Aprender, ler, escrever e mudar o mundo

Por Camila Geissa Cardoso da Silva [1]

Ouça o texto lido pela própria autora a seguir. O texto completo, em formato escrito, segue logo abaixo.



Anos atrás, eu era uma garotinha magrela, de família humilde, criada na roça, com avôs analfabetos. Somente minha mãe chegou a formar com muita dificuldade, pois tinha que andar vários quilômetros até a escola. Meu pai estudou até a quarta série. Meu primeiro contato com livros foi com a Bíblia da criança. Mesmo sem saber ler, folheava pelas gravuras, e minha mãe ia contando a história da criação do mundo. Gostava de folhear revistas que minha mãe ganhava na cidade. Adorava ver o povo bem-vestido, mesmo sem saber do que se tratava.

Sempre brincava de escolinha com meus irmãos, rabiscando com gravetos as folhas de bananeira que eram usadas como caderno. Foi assim que aprendi a letra A. Meu avô plantando as sementes e falando para eu escrever o nome dele. Eu inventava e era elogiada por ele. Aprendi a contar antes de entrar na escola, pois desde cedo ajudava a contar as frutas, legumes e sementes para plantar. Lembro que olhava minha mãe escrevendo em um caderno. Lá era onde ela colocava as receitas que achava nas revistas. Nunca fazia, mas colocava lá. No castigo, a contagem fazia parte. Tinha que separar os grãos de arroz e feijão e colocar em vasilhas separadas.

Entrei para a escola aos seis anos. Lembro do meu primeiro professor. Até hoje tio Adilson, rígido, cara fechada, cobrava muito a escrita. Aprendi o alfabeto. Aí, foi alegria: tudo que via, ia juntando as letras e tentando adivinhar a palavra. Foi assim até conseguir ler algumas palavras por meio do gaguejo e muita determinação. Ficava bem contente quando “mainha” ia me buscar na escola, pois era longe de onde morávamos, e eu ia cantando a cantiga que tinha aprendido naquele dia. Por horas cantava errado, e ela ia me ensinando. Os números, contava na roça. Mas para aprender deu mais trabalho. Apanhava quando errava muito na escrita. Ganhei um caderno de caligrafia do meu pai.

Todo dia treinava. Adorava ganhar moeda. Naquele tempo só me davam a de um centavo, que era a única que eu conhecia. Com o passar do tempo, fui aprendendo. Já ia à vendinha de seu Ferino, um senhor bem alegre, que me ajuda a somar as coisas e deixava anotar no papelzinho a soma para levar para minha mãe.

Passei para a primeira série. Então, chegou à escola a primeira impressora. O professor escolhia todo dia um aluno para ajudar na impressão. O cheirinho de álcool e as folhas manchadas pelo carbono ficarão eternamente na minha memória. A escrita evoluiu com o tempo. Com nove anos eu já sabia ler. Foi quando a professora mandou escolher um livro e ler para contar para os colegas na turma. Li um livro bem colorido e ilustrado da Branca de Neve e os Sete Anões. A partir daí, não parei mais. Foi Monteiro Lobato (tenho uma coleção até hoje), desde as Reinações de Narizinho até o Casamento da Emília, Cinderela, Ocaso da Borboleta Atíria, Alice no País das Maravilhas, O Pequeno Príncipe, Rei Arthur, Chapeuzinho Vermelho, crônicas, folclore, enciclopédias, romances e muitos outros que ainda fazem parte da minha história de vida.

A escola, sem dúvida, teve um papel de suma importância na minha vida, pois foi através dela que aprendi desde a escrita até a leitura e pude ensinar meu avô a escrever o seu primeiro nome. Ajudei meus irmãos na escola. Foram muitos incentivos e dificuldades, mas olhando para trás, tudo valeu a pena. Aqui estou eu, fazendo a minha segunda graduação e contando um pouco da minha trajetória de vida. Foi muita coisa que vivi, daria um livro de tantas histórias, pois foram muitas vivências, ensinamentos e aprendizados.

Aprendi a fazer uma redação de forma correta, mais abrangente, no Ensino Médio, pois os professores começavam a preparar os alunos para um concurso de redação que tinha nas escolas. Hoje, vejo que os meus maiores conhecimentos foram no Ensino Fundamental. O Ensino Médio deixou muito a desejar. Muitos alunos, sala barulhenta, jovens que, na maioria das vezes, levavam tudo na brincadeira. Fui dar valor quando iniciei meu primeiro curso de Assistente Jurídico, pois tinha que elaborar textos para o professor. Logo depois, em 2018, iniciei minha primeira graduação em Administração de Empresas. Não sou perfeita em tudo, mas tudo que aprendi levo até hoje para a vida como ensinamento. O que não sei, busco aprender. Foi isso que me motivou a fazer matemática após fazer o curso de Magistério: a vontade de poder fazer à diferença na vida de outros estudantes, ser formadora de opinião, e, sobretudo, ensinar da melhor forma aquilo que hoje estou aprendendo.



[1] Camila Geissa Cardoso da Silva é graduanda da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2023. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro, com as ricas contribuições na revisão e organização do tutor Marcos Roberto Rocha.

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