Por Joice Rocha Da Cruz [1]
Quando comecei a estudar, morava na cidade de Cristália, Minas Gerais. Com sete anos, mudei-me para a comunidade quilombola do Paiol, onde moro ainda hoje. Na minha casa só havia CD de histórias, pois minha mãe não gostava de comprar livros. Quando nos mudamos para a roça, só tínhamos livros de matéria escolar, por isso, eu não lia: achava tudo muito chato. Comecei a estudar com quatro anos em uma creche que permanece no mesmo lugar, pois meus pais, naquela época, moravam na cidade. No primeiro ano na creche, não líamos livros. As atividades desenvolvidas eram de desenho e a maioria das crianças só dormia.
Minha professora, Dora, gostava de contar história infantil e cantar músicas com cinco anos, aprendi a escrever meu nome e o alfabeto, mas, quando comecei a estudar na primeira série, tive muitas dificuldades em função de não ter livros para ler. Minha professora escrevia mais no quadro e dava desenhos para colorir. Ela gostava muito de mim e meu desempenho estava crescendo. Ao chegar ao fim do ano, meu desenvolvimento diminuiu, pois eu estava mais adiantada que os colegas ingressantes daquele ano.
Quando eu estava na segunda série, montaram uma biblioteca na escola e começaram a “tomar” a leitura dos alunos e ditados de palavras. Essas práticas me trouxeram dificuldades, portanto comecei a decorar os textos e, assim, não conseguia desenvolver a leitura autônoma. Acabei sofrendo muito, porque meus colegas me chamavam de “besta” dentro da escola. Eu conseguia responder às questões que a professora passava e sempre fui uma das primeiras a terminar as atividades. Já na terceira série, a professora começou a nos levar à biblioteca, porém não podíamos mexer nos livros novos, só nos antigos. Continuaram a “tomar” a leitura, e descobriram que, em vez de aprender, eu estava decorando. A professora pediu à minha mãe que eu repetisse a série, e minha mãe concordou. Eu não concordei com a ideia e falei que eu iria parar de estudar, pois ia ser a maior vergonha da minha vida.
Ao conversar com uma antiga professora, ela falou sobre o meu desenvolvimento em sala de aula e minha mãe revolveu não concordar com a ideia de me reprovar: assim, passei de ano. Vencendo esse obstáculo, fui me dedicando cada dia mais à leitura. Quando cheguei à quarta série, tive uma ótima professora que me ensinou a ler. Quando eu tinha que ler um texto, ela me escolhia para me ajudar a superar o medo e as dificuldades. Eu gostava de ler histórias infantis, como a “Chapeuzinho vermelho”. No sexto ano, eu tinha aula de literatura junto com português, estudava as fábulas, e o professor nos colocava para interpretar tais textos. Apesar de ter biblioteca na escola, os que moravam na roça não podiam levar livros para casa, pois eles tinham medo de que eles fossem danificados. Quando os professores resolviam passar atividades de leitura, como resumo, eu pegava parte do livro.
Durante o Ensino Fundamental II, percebi que os professores passavam no quadro só questões sobre gêneros textuais, verbos ou cópias dos livros. Já no Ensino Médio, tive muitas atividades de produção de texto que visavam uma preparação para o Enem. Minha escrita e meu modo de pensar melhoraram, pois percebi que até mesmo em matemática era necessário saber interpretar textos. Nas aulas de português, aprendi a interpretar imagens e a fazer textos sobre elas.
Contei sempre com a ajuda da minha família, que não teve a mesma oportunidade que eu, em função das dificuldades pelas quais passaram. Minha mãe começou a trabalhar em “casa de família” com 12 anos e não pode terminar nem mesmo a quarta série. Meu pai andava mais de cinco quilômetros por dia para chegar à escola, mas aprendeu a ler e a escrever: foi ele que me ensinou a escrever meu nome. Portanto, ao longo da minha trajetória escolar, o processo de letramento foi falho, sobretudo pela falta de incentivo à leitura de textos diversificados. Hoje, na Licenciatura em Educação no Campo, na disciplina Estudos de Letramento, percebo a importância do incentivo à leitura e às reflexões sobre os textos lidos.