Por Sabrina Santos Esteves e Ilza Fernandes de Oliveira*
O movimento agroecológico é muito importante no combate ao racismo, pois, além de acolher práticas de agricultura tradicional, é antirracista na medida que é responsável por amenizar desigualdades sociais, contribuindo para o sustento de grupos mais vulneráveis, como comunidades quilombolas, indígenas, campesinas e ribeirinhas. Assim, a agroecologia é importante não só para a sustentabilidade, mas para promover o respeito às diversidades étnico-raciais com valorização, no Brasil, dos indígenas, negros e mestiços. Os movimentos devem ser entendidos juntos, pois se fortalecem e têm um diálogo histórico e coerente.
A cultura agroecológica promove a coletividade e a diversidade, viabiliza a igualdade de gêneros, possibilita espaços que valorizam os saberes populares e culturais, assim como são parte da produção de alimentos orgânicos para o sustento de famílias carentes. Quando falamos em agroecologia, é imprescindível não ter como lembrança, a imagem de pessoas negras, e qualquer prática cultural que possui vestígios desses grupos, não possuem muito prestígio , se sujeitando a sofrer vários ataques preconceituosos e racistas, inclusive de poderes econômicos que visam lucrar, por meio do desmatamento, monocultura e destruição dos solos com queimadas e agrotóxicos, deixando famílias dependentes, com seus territórios improdutivos, sendo a maioria de pardos ou negros, grupo majoritário entre as classes sociais mais baixas como se sabe.. Por isso resistir pela valorização da agricultura familiar, sustentável é considerada também uma luta antirracista. Como aponta Amorim (2022)[1]:
Em novembro, quando é comemorado o Dia da Consciência Negra, é preciso lembrar que falar sobre agroecologia e agricultura familiar também é falar sobre antirracismo. De acordo com o Censo Agropecuário de 2019, a maioria dos produtores rurais do país são negros. Em números absolutos, há 2,6 milhões de negros e 2,2 milhões de brancos.
A mulher negra, nos grupos tradicionais da agroecologia, tem um protagonismo muito forte, onde se tornam atuantes na produção de saberes e tecnologias relevantes para o processo de transformação social, como por exemplo na comunidade Macaúbas Palmito, localizada no município de Bocaiúva, que busca desnaturalizar o racismo e promover atitudes de conscientização, desenvolvendo ações que podem amenizar a desigualdade, e possibilitar melhores condições de vida para sua população. Reforçamos também a ideia de que é necessário fazer uma ressignificação da leitura histórica dos negros, tirando a imagem da escravidão, pois até os dias de hoje essa população sofre vários ataques violentos e preconceituosos, além de serem excluídos do meio social pelo sistema que concentra o poder na mão de poucos abastados, justamente aqueles cujos ancestrais, há pouco mais de cem anos, foram responsáveis pela escravidão.
As comunidades quilombolas são um grande símbolo de resistência a essas classes dominantes, na medida que mantém sua diversidade em termos de culturas de plantio, de preservação da terra, valores, relações de trabalho etc. Nos quilombos, a agricultura local é de grande relevância para alimentação, saúde e sobrevivência das famílias daqueles territórios, além de compartilhar de práticas sustentáveis que ajudam na preservação do ambiente. E o descaso das lutas desses quilombos por demarcação de terras ainda é muito grande em nosso país, pois as políticas públicas que dão assistência a esses grupos ainda são muito escassas. Segundo Catucci e Souza (2022)[2]:
O campo brasileiro é composto por maioria de trabalhadores negros, mas grande parte das terras não está sob sua posse. Além disso, quanto maior o território, maior o número de brancos proprietários. Em grandes propriedades, com área equivalente a cerca de 10 mil campos de futebol, 79,1% dos donos são brancos, enquanto apenas 17,4% são pardos e 1,6% são pretos, aponta o Censo Agropecuário 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O agronegócio usa tecnologias que visam a inovação e a melhora na produtividade, mas na realidade é um fator que afeta bastante o campo agroecológico, com a inserção de máquinas que destroem os solos e promovem a desmatação. Os grupos que compõem esse meio, além de visar mais os benefícios econômicos e lucrativos, acabam explorando o trabalho da população vulnerável, o que contribui para o nível de desigualdade social.
O agronegócio é responsável pela extração limite dos recursos naturais, a exploração do trabalhador, e o incentivo ao consumo excessivo. Esse sistema traz semelhanças do “racismo estrutural”, com vestígios do colonialismo, que é responsável por dividir e organizar raças, gêneros, saberes e culturas. Essas práticas foram originadas da cultura europeia, em que o trabalho escravo era um dos pilares do poder econômico, mostra também como determinadas classes sociais sofrem opressão e exploração por parte das classes dominantes. O agronegócio contribui para o “racismo fundiário”, pois a maior parte das terras para produção agrícola estão concentrada nas mãos de proprietários brancos que utilizam desses espaços para exportações, promovendo a monocultura e destruição do meio ambiente, enquanto os negros possuem hectares de terras menores, para o plantio do sustento familiar. Como aponta Amorim (2022) [1]:
(…) é observado, é possível perceber as heranças históricas presentes até hoje. Os negros produtores rurais são maioria apenas nas terras com menos de 5 hectares. A partir desse número e, principalmente, de 20 hectares para cima, os brancos são maioria absoluta. Ou seja, aos produtores pretos é permitido apenas o acesso a terras menores e, consequentemente, os grandes produtores, donos do agronegócio do país, são os latifundiários brancos.
A concentração de terras na mão de poucos brancos no Brasil é resultado da forma que a abolição da escravidão foi feita, que excluiu essa população de seus direitos, deixando muitas das vezes reféns de proprietários opressores.
Pensando em todo esse discurso sobre a temática que a agroecologia ajuda a combater o racismo, consideramos a escola como um dos ambientes importantes de transformação social dos sujeitos. Nesse espaço privilegiado, junto com a comunidade, talvez fossem possíveis intervenções como desenvolver projetos de conscientização socioambiental e de valorização do trabalho comunitário, intensificando métodos e princípios da agricultura familiar. Outra possibilidade é organizar trabalhos com a temática agroecologia e racismo dentro das escolas e comunidades, para preservação do contexto cultural e fortalecimento de suas identidades, e viabilizar palestras sobre agroecologia e alimentação saudável. Concluímos reforçando que são extremamente importantes tais atividades educativas, tornando o processo de formação dos estudantes mais rico e significativo.
Referências citadas no artigo
[1] AMORIM, Roberta, Ana. A luta pela agroecologia também é uma luta antirracista. CAATINGA. Disponível em: <https://caatinga.org.br/2022/11/17/a-luta-pela-agroecologia-tambem-e-uma-luta-antirracista>. Acesso em: 25/07/2023.
[2] CATUCCI, Anaísa e SOUZA, Vivian. Racismo fundiário: negros são maioria no campo, mas têm menos terras do que brancos. G1. Disponível em: < https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2022/11/20/racismo-fundiario-negros-sao-maioria-no-campo-mas-tem-menos-terras-do-que-brancos.ghtml>. Acesso em: 25/07/2023.
*Sabrina Santos Esteves e Ilza Fernandes de Oliveira são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.