Em busca do conhecimento

Por Célia Ribeiro dos Santos [1]

Ouça o texto lido pela própria autora a seguir. O texto completo, em formato escrito, segue logo abaixo.



 

Quando criança, por ser de família humilde, não tive acesso aos textos. Tinha uma amiguinha, chamada Kelly, cuja mãe assinava a revista Recreio, que era entregue via correio mensalmente. Ela permitia, depois de ler, que eu visse a revista. Ficava muito empolgada com a revista, pois tinha jogos, vinha com tintas para pintar as figuras, CDs com historinhas diversas, como Os Três Porquinhos e A Branca de Neve.

Aprendi a contar no pré-escolar. Acesso aos números e reconhecimento do dinheiro foi aos 7 anos de idade. Na época, a moeda era o cruzeiro. Eu e meus irmãos, quando crianças, quebrávamos brita para a prefeitura para ganhar dinheiro. Na época, pagavam pelo tambor de brita quebrada. Um trabalho sofrido. Nossa alegria era a sexta-feira, pois conseguíamos receber o pagamento. Em seguida, comecei a ganhar dinheiro colhendo café na roça do meu irmão. Também recebíamos pelo tambor de café. Aos nove anos de idade, comecei a trabalhar para minha cunhada, cuidando das minhas sobrinhas.

Iniciei os meus estudos no pré-escolar, com 5 anos de idade, do que gostava muito. A professora ensinava com carinho, e a merenda era muito saborosa. A escola foi de grande importância para a meu letramento inicial, pois foi onde consegui ter acesso aos números, à escrita e à leitura, sendo minha família muito pobre, não tendo na época apoio no processo de ensino/aprendizagem. A escola não possuía biblioteca. A professora contava historinhas, ficando fascinada com aquele momento.

Nos anos iniciais, no Fundamental I, a professora trabalhava com a escrita do nome, onde era feita em uma ficha grande. Tive dificuldade em escrever o nome da minha escola: Escola Estadual Professor Abgar Renault. Esses dois últimos nomes eram uma dificuldade para o processo linguístico. Não tive acesso a livros. A historinha que nos contavam na época era Dona Baratinha. A biblioteca tinha poucos livros. A professora levava os alunos, uma vez por semana, para que pudessem realizar a leitura de um livro. Sempre ajudei minha mãe, lavando roupa no rio, buscando lenha na roça, plantando arroz, feijão etc., pois sobrevivíamos dos produtos que meu pai plantava e colhia na roça do meu irmão. Aos 10 anos de idade, trabalhava cuidando das minhas sobrinhas e ajudava minha mãe no sábado. Acordava às três e meia da manhã para ajudá-la.

No ensino fundamental, gostava do conteúdo de matemática e ciências. As professoras trabalhavam de forma que conseguíamos aprender, sendo importante, pois a forma como a professora ensinava me deixava cada vez mais apaixonada pelos números. No ensino médio, tive dificuldade em aprender o conteúdo, pois passei por uma fase difícil (estava doente) e meus colegas ficavam rindo de mim. Assim, acabei saindo da escola por vergonha e, um ano depois, retornei. O ensino havia mudado, não era mais magistério, iniciando um processo de ensino diferente, ao qual não me adaptei.

No ano de 2008, iniciei, na faculdade, através de uma bolsa de estudos, o curso de Sistemas de Informação, onde me imaginei criando programas de computador. Depois tive que abandonar, pois minha mãe tinha que fazer uma cirurgia e eu precisava acompanhá-la a Belo Horizonte. Quando voltei, não consegui acompanhar a turma, estava com meu filho ainda bebê e trabalhava. Optei em mudar para o curso de Administração, onde me encontrei. Estudei e ganhei uma bolsa de estágio no SICOOB CREDIVALE. Nesse período, fiquei doente, pois não tinha horário para comer, gastava muito tempo para chegar a faculdade, retornava de madrugada para casa. Era uma vida corrida. Adoeci, optei em largar os estudos. Oito anos depois, voltei para a faculdade, dando continuidade ao curso de Administração. Consegui pegar umas aulas de matemática no município e trabalhei por dois anos em uma comunidade rural. No ano de 2018, tive que deixar a faculdade, pois fui submetida à uma cirurgia. Dois anos depois, retornaria os estudos, mas veio a pandemia e tive que levar minha mãe para São Paulo para realizar outra cirurgia, ficamos seis meses por lá. Em 2022, passei no concurso da Prefeitura de Caraí-MG, na área da educação, onde trabalho atualmente. Consegui ingressar na Faculdade Federal depois de duas tentativas, na busca da realização de um sonho. O conteúdo de língua portuguesa me faz falta, pois sinto dificuldade na escrita. Busco ler livros para contribuir com o processo de letramento. A matemática sempre foi o meu contato direto. Desde cedo tive que administrar a minha vida e lidar com os desafios existentes.



[1] Célia Ribeiro dos Santos é graduanda da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2023. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro, com as ricas contribuições na revisão e organização do tutor Marcos Roberto Rocha.

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