A vacinação no Brasil do século XIX ao XXI

Por Ângela Gomes Freire

No Brasil do século XIX, início do período republicano, houve o processo da industrialização, momento do crescimento desordenado da população urbana, contando com uma grande migração das áreas rurais. As aglomerações urbanas decorrentes desse processo resultavam muitas vezes em péssimas situações de moradia para seus habitantes, que não raro eram acometidos por surtos de doenças, como varíola, cólera e malária, entre outras [1].

Em paralelo, um forte movimento higienista no Rio de Janeiro propagava ideias de modernização e urbanização. Esse projeto acabava contando com a demolição arbitrária de casas e cortiços do centro da cidade, expulsando as pessoas dessa região. Na ocasião, o discurso propagado era o de que tais medidas serviam para limpar a cidade, eliminar os ratos, baratas e insetos, causadores de doenças. No entanto, essa agenda política era uma maneira de alargar as vias, criar novos modelos de construção, nos moldes do gosto europeu [2]. Como consequência, a população pobre passou a se abrigar cada vez mais em morros nas margens da cidade, mudando seus hábitos e convívios sociais.

Foi neste cenário que, em 1904, sob as influências do pensamento científico e positivista europeu, surgiu o projeto de vacinação obrigatória contra a varíola de toda a população, coordenado por Osvaldo Cruz [3]. A campanha continha critérios rigorosos. Todo cidadão brasileiro teria de comprovar que tinha sido vacinado, caso contrário, poderia ser dispensado de seu contrato de trabalho, seria impedido de realizar matrículas em escolas, incapaz de emitir certidões de casamento, autorização para viagens etc. Tudo isso serviu de catalisador para um episódio conhecido como Revolta da Vacina [4].

Parte da população, já insatisfeita com a opressão sofrida, não reagiu bem à ideia de tomar uma vacina contra sua vontade. Associando a situações as quais haviam sido submetidos anteriormente, muitos suspeitavam que o governo queria exterminar as pessoas através da vacinação. Assim, diante de diversos fatores, o povo foi às ruas da capital da república a fim de protestar contra a vacina.

Curiosamente, depois de tanto tempo, vive-se no Brasil do século XXI uma nova situação delicada relacionada a questões sanitárias e de vacinação.

Enquanto vários países já estão sendo imunizados pela vacinação contra o coronavírus, o Brasil, no âmbito governamental, demorou a discutir e chegar a um consenso quanto à procedência desta ou daquela vacina, a elaborar e apresentar o plano de operacionalização da vacina contra a Covid-19. Essa situação tem por pano de fundo certo negacionismo, por parte do governo federal, em relação à pandemia causada pela COVID-19.

Assim, ao contrário do século XIX, enquanto boa parte da sociedade civil tem se posicionado para garantir a situação sanitária no Brasil, o presidente da República com seus apoiadores se mantêm contra a vacinação, incitando a população a se revoltar contra a vacina e tratando a questão como uma decisão pessoal ou individual. Ocorre que essa postura, vinda de um líder de governo, responsável por definir políticas públicas de saúde, não pode ser lida como problema pessoal, mas sim como questão nacional em defesa da vida. Afinal, este posicionamento interfere diretamente na vida da população. Há uma ação de se contrariar os saberes científicos e dificultar negociações com as empresas produtoras das possíveis vacinas, por exemplo, que prejudicam a eficácia da vacinação. Vale lembrar que o país já ultrapassou 234.850 vítimas fatais e a doença já contaminou mais 9.659.167 de pessoas, números que estão diretamente relacionados ao modo como o país tem conduzido esta situação.

Finalmente no dia 17 de janeiro, após a aprovação do uso emergencial pela ANVISA, a primeira pessoa no Brasil foi vacinada, uma enfermeira do sistema público de saúde de São Paulo, Mônica Calazans. Ela recebeu o imunizante Coronavac, desenvolvido no país, no Instituto Butantan. Apesar de ser uma boa notícia, o processo de vacinação ainda será bastante lendo e continua sendo prejudicado pelos posicionamentos do governo federal.

REFERÊNCIAS:

[1] https://portal.fiocruz.br/noticia/revolta-da-vacina-2

[2] https://www.youtube.com/watch?v=gioM2uI24fE

[3] https://brasilescola.uol.com.br/biologia/a-historia-vacina.htmFolder CAS cobertura vacinal

[4] https://www.brasildefato.com.br/2020/11/10/revolta-da-vacina-116-anos-diferencas-e-semelhancas-com-a-onda-negacionista-atual

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