O combate à cultura do estupro e os direitos de crianças e adolescentes

Dos 159 mil registros feitos pelo Disque Direitos Humanos ao longo de 2019, 86,8 mil são de violações de direitos de crianças ou adolescentes, um aumento de quase 14% em relação a 2018. A violência sexual figura em 11% das denúncias que se referem a este grupo específico, correspondendo a 17 mil ocorrências. Em comparação com 2018, o número manteve-se praticamente estável, apresentando uma queda de apenas 0,3%. [1]

A cultura do estupro é um fenômeno que permeia a sociedade de diversas formas e está relacionado a uma série de questões estruturais e culturais que perpetuam a violência contra as mulheres. Em algumas localidades, vemos que o estupro se tornou até mesmo uma espécie de cultura, onde esse termo refere-se a um conjunto de crenças, comportamentos e práticas que normalizam e justificam a violência sexual contra mulheres, homens e até mesmo crianças, tornando-se um problema social generalizado e endêmico. A cultura do estupro faz vítimas no ambiente doméstico e até em espaços públicos, de diferentes formas. No machismo, encontra apoio com a culpabilização da vítima, a minimização do agressor, a objetificação das mulheres, a banalização da violência sexual e a aceitação.

Em meio a uma sociedade marcada pela cultura do estupro, as crianças são alvo fácil de abusadores, sejam familiares, conhecidos ou estranhos. Elas podem a qualquer momento sofrer impactos que mudam totalmente suas vidas, e o trauma vivido na infância leva a efeitos devastadores na saúde física e emocional dessas crianças, moldando sua visão sobre relacionamentos, intimidade e confiança. O impacto dessas experiências pode persistir por toda a vida, afetando negativamente suas escolhas, relacionamentos futuros e sua capacidade de se sentirem seguras e confiantes em sua própria sexualidade.

Para combater a cultura do estupro, é fundamental que a sociedade como um todo se engaje na reflexão sobre suas próprias atitudes e valores em relação à violência sexual, que se sensibilize para as consequências devastadoras desse tipo de crime e que assuma a responsabilidade de promover a igualdade de gênero e a dignidade das mulheres. Isso requer um esforço coletivo para desconstruir mitos, estereótipos e preconceitos que legitimam a violência e para construir novos modelos de masculinidade e feminilidade baseados no respeito mútuo, na empatia e na igualdade de direitos.

Em suma, a cultura do estupro é um problema social complexo e enraizado que requer uma abordagem sistêmica para ser superado. É preciso que toda a sociedade se mobilize para desafiar as normas e valores que sustentam a violência sexual, para promover a educação e a conscientização sobre a importância do consentimento e para criar um ambiente mais seguro e acolhedor para todas as pessoas, independentemente de seu gênero. A mudança é possível, mas exige o comprometimento de todos os indivíduos e instituições para construir uma cultura de respeito e dignidade para todas as pessoas.

A violência estrutural que acarreta estupro precisa ser mais trabalhada nas comunidades em geral, principalmente nas instituições escolares, uma vez que podemos ver que nos ambientes escolares, as crianças e adolescentes têm mais liberdade para dizer e se expressar sobre o que está acontecendo com eles, pois o acolhimento e a percepção de quem convive com as crianças são muito grandes, podendo identificar suas diferentes reações e comportamentos, e assim saber quando eles estão bem ou precisando de ajuda. Torna-se imprescindível que medidas efetivas sejam tomadas para combater a cultura do estupro e proteger as crianças de violências sexuais. Ações de prevenção e conscientização, tanto em nível individual quanto institucional, são fundamentais para promover a segurança e o bem-estar infantil. Investimentos em capacitação de profissionais da área de educação, saúde e assistência social são essenciais para a identificação precoce de casos de violência sexual e o encaminhamento adequado das vítimas para receberem o apoio necessário. Portanto, é fundamental reconhecer o impacto negativo que a cultura do estupro tem sobre o desenvolvimento das crianças, assegurando que elas tenham seus direitos protegidos e promovendo uma sociedade mais segura e igualitária para todos.

A cultura do estupro e a violência contra crianças são problemas graves que afetam as comunidades do campo. As disparidades econômicas, sociais e educacionais nessas regiões muitas vezes tornam as crianças mais vulneráveis a abusos e agressões. A falta de acesso a serviços de proteção e apoio, a normalização da violência e a perpetuação de estereótipos de gênero contribuem para a prevalência desses casos. Além disso, a falta de denúncia e a impunidade dos agressores também são fatores que perpetuam esses crimes. É fundamental que as comunidades do campo se mobilizem para enfrentar esses problemas, promovendo a educação sobre direitos e prevenção de abusos, incentivando a denúncia de casos e apoiando as vítimas. As autoridades locais e a sociedade civil também devem se envolver ativamente na proteção das crianças e na punição dos agressores. A conscientização e a ação coletiva são essenciais para erradicar a cultura do estupro e a violência contra crianças nas comunidades do campo, garantindo um ambiente seguro e saudável para o desenvolvimento de todos os indivíduos.

 

Referência

[1] Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Ministério divulga dados de violência sexual contra crianças e adolescentes. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/maio/ministerio-divulga-dados-de-violencia-sexual-contra-criancas-e-adolescentes. Acesso em 18/06/2024.




SOBRE AS AUTORAS

Katiane da Cunha Ribeiro e Larissa Emanuelly Santos Gomes são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

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