Sua consciência racial não é minha obrigação

Por Isaura dos Santos Lopes*

Questionamentos sobre consciência racial e questões de raça/racismo têm sido pauta em muitos debates e polêmicas nas mídias de massa, como redes sociais. Nos reality shows dos famosos, como A Fazenda e Big Brother Brasil, os participantes são sempre motivos de críticas excessivas e ódio, como o caso de Karol Conká na edição do BBB de 2021 e Cariúcha n’A Fazenda de 2023. 

Sobre as questões de raça, poucas críticas são sobre a postura dos participantes brancos e, ao mesmo tempo, muitos esperam que os negros ensinem consciência racial. Como negra que sou, entendo que não cabe a nós, a negritude, tornar os brancos pessoas conscientes obre essas e outras questões. Os negros não têm essa responsabilidade, pois não criaram o racismo.  

Ser mulher negra não me obriga a saber e a ensinar tudo (o tempo todo) sobre racismo e feminismo negro e é injusto nos cobrar isso. Se olharmos a forma como nossa sociedade foi construída, fica evidente tal injustiça, pois as pessoas negras foram marginalizadas e privadas de coisas essenciais, como o acesso à educação. Prova disso é a lei sancionada em 1837[1] para proibir pessoas escravas nas escolas públicas.

Por outro lado, quem sempre teve melhor acesso à educação e à formação política foram os brancos. Então, são essas pessoas que deveriam estar capacitadas para buscar sua consciência racial e educar os demais. No entanto, a branquitude não assume seu lugar de classe opressora e usa como estratégia para manterem seus status um discurso “integracionista”. Em outras palavras, negam sempre a existência do racismo e da desigualdade no nosso país para mascarar seus privilégios, os quais não querem abrir mão. Estamos cansados de ouvir que “não existe racismo no nosso país, pois os negros não são mais escravos”; ou que “fulano não é racista, pois tem um amigo ou um parente negro”. São expressões usadas para difundir a negação do racismo, como estratégia para mascarar uma questão que é estrutural. Parafraseando o atual ministro dos direitos humanos, Sílvio de Almeida (2023), “(…) quando se admite a existência do racismo, cria-se automaticamente a obrigação moral de agir contra ele”. Tomando essa ideia como ponto de partida, entendemos por que toda a negação da existência do racismo estrutural.

Além da negação, a branquitude ataca os movimentos negros visando a desestabilizá-los a partir da deslegitimação de suas lutas. É comum ouvir que “os brancos não podem apoiar as causas dos negros, pois só os negros podem fazer isso, já que buscam inverter a ordem”. Pensar isso é um absurdo! Assim como é necessário o apoio dos homens aos movimentos feministas, já que o patriarcado é uma construção sobretudo do público masculino, o principal alvo na desconstrução dessa ideia. Da mesma forma, as causas defendidas pelos movimentos negros precisam do apoio dos brancos, afinal o opressor deve ser conscientizado e fazer parte da mudança.

Um exemplo evidente disso é a Coordenação de Mulheres Quilombolas do Vale do Rio Doce, onde a senhorita Agda, uma mulher branca não quilombola, está sempre apoiando os interesses do grupo. Agda participa de momentos formativos e eventos com as mulheres do grupo, além de prestar serviços de assessoria técnica sobre direito dos quilombolas nas comunidades. Atua em eventos da Comissão das Comunidades Quilombolas do Alto e Médio Rio Doce, sempre com respeito e sabendo que está cumprindo seu papel de colaboradora na luta por um mundo racialmente mais justo. Ela entende que luta enquanto mulher com privilégios, mas que tem consciência racial para apoiar o movimento que busca garantia de direitos para os quilombolas.  O próprio Silvio de Almeida, o já citado ministro dos Direitos Humanos, disse em sua participação no programa Roda Viva em 2021 que: “Sem os brancos, não é possível superar o racismo[2]”.

Por fim, com colaboração de todos a consciência racial pode ser atingida e se tornar o principal o instrumento de luta pela igualdade racial. Um caminho para que aconteça é fazer valer as leis que visam promover a igualdade racial e a reparação ao povo preto, tal como as leis de cotas, contra o racismo e a injúria racial.  Essas Leis são exemplos de medidas contra o racismo que devem ser divulgadas e, de preferência, estudadas nas escolas. Outro exemplo é a lei que torna obrigatório o ensino sobre o ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira nas escolas, que deve ser de fato ser implementada. Vejo a abordagem destas leis nas instituições de ensino básico como uma estratégia essencial para formar política, crítica e socialmente as gerações futuras.


Referências

[1] <https://www.scielo.br/j/ep/a/9ZhqHKsrZg987cSGqd7SbNg/>

[2] <https://www.youtube.com/watch?v=cqPduxB7woE>




* Isaura dos Santos Lopes é acadêmica da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foi orientada pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

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