia, pois beneficia questões tecnológicas, produtivas e ambientais. Além disso, a agroecologia promove a justiça e equidade nas relações de gênero e afirmações de sexualidades. Como sabemos, a agricultura familiar, com técnicas agroecológicas tradicionais, sempre foi a base da sustentabilidade econômica do país. No entanto, o Estado precisa dar mais visibilidade a esse meio de subsistência e às relações das pessoas, uma vez que são as plantações das pessoas do campo que fornecem alimentos saudáveis e livres de produtos químicos para as cidades, possibilitando assim a soberania alimentar.
A coautora deste trabalho, Marciléia Silva, é coordenadora do Coletivo de Agroecologia Quilombo Ausente Feliz; é uma mulher preta, quilombola, mãe, graduanda em Educação do Campo e agricultora de 34 anos. Em diálogo com as vivências da coordenadora Marciléia, afirmamos que a agroecologia colabora com: (i) autonomia, inclusão e diversidade nas práticas agroecológicas; (ii) geração de renda e afirmação de identidades e territorialidades em combate ao êxodo rural; e (iii) fortalecimento de bases e empoderamento em várias dimensões sociais, como, por exemplo, no âmbito político. A partir de conversa informal com a coordenadora Marciléia, outras considerações são importantes. Sobre a permanência dos jovens nas atividades do campo e sobre a sexualidade dentro das práticas agroecológicas, a coordenadora disse que o coletivo é formado por 20 integrantes, dos quais 19 se identificam como mulheres (incluindo uma mulher lésbica) e 1 homem, cuja sexualidade não é revelada publicamente. Além disso, 2 pessoas são jovens e as demais são adultas com mais de 30 anos de idade.
Segundo Marciléia, em qualquer outro ambiente, uma pessoa mais velha tem dificuldade para conversar com um filho sobre várias questões que envolvem o desenvolvimento do corpo. Já em processos de formação orientados pela agroecologia, essa pessoa aprende a deixar o receio de lado e é auxiliada a perceber os momentos de diálogo sobre questões que envolvem sexualidade e identidade de gênero, proporcionando a liberdade de conversar com seus filhos(as) e assim compreendê-los. Isso ajuda a evitar que eles queiram sair da comunidade por causa da falta de aceitação da família e da sociedade.
A coordenadora afirma que “a agroecologia é muito significativa para o coletivo, porque, com o cuidado que o grupo tem com a terra e ao usar apenas insumos naturais, evitam agredir o meio ambiente.” No entanto, destacam-se as relações sociais e culturais dentro da agroecologia que abrem espaço para questões de gênero e a pauta da sexualidade, fortalecendo o diálogo no grupo e nos núcleos familiares. Sobre isso, complementa que “a partir dessas discussões, uma grande conquista hoje é a distribuição das tarefas domésticas entre os membros da família, que não ficam mais apenas sob responsabilidade das matriarcas.” Além disso, essas mulheres hoje já participam abertamente e publicamente de eventos e palestras com temas diversos.
Durante o IV Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), em um debate da Plenária das Juventudes, foram registradas manifestações dos participantes. Segundo o Website Jornalistas Livres (2018), a agroecologia compreende as mulheres, os LGBTs, os negros e outros seres humanos que compõem todo esse universo da diversidade. A matéria também afirma que a não aceitação da diversidade e a invisibilidade, principalmente do sujeito LGBT, na construção da agroecologia, é um dos principais motivos da migração das pessoas para a cidade, onde buscam maior aceitação no mercado de trabalho.
Os grupos LGBT tendem a sofrer muitos preconceitos no campo, com a estrutura tradicional de família e a falta de acesso a variedades de formações que possam compreender a necessidade de aceitação das outras pessoas com orientações sexuais diferentes das padronizadas pela comunidade. Nesse ínterim, cabe destacar a importância de valorizar a discussão sobre a permanência nas atividades do campo, desmistificando argumentos como a falta de identificação com o cotidiano rural, a remuneração reduzida, as dificuldades na obtenção de crédito, a falta de acesso à cultura e ao lazer, entre outras justificativas falsas que os jovens acreditam quando se sentem desmotivados a se empoderarem e a buscar por seus direitos e autonomias dentro da agroecologia, optando por migrar para as cidades. Eles precisam entender que a falta de conhecimento e de políticas públicas pode ser resolvida com uma organização social consciente e disposta a acessar seus direitos. Além disso, precisam aprender a precificar seus produtos, a participar de feiras municipais e regionais e a pesquisar sobre os créditos disponíveis para agricultores, como o Pronaf e outras linhas de crédito oferecidas por instituições bancárias, melhorando assim sua remuneração.
Apesar de muitos argumentos defenderem a migração para a cidade, o senso de pertencimento, o empoderamento e as relações territoriais sólidas são bases para a construção política dos sujeitos do campo que lutam por seus direitos e por políticas públicas. Embora algumas já existam, elas são inacessíveis devido às segregações do sistema social e capitalista. Baseado nas justificativas do êxodo rural, o autor Florêncio et al. (2023) [2], em seu artigo “A juventude rural e as questões do êxodo rural: Uma breve revisão”, afirma que a falta de estímulo na sucessão familiar dos serviços rurais impulsiona os jovens a procurarem outras profissões, sendo essa sua principal razão para abandonar as atividades rurais. Em contrapartida, a luta começa com a reconstrução dessa argumentação, com o objetivo de mostrar que a agroecologia também é uma ótima opção para a autonomia financeira nas comunidades camponesas e uma profissão digna de ser vivida.
O autor Florêncio et al. (2023) [2] defende que o contexto no qual o jovem do campo está inserido possibilita a tomada de decisão de permanecer no ambiente agrícola. Com base nisso e na função dos pais e da comunidade em inserir os jovens nesse ambiente, a agroecologia é também um método de mitigar o êxodo, a partir da autonomia de cada sujeito, com o objetivo de reconhecer que a agroecologia “propõe relações justas, equitativas e equilibradas entre as pessoas e o ambiente” (Pinto, Calbino, 2020) [3]. Nesse sentido, pode fornecer renda e contribuir para a melhoria da qualidade de vida, baseada na soberania alimentar e na sustentabilidade.
À medida que as pessoas do campo vão tendo os seus trabalhos reconhecidos, elas se tornam mais empoderadas no seu próprio território; e isso, gera o desejo de continuar em seu lugarejo e, consequentemente, a diminuição do êxodo rural e das superlotações das periferias das grandes cidades. Um caminho a percorrer é reforçar o diálogo aberto nas comunidades fortalecendo as relações sociais e culturais. Esse fortalecimento pode vir por meio de projetos educacionais interdisciplinares nas escolas, que explorem a agroecologia como tema central, incentivando os estudantes a compreenderem a importância da prática para a sustentabilidade econômica, inclusão social com base no diálogo sobre gêneros e sexualidade e a redução do êxodo rural.
Isso pode incluir atividades práticas, como a criação de pequenas hortas agroecológicas na escola, palestras sobre sustentabilidade, diversidade e inclusão nas atividades agroecológicas, e debates sobre a importância da agroecologia na preservação do ambiente e no combate ao êxodo rural. Além disso, poderia incluir também, visitas a comunidades que desempenham atividades ligadas a agroecologia, palestras com especialistas e a realização de outras atividades dinâmicas relacionadas à agroecologia. Essa iniciativa visa não apenas a educar, mas também a incentivar a reflexão sobre a contribuição de cada indivíduo para a construção de comunidades mais sustentáveis e inclusivas.
Referências
[1] FERREIRA, Ana Paula Lopes; MATTOS, Luís Cláudio. Convergências e divergências entre feminismo e agroecologia. Ciência e Cultura. v. 69, São Paulo, 2017.
[2] FLORÊNCIO, T. S.; VASCONCELOS, O.; QUIRINO, J. M.; SANTOS, I. J. O. A juventude rural e as questões do êxodo rural: Uma breve revisão. Ciências Rurais em Foco, v. 9, 2023.
[3] PINTO, Luiz Henrique Rocha; CALBINO, Daniel. Sem diversidade (sexual) há Agroecologia? Proposta de uma agenda política. Cadernos de Agroecologia – Anais do XI Congresso Brasileiro de Agroecologia, São Cristóvão, Sergipe, v. 15, 2020.
SOBRE OS AUTORES
Marciléia S. Silva e Matheus H. Rocha são acadêmicos da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientados pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.