As dificuldades de uma gravidez na adolescência no campo

As dificuldades de uma gravidez na adolescência no campo

Por Joice Rocha Da Cruz e Leonel Lemes Pereira*

A gravidez na adolescência pode trazer grandes dificuldades na vida, especialmente para aqueles que vivem no campo. Quando uma adolescente engravida, ela pode enfrentar desafios financeiros, emocionais e sociais. No campo, essas dificuldades podem ser ainda maiores devido à falta de acesso a recursos e serviços essenciais. Financeiramente, a situação pode sobrecarregar a jovem e sua família. No campo, onde as oportunidades de emprego são limitadas, pode ser ainda mais difícil para a adolescente encontrar um trabalho estável que lhe permita sustentar a si mesma e ao seu bebê. Isso pode levar à dependência de ajuda externa, o que pode acarretar outras questões, como violência.

Segundo “Biblioteca virtual em saúde”[1], a gravidez precoce ocorre dos 10 aos 19 anos e é extremamente alta:

A taxa de gestação na adolescência no Brasil é alta, com 400 mil casos/ano. Quanto à faixa etária, os dados revelam que em 2014 nasceram 28.244 filhos de meninas entre 10 e 14 anos e 534.364 crianças de mães com idade entre 15 e 19 anos. Esses dados são significativos e requerem medidas urgentes.

É preciso ressaltar as causas da maior parte das gestações, como a falta de discussão sobre educação sexual, sobretudo em escolas que vêm sendo intimidadas por movimentos conservadores. O ensino sobre sexualidade é necessário não somente pela gravidez indesejada, mas também pela propagação de doenças sexualmente transmissíveis. É uma questão de saúde pública.

A evasão escolar é uma consequência, uma vez que a adolescente precisará cuidar de seus filhos. No campo, uma gravidez inesperada pode induzir ao êxodo rural, pois na necessidade de se manter, cais jovens e mães solo acabam abandonando a vida campesina em busca de trabalho nas cidades.

Socialmente, a gravidez na adolescência pode resultar em estigmatização, isolamento e adoecimento mental. No campo, onde as comunidades muitas vezes são pequenas e conservadoras, a adolescente pode enfrentar um julgamento severo por parte dos outros. Isso pode afetar sua autoestima e sua capacidade de se integrar socialmente, tornando mais difícil a busca por apoio.

É evidente a necessidade de refletir e discutir mais sobre essa situação, pois a omissão tem trazido consequências catastróficas. Muitas adolescentes estão passando por um período difícil, principalmente depois do COVID-19. Os casos de ansiedade só aumentaram, atingindo a maior parte da população jovem. Foi divulgada uma pesquisa chamada “Juventudes e a Pandemia: E agora?”, com o apoio da UNESCO e do UNICEF[2], na qual mais de 16 mil jovens foram entrevistados sobre saúde, educação, trabalho, democracia e redução das desigualdades. Para 63% dos participantes, a educação deve ser a prioridade dos governantes. Além disso, o fortalecimento do SUS, a recuperação econômica e ações contra a fome também são importantes. A pesquisa também mostrou que a saúde mental continua sendo afetada, com 63% relatando ansiedade e 47% solicitando acompanhamento psicológico na saúde pública.

Com todas essas questões, físicas, mentais e sociais, o apoio é essencial:

Na sociedade atual a adolescência é (…) uma etapa que exige um apoio maior por parte do poder público, família e sociedade em geral, que facilite a formulação de identidade, crescimento pessoal, intelectual, psicológico e de saúde (DIAS; TEXEIRA, 2010)[3].

A escola deve discutir e ensinar os alunos a se prevenirem e a terem uma vida sexual saudável. Uma outra discussão também importante é a violência sexual, que pode ser evitada a partir de educação sexual. Em acordo com toda essa discussão, torna-se necessário ter programas de prevenção da gravidez na adolescência e auxílio a adolescentes grávidas e mães solo. As secretarias de saúde devem atuar juntos às escolas, em parceria com outros agentes da comunidade que podem ajudar a diminuir o conservadorismo, os tabus e os preconceitos. O quadro só pode melhorar com a expansão do conhecimento sobre essa temática.

[1] https://bvsms.saude.gov.br/01-a-08-02-semana-nacional-de-prevencao-da-gravidez-na-adolescencia/#:~:text=Segundo%20a%20Organiza%C3%A7%C3%A3o%20Mundial%20de,com%20400%20mil%20casos/ano

[2] COVID-19: CRISE DE ANSIEDADE AFETARAM 63% DOS JOVENS NO ÚLTIMO SEMESTRE. Nações Unidas Brasil, 2022. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/201139-covid-19-crises-de-ansiedade-afetaram-63-dos-jovens-no-%C3%BAltimo-semestre>. Acesso em: 28 de março de 2023.

[3] DIAS, A. C. G. TEIXEIRA, M. A. P. Gravidez na adolescência: um olhar sobre um fenômeno complexo.2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/paideia/v20n45/a15v20n45.pdf>. Acesso em: 31 de setembro de 2023.




*Joice Rocha Da Cruz e Leonel Lemes Pereira são acadêmicos da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientados pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

A escola e mãinha

A escola e mãinha

Por Joice Chaves Ribeiro [1]



 Quando pequena, lembro-me de gostar de ir à escola, superanimada com a bolsinha de elefante, uniformizada e contente. Lá, sempre esteve presente como educadora, minha mãe, a referência de toda a minha vida. O contato com os livros, principalmente os de alfabetização, era comum, pois mãinha (forma como a chamo) dava aula para o magistério, preparando profissionais da educação infantil. Naquele tempo eu gostava muito de sublinhar os textos e atividades que eram passadas no mimeógrafo, vivenciando uma fantasia que levaram à autonomia na escrita e na leitura.

Na pequena cidadezinha de Bertópolis, divisa com a Bahia, foi onde iniciei minha vida escolar em 1996. Lembro-me das cartilhas nas quais havia pequenos textos ilustrados e organizados por ordem alfabética, da professora sorridente, dos colegas queridos e dos assombrosos ditados que eu morria de medo, pois apesar de gostar muito da escola, não conseguia acompanhá-la. Tive muita dificuldade com a leitura, consequentemente, não tinha um bom desenvolvimento com a maioria das disciplinas, isso foi mudando, quando na escola descobriu o meu problema de visão em um dos projetos de saúde. Aqui, permaneci até a antiga segunda série. Em 1999, mudamos para Almenara em busca de novas oportunidades, já que minha mãe havia perdido seu trabalho, fomos obrigados a sair de lá, vimos então para Almenara – a princesinha do vale. 

Nesta nova etapa, consegui mais desenvolvimento na escola. Meu melhor período foi o quarto ano, no qual tive uma professora de português de cara fechada, rechonchuda, baixinha, com olhos bem fitados atrás daqueles óculos, que sempre nos observava as falas, pronta para corrigi o “nois vai” e empregava o plural que sempre engolíamos, pegava no pé, ela com paciência, me tirou da inércia de uma leitura fragmentada, mas ainda assim, continuava com medo do ditado.

Nos anos finais do ensino fundamental continuava com os mesmos problemas: má leitura e muitos erros na escrita.  O guarani, de Jose de Alencar, foi o primeiro livro grande que li, leitura difícil, termos antigos, leitura rebuscada, diferente do meu vocabulário, comecei então a entender que a literatura não era apenas estórias e sim histórias de um conjunto de críticas e protestos enraizados de acordo com o tempo.

Já no ensino médio obtive mais postura de aluna, visto que melhorei, entretanto, as notas vermelhas me acompanhavam. Em meio a tantos medos com pouco interesse pela escola, fiz o vestibular com o incentivo de mãinha e para a minha surpresa, passei na Unimontes (Universidade Estadual de Montes Claros) em 2015. No curso veio um mundo de possibilidades, tornando-me a terceira melhor aluna da turma, adquiri o gosto pelo saber mesmo tendo ainda muita dificuldade no aprender. Tive como modelo uma colega com deficiência visual que aqui tem o pódio de primeira melhor aluna da turma, ao seu lado consegui desenvolver como uma pessoa escolarizada assimilando a importância do conhecimento, no qual as pessoas conseguem encontrar de modo significativo um equilíbrio para viver de forma que não há empecilhos e desculpas para a busca da formação. Com 29 anos formei no curso da disciplina que mais sofri e tive medo, Letras/ Português. Passei a gostar de literatura e a buscar o hábito da leitura. A curiosidade tornou-se a minha melhor aliada.

Hoje já atuo na área da educação e, algo que nunca imaginei, aquela pessoa que foi minha referência, lá do início, que eu queria tanto orgulhá-la, é minha colega de trabalho, além de ser minha mãinha.



[1] Joice Chaves Ribeiro é graduanda da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2023. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro, com as ricas contribuições na revisão e organização do tutor Marcos Roberto Rocha.

Agroecologia: por uma vida saudável no campo

Agroecologia: por uma vida saudável no campo

Por Elisama de Sousa Ferreira e Eliude de Sousa Ferreira*

Trazemos aqui algumas reflexões acerca da agroecologia para a promoção da saúde e sustentabilidade no campo. ressaltando a significativa importância da preservação do ecossistema. Isso contrasta com a abordagem da revolução verde, que preconizava a modernização das práticas agrícolas por meio do uso de fertilizantes químicos, agrotóxicos e a expansão das áreas dedicadas à monocultura.

Trazemos aqui algumas reflexões acerca da agroecologia para a promoção da saúde e sustentabilidade no campo. ressaltando a significativa importância da preservação do ecossistema. Isso contrasta com a abordagem da revolução verde, que preconizava a modernização das práticas agrícolas por meio do uso de fertilizantes químicos, agrotóxicos e a expansão das áreas dedicadas à monocultura.

A agroecologia ocupa um espaço central na promoção de um estilo de vida saudável. Seminários como o intitulado “Direito Humano à Alimentação Adequada, Agroecologia e Saúde: Políticas Públicas para o Futuro”, promovido pela Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz em colaboração com associações e a Articulação Nacional de Agroecologia, têm abordado temas relevantes. Tais eventos levantaram questões sobre a necessidade de criação de políticas públicas para combater a fome, melhorar a qualidade da alimentação, lidar com as mudanças climáticas e reduzir as desigualdades sociais, reconhecendo os impactos diretos desses fatores na qualidade de vida das pessoas.

Além disso, é imprescindível direcionar a atenção para o risco à saúde dos agricultores, que enfrentam a exposição a insumos industrializados diretamente, além da alimentação, o que pode ter sérias consequências imediatas para suas vidas. Da mesma forma, a utilização de agrotóxicos nas plantações pode impactar a saúde de toda a comunidade local. Isso ocorre porque esses produtos não se restringem apenas às plantas ou ao solo onde são aplicados, sendo levados pelos rios durante os períodos de chuva. Pesquisa FAPESP (2018) afirma que “cerca de 200 mil pessoas morrem anualmente no mundo vítimas de envenenamento agudo por pesticidas – basicamente trabalhadores rurais.” Ou seja: é crucial considerar o ciclo completo de produção e todos os envolvidos, dos produtores aos alimentados.

A agroecologia é uma alternativa que se contrapõe ao uso excessivo de insumos industrializados e reconhece a necessidade da interação ecológica para obter resultados satisfatórios. Como afirma Azevedo e Pelicioni (2012)[1]:

A agroecologia seria a produção de alimentos de uma forma que produzisse uma boa qualidade de vida no final da cadeia, qualidade de vida para as duas pontas; para o agricultor evitando o uso de agrotóxicos e contaminação e para o consumidor, da mesma forma, produzindo um alimento saudável. (p. 292)

Mesmo cientes de que os insumos usados na monocultura podem causar mal à saúde da população, comumente vemos pessoas dizerem que a agricultura familiar não dá conta de produzir alimentos para sustentar a população mundial. Quando na verdade o que falta é adesão à agroecologia afirma Legnaioli no texto “Agroecologia: o que é e características – eCycle” [2]. Para a autora, a prática agroecológica tem capacidade de produzir ainda mais do que o agronegócio, com possibilidade de resultados satisfatórios do ponto de vista econômico, ecológico e social.  “A produção agroecológica tem capacidade para produzir cerca de 6 % a 10% a mais que o agronegócio.”

Logo o que falta é mudança no nosso sistema de produção. Como toda mudança tem seu ponto de partida, podemos iniciar com o esclarecimento da população, atuando primordialmente no ambiente da sala de aula. Podemos propor atividades aos alunos para que eles ampliem seu conhecimento acerca da produção agroecológica, expondo seus benefícios e fomentando a adoção de práticas sustentáveis. Além disso, é possível promover iniciativas educacionais com a participação tanto dos pais dos estudantes quanto da comunidade em geral.

Nesse contexto, um programa que se destaca é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) [3], que não só proporciona fonte de renda, mas também assegura que os agricultores tenham canais para comercializar suas colheitas. A resistência para aquisição de hábitos saudáveis pode se dar pela falta de conhecimento. Assim, o mais viável é possibilitar que a informação alcance nossas comunidades, a fim de termos mais pessoas preservando o meio ambiente e sua saúde.


Referências

[1] https://www.ecycle.com.br/agroecologia/

[2] Azevedo E, Pelicioni MCF. Agroecologia e promoção da saúde no Brasil. Ver Panam Salud. Pública. 2012;31(4):290-5.

[3] https://www.gov.br/mds/pt-br/acesso-a-informacao/carta-de-servicos/desenvolvimento-social/inclusao-social-e-produtiva-rural/programa-de-aquisicao-de-alimentos-2013-paa




*Elisama de Sousa Ferreira e Eliude de Sousa Ferreira são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Minha evolução em leitura e escrita

Minha evolução em leitura e escrita

Por Jhonatan Oliveira Rodrigues [1]



Carrego comigo um grande afeto pelos gibis da Turma da Mônica, pois foi através deles que ingressei no mundo da leitura. Não sei dizer ao certo o que mais me chamou a atenção. Pode ter sido as cores cativantes ou até mesmo os personagens, mas em resumo todo o conjunto da obra me causou um imenso interesse e admiração.

No meu primeiro ano do Ensino Fundamental I realizei o reconto da fábula da Cinderela. Com apenas cinco anos tive meu primeiro trabalho escrito exposto para toda a escola. Tão pequeno e já me sentia um grande escritor. Mas foi no quarto ano que realmente tomei gosto pela escrita, por meio do “Projeto Compõe”. Durante todo o ano tínhamos algumas horas semanais dedicadas ao projeto, que consistia na elaboração de poemas e poesias. Essa foi uma etapa essencial em minha formação.

A partir do Ensino Fundamental II até o Ensino Médio não tinha o hábito de leitura frequente. Sinceramente, nunca tive interesse por contos fictícios. Costumava ler livros desse tipo somente quando era necessário, ou seja, quando os professores passavam atividades, como, por exemplo, fichas literárias. Quando já estava próximo de formar, durante a pandemia, encontrei uma motivação para melhorar meu hábito de leitura: a busca por conhecimentos, os quais realmente poderia aplicar em meu cotidiano, principalmente voltados para a área de finanças.

Hoje, sou universitário. A leitura e a escrita (direcionada aos estudos) voltaram a fazer parte do meu cotidiano. Nessa nova etapa todo conhecimento adquirido ao longo da minha formação será aplicado e melhorado com todo o aprendizado que está por vir.



[1] Jhonatan Oliveira Rodrigues é graduando da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2023. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro, com as ricas contribuições na revisão e organização do tutor Marcos Roberto Rocha.

Agroecologia e antirracismo

Agroecologia e antirracismo

Por Leiliane Pereira de Oliveira Lima e Maria da Solidade Antonio de Souza *

A agroecologia e importantíssima na luta contra o racismo, estrutural e enraizado em nossa sociedade. Ela traz consigo narrativas de luta, resiliência e superação de um povo que, por anos, sustentou e nutriu as famílias brasileiras por meio de práticas culturais e conhecimentos ancestrais, gerando uma produção diversificada de alimentos de forma sustentável.

Entretanto, a população negra ainda enfrenta marginalização, afastamento dos processos de socialização e ausência de representatividade nos sistemas de poder. Essa realidade é uma herança da escravidão, que mesmo após a abolição, privou a população negra de direitos básicos, refletindo na ausência de políticas públicas voltadas para os escravizados e a falta de reforma agrária.

As comunidades Quilombolas representam uma das formas de resistência ao sistema escravocrata. Suas práticas tradicionais enraizadas na agricultura camponesa constituem a base da resistência no Brasil. A abordagem com que eles interagem com a terra, coexistindo de maneira harmoniosa, transcende o tempo, enfrentando as intempéries impostas pelo agronegócio. Nessa perspectiva, destaca-se a relevância de harmonizar o trabalho com a terra, respeitando seus recursos naturais, evitando assim desequilíbrios ambientais. O resultado é uma produção de alimentos saudáveis e a manutenção sustentável dos ecossistemas, sem a devastação das florestas.

Todo esse processo de luta, resistência e dor contribuiu para fortalecer o embate contra o racismo no contexto rural. Esse movimento ganhou ímpeto no movimento agroecológico, onde o racismo emergiu como temática central nos âmbitos políticos, culturais e científicos. Esse movimento também tem promovido a união entre quilombolas e indígenas, que compartilham a luta por seus direitos. A pesquisadora Fran Paula, engenheira agrônoma e mestra em saúde pública, conduziu estudos voltados para os povos quilombolas e indígenas, revelando um alarmante padrão de pulverização aérea sobre essas comunidades. Esse cenário ameaça as práticas agrícolas ancestrais, dificultando a produção e o consumo de alimentos saudáveis.

Desde a época da escravidão, a população negra tem enfrentado diversas formas de opressão. O acesso à terra, moradia e educação foi negado, manifestações claras do racismo estrutural que permeia nossa sociedade. Esse racismo enraizado transparece nas estruturas de direito, economia, ideologia e política. Ele se manifesta de maneira evidente nas práticas cotidianas, permeando hábitos e discursos, muitas vezes de forma inconsciente. A construção do Brasil foi permeada por ideias racistas, o que moldou profundamente nossa sociedade.

Os dados presentes na pesquisa “Atlas da Violência”, publicada pelo IPEA em 2021 , revelam a triste realidade: uma pessoa negra tem maior probabilidade de ser vítima de homicídio do que uma pessoa não negra. A violência letal contra pessoas negras e pardas em 2019 foi 162% maior em comparação às não negras. Vale ressaltar que pessoas negras representam 77% das vítimas de homicídio no país. Essa violência perpetua a reprodução de vidas, culturas, histórias e memórias, sobretudo nos quilombos. Infelizmente, a luta pela demarcação de terras quilombolas e o acesso a políticas públicas reparatórias ainda enfrentam desafios substanciais.

Diante de todo cenário, é incontestável que a luta contra o racismo deve ser disseminada em todos os âmbitos e movimentos. As comunidades quilombolas e indígenas não podem mais ser silenciadas, tendo seus direitos e dignidade usurpados. A mobilização e conscientização desses povos evidenciam a intersecção entre a luta antirracista e a agroecologia. Ambos almejam a preservação e proteção do meio ambiente, bem como a prática de agricultura de maneira harmônica. Nesse sentido, é imprescindível enfatizar que discutir agroecologia e agricultura familiar é, por extensão, abordar a luta antirracista. O Censo Agropecuário de 2017 revela que a maioria dos produtores rurais do Brasil é composta por negros, sendo 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros provenientes da agricultura familiar.

Diante dessas reflexões, propõe-se ações voltadas à luta antirracista e agroecológica. Um primeiro passo seria introduzir esses movimentos nas escolas, promovendo palestras ministradas por entidades parceiras nessa batalha, como sindicatos de trabalhadores rurais, Emater e representantes de comunidades quilombolas e indígenas. Essas palestras teriam o intuito de elucidar os pontos abordados em cada argumento, contribuindo para disseminar o conhecimento sobre a história desses povos e seus direitos. Ademais, essa conscientização deve se estender às próprias comunidades quilombolas, indígenas e outras áreas rurais, a fim de empoderar essas populações, superando o medo, a falta de informação e os obstáculos que historicamente os impediram de reivindicar seus direitos.

Em síntese, a agroecologia está diretamente ligada à luta antirracismo, pois busca promover uma relação harmoniosa entre os povos e a terra, reacendendo práticas ancestrais e direitos usurpados. Nesse processo, a disseminação do conhecimento e a conscientização ganham proeminência, forjando uma sociedade mais justa, inclusiva e equitativa, onde as raízes da cultura e a dignidade de todos são preservadas.



*Leiliane Pereira de Oliveira Lima e Maria da Solidade Antonio de Souza  são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Reforma agrária e permanência no Campo

Reforma agrária e permanência no Campo

Por Edson de Souza Santos e Maria Eunice de Souza Franco*

Sempre haverá um povo com sede de trabalhar e fazer com que a terra cumpra sua função social, e isso só é possível com a garantia de que esse povo tenha acesso a essas terras. O campo é lugar de (r)existir, pois nele estão as nossas histórias, nossas marcas, nossas lutas.

No entanto, muitos moradores do campo têm experimentado desmotivação em relação à permanência nesses espaços, devido à inviabilidade de uma vida de qualidade nas pequenas propriedades. Observa-se a concentração expressiva de vastos territórios nas mãos de um grupo minoritário, enquanto a ampla maioria encontra-se desprovida de glebas. Aqueles que possuem uma fração de terra reduzida não dispõem das condições para gerar renda suficiente que lhes permita subsistir dignamente no campo.

Tal cenário propicia o êxodo rural. Como aponta Fonseca et al (2015, p. 234)[1]: “O processo de êxodo rural vem sendo ocasionado principalmente por parte da população da zona rural que saem do campo em busca de melhores condições de vida nas cidades, porém, esse processo gera vários problemas sociais”. Contudo, essa expectativa, muitas vezes, é apenas uma utopia, ou fantasia diante do desespero de quem vive com pouca ou sem nenhuma terra para tirarem o seu sustento. Esses, ao chegarem às urbes, deparam-se com uma realidade díspare, marcada por desemprego galopante, encargos onerosos e aquisições dispendiosas. Sem alternativa, ocupam áreas irregulares, propiciando o crescimento de favelas e o aumento da violência, entre outros dilemas.

Em face da frustração, muitos sucumbem à influência de substâncias entorpecentes, à prostituição, ao delito e a outras formas de criminalidade. Poderá ser resolvida essa mazela do êxodo rural? Será viável assegurar a permanência do homem no campo, coadunando qualidade de vida, dignidade e sustentabilidade? Acreditamos que seja possível sim, a partir de uma lógica agroecológica e a promoção da reforma agrária. Para diversas famílias, o campo ainda é o melhor lugar para se viver.

A reforma agrária seria uma solução na medida que se sabe que a principal causa do êxodo rural é a falta de terras para trabalharem e viverem com dignidade. No entanto, questiona-se por que o tema da reforma agrária não figura nas agendas do poder executivo, legislativo e judiciário. Estará tal omissão vinculada a um controle econômico e privado das políticas estatais? A morosidade na implementação das políticas de reforma agrária seria uma consequência da intervenção de agentes externos? É notório que a pauta da reforma agrária carece de protagonismo no âmbito político, possivelmente por não ser interessante aos grandes proprietários partilhar latifúndios entre os agricultores, principalmente aquelas componentes da “bancada ruralista”, conjunto de deputados e senadores que congrega os expoentes do agronegócio, ou seus representantes.

A reforma agrária emerge como alternativa promissora para os camponeses, incluindo ribeirinhos, quilombolas, indígenas e outros povos. Com acesso à terra, será possível trabalhar na perspectiva da agroecologia, com agricultura familiar, criação de peixes, apicultura, pecuária, entre outras alternativas de trabalhos. Acreditamos que o campo é lugar de (r)existir, e que nós povos campesinos, precisamos continuar lutando pelo acesso à terra.

A mobilização dos movimentos sociais ao longo dos anos 2000 conferiu impulso à luta pela terra. Conforme enfatizam Ferrante et al (2008, p. 28)[2], “o avanço da luta pela terra tem mantido a reforma agrária na pauta política do estado”, contudo, ainda não se concretizou integralmente. É imperativo enfatizar que a necessidade de reforma agrária transcende a mera posse de terra, abarcando também a disponibilidade de crédito, educação, saúde, habitação e todos os direitos correlatos, visando garantir uma vida digna e de qualidade no campo.

Diante destas questões, é preciso se pensar em políticas públicas e ações afirmativas imediatamente, como: incentivo à agroecologia; retomada dos territórios tradicionais e devolução às comunidades; assentamentos rurais e a reforma agraria. Essas são alternativas para o desenvolvimento sustentável, como prega a agroecologia. Com essas políticas, seria possível o reordenamento do uso das terras em benefício dos povos trabalhadores rurais e contribuir para sua permanência no campo, além de manter suas tradições.

Na comunidade desses autores, o Quilombo Marques, localizado no município de Carlos Chagas, houve uma significativa conquista em 22 de dezembro de 2022, quando obtiveram posse de parte de seu território. Por mais de uma década. A conquista representa a segurança de permanecer no território, especialmente para a juventude. Propicia, também, a prática da agroecologia, já que a terra oferece as condições necessárias, o que incentiva o desenvolvimento das lavouras. Com isso, viabiliza-se a sustentabilidade da terra e a geração de renda para a comunidade.

Em suma, a questão da permanência da população rural nas áreas agrícolas carece de ações coordenadas e políticas deliberadas. A efetivação da reforma agrária, associada ao fomento da agroecologia e à restituição de territórios tradicionais, aparecem como uma via promissora para a construção de um campo sustentável e economicamente viável, um espaço onde as comunidades possam não somente subsistir, mas também prosperar, preservando sua cultura e tradições.


Referências

[1]https://www.researchgate.net/publication/353243084_CAUSAS_E_CONSEQUENCIAS_DO_EXODO_RURAL_NO_NORDESTE_BRASILEIRO_CAUSES_AND_RURAL_EXODUS_AFTERMATH_IN_NORTHEASTERN_BRAZIL

[2]https://bibliotecadigital.economia.gov.br/bitstream/123456789/565/1/Reforma%20agr%C3%A1ria%20e%20desenvolvimento.pdf




*Edson de Souza Santos e Maria Eunice de Souza Franco são acadêmicos da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Eu e a educação

Eu e a educação

Por Jeovana Cardoso Vieira [1]



Em minha infância era comum ter acesso a textos e livros, tanto didáticos quanto infantis, devido ao fato de minha mãe ser professora de Português. Tenho muitas lembranças dela preparando suas aulas, folheando seu material para assim decidir qual o tema da aula do dia seguinte. Sempre tive muita curiosidade. Por isso, estava sempre ao seu lado. Foi ela quem me presenteou com meus primeiros livrinhos, e fazia questão de todas as noites lê-los para mim.

Antes de minha entrada na escola, já tinha conhecimento de muitas coisas. Com 3 anos já conhecia todas as letras do alfabeto e, consequentemente, já sabia escrever o meu nome. Mais adiante, o nome de meus pais, irmã, avó etc. Também conheci os números, e, assim, descobri que 1 + 1 era igual a 2, e que 1 real com 1 real seria igual a 2 reais. Assim, comecei a ter um pouco de conhecimento sobre o dinheiro e seu valor, pois eu sabia que a moedinha de 50 centavos era o valor do meu chocolate favorito.

Na escola, sempre fui a aluna que apresentava o trabalho do grupo, pois era melhor com a leitura e não tinha tanta vergonha de ir na frente da turma ler e explicar determinados temas. No Fundamental I e no Fundamental II, recordo-me que sempre trocava o horário do recreio pela biblioteca, pois adorava poder ajudar as bibliotecárias com os livros. No Ensino Médio, também trocava o recreio pelos livros, mas não pelos da biblioteca e sim pelos que eu mesma levava de casa. Admito que o hábito da leitura ajudou muito em minha vida escolar. Porém, não foi a escola em si que fez com que eu me apaixonasse pelos livros, e que assim fizesse eu ler um livro de mais de trezentas páginas em um único dia. Este mérito eu deixo a J. K. Rowling e sua saga de livros “Harry Potter” (2002 – 2007)”.

Minha matéria preferida na escola era Matemática. Era muito boa em Português e Literatura, porém meu coração era da Matemática. Fazia sentido para mim a prática com os números, e eu conseguia aplicá-las na vida real, em meu dia a dia.

Em meu primeiro ano de universidade noto as diversas coisas que deveria ter aprendido na escola, mas que não me foram ensinadas, como, por exemplo, declarar imposto de renda, fazer uma citação corretamente, quesitos econômicos e burocráticos, dentre outros. Acredito que devido a essa falha educacional eu possa acabar tendo dificuldades em administrar minha vida financeira futuramente. Contudo, sinto falta do que não aprendi e que possa ser de grande valia para minha vida acadêmica. Sei que a educação tem o poder de nos mudar e mudar o mundo, e espero fazer parte desta grande mudança durante minha trajetória como estudante.



[1] Jeovana Cardoso Vieira é graduanda da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2023. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro, com as ricas contribuições na revisão e organização do tutor Marcos Roberto Rocha.

A revolução verde e o êxodo rural

A revolução verde e o êxodo rural

Por Madilene Geni Ferreira e Maria Flor De Maio De Jesus Silva*

A chamada “revolução” verde refere-se a um conjunto de mudanças que acarretou um problema estrutural na agricultura familiar, pois mudou o modelo de produção sem valorizar as culturas alimentares locais e diversificadas (Santilli, 2009) [1] . Com a promessa de resolver problemas e preservar a estrutura agrícola, a tal revolução chegou no Brasil por volta da década de 1960, porém promoveu o uso intensivo de insumos químicos na agricultura, contribuiu para o êxodo rural e a degradação ambiental.

Enquanto a agroecologia, na contramão, surge como uma alternativa para promover a agricultura sustentável e revitalizar o campo. Como afirma a autora Santili (2009) [1], “[c]om a chegada da revolução verde, a modernização do campo fez com que pequenos produtores fossem expropriados, dando lugar aos moldes empresariais de organização da produção.”

A nova estruturação trouxe efeitos negativos não são somente nas formas de produção, com a monocultura em substituição à diversificação e impactos ambientais, como também na alimentação, pois diminuiu a oferta de alimentos saudáveis e de qualidade, aumentando a fome no mundo. Esses são fatos importantes que as políticas públicas devem observar para assegurar alimentos de qualidade para todos e recursos para acabar com o êxodo rural. Outro ponto refere-se às relações de trabalho que sofreu mecanização e reduziu postos mão de obra.

A monocultura substituiu ecossistemas naturais e, com isso, tornou a produção agrícola mais vulnerável a pragas e doenças, desestruturou a mão de obra, as famílias envolvidas. Consequentemente, o mercado de alimentos, que tinha foco nos orgânicos, abriu espaço para mais alimentos transgênicos. Assim, as sementes que antes eram crioulas passam a ser transgênicas. As terras, que antes eram férteis para produção, tornam-se dependentes de adubos e fertilizantes químicos, que aceleram a produção para as exportações, mas esgotam a terra rapidamente. Esses fatores, combinados com a falta de incentivos para a permanência dos agricultores no campo, levaram a um êxodo rural em larga escala, com consequências sociais profundas.

A agroecologia surge como uma alternativa para promover a agricultura sustentável e revitalizar o campo. Ela é baseada em princípios de equidade, justiça social, sustentabilidade e respeito aos saberes e fazeres ancestrais dos povos do campo. Como explica Gusman and Molina (2005)[2] “O campesinato é, mais que uma categoria histórica ou sujeito social, uma forma de manejar os recursos naturais vinculados aos agroecossistemas locais e específicos de cada zona, utilizando um conhecimento sobre tal entorno condicionado pelo nível tecnológico de cada momento histórico e o grau de apropriação de tal tecnologia…”

A agroecologia propõe uma abordagem holística para a produção de alimentos, que considera a interação entre os seres humanos, os ecossistemas e as culturas, buscando sempre, promover a saúde da sociedade através de uma produção de alimentos de qualidade, garantindo a segurança alimentar. Busca, então, fazê-lo de forma sustentável, por meio não apenas de práticas agroecológicas, como a rotação de culturas, o uso de adubos orgânicos, o controle biológico de pragas e a integração lavoura-pecuária-floresta, mas também promovendo a conservação da biodiversidade, a revitalização e a valorização das culturas tradicionais do campo. Tudo isso fortalece a base familiar, o que fomenta a permanência das famílias no campo.

A participação do poder público, com iniciativas no desenvolvimento rural sustentável, tais com as agroecológicas que trazemos ao debate, pode promover a sustentabilidade ambiental, social e econômica, com inclusão social, redução de danos ambientais e nutricionais, oferta de alimentos saudáveis, garantindo a saúde da população. Dessa forma, são muito bem-vindas ações governamentais com enfoque agroecológico e fomento da agricultura familiar, tais como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)[3] e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)[4], que ajudam os produtores a fortalecerem suas produções de alimentos sustentáveis e, ainda, refletirem acerca das potencialidades e limitações da agroecologia.

Mesmo que de maneira incipiente, a agroecologia se apresenta como alternativa de um modelo hegemônico do agronegócio, de forma a valorizar o trabalho rural, que é mais que produzir, mas é também cultura, modo de vida e de trabalho, onde se articula e apoia a resistência do campesinato e, sobretudo, a insubordinação do homem do campo e transformação estrutural no modelo que é utilizado no campo, como forma de valorizar a cultura e a resistência do camponês. A adoção de práticas agroecológicas é essencial para enfrentar os desafios da agricultura moderna e garantir a permanência dos agricultores no campo.


Referências

[1] SANTILI, Juliana Agrobiodiversidade e o direito dos Agricultores. São Paulo, Petrópolis 2009.

[2] GUSMÁN, E.S. & MOLINA, M. G. Sobre a revolução do conceito de campesinato, Expressão São Paulo, 2005.

[3] https://www.gov.br/cidadania/pt-br/acoes-e-programas/inclusao-produtiva-rural/paa

[4] https://www.gov.br/secretariadegoverno/pt-br/portalfederativo/guiainicio/prefeito/trilhas-100-dias-de-governo/pnae-2013-programa-nacional-de-alimentacao-escolar




*Madilene Geni Ferreira e Maria Flor De Maio de Jesus Silva são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Agricultura familiar, agroecologia e sustentabilidade

Agricultura familiar, agroecologia e sustentabilidade

Por Diemerson Rocha da Cruz*

A agricultura familiar é um tipo de agricultura que se baseia em unidades familiares de produção, nas quais a família é a principal responsável pela gestão da propriedade agrícola e pela produção de alimentos. Caracteriza-se pela posse da terra, pelo trabalho familiar e pela transmissão intergeracional do conhecimento e das práticas agrícolas.

Por outro lado, a agroecologia é uma abordagem que busca promover a sustentabilidade agrícola, integrando princípios e práticas ecológicas, sociais e econômicas. Valoriza a conservação dos recursos naturais, a biodiversidade, a saúde dos ecossistemas e a equidade social. A agroecologia enfatiza a utilização de técnicas de manejo sustentáveis, como a rotação de culturas, o consórcio de plantas, a adubação orgânica e o controle biológico de pragas, entre outras.

A agricultura familiar desempenha um papel fundamental na preservação da biodiversidade, pois os agricultores familiares adotam práticas agrícolas promovem a conservação dos recursos naturais e a manutenção da diversidade biológica. Conforme destacou Silva et al. (2018)[1], a agricultura familiar contribui para a preservação da biodiversidade ao utilizar técnicas agroecológicas, como o manejo integrado de pragas, o uso de adubos orgânicos e a diversificação de culturas. Essas práticas auxiliam na redução da dependência de agroquímicos, protegendo a saúde dos ecossistemas e favorecendo a presença de espécies nativas, assim como a conservação da fauna e flora local.

Além disso, os agricultores familiares costumam manter áreas de vegetação nativa em suas propriedades, como fragmentos de florestas, matas ciliares e áreas de reserva. Esses espaços fornecem habitat e abrigo para diversas espécies de plantas e nimais, o que contribui para a manutenção da biodiversidade[2].

A preservação das sementes crioulas, variedades tradicionais adaptadas às condições locais, e sua manutenção e intercâmbio é uma prática comum na agricultura familiar, o que contribui para a preservação da diversidade genética das culturas agrícolas. Dessa forma, a agricultura familiar, por meio de suas práticas sustentáveis e do cuidado com os recursos naturais, desempenha um papel essencial na conservação da biodiversidade.

A agricultura familiar oferece diversos benefícios em comparação ao agronegócio. Estudos e pesquisas têm enfatizado esses benefícios, ressaltando a importância da agricultura familiar para a sociedade e o meio ambiente. Através da adoção de práticas sustentáveis, ela promove a preservação ambiental. Segundo um estudo realizado por Teixeira e Silva (2020)[3](…) a agricultura familiar é caracterizada por um menor uso de agroquímicos, favorecendo a preservação da biodiversidade e a conservação dos recursos naturais.”

Essas práticas agrícolas mais amigáveis ao meio ambiente contribuem para a manutenção dos ecossistemas e a proteção da flora e fauna locais. Além disso, a agricultura familiar desempenha um papel significativo na segurança alimentar e na promoção de uma alimentação saudável. De acordo com a pesquisa conduzida por Cruz et al. (2021)[4], ” … agricultura familiar é responsável por uma parcela considerável da produção de alimentos, especialmente de frutas, hortaliças e produtos orgânicos, contribuindo para a diversificação da dieta e o acesso a alimentos frescos e nutritivos”.

Essa diversificação de culturas e a produção local de alimentos desempenham um papel crucial na redução da dependência de alimentos processados e importados, promovendo uma alimentação mais saudável e equilibrada. Tais evidências reforçam a importância da agricultura familiar como uma alternativa mais sustentável, valorizando a preservação ambiental e a segurança alimentar em comparação ao modelo predominante do agronegócio.

No contexto brasileiro, a agricultura familiar estabelece uma relação muito mais favorável com ao ambiente em comparação a outros tipos de agricultura, que resulta de uma série de práticas e características tradicionalmente adotadas, que colaboram com a preservação dos recursos naturais e à sustentabilidade. Uma das principais diferenças está no uso de insumos agrícolas. Os agricultores familiares tendem a utilizar menos agrotóxicos e fertilizantes químicos quando comparados à agricultura de larga escala. Essa prática reduz a contaminação do solo, da água e do ar, o que contribui para a preservação da biodiversidade e proteção de ecossistemas. Além disso, a agricultura familiar valoriza a adoção de práticas agroecológicas, como o manejo sustentável do solo, a rotação de culturas, o plantio consorciado e a utilização de adubos orgânicos. Esses métodos favorecem a conservação do solo, melhoram sua fertilidade e reduzem a erosão, contribuindo para a saúde dos ecossistemas agrícolas.

Outro aspecto importante é a diversificação de culturas e a preservação da agrobiodiversidade. Os agricultores familiares cultivam uma variedade de espécies e variedades locais, promovendo a conservação da diversidade genética e contribuindo para a adaptação aos desafios climáticos e a resiliência dos sistemas agrícolas. Além dos já citados benefícios ambientais, essas práticas contribuem para a mitigação das mudanças climáticas, uma vez que se baseiam em sistemas produtivos mais resilientes e com menor emissão de gases de efeito estufa.

Atualmente, a agricultura familiar está recebendo maior atenção e reconhecimento, tanto por parte das políticas públicas, quanto da sociedade em geral. As políticas públicas voltadas para a agricultura familiar concentram-se em fornecer apoio e incentivos específicos para esse setor, com inciativas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)[5]. Velhos conhecidos do campo, apesar da queda de verba dos últimos anos, esses programas têm sido (re)implementados para garantir o acesso a crédito, assistência técnica, mercados e compras públicas, fortalecendo, assim, a produção e a comercialização dos agricultores familiares.

No contexto das desigualdades sociais, a agricultura familiar desempenha um papel importante na geração de empregos e no desenvolvimento das comunidades rurais. Ela contribui para a fixação das pessoas no campo, o fortalecimento das relações comunitárias e a preservação das tradições culturais e conhecimentos tradicionais. Assim, é importante que a agricultura familiar receba mais atenção e valorização por meio de políticas públicas e programas específicos, que fortaleçam o setor, promovam sua sustentabilidade e reconheçam sua importância para a sociedade como um todo, tal como parece acontecer desde a ascensão do último governo federal.


Referências

[1] Silva, L. M. et al. (2018). Contribuição da Agricultura Familiar para a Biodiversidade. Revista Brasileira de Agroecologia, 13, 95-109.

[2] Schneider, S. et al. (2019). Agricultura Familiar e Biodiversidade: contribuições para uma agenda positiva de desenvolvimento. Revista de Política Agrícola, 28(3), 20-30.

[3] Teixeira, V. F., & Silva, C. M. (2020). Agricultura familiar e sustentabilidade ambiental: uma revisão sistemática da literatura.

[4] Cruz, G. C. et al. (2021). Agricultura familiar: importância para a segurança alimentar e nutricional.

[5] Ribeiro, V. M. (2018). Agricultura familiar no Brasil: ações governamentais e desafios na atualidade.




* Diemerson Rocha da Cruz é acadêmico da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

A vida através de letras e números

A vida através de letras e números

Por Jairo César da Silva [1]



Na minha casa sempre existiram alguns livros da minha mãe. Na casa da minha tia, por ser professora, também havia algumas revistas e livros antigos, de estórias, fábulas, nos quais eu gostava de ficar olhando as figuras. Não entendia quase nada. Foi assim que se deu meu primeiro contato com livros, e, partindo daí, comecei a querer escrever. Com 4 anos, eu ficava tentando escrever com a ajuda da minha mãe, principalmente as letras do meu nome.

Quando comecei a estudar, foi espetacular, tudo era novo, tudo era diferente. Eu estudava no período vespertino e, quando chegava em casa, já ficava ansioso para chegar o outro dia e ir para o colégio. Meu pai comprou uma televisão algum tempo após eu iniciar os estudos. Quando eu terminava as tarefas escolares, minha mãe deixava eu assistir desenhos. Foi assim que comecei a aprender a contar até 10, pois nos desenhos tinha a brincadeira de esconde-esconde e os personagens contavam.

Sempre gostei de matemática. Meu pai me deu uma calculadora que utilizava no trabalho. Eu passava horas com o aparelho. Não compreendia o que estava fazendo, mas gostava dos números, de ficar apertando os botões e vendo os resultados que apareciam. As finanças, comecei a aprender com 6 anos. Quem nunca juntou moedas? Eu juntava no meu cofrinho. Comecei a entender sobre as notas um pouquinho mais tarde, com a ajuda da minha mãe. Quando comecei a aprender matemática na escola, perguntei à minha mãe se para formar 15 reais poderíamos utilizar uma nota de 1 real e uma de 5 reais, igual fazíamos na escola. E foi assim que ela me ensinou a somar e a saber o troco.

A escola foi de total importância para mim, pois aprendi sobre a cultura de muitos colegas, mesmo simples coisas como o dia a dia de todos, o que me ajudou a entender o porquê de outras coisas. A arte de escrever começou muito cedo. Produzíamos alguns textos, principalmente no Fundamental I e, às vezes, no Fundamental II. Ganhei um livro que continha 3 histórias. Eu li essas histórias várias e várias vezes. Imaginava os cenários, os personagens, o desenrolar dos fatos.

Hoje sinto que eu deveria ter feito uso ainda mais da prática de leitura, pois tudo parte dela. Para escrever bem, você precisa ler. Pelo fato de não ter praticado muito a escrita de textos durante a minha vida escolar, sinto uma dificuldade enorme hoje em produzir textos. Com relação a colocar a ideia no papel, eu consigo imaginar tudo; porém, quando vou transcrever, “trava”, não consigo exprimir as ideias que estão em minha mente. Sempre leio com o objetivo de melhorar a minha escrita. Eu gosto de artigos científicos, principalmente os que têm aplicação entre as exatas e o cotidiano. A forma como a matemática é utilizada para explicar questões diárias é fantástica.

No dia a dia, sinto uma falta enorme de alguns conhecimentos, principalmente de dominar melhor a escrita. É uma das maiores (senão a maior) dificuldade que tenho. Outro conhecimento que sinto falta é a parte de educação financeira, que deveria ser inserida nas escolas. Claro, as aulas de juros são aplicadas diariamente. No entanto, com relação às questões normais do meu dia a dia, precisei buscar o conhecimento em outros locais, sem saber até mesmo qual norte tomar. Essa parte do conhecimento eu sinto falta e sei que se tivesse acesso a algumas questões hoje em dia elas seriam resolvidas mais facilmente.

Enfim, a leitura e a escrita abrem portas, criam caminhos. O conhecimento é um presente que ninguém poderia tirar de você, e com ele você pode chegar aonde quiser, pois ele é como uma escada, de degrau em degrau você chega ao topo.



[1] Jairo César da Silva é graduando da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2023. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro, com as ricas contribuições na revisão e organização do tutor Marcos Roberto Rocha.

Diversidade de famílias e famílias diversas

Diversidade de famílias e famílias diversas

Por Marília Gabriela Rodrigues da Silva e Vitória Cristina Alves *

É na família que se inicia a socialização fundamental para a formação dos indivíduos. No Brasil, há diversidades nas composições familiares, pois temos exemplos de famílias patriarcais, matriarcais, monoparentais, homoafetivas, anaparentais, matrimoniais, pluriparentais, dentre outras. Dessa forma, é excludente uma definição de família associada somente a casais heterossexuais.

Compreende-se que a ideia da família tradicional brasileira, tão discutida nos últimos anos, corresponde à antiga família patriarcal de origem colonial, onde o homem é o provedor da família e a mulher, assim como os filhos, estão submissos a ele. No entanto, como pontua Paiva (2016, s. p.)[1], “[p]ouco mais da metade (54,9%) das famílias no Brasil é constituída por um casal heterossexual com filhos. Os outros (45,1%) se desdobram em uma pluralidade de arranjos”. 

Ainda que de maneira sutil,  esse cenário começou a se modificar, pois já é possível perceber uma melhoria na igualdade de gênero, por exemplo, no mercado de trabalho, além da lei do casamento LGBTQIA+ e outras. Contudo, o mesmo não ocorre nos lares das famílias brasileiras, visto que as mulheres continuam sobrecarregadas pela jornada dupla, enfrentando tanto o trabalho formal quanto as tarefas domésticas, bem como os cuidados com os filhos. Trata-se da construção cultural brasileira, conforme Borsa e Nunes (2011, p. 32-33)[2], “[…] na família ocidental os papéis de homens e mulheres têm sido diferentes e essas diferenças se evidenciam, por exemplo, no fato de que o trabalho doméstico e o cuidado da prole continuam sendo atribuídos à mulher, prioritariamente”.

Ainda sobre a excludente definição de família, existe a Lei 9.278, de 10 de maio de 1996[3],  que reconhece como entidade familiar o convívio de um homem e uma mulher, o que reforçando uma única forma de composição familiar. No entanto, desde 2011 o casamento LGBTQIA+ é legalizado no Brasil. Mas o que se vê é que ainda existem preconceitos relacionados a esse grupo, alguns deles têm como base estereótipos e discriminações enraizadas, como supor que esses casais podem influenciar a identidade de gênero ou a orientação sexual do indivíduo adotado. Vale ressaltar as muitas adoções realizadas por pertencentes do público LGBTQIA+ e a alta demanda de crianças aguardando por adoção no Brasil. Dessa forma, é inadmissível que existam preconceitos acerca desse assunto, que quase sempre vem daqueles que dizem estar a favor da família.

Uma comissão especial das Câmara dos Deputados, em 24 de setembro de 2015, rejeitou uma ampliação para o conceito de família no Estatuto da Família (Projeto de Lei 6.583/13)[4] e manteve o entendimento legal de família apenas aquela formada por homem, mulher e filhos. Trata-se, claramente, de uma violação discriminatória e preconceituosa, pois milhões de brasileiros não se enquadram nessa definição. Como afirma Paiva (2016, s.p.)[5]:

Precisamos estar atentos para não tomarmos esse modelo imaginário como único, verdadeiro, correto e saudável. Se tomarmos assim, estaremos tratando todas as outras famílias como ‘desestruturadas ou em crise’ e tratando a diferença como desigualdade, o que leva a relações de assimétricas e não democráticas. A intolerância com a diferença leva à patologização, à judicialização e à criminalização dos diferentes.”

Apesar de já ser reconhecida pela justiça algumas composições familiares não “tradicionais”, diante da realidade, existe a necessidade de ampliar o conceito de família, pois é preciso uma lei que acolha e inclua todos os tipos de composições familiares, de todos os sujeitos. É indispensável que as famílias homoafetivas sejam incluídas no Estatuto da Família, para que, desse modo, seja possível refletir sobre essas diferentes configurações familiares dentro da escola, espaço importante de socialização do indivíduo. Esses conteúdos devem ser inseridos nos Planos de Cursos da educação do governo para reeducar os nossos jovens, a começar pela educação infantil, de forma singela, com atividades, por exemplo, onde as crianças possam identificar em qual composição familiar se enquadram e ampliar essas visões com os exemplos dos coleguinhas. No decorrer dos anos escolares questões mais complexas podem ser trabalhadas e debates são importantes para as grandes reflexões e reformas humanas, sobretudo de consciência.


Referências

[1] PAIVA, Thais. Por uma nova (e ampla) definição de família. Carta Capital. 2016. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/educacao/por-uma-nova-e-ampla-definicao-de-familia/>. Acesso em: 10/03/2023. 

[2] BORSA, Juliane Callegaro. NUNES, Maria Lucia Tiellet. Aspectos psicossociais da parentalidade: O papel de homens e mulheres na família nuclear, 2011. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/258032978>. Acesso em: 14/03/2023.

[3] Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9278.htm#:~:text=Dissolvida%20a%20uni%C3%A3o%20est%C3%A1vel%20por%20morte%20de%20um%20dos%20conviventes,destinado%20%C3%A0%20resid%C3%AAncia%20da%20fam%C3%ADlia.>

[4] Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=47FC186CDB5C27E515DF6EEB0712A562.proposicoesWeb2?codteor=1398893&filename=Avulso+-PL+6583/2013>

[5] Disponível em: PAIVA, Thais. Por uma nova (e ampla) definição de família. Carta Capital. 2016. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/educacao/por-uma-nova-e-ampla-definicao-de-familia/>. Acesso em: 10/03/2023.




* Marília Gabriela Rodrigues da Silva e Vitória Cristina Alves são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.