Condições para garantia do direito a estudar dos povos do campo

Reflexões da disciplina de práticas de ensino do núcleo Médio/Baixo Jequitinhonha

Este texto tem como objetivo relatar a experiência da disciplina de Prática de Ensino do curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (LEC-UFVJM) do Núcleo de Alternância Médio e Baixo Jequitinhonha. A partir do tema integrador: “Organizações das bases em comunidades do campo e quilombolas em tempo de pandemia, importância das mobilizações e militâncias, dos movimentos sociais na Educação do Campo”, os estudantes, junto à professora responsável, concentraram-se em trabalhar na disciplina com as condições de acesso à educação dos povos do campo da região. 

Para isso, utilizou-se como ferramenta para levantamento de dados um formulário eletrônico (Google Forms) enviado via WhatsApp para representantes de várias instituições do Médio e Baixo Jequitinhonha, como movimentos sociais, instituições de ensino, sindicatos, lideranças comunitárias etc., com o intuito de se entender quais melhorias se fazem necessárias para que os estudantes do campo da região tenham acesso a um ensino de qualidade. O questionário continha seis perguntas sobre as condições educacionais dos estudantes ligadas aos seguintes temas: estratégias, incentivos, obstáculos, mobilizações, condições políticas/ estruturais/ pedagógicas/ didáticas, atuais e as necessárias nas instituições de ensino de educação básica, técnica e ensino superior.

Obtivemos retorno de 16 representantes cujas respostas são analisadas neste trabalho. Para um melhor resultado foi subdividido o grupo de estudantes em duplas e temas a partir dos dados obtidos. Essa pesquisa pode ser representada pelo mapa abaixo:

Na primeira pergunta (Quais os principais obstáculos (pedagógicos e estruturais) estão sendo enfrentados pelos estudantes do campo na adaptação da atual modalidade de ensino na pandemia?), o que se mais se repetiu foram a falta de acesso à internet, transporte e equipamentos digitais que, direta ou indiretamente, afetam todos as demais questões.

Já nas respostas à segunda questão (Quais as condições [didáticas, pedagógicas, políticas e estruturais] seriam apropriadas para o atendimento aos estudantes do campo de maneira satisfatória?), o acesso à internet e a equipamentos digitais continua sendo o forte da discussão, como também a capacitação de professores na área, carga horária excessiva dos docentes e a necessidade de uma visibilidade maior por parte do estado em relação às Escolas Família Agrícola/Agroecológica (EFAs), que passa uma quantia insignificante de recursos a essas escolas.

Dando continuidade, a terceira pergunta (Quais são as estratégias adotadas para pressionar os órgãos de governos para enfrentar as desigualdades e as dificuldades do sujeito do campo no acesso à educação?)  também trouxe resposta com um enfoque bastante realista do cotidiano dos estudantes. Nesse sentido, foram mencionadas algumas ferramentas a serem utilizadas para mobilização como audiências públicas que podem ser promovidas pelos representantes dos movimentos ligados à educação do campo, onde a participação campesina deve ser bastante presente. Ressaltaram em suas respostas a necessidade de se pressionar o estado para criar políticas públicas permanentes.

Com os dados da resposta da quarta pergunta, (Frente a uma possível desmotivação dos sujeitos do campo para ingressar/permanecer nos estudos, qual (is) incentivo (s) poderia(m) ser adotados para despertar o interesse novamente?), foi possível constatar que é imprescindível que haja incentivos que contribuam para o interesse dos estudantes no ingresso, permanência e continuação nos estudos. É necessário que esses educandos possam entender a importância da educação para o desenvolvimento pessoal e coletivo, especialmente para os povos campesinos. É preciso que compreendam a educação como uma ferramenta essencial no entendimento, na busca e na luta por direitos, fazendo-se necessário que haja uma implementação e ampliação de políticas públicas que possibilitem aos estudantes acesso a uma educação de qualidade em que as instituições de ensino sejam lugar de produção do verdadeiro conhecimento, um espaço educacional que faça sentido e diferença na vida dos educandos. Para isso, é preciso que as escolas tenham estrutura (física, pedagógica, didática etc.) de qualidade, professores com boa remuneração, boa formação e valorização do seu trabalho. Ademais, é importante que haja iniciativas públicas que ampliem e implementem políticas de apoio rural, que os projetos e iniciativas dos jovens do campo sejam valorizados e apoiados, pelos órgãos governamentais e não governamentais.

Com base nas respostas à quinta pergunta (O que a comunidade, professores, associações, sindicatos, movimentos sociais e secretarias de educação, têm feito para melhorar e mudar esse cenário de precarização da infraestrutura e ou fechamento das escolas do campo e perda de outros direitos para acesso e permanência do sujeito do campo nas instituições de educação básica, técnica e superior?), foi possível perceber que um caminho fundamental para incentivar os estudantes é trazer representatividade para o ambiente educacional, bem como apoio profissional. Isso pode ser possível ao levar para esses ambientes experiências comunitárias por meio de relatos de pessoas do contexto do educando para o compartilhamento dos saberes. Além disso, é importante levar profissionais da saúde, como psicólogos, terapeutas, enfermeiros, e de outras áreas de conhecimento como pedagogos, engenheiros, agricultores etc., para apoiarem as inciativas e, ainda, para que os estudantes possam se imaginar como profissionais nessas carreiras.

No que se refere à luta em prol da educação do campo, percebe-se de acordo com as respostas, que há muito que o fazer e muito o que movimentar. A maior parte das mobilizações é feita pelos movimentos sociais que, muitas vezes, sofrem ataques pelas reivindicações. A sociedade ainda não se conscientizou da necessidade e da importância da educação do campo. Muitas pessoas, inclusive algumas campesinas, se deixam levar pela desinformação e pela politicagem. E no que tange aos órgãos públicos, a maioria não apoia com medidas efetivas os direitos dos povos do campo como deveriam. 

Fundamentados nos dados da sexta pergunta (Quais condições seriam necessárias para garantir acesso e permanência aos estudantes do campo nas instituições de ensino básico, técnico e superior?), é possível afirmar que, no cenário atual, muitas condições básicas ainda precisam ser efetivadas para garantir acesso e permanência aos estudantes do campo nas instituições de ensino. Há necessidade explícita de infraestrutura de qualidade como: moradia estudantil ou alojamentos, salas de aula, bibliotecas, laboratórios, espaços para educação física e artística, transporte, bolsas, alimentação e internet, escolas localizadas no campo, creches e educação infantil para as crianças do campo, formação docente específica e continuada, dentre vários outros.

A educação do campo é um direito e como tal deve ser respeitado. Quando isso não ocorre é preciso ficar atento e se movimentar, por meio de denúncias do poder público, mas também de ações efetivas dos próprios povos do campo.

Embasados nos resultados da pesquisa, o núcleo criou uma série de áudios que anuncia, denuncia e reage às questões levantadas. Ficou curioso? Venha conferir clicando nos links disponibilizados abaixo.

Participantes do Núcleo Baixo e Médio Jequitinhonha no semestre 2021/01:

Ângela Gomes Freire;

Anielli Fabiula Gavioli Lemes;

Carla Batista Dias;

Denilson da Silva Pereira;

Eliene de Souza Silva;

Fabíola Pereira Borges;

Ingred Pereira da Silva;

Karina Mendes Luiz;

Lauane da Silva Lemes;

Madilene Geni Ferreira;

Maria Amélia Martins de Matos;

Maria Rosa Marques de Matos;

Marília Gabriela Rodrigues da Silva;

Rozilene Pereira da Silva; 

Sabrina Santos Esteves;

Silmara da Silva Pereira e

Solange Pereira dos Santos.

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