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Júnia de Almeida Freire, Pedra Azul/MG
Na minha casa, vivia uma grande família. Éramos dez: pai, mãe e oito filhos. Não era uma vida fácil, mas éramos felizes com o pouco que tínhamos. Meus pais faziam questão de ensinar princípios e nos incentivavam a estudar, pois eles não tiveram as oportunidades que nós tínhamos. Na época deles, ou se estudava ou se trabalhava na roça.
Muitas vezes, compartilhávamos a mesma mochilinha: um usava pela manhã e o outro, à tarde. Os cadernos eram encapados com papel de pão ou saquinho de açúcar, e os lápis de escrever eram aguardados com expectativa, como se fossem o tão esperado pacote de macarrão. O uniforme da escola era uma jardineira azul com blusa branca, que precisava ser lavada assim que chegávamos da escola, para ser usada no dia seguinte.
Lembro-me também da ansiedade de esperar a nossa vez de tirar a maravilhosa foto com os bracinhos cruzados ao lado dos livros e do globo terrestre. Tínhamos livros que meus irmãos mais velhos ganhavam na escola e traziam para casa. Eu adorava folheá-los, olhando as gravuras, pois ainda não sabia ler.
Eles também traziam revistas em quadrinhos e álbuns de figurinhas, que compravam na banca de revistas ou nas vendas próximas de casa, sempre na expectativa de encontrar a tão sonhada figurinha premiada. Também tínhamos o hábito de brincar de missa, usando os folhetos que meus pais traziam das missas aos domingos.
Iniciei os estudos aos seis anos, no pré-escolar, com a tia Luiza, uma professora exemplar, dedicada e carinhosa. Já conhecia o alfabeto e, aos poucos, fui aprendendo a escrever meu nome completo, o nome da escola e o da professora, tudo com o auxílio das fichas. Gradualmente, a leitura foi sendo introduzida na minha vida, e fui tomando gosto por ela.
Adorava ler livros, textos e até as provas impressas. O cheiro de álcool do mimeógrafo me fazia sentir parte da história. Adorava ir à biblioteca e pegar livros emprestados para ler em casa. Aprendi também a contar e, quando já dominava as continhas, adorava comprar balas na venda com as moedas que ganhava do meu pai ou dos meus irmãos. Tive uma infância feliz e aprendi a valorizar o pouco que meus pais podiam nos oferecer.
O tempo foi passando, e fui criando o hábito da leitura. Amava o livro “O Barquinho Amarelo”, os contos e a poesia “As Borboletas”, de Vinícius de Moraes, que me marcou muito.
Quando estava na quarta série, perdi meu pai. Meu mundo desabou, mas, aos poucos, aprendi a lidar com a saudade e a seguir em frente. Ocupei minha mente com os estudos pela manhã e com aulas de crochê à tarde.
Quando cheguei ao ensino médio, como já gostava de ler, fui tomando gosto pelos livros de romance, livros espíritas e histórias. É notório que minha letra melhorou muito, assim como minha dicção. Apesar de ainda sentir um pouco de receio ao falar em público, confesso que a leitura me ajudou bastante.
Em meio a tantas dificuldades, formei-me no magistério no ensino médio aos 17 anos. Mas, como não tínhamos o acesso e as facilidades que temos hoje, não consegui fazer uma faculdade naquela época. No entanto, nunca desisti do sonho de ter um curso superior, e hoje tenho essa oportunidade, pela qual agradeço a Deus.
Ao revisitar o passado, muitas memórias vieram à tona. Pude reviver momentos que me fizeram ser a mulher que sou hoje.
SOBRE A AUTORA:
Júnia de Almeida Freire, de Pedra Azul/MG, é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), onde cursa Pedagogia. Produziu este relato na disciplina Práticas de Leitura e Produção de Textos, ofertada de julho a novembro de 2024.
A orientação deste trabalho e a organização do e-book foram realizadas por Carlos Henrique Silva de Castro, Kátia Lepesqueur e Virgínia Batista.