O meu eu tecnológico

Leiliane Pereira de Oliveira Lima é acadêmica do curso Licenciatura em Educação do Campo (LEC), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Leiliane é da Comunidade Quilombola Santa Cruz, município de Ouro Verde de Minas, Minas Gerais.

O meu primeiro contato com alguma tecnologia digital foi na escola, mais ou menos no ano de 2006. Naquela época, não existiam aplicativos como WhatsApp, Facebook, Instagram, entre outros. Na minha família, ninguém tinha celular nem notebook; tudo era mais difícil. Tínhamos acesso às notícias através do rádio e da televisão. Minha mãe era amante das novelas, e meu pai era fascinado por rádio.

Lembro-me de um episódio em que ele comprou um aparelho de som que tocava CDs e, posteriormente, um aparelho de DVD que podia ser conectado à TV e ao som. Esse período marcou muito a minha adolescência; eu e minhas irmãs escutamos música praticamente o dia inteiro.

Foi somente na escola que tive a oportunidade de tocar em um computador. Os professores geralmente levavam os alunos para a sala de informática, mas a interação dos alunos era pouca, pois não havia computadores para todos, e quase nenhum dos alunos sabia usar um computador, nem ao menos ligá-lo. Eu sempre me mantinha afastada, pois tinha medo de ficar só perguntando como fazer para usar o computador.

Após alguns anos, me formei no ensino médio. Como sempre trabalhei, consegui comprar um celular moderno. Além de fazer ligações e enviar mensagens no chat, ainda dava para tirar fotos, e o melhor, para atender ligações, tinha que levantar a capinha.

Naquela época, ter um celular era como ter um carro. Diante desse novo mundo tecnológico, fiquei totalmente encantada. Comecei a frequentar lan houses, trocar mensagens no Orkut e gastar todo o dinheiro que tinha para ficar em lan houses. Inclusive, meu primeiro contato com o mouse foi nessa época. Nos primeiros dias, achei muito estranho; parecia que o mouse não atendia aos meus comandos, era até engraçado.

No entanto, apesar dessa experiência única e satisfatória que vivi, não repetiria essa façanha outra vez. Em primeiro lugar, não daria um valor exorbitante em um celular como fiz no passado, e também não gastaria tanto dinheiro em lan houses só para jogar conversa fora. Contudo, vale a pena ressaltar as pessoas que foram importantes nesse meu processo de aprendizagem com as tecnologias digitais: meus colegas de escola e meus antigos patrões me ajudaram muito.

Ingressei na universidade mais ou menos dez anos após a formatura do ensino médio. E justamente no ano em que ingressei na universidade, o mundo parou por conta da pandemia da COVID-19. Então, realizamos o primeiro período de forma remota. Tive que aprender a mexer com algumas ferramentas digitais, mas havia um outro problema: não tinha acesso à internet na minha casa, pois moro na zona rural. Para assistir às aulas, tinha que ir para o município vizinho.

Foi muita coisa nova, mas consegui acompanhar as aulas. Nesse período, estava grávida e, infelizmente, fui contaminada pelo vírus da COVID-19. Acabei interrompendo os meus estudos, pois fiquei em uma situação gravíssima, tendo que ser entubada e ficar 35 dias na entubação. Passei por momentos difíceis, mas sobrevivi graças a Deus. Após um longo processo de recuperação, retornei às aulas, dessa vez de forma presencial.

Hoje, nas minhas práticas digitais envolvem as páginas e apps como WhatsApp, Facebook, YouTube, Google e G1. Também contribuí com a página virtual da nossa Associação Quilombola de Santa Cruz (Aquilo Afros). Mas o meu uso das tecnologias em relação à minha vida de estudante, minha vida cultural e atividades religiosas, é diferente. O uso como estudante está voltado mais para pesquisas, escrita de relatórios e trabalhos. Na cultura, busco divulgar questões culturais de onde resido, o Quilombo Santa Cruz. Já em relação às atividades religiosas, realizo pesquisas sobre comemorações religiosas, músicas e performances de apresentação.

Atualmente, levo uma “vida digital” sem proibição. Ao contrário da época em que estudava no ensino médio, posso dizer que as proibições que tive em relação ao uso da tecnologia não tinham nada a ver com restrições de meus pais, mas sim com a condição financeira que não permitia mesmo. Devido a essa situação, fui ter contato de fato com a tecnologia na maior idade.

Entretanto, a minha participação nas redes sociais é pouca. Uso Facebook e WhatsApp, mas não faço postagens nos stories e no status com frequência. Não sou de fazer comentários em notícias, não participo de anotações na web, sou mais reservada. Porém, já fiz uploads de imagens para realizar pesquisas no Google, por exemplo. Não tenho nenhuma atividade laboral de produção para a internet.

Toda essa situação me fez recordar de um dia na minha comunidade com a minha família, onde nos reunimos como de costume e simplesmente fomos assistir a um filme na Temperatura Máxima, na Globo. Conseguimos assistir sem ficar presos no celular, algo inédito. Percebi que as telas grandes como a televisão estão sendo esquecidas após a chegada dos celulares mais modernos, que estão exercendo cada vez mais funções, substituindo muitos aparelhos eletrônicos e, o mais preocupante, tornando o diálogo olho no olho extinto.

Diante disso, vejo o quão preocupante é o uso excessivo que estamos tendo com os celulares. Ontem mesmo, a primeira coisa que fiz assim que acordei foi mexer no celular e, ao longo do dia, também. Para realizar as atividades no Tempo Comunidade (TC) e no Tempo Universidade (TU), a ferramenta que uso é o celular. Todos os meus trabalhos faço com o celular, pois não tenho notebook.

As minhas práticas sociais também mudaram em função da tecnologia. Geralmente, quando vou fazer compras, faço anotações no celular, mas a maioria das compras que faço é via internet. Faço pagamentos pelo celular, para agendar uma consulta médica, reunião da associação ou algum outro compromisso pelo WhatsApp. Faço muita coisa pelo WhatsApp, mas tenho vontade de aprender a fazer projetos para ajudar a minha comunidade e melhorar a condição financeira de todos.

Em comparação às minhas práticas com a tecnologia e a forma como os meus pais a utilizam, afirmo que é totalmente diferente. Os meus pais não tiveram oportunidade de estudar, principalmente meu pai. Ele não sabe ler e, nesse caso, para trocar mensagem com alguém, ele só manda áudio. Gosta muito de assistir a vídeos no TikTok, não realiza compras pela internet sem a nossa ajuda, não consegue salvar o contato de alguém etc. Já a minha mãe sabe ler e escrever, envia mensagem escrita e também gosta de ver vídeos no TikTok, mas não realiza outras funções, como compras pela internet e acessar apps de bancos, sem a nossa ajuda.

As novas tecnologias têm sido um avanço na sociedade, facilitando cada vez mais o nosso dia a dia. Muitas coisas conseguimos resolver de casa sem enfrentar filas enormes, oque demonstra como as tecnologias facilitaram a nossa forma de comprar, pagar, estudar, trabalhar, comunicar, dentre outras.

Porém, vejo que o uso excessivo das telas tem acarretado uma série de problemas, como: problemas de visão, de coluna, cognitivos, etc. Temos crianças que estão tendo contato com as telas e estão ficando totalmente viciadas, não interagem, não brincam, são agressivas, não se alimentam direito, são antissociais, não desenvolvem funções cognitivas.

Esses pontos positivos e negativos sobre a tecnologia me fazem lembrar algumas situações. Sobre o ponto positivo, trago um exemplo meu: durante o meu estágio, passei por uma situação complicada. Precisava da assinatura do diretor da escola, mas sempre que ia lá ele não estava.

Após várias tentativas, ele assinou os documentos da cidade onde ele se encontrava, e isso só foi possível porque a assinatura era digital. A tecnologia foi fundamental para a concretização do meu estágio, e assim acontece em várias situações de nossa vida.

Em relação ao uso excessivo de telas, trago o exemplo do filho de um amigo meu. Assim que a criança completou três anos, os pais deram um celular para ele brincar e não dar trabalho. Hoje, a criança tem oito anos, já não consegue ficar sem o celular, não interage com ninguém e, se for fazer um passeio com os pais, só vai se o local tiver internet.

Ao trazer um pouco sobre o meu contato com a tecnologia, compartilho um filme que foi muito marcante para minha vida, “O auto da compadecida “, foi um dos primeiros contatos que tive com a televisão na minha infância.

%d blogueiros gostam disto: