As Letras Que Não Entendi

Márcio Fernandes Rodrigues Júnior, Águas Formosas/MG

Desde pequeno, o mundo ao meu redor parecia um mistério vasto e impenetrável. Me lembro bem dos meus primeiros encontros com as letras, mas o entendimento sempre estava fora do meu alcance.

Quando criança, era comum ver bulas de medicamentos espalhadas pela casa, especialmente as da dipirona que minha mãe usava para nossas febres e as dores de cabeça do meu irmão. Eu as observava com curiosidade e frustração, sabendo que havia algo importante ali, mas as palavras pareciam um emaranhado de símbolos sem sentido, pois ainda não sabia ler.

Uma lembrança clara dessa época é a do meu irmão mais velho, sentado à mesa da cozinha com seus cadernos da escolinha. Ele parecia sempre tão imerso nas atividades, desenhando letras e formando palavras que eu não conseguia reconhecer ou decifrar. Observava-o com uma espécie de admiração silenciosa, desejando entender o que ele fazia. As letras eram como uma chave para um mundo que eu ainda não conseguia acessar.

Era tudo um grande mistério. A cada vez que via meu irmão fazendo suas atividades, sentia um anseio crescente dentro de mim para entender aquele código secreto que ele dominava. As letras pareciam dançar de forma confusa e evasiva, como se estivessem escondendo algo que eu estava desesperado para descobrir, e ao mesmo tempo me pareciam apenas um monte de rabiscos, círculos, espaços e números.

Essa sensação de impotência, no entanto, não me desmotivou. Pelo contrário, aumentou ainda mais meu desejo de aprender. Cada escrita que eu observava se tornava uma peça de um quebra-cabeça que eu precisava resolver.

A verdadeira virada aconteceu na pré-escola, quando tive minha primeira experiência prática com as letras e números. Com a ajuda da minha professora, usei o teclado do computador da escola e, pela primeira vez, consegui formar uma palavra. Essa palavra era o meu nome. Foi uma conquista grandiosa para mim, não apenas porque estava formando letras, mas porque estava criando algo com elas, algo que me pertencia.

A partir daí, entrei em uma fase de exploração e criação. Comecei a formar palavras com a ajuda da minha mãe, da professora e do meu irmão, desenhando letras com um entusiasmo renovado. No entanto, essa etapa trouxe novos desafios.

A maior dificuldade foi aprender a segurar o lápis corretamente. Minha coordenação motora, ainda em desenvolvimento, tornava essa tarefa bastante difícil. As letras que eu desenhava saíam tortas e desajeitadas, mas a frustração só me fazia tentar mais.

Minha mãe desempenhou um papel fundamental nesse processo. Em casa, ela me ajudou a aprender a segurar o lápis corretamente, com paciência e orientação. Essa prática constante, tanto em casa quanto na escola, foi necessária para aperfeiçoar minha caligrafia.

No entanto, havia um desafio adicional: enquanto eu me concentrava em melhorar minha escrita, também estava aprendendo a ler simultaneamente. Não me lembro se eu estava aprendendo cálculos nessa época, pois não tenho recordações claras disso.

A leitura, no início, era um campo particularmente complexo. Dividir sílabas, memorizar as letras do alfabeto, distinguir vogais de consoantes, tudo parecia um labirinto de dificuldades. Cada pequena tarefa exigia um esforço gigantesco.

A complexidade da leitura muitas vezes me fazia sentir como se eu estivesse lutando contra um mar de letras e sons que nunca se acalmava. Às vezes, eu não conseguia me concentrar e acabava fingindo que estava lendo e entendendo. Mas, pouco a pouco, o processo foi se tornando mais fácil. Logo, eu estava lendo tudo o que via na rua: placas, nomes de carros e motos. Em casa, lia os rodapés das notícias de jornal na TV, as caixas de medicamentos e as capas dos filmes que tínhamos.

A capacidade de ler o que estava ao meu redor trouxe uma nova dimensão ao meu cotidiano. Cada palavra, frase e título se tornava uma nova descoberta, uma pequena vitória na minha jornada de aprendizado.

Quando entrei no Ensino Fundamental, me senti confiante de que sabia ler. No entanto, essa confiança rapidamente foi substituída por novos desafios. Acentuar palavras e colocar pontuação nas frases pareciam tarefas ainda mais complicadas.

Eu tinha muita dificuldade em lembrar de algumas letras. Os acentos e as regras de pontuação, que eu pensava serem simples, se tornaram uma atividade chata e complexa. Cada texto parecia uma nova batalha, e a complexidade das regras gramaticais me fazia sentir como se estivesse começando tudo de novo.

Um momento particularmente marcante foi quando participei de um programa de incentivo à leitura e escrita na escola. Embora não me lembre do nome exato, recordo como funcionava: toda semana, um aluno era sorteado para levar um livro para casa, ler e fazer um resumo dos principais pontos das histórias, que eram contos infantis.

Junto com o livro, havia um caderno para registrar o resumo e um boneco de pano que acompanhava o livro de aluno para aluno, semana após semana. Um dos livros que li e resumi foi “A Raposa e as Uvas”. Esse programa foi uma forma divertida e envolvente de praticar minha leitura e escrita, e cada resumo feito era uma vitória especial.

A educação foi extremamente fundamental na minha vida. O conhecimento que obtive vale ouro, e, embora eu não consiga agradecer a todos os meus professores pessoalmente, sou imensamente grato. A cobrança, os “sermões” dos professores sobre ser responsável com as atividades, tudo isso foi fundamental para o meu desenvolvimento. Graças a eles, à minha mãe e ao meu irmão, estou aqui, cursando o Ensino Superior.

Para quem estiver lendo este texto, deixo um conselho: se você tiver a mesma oportunidade, através do seu esforço, não desista no meio do caminho. Boa sorte a você que está estudando na UFVJM. Eu acredito em você!

Esses momentos de dificuldade e conquista moldaram meu desenvolvimento. As letras, que antes me pareciam confusas e inatingíveis, começaram a ganhar forma e significado. A jornada de aprender a ler e escrever, com todos os desafios e triunfos, tornou-se uma das maiores aventuras da minha vida.

Esses primeiros passos me ensinaram que a perseverança e a curiosidade podem transformar qualquer dificuldade em uma oportunidade de crescimento. E, assim, as letras que antes eram um mistério se tornaram ferramentas com as quais posso explorar novas ideias e histórias.



SOBRE O AUTOR:

Márcio Fernandes Rodrigues Júnior, de Águas Formosas/MG, é acadêmico da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Práticas de Leitura e Produção de Textos, ofertada de julho a novembro de 2024.


A orientação deste trabalho e a organização do e-book foram realizadas pelo Professor  Carlos Henrique Silva de Castro e pelos Tutores Daniela da Conceição Andrade e Silva, Luís Felipe Pacheco e Patrícia Monteiro Costa.

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