Alguns números sobre o ensino remoto na comunidade de Milho Verde – Parte 2

Alguns números sobre o ensino remoto na comunidade de Milho Verde – Parte 2

Por Maria Flor de Maio de Jesus Silva [1]

Este relato traz as percepções de estudantes do ensino médio da Escola Estadual Professor Leopoldo Pereira sobre as metodologias e tecnologias de estudo no regime não presencial em vigor na escola e em toda a rede estadual mineira. A escola está localizada na comunidade de Milho Verde, distrito do município do Serro, Minas Gerais. Para tanto, realizamos uma pesquisa via Google Forms, da qual relato as respostas dadas por um grupo de 13 estudantes, no período de 01 a 14 de maio de 2021, com autorização de uso dos dados e com nomes omitidos para garantir privacidade.

Todos os entrevistados residem na comunidade de Milho Verde. O resultado nos aponta que a falta de acesso adequado às tecnologias tem influenciado no desenvolvimento das atividades escolares no ensino remoto. A Escola Estadual Professor Leopoldo Pereira é  uma  escola nucleada rural, ou seja, o seu espaço físico está situado no distrito de Milho Verde, porém a área de  abrangência  da comunidade escolar é maior que a área onde a escola esta localizada. Atualmente, esta atende estudantes de 14 comunidades da zona rural. Essas comunidades englobam desde a sede dos distritos, com uma pequena infraestrutura urbana, até localidades como a Serra da Bicha, o Amaral e a Jacutinga, lugares onde o acesso, seja às casas, à infraestrutura de comunicação, aos meios de transporte ou à saúde que é bastante precário.

Diante da situação da pandemia do covid19, a escola, como todas as instituições educacionais, adequou-se ao ensino remoto, suspendendo as aulas presenciais, e passou a buscar alternativas de manter o processo de ensino-aprendizagem em consonância com as propostas do governo estadual de Minas Gerais por meio de Regime Especial de Atividades Não Presencial (REANP). Nesse período, utilizou principalmente os recursos tecnológicos como aplicativos e plataformas on-line, que, no entanto, escancaram a desigualdade e as dificuldades enfrentadas por estudantes e professores. Alguns problemas são comuns à maioria dos estudantes e professores como: acesso limitado a internet, falta de computadores e de espaço em casa, problemas sociais, sobrecarga de trabalho docente e baixa escolaridade dos familiares principalmente dos pais.

Na análise das condições socioeconômicas e educacionais das famílias, o resultado nos mostra que 40% dos estudantes entrevistados são do sexo feminino e a faixa etária varia de 15 a 19 anos, sendo um total de 30% cursando o primeiro ano e 30% no terceiro ano do ensino médio. A maioria das famílias dos entrevistados é composta por 5 pessoas na residência e metade dos entrevistados são beneficiários do Bolsa família. A maioria dos pais apresenta escolaridade de nível baixo, 50% têm o ensino fundamental incompleto, 20% ensino médio completo e 30% ensino médio incompleto. Entre as mães, 50% têm o ensino fundamental incompleto, 30% o ensino médio completo e 20% ensino superior completo. Apesar do número de pais e mães com ensino médio completo ser considerável, 20% dos pais e 30% das mães, e 20% das mães com ensino superior completo, ainda predomina um grau de escolaridade baixo visto que 50% dos pais e mães não completaram o ensino fundamental.

Sobre as condições dos educandos no uso de tecnologias, 100% possuem um aparelho celular e somente 30% têm um computador na residência. Das famílias, 80% afirmaram ter acesso a televisão, mas a Rede Minas, responsável por transmitir videoaulas (também disponíveis no Youtube) não pega em 100% dessas casas. Entre essas, 50% fazem uso da internet pré-paga e 50% têm acesso via antena. Sobre qualidade da internet, 80% dos estudantes relataram que é estável e 20% a consideram-na precária. 90% dos entrevistados fazem uso da internet de 21 a 30 dias no mês, pois usam pré-paga que acaba antes do fim do mês. Dentre os alunos, 50% recebem ajuda dos pais na realização das atividades propostas pelos PETs (Plano de Estudos Tutorados). Os outros 50% não recebem esse apoio por eles não saberem os conteúdos, porque trabalham, ou por não terem tempo disponível para contribuir com o processo de ensino aprendizagem em casa. Já em 60% das respostas, irmãos auxiliam na realização das atividades. No acompanhamento das formas de interações e atividades online, e sobre frequência de uso de ferramentas digitais, 80% dos alunos utilizam o WhatsApp e 30% o Youtube com maior frequência, os mais citados. Dentre esses mesmos estudantes, 40% estudam de 1 a 3 horas, 30% de 4 a 6 horas, 20% de 7 a 11 horas, e 10% mais de 11 horas.

Entre os entrevistados, 100% afirmaram que, em decorrência do ensino remoto, a escola está lidando com maior frequência e com maior diversidade de ferramentas digitais do que no ano passado. Os dados nos apontam que o grupo de estudantes não têm grandes dificuldades de acesso, pois 80% consideram o sinal de internet bom. Mas apesar da boa infraestrutura do acesso, 30% declararam que têm dificuldades de acessar o aplicativo Conexão Escola, 35% têm dificuldade de acessar o Google Sala de Aula sendo que 30% nunca conseguiu acessar este último. Na Comunidade de Milho Verde, 100% dos estudantes possuem o celular individual e 30% das famílias possuem um notebook, além de ter uma boa infraestrutura de serviços de internet. Assim, a grande maioria dos estudantes possuem as principais ferramentas de acesso, internet e celular, e conseguem assistir os vídeos com estabilidade.

Quanto à percepção dos entrevistados sobre o REANP, a questão posta, a única aberta ao final de 37 fechadas, foi a seguinte: Comente sobre a principal dificuldade encontrada por você no ensino remoto, se está conseguindo superar ou não e como. As respostas foram diversas, mas seguem alguns trechos mais relevantes:

  • Está sendo muito difícil, pois não estávamos conseguindo acessar os aplicativos no começo… algumas matérias são complicadas e não consigo entender, mas com a ajuda dos meus familiares eu estou conseguindo fazer algumas coisas outra eu tenho que pesquisar.”
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  • Várias: internet, materiais, falta de explicações, falta de mais orientações dos professores, falta de computador.”
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  • “Estou tentando ter mais interesse nos meus estudos, pois sei que com ele eu vou conseguir MTS coisas.”
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  • É difícil estudar sozinha, não gosto muito de estudar, e pela internet é muito ruim.”

Podemos perceber nas falas como é desafiador o acesso e utilização das tecnologias do ensino remoto. Podemos observar que são realidades bem diferentes das pensadas pelo REANP e suas metodologias, mas o aprendizado deste período está também nas diferenças de contexto entre estudantes, professores e escolas. As desigualdades estão em várias dimensões, o que faz com que sejam mais intensas para alguns estudantes do que para outros.

Nesse cenário, deve-se pensar em ações de inclusão para todos os estudantes, pois quando o ensino remoto acabar, muitas ferramentas devem ficar na escola, pois fazem parte da nossa sociedade e da nossa comunicação. Além disso, os professores devem ter condições de atender às demandas de interação com os estudantes, bem como de dar feedbacks sobre todas as atividades realizadas. Por último, as didáticas devem estar vinculadas às realidades dos estudantes, ligando a prática educativa aos saberes das comunidades.  Pois pensar na qualidade do ensino é compreender e respeitar a individualidade dos alunos, na busca de superação dos desafios que podem ser específicos. Entendemos que as reflexões deste estudo permitem compreender a realidade que muitos dos estudantes estão vivenciando nessa pandemia, além de vários outros fatores e questões vivenciados o que nos permite buscar soluções.  

[1] Maria Flor é estudante da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Esta pesquisa foi supervisionada pelo professor Vítor Sousa Dittz, da Escola Estadual Professor Leopoldo Pereira, e orientada pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro, da UFVJM, no âmbito do PIBID-UFVJM.

Agradecimentos aos estudantes-sujeitos e suas famílias, bem como ao diretor da E. E. Professor Leopoldo Pereira, o professor Maycon Souza.

Alguns números sobre o ensino remoto na comunidade de Milho Verde – Parte 1

Alguns números sobre o ensino remoto na comunidade de Milho Verde – Parte 1

Por Adelaine Aparecida Santos [1]

Este texto analisa o resultado de uma pesquisa quantitativa, cujo objetivo principal foi levantamento de informações e dados sobre as percepções de 13 estudantes sobre o ensino remoto. Os entrevistados estudam na Escola Estadual Professor Leopoldo Pereira, situada em Milho Verde, distrito de Serro – MG. O método adotado para o levantamento dos dados foi a aplicação de um questionário com 37 perguntas fechadas e um comentário aberto opcional, enviado em um formulário do Google.

Avisados da confidencialidade da pesquisa, participaram, no total, 13 alunos do ensino médio, todos residentes de Milho Verde.  Sendo que no primeiro e terceiro ano estudam 30% em cada e no segundo ano, 40%. Dos alunos que responderam, 30% eram do sexo masculino e 70 % do feminino, na faixa etária de 15 a 19 anos, sendo que a maior parte, 60%, possui 17 anos.

Desses alunos, 90 % moram com seus pais. Sobre anos de estudos, 50% dos pais não têm ensino fundamental completo, 30% possuem o ensino médio incompleto e 20% finalizaram o ensino médio. Poucos conseguiram estudar até o ensino superior, 20% das mães. Ainda entre alas, 40% não finalizaram o ensino fundamental e 30% finalizaram o ensino médio. Embora o grau de escolaridade das mães seja maior que dos pais, nota-se pelos dados que ambos possuem baixo grau de escolaridade, com poucas exceções. O número de membros da família que moram numa mesma casa varia entre 4 e 7 pessoas, sendo que entre os alunos que responderam 30% possuem 5 a 6 pessoas em casa. Para o sustento da família, além de algum membro familiar trabalhar, 80 % recebem benefício social, sendo: 50% das famílias recebem Bolsa Família, 10% recebem Bolsa Escola, 20% conseguiram o Auxílio Emergencial do governo federal durante este tempo de pandemia. 20% não recebem nenhum tipo de benefício do governo e a pesquisa não teve alcance para elucidar as razões.

Todos os estudantes possuem em casa acesso a pelo menos 1 celular para os estudos e a interação em tempos de distanciamento social, sendo eu muitas vezes o equipamento é dividido com outro(s) familiar(es). Apenas 30% dos estudantes possuem notebook. Quanto à internet na residência, parte dos entrevistados, 50%, possuem internet via antena, 25% a cabo e 25% apenas no 4G. 50% possuem internet pré-paga nos celulares, que descrevem com qualidade limitada, já que normalmente a velocidade não passa de 3G.

Neste momento de pandemia, com o ensino remoto, todos sabemos que estar conectados à internet é essencial. No entanto, a minoria dos alunos tem acessado às videoaulas produzidas, sendo que 30 % dos estudantes afirmam fazer pesquisas de conteúdos como videoaulas no Youtube. Para a interação, um aplicativo chamado Conexão Escola 2.0, que funciona como um chat, também foi criado; mas apenas 40% dos estudantes declaram utilizá-lo. Já o aplicativo WhatsApp, opção “não” oficial para as interações, é usado por 80% dos estudantes que responderam à pesquisa. Já o Google Sala de Aula, um aplicativo onde é possível disponibilizar materiais diversos, é acessado por apenas 10 % os respondentes.

Quando perguntados sobre a disponibilidade de acesso à internet no celular ao longo do mês, 50% de estudantes utilizam planos pré-pagos, sendo que 90% responderam que a internet tem duração de 21 a 30 dias e os outros 10% de que a internet dura entre 11 e 20 dias. No entanto, 75% do total têm acesso a outro tipo de internet: cabo ou antena. Sobre a qualidade da internet, 80% responderam que é estável. Atualmente 80% dos alunos afirmam que realizam suas recargas de crédito no celular sem ajuda dos pais e 20% dependem dessa ajuda. 50% dos alunos declararam que estudam de 1 a 3 horas por semana, enquanto 30% estudam de 4 a 6 horas e 20%, de 7 a 11 horas. Vemos que o tempo destinado aos estudos é baixo se comparado com o tempo das aulas presenciais.

Em 2021, segundo ano do ensino remoto imposto pela pandemia, 100% dos alunos afirmaram que a escola tem utilizado mais ferramentas de ensino remoto e de comunicação que no ano passado, o que mostra maior emprenho e, provavelmente, maiores conhecimentos sobre as tecnologias e as práticas novas. Os grupos de WhatsApp têm sido um importante meio de comunicação ultrapassando ainda o aplicativo Conexão Escola. Entre os entrevistados 80% utilizam mais o WhatsApp, sendo que a escola instituiu um grupo de WhatsApp para cada turma.

Conclui-se que na maioria das vezes o que implica em um resultado negativo não é somente a falta de acesso a rede de internet de qualidade, mas também o baixo grau de escolaridade dos pais que muito influenciam neste processo, tal como os números mostram. Os alunos ainda declararam que este ano 95% dos professores têm interagido mais e que, apesar das dificuldades, o que se nota é que a escola tem fornecido mais apoio aos estudantes com diversas ferramentas. 

[1] Adelaine é estudante da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Esta pesquisa foi supervisionada pelo professor Vítor Sousa Dittz, da Escola Estadual Professor Leopoldo Pereira, e orientada pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro, da UFVJM, no âmbito do PIBID-UFVJM.

Agradecimentos aos estudantes-sujeitos e suas famílias, bem como ao diretor da E. E. Professor Leopoldo Pereira, o professor Maycon Souza.