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Patrícia Pereira de Andrade, Turmalina/MG
A vida escolar nem sempre é fácil. Nos primeiros anos de vida, já enfrentamos grandes desafios, e assim iniciou a minha trajetória: uma pequena menina do campo, de condições financeiras difíceis. A comunidade onde vivíamos não oferecia muitas condições para estudar, mas minha mãe, mesmo com pouco conhecimento, sonhava com o estudo dos filhos.
Aos 6 anos, mudamos para a cidade para que pudéssemos ir à escola. Iniciei o pré-escolar em uma escola estadual e ainda não sabia ler nem escrever. Neste período, enfrentei muitas dificuldades, pois, naquela época, a desigualdade social prevalecia com força. Foi complicado para uma criança ter que enfrentar a maldade humana e a discriminação. Além disso, eu era muito tímida, e vencer essa timidez foi desafiador e um pouco traumático.
Nos anos iniciais, tive dificuldades na fase de alfabetização. Eu não conseguia juntar as letras e tentava adivinhar as palavras; quando falavam a letra “A”, eu gritava: “Abacate!” No entanto, a vontade de aprender era maior que qualquer dificuldade, e consegui superá-las.
Antes de entrar na escola e ao longo de toda a minha vida escolar, tive o apoio e a cobrança da família; porém, eles não conseguiam me ajudar com as atividades. Meus pais não tiveram a mesma oportunidade que eu de estudar. Em minha casa, não tínhamos livros, mas me lembro de minha mãe sempre lendo a Bíblia, e com ela aprendi a ter amor pela palavra de Deus. A escola foi fundamental para meu desenvolvimento, pois foi lá que aprendi a ler, escrever e ter o primeiro contato com os números.
Demorei um pouco para, enfim, reconhecer o dinheiro. Lembro que certa vez ganhei R$10,00 e meu irmão, R$1,00, e chorei porque queria trocar com ele, achando que ele tinha ganhado mais do que eu.
As escolas onde estudei tinham biblioteca, mas não lembro de frequentá-las; tenho mais recordação da biblioteca comunitária da cidade. Lá, sim, era um lugar calmo e tranquilo. Meus colegas e eu a usávamos para fazer pesquisas e trabalhos escolares.
Minha mãe, na adolescência, teve a oportunidade de ler alguns livros e, de tanto ler os mesmos, decorou muita informação. Para as partes que não conseguia decorar, usava a imaginação. Meus irmãos e eu amávamos assistir a ela contar as histórias. Era como se eu me transportasse para dentro dos livros.
Por volta dos 12 anos, eu amava escrever poemas e tinha uma agenda onde falava muito dos meus sentimentos, medos e sonhos. Quando cheguei ao ensino médio, comecei a me interessar mais pelos livros de romance; eram os únicos que eu conseguia ler com concentração. A verdade é que eu não gostava de ler, mas sabia a importância e a diferença que isso faria em minha vida.
A cada ano que se passava, percebi que não tinha outra saída a não ser me dedicar mais à leitura. A cada dificuldade que aparecia, aprendi a me superar. Eu sempre tive uma paixão pela matemática e, mesmo sendo difícil, gostava da sensação de estar diante de um problema e tentar resolvê-lo. Não tenho memórias de quando aprendi a contar ou resolver problemas, mas sei da importância que teve um professor do ensino fundamental II, que despertou em mim um amor ainda maior pela matemática.
Eu nunca questionei o uso da matemática; muito pelo contrário, vejo a matemática e o português em tudo; elas andam lado a lado. Assim como a matemática é usada para entender a economia, ou pelo médico para interpretar dados ou dosagens de medicamentos, ela também é usada pelo agricultor para maximizar sua produção ou minimizar os riscos de doenças e pragas em suas plantações. A matemática está presente em vários momentos de nossas vidas e me ajudou a resolver muitas situações.
Apesar de ter algumas dificuldades, reconheço que a escola me preparou. As regrinhas básicas da matemática estão gravadas na minha memória e têm contribuído ano após ano para melhorar minha vida financeira, ajudando-me a calcular juros e saber se algumas opções de parcelamento são favoráveis ou não. Se quiser um dia pegar um empréstimo, consigo avaliar se vale a pena ou não. O conhecimento nos proporciona isso: ser pessoas críticas e questionadoras.
Já na vida adulta, fui presenteada no Dia dos Professores com um excelente livro de Paulo Freire chamado “Medo e Ousadia”. Freire é uma inspiração para muitas gerações e para mim também. Foi maravilhoso receber um presente assim, e gosto muito da ideia de presentear crianças com livros, para que elas percebam desde cedo o poder que a leitura pode exercer sobre elas. Embora o tempo seja pouco e corrido na universidade, tenho me dedicado a estar sempre ligada às propostas de leitura que os professores orientam. Tenho dificuldades em alguns textos, mas a maioria compreendo bem e gosto de ler artigos, reportagens e bulas de medicamentos.
SOBRE A AUTORA:
Patrícia Pereira de Andrade, de Turmalina/MG, é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), onde cursa Pedagogia. Produziu este relato na disciplina Práticas de Leitura e Produção de Textos, ofertada de julho a novembro de 2024.
A orientação deste trabalho e a organização do e-book foram realizadas por Carlos Henrique Silva de Castro, Kátia Lepesqueur e Virgínia Batista.