Por Adelaine Aparecida Santos [1]
Este é um relato sobre a percepção de duas alunas de uma escola do campo sobre o ensino remoto, em vigor durante a pandemia. As informações foram baseadas em entrevistas realizadas via WhatsApp. As entrevistadas residem na zona rural do município do Serro, no Alto do Jequitinhonha, em Minas Gerais e seus nomes serão preservados.
As entrevistadas estudam na Escola Estadual Professor Leopoldo Pereira, localizada no distrito de Milho Verde, que atende aproximadamente 400 alunos. Essa é uma escola nucleada rural, o que significa que existe uma sede no distrito e outros prédios sob a mesma direção em comunidades rurais. Assim, atende a diversas comunidades vizinhas como Ausente, Barra da Cega, Capivari, Jacutinga, Serra da Bicha, Colônia, Chico Prata, Chacrinha, Três Barras e a própria comunidade de Milho Verde. Cerca de 75 por cento dos alunos utilizam transporte escolar, sendo que alguns residem próximo e outros em localidades mais distantes.
A primeira entrevistada reside na comunidade quilombola do Ausente, juntamente com sua avó e mais dois parentes. Sua mãe é cuidadora de idosos e possui curso superior completo. A estudante trabalha em casa ajudando sua avó nos afazeres domésticos. É uma jovem estudiosa. Para chegar até a escola utilizava, em tempos de ensino presencial, o transporte escolar, que levava em média uns 45 minutos na estrada. Seu maior sonho é ter um trabalho digno e entrar em uma universidade de fisioterapeuta. Esse desejo, de certa forma, vem da vontade de seguir os passos da mãe.
A segunda entrevistada reside na comunidade de Milho Verde com seus pais e dois irmãos. Ela caminha vinte minutos para chegar à escola. Sua mãe é agricultura e o pai é pedreiro. Ambos fizeram o ensino fundamental.
Durante este período de pandemia e isolamento, as famílias das entrevistadas estiveram ocupadas no plantio de lavoura em suas terras. Na primeira família, ninguém recebeu nenhum tipo de ajuda financeira do governo, já na segunda família duas pessoas receberam o benefício Auxílio Emergencial.
As entrevistadas afirmaram que antes da pandemia, além dos estudos em casa, ainda tinham os deveres e os trabalhos que faziam com que estudassem por mais tempo. Ambas também relataram que no ano letivo de 2020 elas não fizeram a prova do Enem, mas se dedicaram aos estudos de uma a duas horas por dia, para dar conta de fazer todas as atividades.
As estudantes utilizam a internet no próprio celular para estudar, sendo que a primeira entrevistada usa dados móveis, já que não possui internet em casa. Estuda aproximadamente uma hora por dia. A segunda entrevistada utiliza o celular para acessar a internet e redes sociais também, mas tem wi-fi em casa, o que lhe garante melhor qualidade de internet. Atualmente ela trabalha como babá de segunda à sábado, das 7 às 18 horas. Estuda em média 2 horas por dia fazendo as questões das apostilas enviadas pela escola. Sua matéria preferida é língua portuguesa e seu maior sonho é fazer faculdade de enfermagem ou psicologia.
É importante destacar que neste momento em que a comunidade escolar passa por novos processos educativos, em decorrência da pandemia do covid-9, a Secretaria de Educação de Minas criou uma metodologia de ensino e o material denominados REANP (Regime Especial de Atividades Não Presenciais). Essa metodologia possui seus pontos positivos e negativos. Com ela, os estudantes passaram a estudar em casa, através do Plano de Estudo Tutorado-PET, que consiste em atividades impressas em apostilas que são entregues pela escola. Trata-se de apostilas que são entregues mensalmente nas próprias comunidades, para que os estudantes não tenham que se deslocar até a escola. As entrevistadas afirmaram que as questões das apostilas são complexas e alguns conteúdos de difícil entendimento. Criou-se também o programa de TV “Se Liga na Educação”, exibido na TV e no Youtube além do aplicativo Conexão Escola. No entanto esses são meios tecnológicos que a maioria dos estudantes não conseguem ter acesso, ora por falta de créditos no celular pré-pago, ora pela qualidade ruim da internet, segundo o relato das entrevistadas e minhas vivências no município.
Em relação à percepção sobre o REANP, a primeira aluna afirma que alguns conteúdos são fora do contexto e que as atividades são muito complexas. Além do difícil acesso à internet, que dificulta o acesso aos programas do Youtube e às pesquisas de forma geral, ela acha que os conteúdos dos PETs são em grandes quantidades e que há pouco tempo para se aprofundar. Com o que concorda a segunda entrevistada que diz que sua dificuldade foi conseguir aprender e finalizar as apostilas com os prazos dados. Reclamou também da falta de acompanhamento dos professores.
Para ambas, o novo método foi uma grande mudança. A primeira entrevistada opina que o REANP é um método razoável para dar continuidade ao ensino durante este tempo de pandemia e isolamento social. A segunda entrevistada, que estava no terceiro ano no momento da entrevista, pontua que mesmo se formando através das apostilas, acredita não ter bagagem em termos de conteúdo e afirma ter aprendido pouco com os PETs. Perguntadas sobre o maior problema do REANP, afirmaram que foi a falta de acompanhamento dos professores e a adaptação aos meios tecnológicos.
Sabemos que o ensino remoto foi um projeto de emergência para suprir a demanda do processo de ensino aprendizagem em casa. No entanto, a partir das entrevistadas e de observações pessoais de todo o cenário educacional na pandemia, notamos que os professores, alunos e pais não receberam muito bem as novas metodologias e ainda estão se adaptando. É um processo novo que leva tempo. Através desta pesquisa, mesmo sendo com duas estudantes apenas, ficou claro que os alunos do campo receberam o REANP sem uma estrutura adequada de acesso à rede de internet com qualidade, como também houve dificuldades em relação aos conteúdos e metodologias.
[1] Adelaine é estudante da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Este relato foi produzido a partir de pesquisa supervisionada pelo professor Vítor Sousa Dittz, da Escola Estadual Professor Leopoldo Pereira, e orientada pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro, da UFVJM, no âmbito do PIBID-UFVJM.
Agradecimentos aos estudantes-sujeitos e suas famílias, bem como ao diretor da E. E. Professor Leopoldo Pereira, o professor Maycon Souza.