
Jordana da Silva Santos é acadêmica do curso Licenciatura em Educação do Campo (LEC), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Jordana é da Comunidade Quilombola de Buriti do Meio, município de São Francisco, Minas Gerais.
Meu primeiro contato com uma tecnologia digital foi em 2015, em casa, quando meu pai comprou um celular que, naquela época, servia apenas para fazer ligações quando necessário. Esse celular foi dado à minha irmã, que era mais velha, para manuseá-lo. No entanto, de vez em quando, eu tinha acesso a ele para brincar com os jogos que possuía. Esse celular era apenas para facilitar as ligações que meu pai queria fazer. Como meu pai não sabia ler por não ter estudado na infância, ele deixou que minha irmã e eu o utilizássemos.
Naquele momento, a ferramenta era uma grande diversão para mim e minha irmã. Nós nos divertimos com o celular durante o dia, usando-o principalmente para fotografar. Durante toda a minha adolescência, nunca tive meu próprio celular, pois minha família não tinha condições de me dar a ferramenta.
Mas nessa mesma época, conheci o celular digital, pois eu tinha outra irmã que trabalhava fora e tinha um. Com ele, eu conheci algumas redes sociais como Facebook e WhatsApp. Achava extraordinário ver as postagens de outras pessoas e me imaginava um dia naquele mundo digital com meu próprio celular. Muitas vezes, eu o utilizava escondido da minha irmã para entrar nessas redes. Tudo era novo para mim, e eu tinha muita curiosidade em aprender a utilizá-las e ver como funcionavam.
Logo depois, meu irmão também conseguiu seu celular digital, o que foi muito importante no meu processo de aprendizagem. Ele sempre teve facilidades com esses recursos e me mostrava diversas coisas. Assim, mesmo sem ter meu próprio celular, adquiri um grande conhecimento para saber utilizá-lo quando tivesse a oportunidade de manusear algum aparelho.
Em 2020, uma professora de Língua Portuguesa fez minha inscrição no vestibular da LEC (Licenciatura em Educação do Campo), fiz o vestibular e fui aprovada. Desde então, consegui ser a única da minha comunidade, dentre 12 participantes, a entrar no ensino superior. Fiquei muito feliz com a conquista, porém ao mesmo tempo preocupada se conseguiria realmente estudar, pois, devido à pandemia, as aulas seriam todas online e eu ainda não possuía um celular ou computador adequado para estudar; nem tinha uma internet de qualidade em casa.
Minha irmã me ajudou bastante, realizando todos os processos de trocas de mensagens necessários para minha entrada na LEC. Nesse meio tempo, consegui a matrícula e fiquei muito alegre, assim como minha família. Era possível ver o quanto minha família queria me ver estudando. No entanto, percebia-se em seus semblantes a tristeza de que eu poderia desistir por não ter acesso a nenhuma ferramenta própria para estudar, além de que, como moradora da zona rural, o acesso de qualidade ao sinal de internet era péssimo.
Em 2021, o ano em que se iniciaram as aulas da LEC, quando eu pensava em desistir de estudar, algumas semanas antes de começarem as aulas, de maneira muito simpática, meu irmão me presenteou com um celular, meu primeiro celular. Não desisti e aqui estou.
Fiquei muito empolgada e feliz ao ganhar o aparelho. Sem pensar muito no que acessar primeiro, pois sempre tive muita vontade de ter redes sociais, fui a um local que possuía sinal de rede e logo instalei aplicativos como Facebook, WhatsApp, TikTok e Kwai. Além disso, baixei o Google Meet, que seria o aplicativo para eu conseguir acessar as aulas da universidade.
Não tive muitas dificuldades em usar o celular, pois como tenho relatado, mesmo sem ter o aparelho, eu utilizava os celulares dos meus irmãos. Atualmente, sou uma pessoa muito antenada nas redes sociais, sendo que uso diariamente aplicativos como WhatsApp, Instagram, Facebook, além dos aplicativos de compras como Shein e Shopee, entre outros.
No momento, não contribuo com páginas e sites, mas já contribuí muito com a divulgação de artesanatos e eventos da minha comunidade, assim como eventos culturais do meu grupo de dança. Sempre divulgo quando as apresentações acontecem.
Quando estou presente na universidade, utilizo muito mais o celular durante o dia, pois ele tem diversos recursos úteis para minhas atividades acadêmicas, como aplicativos de slides e imagens como o Canva, editor textos como Word e GoogleDocs. Outro aplicativo essencial onde são disponibilizados materiais é o Google Classroom. É por meio dele que tenho acesso a todas as disciplinas e conteúdos que os professores passam nas aulas.
Quando estou em Tempo Comunidade (TC), uso muito o Word e o GoogleDocs para a realização de trabalhos. No passado, Google Classroom era menos utilizado por mim, mas no Tempo Universidade (TU), percebi que ele é muito eficiente, pois durante todas as semanas precisamos ter acesso aos arquivos em PDFs, orientações, vídeos e outros materiais expostos em algumas disciplinas.
É muito importante vermos como tudo se atualiza e como essas tecnologias avançam; devido a isso, algumas práticas e costumes vão sendo deixados para trás e sendo substituídos. Antes, muitas vezes, na minha comunidade, quando precisava dar um recado a alguém, era necessário deslocar-se até a residência dessa pessoa. Com a chegada do celular, nem sempre é preciso se deslocar.
O celular é muito eficiente também para realizar transações financeiras, pois nele é possível instalar aplicativos bancários evitando a necessidade de ir até às agências físicas, muitas vezes distantes para nós, moradores de zonas rurais. Antes , eu gostava de anotar muitas coisas no caderno, como datas importantes, tarefas da semana, ou contatos pessoais para futuras ligações. Com as novas tecnologias, todas essas informações são diretamente anotadas no celular.
Outro exemplo de mudança tecnológica na minha vida são as fotografias. Em casa, tínhamos alguns álbuns fotográficos que eu adorava ver. Desde que o celular chegou à minha vida, raramente olho aquelas imagens, pois utilizo muito o aparelho para fotografar e ver outras imagens que páginas e sites mostram diariamente. Com isso, os álbuns de fotos analógicas perderam um pouco a essência.
É notório que as tecnologias continuarão a avançar e, com isso, muitas práticas deixarão de existir devido a esses novos usos e interações com os novos meios tecnológicos. Essas mudanças podem variar de uma geração para outra. Percebo que meus pais, por terem vindo de uma infância onde tiveram que trocar os estudos pelo trabalho, têm uma relação diferente com esses meios digitais. Minha mãe, por exemplo, usa um celular apenas para ligações, devido ao desconhecimento sobre como utilizar outras funcionalidades da ferramenta.
Muitas vezes, ela precisa que resolvam para ela alguns problemas considerados básicos no aparelho. Pessoas que não tiveram muitas oportunidades para conhecer um celular têm muita dificuldade, optando por dispositivos mais simples por acharem os dispositivos complexos e desafiadores de utilizar.
Um grande exemplo das diferenças dessas gerações é meu sobrinho de apenas 4 anos, que utiliza o YouTube para pesquisar desenhos infantis. É relevante observar como ele conhece o aplicativo de vídeo e filmes e como faz para acessá-lo. Mesmo não sabendo escrever ainda, ele descobriu que no aplicativo há um botão que, ao falar, o conteúdo aparece.
Lembro-me de um dia em que disse a ele que não daria para assistir aos desenhos porque não tinha Wi-Fi. Desde então, ele solicita o “Wi-Fi” quando percebe que o aplicativo não está funcionando. Ou seja, mesmo não sabendo exatamente o que é o Wi-Fi, ele sabe que precisava da tecnologia.
Mesmo as tecnologias digitais tendo entrado na minha vida de maneira tardia, sempre me interessei. Só fui ter o primeiro celular quando entrei na faculdade, mas desde então sempre busquei saber mais sobre o que podem nos proporcionar. Tenho orgulho de, mesmo diante de algumas dificuldades, nunca ter deixado de buscar conhecimento.
Gostaria muito de conseguir promover uma página relacionada à cultura da minha comunidade na internet, seja por YouTube ou Instagram, tendo em vista que minha comunidade é bastante conhecida no município e região pelos elementos que a carregam.
É muito interessante estar ligada a esse meio digital, conhecer notícias novas a cada hora, informações e dicas sobre a vida e sobre o mundo. Porém, não podemos deixar de esclarecer que as tecnologias também têm seus malefícios, que podem impactar a saúde, as relações sociais e o bem-estar geral, como a dependência, o vício, a influência das fake news etc.
Um dos principais problemas que recordo de ter tido no início do uso das minhas redes sociais, que considero como experiência negativa, foi a falta de concentração devido a estar muito ligada ao uso do celular. Isso me atrapalhou na realização de alguns trabalhos quando estudava online.
Se tiver oportunidades na área, seria interessante levar para salas de aula algumas tecnologias digitais de uso comum, como data shows, slides, atividades em formulários, apresentações feitas com vídeos, sites, entre outros. Essas tecnologias podem tornar o ensino mais dinâmico e interativo.