Por Ângela Gomes Freire
Em janeiro de 2019, a comunidade UFVJM teve oportunidade de conhecer Duda Salabert, vereadora eleita como mais votada em Belo Horizonte, em uma palestra promovida pelo curso de Medicina, no Campus da UFVJM. O título da palestra foi “Abraçar, fortalecer e dar visibilidade a coletivos e projetos sociais que transformam a realidade de Minas Gerais”.
Na ocasião, quando as turmas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC) estavam em Tempo Universidade, período dedicado aos estudos propriamente na universidade, debatiam, na disciplina Diversidade e Educação, ofertada a todo o curso no quinto período pelo Prof. Dr. Carlos Henrique Silva de Castro, as nuances dos gêneros e das diversidades na sociedade brasileira. Na dinâmica dos trabalhos, um grupo de estudantes desenvolveu um breve artigo intitulado “Visibilidade Trans – Conhecer para Respeitar”, publicado no primeiro volume do Cadernos de Diversidades & Educação do Campo: opiniões de campesinos e quilombolas [1], ebook lançado pela Editora UFVJM.
Na publicação, Duda Salabert é citada como ativista em defesa da população trans e como primeira pessoa trans a disputar uma vaga ao senado por Minas Gerais, em 2018, pleito no qual recebeu mais de 300 mil votos. Dois anos depois, nas eleições municipais da capital do estado, um resultado histórico para a população trans motivou a rede de notícias da UOL, em 16 de novembro, a estampar a seguinte manchete: “Com recorde de candidaturas, 25 transexuais e travestis se elegem no Brasil.” [2] Entre essas pessoas está Duda Salabert, a mais votada de todos os tempos da capital mineira com mais de 37 mil votos. O recorde anterior era de pouco mais de 17 mil.
Esse resultado pode ser entendido de diferentes formas, mas para muitos é uma resposta ao presidente Jair Bolsonaro e correligionários, que comungam de valores, bem como propagam ataques, homofóbicos e racistas. O grupo, desde que assumiu o governo como é amplamente divulgado, não para de incitar ódio, a violência e o preconceito com as populações LGBTIQA+, como é amplamente debatido. Para eles, a questão LGBTIQA+ é entendida como “ideologia de gênero” e como algo contrário à fé cristã.
A partir desse entendimento, agem autoritariamente, chegando a ameaçar a vetar filmes LGBTIQA+ de editais de cultura, conforme notícia o jornal Le Monde Diplomatique Brasil em 19 de fevereiro de 2020 [3]. Segundo o periódico, em agosto de 2019, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) suspendeu um edital para séries que seriam exibidas na TV pública, cujos projetos pré-selecionados incluíam temáticas racial e LGBT. Durante uma live em sua rede social, Bolsonaro assumiu sua intervenção direta na agência e a censura praticada às obras. Dentre seus ataques, disse coisas como “livro didático com temática LGBT estimula crianças ao sexo”, conforme estampa a revista Carta Capital em 16 de agosto de 2019 [4].
Já o portal G1 [5] divulgou uma entrevista coletiva do presidente, no Palácio da Alvorada, em que um repórter lhe perguntou sobre os planos de transferir a embaixada brasileira em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, o presidente proferindo palavras de completa vulgaridade, diz ao jornalista: “Você tem uma cara de homossexual terrível. Nem por isso eu te acuso de ser homossexual. Se bem que não é crime ser homossexual”.
Entre estas e outros ataques de desrespeito, vulgaridades e abusos proferidos pelo presidente, a BBC News, em 11 de novembro/2020 [6], noticiou a suspensão de estudos envolvendo a descoberta de uma vacina a ser fabricada pelo Instituto Butantan, de São Paulo, contra o vírus da COVID-19. Na oportunidade, Jair Bolsonaro reitera, em alto e bom tom, que o Brasil deveria “deixar de ser um país de maricas” por causa da pandemia, causada pela COVID-19: “Não adianta fugir disso, fugir da realidade. Tem que deixar de ser um país de maricas. Olha que prato cheio para a imprensa. Prato cheio para a urubuzada que está ali atrás. Temos que enfrentar de peito aberto, lutar. Que geração é essa nossa?”.
Nesse contexto de ataques contra as minorias, as eleições municipais representaram bem a organização dessas populações, a exemplo da LGBTIQA+, em questão aqui, mas também da comunidade negra que elegeu outras duas vereadoras. No caso dos LGBTIQA+, em 2016, foram apenas 89 candidaturas, sendo eleitos somente 08. Dessa vez foram 323 candidaturas, com 25 eleitos em 22 diferentes cidades do Brasil, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) [7]. Assim, as eleições municipais representaram bem a organização dessa população.
Duda Salabert, de Belo Horizonte, tem 39 anos de idade, é casada e tem uma filha, nascida em 19 de junho de 2019. É formada em Gestão Pública pela UEMG, exerce a profissão de professora de literatura em escola de rede privada. Sua história é de um trabalho incansável que a levou ao vitorioso resultado. Antes da já citada eleição ao senado, Duda fundou uma ONG chamada TRANSVEST, sem fins lucrativos, na qual atua assiduamente em defesa dos direitos transgêneros e com atividades para ajudar a pessoa trans a se inserirem no mercado de trabalho. No espaço ocorrem palestras, cursos de pré-ENEM, supletivo, libras, línguas e outros profissionalizantes.
Sua campanha intitulada “lixo zero” não usou nenhum “santinho”, adesivo ou panfleto; defendeu a causa animal e vegana e ainda pontuou questões que estão diretamente ligadas às mazelas das periferias como educação, emprego, áreas verdes e combate às enchentes. Como primeira medida como eleita, prometeu plantar uma árvore para cada voto alcançado, mas com a ajuda da população para essa ação e outras ligadas à questão ambiental, a exemplo de um “Plano Municipal de Crescimento Verde”. Segundo ela, o resultado nesta eleição é uma vitória da democracia, fruto de uma construção política feita ao longo de muitos anos. A nota completa de agradecimento aos eleitores, compartilhada em suas redes sociais [8] um dia após a eleição, pode ser conferida abaixo.