Por Irene dos Santos Lopes [1]
Ouça um trecho lido pela própria autora a seguir. O texto completo, em formato escrito, segue logo abaixo.
O uso de tecnologias digitais está cada vez mais frequente e até mesmo as crianças com dois, três anos de idade já utilizam essas ferramentas com muita facilidade, diferentemente da minha época de criança. Meu primeiro contato com alguma tecnologia interativa foi aos treze anos, quando usava uma calculadora dos meus irmãos mais velhos tinham que falava os números em inglês. Aos vinte anos tive o meu primeiro contato com um celular, que era do meu irmão. Ficamos impressionados com o aparelho.
Na época, o celular não era conectado na internet, mas nos possibilitava fazer ligações para parentes de outros estados. O utilizávamos também para ouvir rádio. Quando descobrimos os joguinhos foi uma festa. Já meu primeiro acesso a um computador foi em um telecentro que surgiu na minha comunidade, que é uma comunidade Quilombola no município de Coluna MG no Vale do Rio Doce. No início o telecentro não tinha internet, mesmo assim chamava atenção. Em 2010 o responsável pelo telecentro era meu irmão e ele iniciou um projeto para ensinar informática. Nesse projeto aprendi a ligar e a desligar o computador, a usar a lupa para pesquisar, a jogar jogos do tipo captura de letras para formar palavras, entre outros. Apesar de não ter internet, esse processo fez diferença.
Dois anos mais tarde, em dois mil e doze, quando eu já estava com vinte e três anos de idade, no mesmo telecentro comunitário, acessei a internet pela primeira vez. Com auxílio do meu irmão, criei o Facebook, configurei meu perfil na página, convidei alguns amigos para serem amigos; hoje uso a rede social para postar algumas fotos e curtir fotos de outros amigos. Além dessas atividades, também fiz contato com parentes que nem conhecia pessoalmente.
Devido a pandemia de covid 19 e em função dos estudos, atualmente tenho mais acesso à internet e, de certa forma, fui obrigada a comprar novo aparelho celular e a contratar uma internet melhor para dar continuidade aos estudos no ensino remoto. Então, o acesso às páginas da web está mais frequente, assim como as pesquisas no Google e no Google Acadêmico. Não uso muito o Facebook como fazia antes, acho que perdi o interesse, pois só entro na plataforma de vez em quando, mando mensagem de aniversário para alguns amigos, converso com alguns familiares que moram fora, curto e compartilho alguns anúncios de venda de produtos de pessoas conhecidas, curto e respondo alguns comentários.
Atualmente, os aplicativos que uso bastante são o WhatsApp para debater trabalhos em grupo e conversar com familiares e amigos; o Duolingo para aprender e treinar inglês; e o Youtube onde assisto a lives no YouTube. Além disso, faço alguns cursos no Escolas Conectadas e no Instituto Conhecimento Liberta.
Pensando no dia de ontem, por exemplo, a tecnologia que mais usei foi o celular. Usei como relógio, para leituras e conversas com familiares e outras ligações. Também pesquisei rotas e localização com o auxílio do GPS, busquei informações no Google, acessei a conta no banco, armazenei arquivos, realizei trabalhos da universidade em arquivos on-line, tirei fotos, fiz vídeos, acessei o calendário, usei a calculadora e pesquisei receitas culinárias.
Muitas práticas sociais mudaram em minha vida após esse aumento no uso de celular e essas tecnologias que o acompanham. Fogueiras e rodas de contação de história ainda acontecem, mas não com a frequência de antes. As visitas aos vizinhos e familiares também diminuíram. Comparando as gerações mais velhas com as mais jovens, essas têm maior facilidade para manusear as ferramentas digitais disponíveis. Meus irmãos mais novos, por exemplo, manuseiam muito bem algumas ferramentas digitais, principalmente o celular, que é o que é mais acessível no meu contexto. Eu mesma me considero da geração mais velha, que tem mais dificuldade para operar as ferramentas costumeiras, mas o sistema a cada dia nos leva a usar novas tecnologias.
Noto que estamos, a cada dia, mais dependentes das tecnologias digitais, principalmente as novas gerações. A experiência mais positiva que tive com o uso de novas tecnologias foi conseguir dar continuidade ao curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEC) na pandemia, quando consegui fazer trabalhos, e até outros cursos, me comunicar com amigos e familiares, com auxílio da internet. Em se tratando de experiência negativa, já recebi fake news e vi colegas e um irmão serem prejudicados com problemas tecnológicos em relação a matrícula em unidades curriculares, ou postar trabalhos e depois constar que não o fizeram. Mesmo assim, enquanto educadora, usaria essas tecnologias com estudantes como fonte de pesquisa e aprendizagem, mas também de forma a conscientizá-los sobre os riscos de acesso às redes, com o intuito de formar cidadãos conscientes e críticos quanto ao uso.
Como pontuei nos primeiros parágrafos, na minha educação básica não fizemos muito uso de tecnologia digital. Que eu me lembre, no ensino médio o único acesso que tive a alguma tecnologia foi assistir a um vídeo, ainda no videocassete, que explicava as transformações do corpo na adolescência. Tecnologia digital fui ter contato no ensino superior, onde precisei comprar um celular, aprendi a escrever no Word, a enviar trabalho no Moodle, enviar e receber e-mails, fazer download de arquivos, a mexer com pen drive. O Moodle é uma ferramenta que eu tive muita dificuldade para operar, o que não chegou a atrapalhar meu rendimento.
No tempo de pandemia tive que aderir ao sistema, trocar o celular e contratar internet para acompanhar o ensino remoto emergencial que estava posto. Até mesmo para me comunicar com pessoas próximas na comunidade, devido a pandemia, passei a usar o WhatsApp, assim como algumas pessoas da comunidade. O problema é que essa não foi uma escolha, simplesmente ficamos suscetíveis às decisões de um sistema controlador. Muitos pais deixaram de comer uma comida melhorzinha para comprar o celular, para ver se os filhos conseguiam acompanhar as atividades das escolas, mas infelizmente as realidades diversas, com desigualdades sociais, não permitem acesso a muitas tecnologias, como internet e equipamentos, aos cidadãos menos favorecidos.
Mesmo depois dessa experiência de ensino remoto percebi, na escola onde faço estágio, uma resistência do uso de celular dentro das dependências da escola, especificamente dentro da sala de aula. Como futura educadora do campo, pretendo trabalhar com tecnologia digital na sala de aula para os estudantes, por exemplo, produzirem textos em diversos formatos, a partir de suas realidades, com histórias de suas culturas, que valorizem os trabalhos dos pais e da comunidade, que façam pensar nas realidades e contextos sociais que estão vivenciando. Para a sala de aula imagino várias possibilidades para o uso do celular, como entrevistas, produção de textos, interações, busca por lugares, mapeamento de uma determinada região. São diversas as ferramentas de uso no celular que não podem ficar de fora da sala de aula.
[1] Irene dos Santos Lopes é graduanda do curso Licenciatura em Educação do Campo (LEC), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).
Este trabalho foi orientado pelos professores Carlos Henrique Silva de Castro, Luiz Henrique Magnani e Mauricio Teixeira Mendes.