Minha vida, meus letramentos

Tenho 27 anos, sou da comunidade quilombola de Capivari, no município de Serro, ao pé do Pico do Itambé. Eu sempre fui uma menina curiosa desde cedo, um pouco tímida e acanhada, mas sempre em busca dos meus objetivos. Tive a oportunidade de ter contato com letramentos pela primeira vez através da televisão e do rádio, pois quando era criança gostava muito de assistir. Com o tempo passando e eu crescendo, passei a participar do teatro da comunidade, que se chama Quatro Gerações, onde minhas tias nos ensinavam através de canções, poemas e versos na produção oral.

Passado o tempo, comecei a brincar de casinha com minhas primas, que também me ensinavam a escrever. Como na época não tínhamos lápis nem caderno, pois os pais só os compravam quando íamos para a escola, usávamos pedaços de carvão e um pedaço de papelão. Eu gostava muito. Pegando em minha mão, mesmo com toda a dificuldade, as primas começaram a me ensinar, junto aos outros menores, a fazer os traços das letras que elas aprendiam na escola. Tinha hora que perdiam a paciência, aí era hora das brigas, mas logo passava.

E assim a vida foi seguindo. Aos 7 anos de idade, comecei a ir para a escola da minha comunidade, que atendia os estudantes até a 4ª série. Naquela época, a turma era multisseriada, com duas turmas juntas, quando comecei meu processo de alfabetização. As professoras eram muito prestativas e pacientes conosco. Naquele tempo, mesmo sem muitos recursos, sempre buscavam promover letramentos.

Quando começamos a aprender o alfabeto, lembro que a professora cantava assim conosco: “A de amor, B de baixinho, C de casa, D de docinho…” e no final… “…e X o que é que é: É Xuxa! E Z é zunzunzum.” Sim, ela ensinava cantando o abecedário da Xuxa. Começamos a escrever no caderno brochura de capa vermelha, que ficavam com as pontas das folhas dobradas com o uso, e um lápis preto. Era um lápis que vivia quebrando a ponta, mas era uma alegria ter aquele material. Como brincava muito com minhas primas, esse processo foi até fácil. Todos os dias estudávamos o alfabeto e a formação de sílabas e palavras, até conseguirmos aprender. Já nas aulas de matemática, lembro que a professora “cantava” a tabuada conosco para irmos aprendendo os números também através da música.

Como não havia biblioteca na nossa comunidade, lembro que o meu primeiro contato com um livro foi no catecismo, onde tive a oportunidade de tocar uma Bíblia Infantil pela primeira vez. Lembro que era de capa vermelha e suas páginas eram lindamente ilustradas. Com o passar do tempo, ganhei alguns livros infantis como Branca de Neve e os Sete Anões, Cinderela etc. Na escola também havia alguns livros que ficavam em um armário aberto, de fácil acesso. A maioria era de contos infantis ou didáticos. Nos reuníamos em grupos de até três pessoas para ler, pois não havia um livro para cada um; eram poucos. Lembro também que havia um dicionário Aurélio, que pegávamos para ler palavras novas.

Ao terminar a quarta série do ensino fundamental, fomos estudar na comunidade vizinha, chamada Milho Verde, onde fiquei até o 3º ano do ensino médio. Nessa escola, tive mais acesso a livros, pois já havia uma biblioteca maior com mais livros. A única professora que nos incentivava a ler foram a professora Antonina, que sempre nos pedia para ler alguma história, e o professor de geografia que era muito focado na escrita. Assim, o tempo foi passando e eu me formei.

Em 2013, a internet chegou na minha comunidade. Havia alguns poucos computadores que ficavam no centro comunitário, onde comecei a fazer pesquisas para o trabalho escolar. Ali comecei a desenvolver o que hoje chamamos de letramento digital. Depois que me formei, me afastei da escola por nove anos, pois comecei a trabalhar. Minha irmã Katiane sempre me chamava para fazer o vestibular da Licenciatura em Educação (LEC), mas eu nunca conseguia, por causa do trabalho. Em 2021 ela me chamou novamente, pensei bastante e decidi que era hora de voltar. Fiz a inscrição, a prova… cheguei em casa e falei com minha mãe: “Mãe, não vou conseguir, acho que fui mal na prova.” Quando chegou o dia do resultado, me surpreendi ao ver que tinha conseguido passar. Hoje estou aqui, em busca de construir novos conhecimentos para que, no futuro, eu possa ajudar os meus alunos e a minha filha Jasmim.



SOBRE A AUTORA:

Katia da Cunha Ribeiro Jesus é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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