Um degrau da minha vida

Um degrau da minha vida

Por Eliude de Sousa Ferreira [1]

Nasci na cidade de Itamarandiba, no estado de Minas Gerais, e vivi minha infância na comunidade de Sapucaia, no município de Aricanduva-MG (Aricanduva é um município vizinho de Itamarandiba), onde ainda moro.

Meu primeiro contato com a escrita foi em minha casa. Antes de frequentar a escola, minha mãe me ensinou a escrever meu nome completo, os números de zero a dez, o alfabeto e o nome das cores. Ainda não sabia a distinção entre vogal e consoante. Desde pequena ouvia histórias quando ia para casa da minha avó: ao anoitecer, ela assentava no fogão e começava a contar histórias. Aquele era um momento muito, considerando que naquela época não tínhamos televisão.

O primeiro livro que eu tive acesso foi a bíblia, pois era o único que havia em minha casa. Quando meus irmãos mais velhos começaram a estudar, tive a oportunidade de ver os livros que eles levavam para casa, mesma época em que minha mãe também havia levado alguns livros para casa.

Com seis anos, aprendi a escrever meu nome, e com sete anos entrei na escola, como já sabia pegar no lápis não tive muitas dificuldades no início. Não dá para esquecer a régua de madeira que a professora do primeiro ano usava. Ela utilizava aquela régua todos os dias para apontar as sílabas das palavras que estavam escritas no quadro. A dificuldade que eu tinha, na verdade, era a distância de cerca de cinco quilômetros que precisávamos caminhar para ir e para voltar da escola. Foi um período muito difícil, pois a aula começava às 12 horas, estudávamos até 16 horas. Lembro-me que já saíamos da escola com fome e ainda tínhamos que andar cinco quilômetros para chegar em casa e jantar. No caminho de volta para casa, encontrávamos algumas frutas, como amora, na beira da estrada, o que provocava até brigas entre nós, e vez ou outra comíamos até limão no caminho. Foi muito difícil.

Meus pais sempre me incentivaram a estudar, diziam que quem estuda tem uma vida melhor. Na escola em que estudei o ensino Fundamental I não possuía biblioteca, havia apenas um armário de livros, usados em sala de aula. Além de atividades, os professores exigiam que os alunos fizessem leituras, às vezes coletivas, às vezes individuais, para saber como estava o desenvolvimento de cada aluno. Não tínhamos professor de Educação Física, costumava-se estender o horário do recreio para desenvolver jogos e brincadeiras com os alunos.

Após concluir o quinto ano na escola da comunidade que era vizinha da minha, fui estudar na Escola Estadual Teodomiro Caldeira Leão, em Aricanduva, Minas Gerais, e muita coisa mudou. Lá havia biblioteca, a professora de português incentivava a gente a ler e eu gostava de ler romances.  Às vezes, lia livros de poesia também. Nessa escola, conclui o Ensino Médio.

Em 2018, consegui ingressar na Universidade, cursando Linguagens e Códigos na Licenciatura em Educação do Campo. A faculdade mudou meu hábito de leitura, pois antes eu lia textos mais simples. Alguns eu ainda leio, porém, outros foram substituídos por textos científicos. Esses textos científicos que leio normalmente são textos indicados pelos professores, e os considero muito importantes para minha formação como futura educadora.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Um novo olhar

Um novo olhar

Por Elisete Martins da Silva [1]

Lembro-me que desde muito nova queria ir para a escola, sonhava em aprender a ler e a escrever. Ao ver minha irmã e prima indo para a escola todos os dias, pedia à minha mãe para que eu pudesse começar a estudar também, porém, como não tinha a idade certa, ela não deixava.

 Um dia, minha prima comentou com a professora que eu estava querendo estudar, mas devido à idade, ainda não podia. Então, a professora disse que eu poderia ir de vez em quando para a escola até que chegasse a época certa para que eu começasse a estudar. Nossa! Fiquei muito feliz com aquela notícia.

No outro dia, acordei logo cedo empolgada para ir à escola, pois era um sonho que estava sendo realizado. Morava na zona rural, e a escola era lá mesmo, entretanto não muito próxima da minha casa. Desta forma, íamos a pé ou de bicicleta.

Comecei a ler e a escrever desde muito nova, com aproximadamente seis anos, porém meus primeiros contatos com os livros foram na escola. Lá, os professores liam para nós na sala de aula, mas também podíamos levar livros para casa. Isto aguçou meu interesse pela leitura. Os livros que eu mais gostava de ler eram os livros da “Chapeuzinho vermelho”, “Os três porquinhos”, “Poesias das borboletas” o livro de “Piadas”. Na escola também havia biblioteca e armários com livros aos quais tínhamos acesso.

Como antigamente poucas pessoas tinham acesso à escola, meus pais estudaram somente até o 4º ano: sabiam apenas escrever os nomes, e liam pouca coisa através da junção das sílabas.

Apesar desta dificuldade na alfabetização, meus pais eram, de certa forma, “letrados”, pois nas práticas demonstravam um conhecimento limitado. Ou seja, meus pais conseguiam ler o mundo naturalmente, através do cotidiano e dos conhecimentos passados pelos antepassados, mas sem que tivessem um conhecimento escolar específico.

No Ensino Fundamental II, do sexto ao nono ano, achei tudo muito bom, porque fazíamos muitas apresentações teatrais como uma forma de retratar o que havíamos aprendido em sala de aula, embora tivéssemos estudado pouco sobre literatura. Líamos os textos, fazíamos resumos, respondíamos questões e sempre ficávamos apenas nisso. Não tínhamos, em minha opinião, um letramento crítico que visasse questionar o texto, a história, uma reflexão.

No Ensino Médio, tive muitas experiências exitosas: na matéria de artes, fizemos muitas aulas práticas, como, por exemplo, para a reutilização de materiais recicláveis e objetos que não tinham mais utilidade, transformando-os em peças decorativas. Havia também uma feira cultural no mês de agosto na qual os referidos objetos eram expostos juntamente com outros artefatos de antiguidade, que faziam parte da cultura regional, além de receitas culinárias, mudas de plantas e remédios caseiros, que eram partilhados com os visitantes. Estudamos literatura, mas superficialmente, incluída na disciplina de português.

Por fim, a universidade está sendo muito importante para o meu crescimento intelectual, pois estou descobrindo a literatura, compreendendo-a melhor e vendo o verdadeiro sentido dela e de como olhar criticamente a realidade.

Sabendo que a leitura nos impulsiona e nos faz refletir sobre a vida e o mundo, posso destacar a importância destas experiências enquanto discente da Licenciatura em Educação do Campo. Posso afirmar que, a partir do curso, estou sendo motivada a ler cada vez mais, e isso é apenas o começo para esse novo mundo onde a literatura está presente. Dessa forma, pensando em um ensino de qualidade, é imprescindível levá-la a cada pessoa, e principalmente aos nossos futuros alunos, mostrando o verdadeiro sentido da literatura, não a deixando ser limitada.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Lembranças

Lembranças

Por Elisama de Sousa Ferreira [1]

Nasci em uma família de pessoas semianalfabetas, meu pai estudou apenas alguns dias devido à falta de recursos financeiros enfrentados na casa de meus avós. Já minha mãe concluiu a antiga terceira série do ensino primário. Quando eu tinha dois anos, minha mãe resolveu voltar a estudar, por meio de um programa social que na época se chamava Bolsa Escola. Aos três anos de idade, eu já tinha contato com a leitura por meio de bíblia, cadernos que minha mãe usava na escola e um livro didático que ela possuía. Apesar de minha mãe ter estudado pouco, considero-a minha primeira professora, tendo em vista que ela me ensinou os primeiros passos com os números de um a dez, a escrever o meu nome, algumas letras do alfabeto e as cores.

Com cinco anos, comecei a estudar na Escola Municipal Alberto Fernandes, percorrendo o trajeto de dez quilômetros de transporte de segunda a sexta-feira. Na escola, a turma era multisseriada, mas alguns desafios eu já havia vencido, como saber segurar o lápis e a escrever o meu nome, o que facilitou o trabalho da professora. As atividades desenvolvidas no Ensino Fundamental, desde a frase introdutória como era chamada na época, eram aprender o alfabeto, formar sílabas, números, utilizar o caderno de caligrafia para aprender escrever no tamanho padrão. Do Ensino Fundamental I para o II muitas foram as diferenças encontradas, pois as matérias eram estudadas separadamente com cada professor e com o tempo determinado de 50 minutos para cada aula, o que exigia mais atenção, levando em conta que somente as disciplinas de português e de matemática tinham aulas quase todos os dias, além de acrescentar uma matéria nova de inglês.

Desde o início da minha alfabetização, sempre fui incentivada pelos meus pais, não sei se é este o motivo de sempre gostar de estudar. Sempre gostava de ler histórias em quadrinhos, coleção de livros infantis da escola, o que mais tarde foi substituído por histórias em quadrinhos e livros que a leitura era exigida pela professora no Fundamental II. Na biblioteca da escola onde cursei o Fundamental II e Ensino Médio, os livros eram acessíveis, tendo, então, várias opções de leitura. A professora avaliava as leituras, por meio de resumo do livro além de ter que contar a história na sala de aula. Enquanto a história estava sendo contada, os alunos e a professora podiam fazer perguntas relacionadas ao livro. Esta atividade acontecia uma vez a cada bimestre e era considerada importante, visto que seria uma forma do aluno praticar a leitura, pois não havia aula especificadamente para literatura. A escola promovia concurso de redação, mas a participação não era obrigatória.

Ao chegar à Universidade, notei a mudança na minha rotina de leitura, pois muitos textos que anteriormente eu lia tiveram que ser deixados de lado em detrimento da leitura dos textos científicos sugeridos pelos professores. Esses textos são de difícil compreensão, trazem palavras novas que requerem mais dedicação para serem interpretadas, mas, a meu ver, são de grande relevância para o meu aprendizado, trazendo diferentes maneiras de ver o mundo. Fazer as leituras sugeridas pelos professores no Tempo Comunidade é mais fácil, pois no Tempo Universidade a correria do dia a dia é maior e sempre se acumulam trabalhos de matérias diferentes que precisam ser realizados, e, com isso, o tempo precisa ser dividido segundo a necessidade de leitura para cada disciplina.

Minha expectativa, enquanto futura educadora do campo, é proporcionar aos alunos uma maneira de estudar os conteúdos curriculares contextualizados com a realidade que eles vivem.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Memorial minha vida no contexto escolar

Memorial minha vida no contexto escolar

Por Debora Jades Vieira Rios Aguilar

Meu primeiro contato com a alfabetização iniciou-se com a escrita do meu nome. Com minha mãe, pratiquei a leitura de historinhas dos livros didáticos dos meus irmãos, que já estudavam, e ia me ensinando a ler. Minha mãe me contava histórias da época de sua própria infância, além de me ensinar músicas infantis. Meu interesse pela leitura se deu a partir do incentivo de minha mãe e de meu contato com os livros didáticos de meus irmãos. Meus pais tinham como tarefa diária me ensinar a escrever. Aos sete anos, fui matriculada na escolinha de minha comunidade, onde comecei a ter contato com massinhas de modelar e desenhos, mas, com o passar do ano, ainda não conseguia ler. E, mais uma vez, o meus pais intervieram, colocando a tarefa de me ensinar a ler para meus irmãos. Comecei a soletrar, conhecer as palavras e a desenvolver a leitura.

Os livros escolares dos anos iniciais continham pequenos parágrafos coloridos na parte superior do livro, e meu aprendizado se tornou efetivo a partir destes textos. Na escola, quando foi chegada a fase que teríamos que saber ler, eu já havia antecipado este aprendizado em função do apoio da família, porque já possuía o hábito da leitura. Nesta fase de aprendizagem, na escola do ensino Fundamental I, eu tinha muito contato com desenhos, músicas, pequenos textos e pinturas. Dedicávamos a maior parte do tempo a desenhar e escrever o nome e os números, pois possuíamos apenas uma professora para duas salas, que ministrava matemática e português.

No Ensino Fundamental II, percebi que as atividades com desenhos diminuíram e passamos a aprender com textos maiores e palavras novas. A professora sempre nos passava textos com palavras desconhecidas para que conhecêssemos melhor o significado das palavras que estávamos lendo. Já trabalhávamos mais com atividades de leitura e produção de textos. Outra atividade diária era fazer resumos de nossas leituras, que no ensino médio se intensificou. Os textos complexos se tornam mais frequentes. A biblioteca da escola era aberta a todos, e lá poderíamos realizar trabalhos escolares com consulta aos livros, mas havia algumas restrições: só podíamos levar para casa apenas dois livros e com prazo de empréstimo de uma semana ou no máximo duas. Já peguei livros para ler, pois leitura em casa me dava prazer. A bibliotecária da escola dividia os livros pelas séries de cada aluno. No Ensino Médio, tive maiores experiências com livros, pois os trabalhos escolares eram desempenhados a partir deles. Acredito que a leitura contribuiu para o meu aprendizado, pois algumas palavras já não me eram tão estranhas ou diferentes e a compreensão dos textos agora é maior. Também fui melhorando a escrita, tendo em vista que errava muito a ortografia. Adquiri facilidade em produção de resumos e rapidez na leitura. Hoje já não tenho mais este hábito de pegar livros emprestados, talvez pelas indicações de leituras teóricas feitas pelos professores da universidade. Não tive mais contato com os livros ou com a biblioteca apenas pelo livre prazer da leitura.

Entrei na Universidade no ano de 2018, ano marcado por muitas descobertas, porque não tinha muito conhecimento de textos científicos e a produção de textos acadêmicos. Elaborar o primeiro relatório foi um desafio para mim, pois não tinha o costume de escrever trabalhos daquela natureza. As atividades em sala de aula, com apresentação de trabalhos, seminários e debates, incluem discussões dos textos científicos, tarefas que ainda hoje considero difíceis. Hoje, estou no terceiro período e enxergar este momento com outros olhos, olhos mais maduros. A Universidade me proporcionou crescimento em relação ao processo de letramento, ao diálogo com questões que nos cercam, à compreensão das questões que envolvem nossas relações sociais e ao processo de escrita. As maneiras que estas relações nos moldam, mudam as formas que compreendemos o mundo. Vejo que a leitura esteve muito presente em minha vida escolar, mas pude entender o conceito de literatura somente na Universidade, ir além do conteúdo, buscando contextualizar as reflexões com nossa visão de mundo. Pude ver que meu percurso escolar, mesmo que por vezes tivesse falhas, contribuiu para que eu esteja onde estou, e que o letramento que adquiri foi fruto de todo este processo escolar, no qual pude ter outra visão da literatura e dos letramentos. Não devemos nos impor limites por causa da ignorância ou arrogância, por vezes imposta de modo oculto pelas próprias escolas. Penso que devemos ser abertos ao mundo e às inúmeras possibilidades de questionamentos, de leituras, e que não há algo programado que nos impõem e deveríamos executar.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.