Palavras e passados: recordações literárias

 

 

As memórias são janelas para o passado, pois revelam os caminhos que trilhamos e os momentos que nos moldaram. Elas carregam consigo as experiências, emoções e aprendizados que construíram nossa identidade ao longo dos anos. Em um mundo cada vez mais acelerado, revisitar nossas memórias é uma forma de valorizar nossa trajetória e compreender melhor quem somos.

Este texto de memórias pretende resgatar as recordações da minha relação com a leitura e a escrita, desde a infância até os dias atuais. Por meio dessas lembranças, espero compartilhar a evolução da minha jornada literária e destacar as influências que foram fundamentais para o desenvolvimento do meu amor pelos livros e pela palavra escrita. Segundo a professora Sara Rojo, o progresso da linguagem escrita ou do processo de letramento infantil está relacionado ao nível de letramento das instituições sociais onde a criança se encontra, assim como as diversas formas de engajamento em práticas discursivas orais através de atividades cheias de significado.

Para iniciar este relato de memória, irei falar um pouco sobre a minha infância. Passei minha infância em um lugar chamado Serra da Bicha, que era afastado de tudo e de todos. A casa mais próxima ficava a cerca de 20 minutos de distância. Não havia estrada para carro; para fazer compras, meus pais iam a Capivari ou pegavam o burro e iam para São Gonçalo do Rio das Pedras. Dormiam na casa de parentes e, de manhã, pegavam o ônibus de Diamantina, faziam uma compra bem grande e voltavam para São Gonçalo do Rio das Pedras. Colocavam as compras no burro e voltavam para casa. Minha mãe e minha avó eram analfabetas, e meu pai mal sabia escrever o nome.

Antes dos meus sete anos, pelo que me lembro, minha infância não foi marcada por uma forte presença de textos escritos. Só tive contato com um livro de matemática, que tinha muitos desenhos e que era da minha avó, e mesmo assim ele desapareceu rapidamente. Não era comum ver livros, jornais ou revistas em minha casa. Antes de frequentar a escola, minha relação com a escrita era quase inexistente. Aprendi as primeiras letras na escola, aos sete anos de idade. A experiência foi desafiadora no início, pois não tinha muita familiaridade com o universo das letras e das palavras.

Quando comecei os estudos, fui morar com minha madrinha (mãe) na comunidade de Capivari. Nos primeiros anos escolares, comecei a desenvolver uma relação mais próxima com a escrita. As aulas de alfabetização eram momentos de descoberta, e lembro-me de escrever pequenas palavras e frases simples. Todos os dias, minha professora escrevia no quadro o nome da escola, o dia, o mês e o ano por extenso. Eu tinha muita dificuldade, mas fui aprendendo aos poucos. A escola desempenhou um papel fundamental em meus letramentos iniciais. Foi no ambiente escolar que tive o primeiro contato consistente com livros e outros materiais de leitura. As atividades escolares me ajudaram a melhorar minhas habilidades de leitura e escrita.

Minha relação com a matemática também começou na escola. Aprendi a contar e a reconhecer números com a ajuda dos professores. Não tenho lembranças claras de saber contar antes de ingressar na escola. Com o tempo, aprendi a somar e subtrair, e essas habilidades se consolidaram com a prática contínua ao longo dos anos escolares. Quando entrei na escola, não sabia fazer contas complexas. Os problemas matemáticos eram desafiadores, mas, com o apoio dos professores e a prática regular, comecei a entender melhor os conceitos matemáticos.

Durante minha vida escolar, não tive acesso a diferentes gêneros textuais. No ensino fundamental I, a escola era bem pequena, tinha somente duas salas, dois banheiros pequenos e uma cozinha. As professoras davam aula para duas turmas ao mesmo tempo. Não havia muitos livros; até os livros didáticos tínhamos que compartilhar com os colegas. Lembro-me de que, no quinto ano, minha professora, chamada Marina, nos obrigava a escolher um livro, ler e depois contar para os colegas. Porém, não havia livros para todos, e os que havia não eram de fácil entendimento.

No ensino fundamental II, perdi meu grande herói, meu pai. Fui morar com minha mãe em outra cidade e lá não tive professores que incentivavam a leitura. Também não era madura o suficiente para entender a importância da leitura e ler por conta própria. No ensino médio, comecei a trabalhar e tinha pouco tempo, pois trabalhava das sete às 17 horas, arrumava no serviço e ia direto para a escola. Chegava em casa por volta das 22h30, tinha apenas tempo para comer, tomar um banho e dormir. As escolas que frequentei tinham bibliotecas, mas eu não era muito motivada a frequentá-las. Minhas visitas à biblioteca eram geralmente para cumprir tarefas escolares específicas.

Comecei a ler depois de me formar no ensino médio. Nessa época, sentia-me sozinha, pois havia me mudado para Belo Horizonte para trabalhar. Depois do horário de trabalho, não tinha nada para fazer ou ver. Foi quando comecei a ler romances, que me permitiram imaginar vários cenários na minha cabeça. A leitura me transportou para outros mundos, proporcionando uma fuga e um conforto que não encontrava na minha nova rotina.

Segundo Brito (2010), ler é uma prática agradável e poderosa, pois estimula a capacidade criativa, amplia o conhecimento e oferece uma nova perspectiva sobre o mundo. O leitor estabelece uma conexão dinâmica entre a fantasia dos livros e a realidade de seu ambiente social. Nesse cenário fascinante, a criatividade, a imaginação e o raciocínio se destacam, abrindo um leque de possibilidades.

Na universidade, meus hábitos de leitura e escrita mudaram. Passei a ler mais textos acadêmicos e a escrever de forma mais crítica e analítica. Essas mudanças trouxeram aspectos positivos; minha capacidade de compreensão e análise textual melhorou significativamente. Atualmente, leio tanto autonomamente quanto os textos recomendados pelos professores e participo de grupos de leitura, o que enriquece ainda mais minha experiência literária.

No entanto, sinto que os professores do ensino fundamental e médio poderiam ter me preparado melhor. Se tivesse tido um contato mais profundo e constante com a leitura desde cedo, talvez minha transição para a leitura acadêmica e a escrita crítica tivesse sido mais natural. Mesmo assim, valorizo cada etapa da minha jornada, pois cada livro e cada texto lido contribuíram para o meu desenvolvimento pessoal e intelectual.

Como futura professora, pretendo cultivar uma relação constante e significativa com a leitura e a escrita. Quero inspirar meus alunos a descobrir o prazer da leitura, proporcionando-lhes as ferramentas necessárias para desenvolver essas habilidades de forma plena e enriquecedora. Pretendo criar um ambiente de aprendizado onde a curiosidade e a criatividade sejam incentivadas, permitindo que cada aluno encontre seu próprio caminho no mundo das palavras.

Cada etapa da minha vida contribuiu para o desenvolvimento das habilidades que valorizo e que continuarei a aprimorar no futuro. Minha experiência pessoal mostrou como a leitura pode ser uma fonte de conforto, conhecimento e crescimento. Desejo transmitir essa paixão aos meus alunos, ajudando-os a reconhecer o poder transformador da leitura e da escrita. Assim, espero não apenas educar, mas também inspirar uma nova geração de leitores e escritores apaixonados, preparados para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades que surgirem em suas vidas.

Ao refletir sobre minha trajetória de leitura e escrita, percebo como cada etapa, desde minha infância até minha vida adulta, desempenhou um papel crucial no desenvolvimento das minhas habilidades literárias. As dificuldades e limitações que enfrentei, tanto em termos de acesso quanto de motivação, foram superadas pela descoberta do prazer da leitura e pelo impacto transformador que os livros tiveram em minha vida.

Minha experiência pessoal me ensinou que a leitura é uma janela para outros mundos e uma ferramenta poderosa para o crescimento intelectual e emocional. Essas memórias moldaram não apenas quem sou hoje, mas também meus objetivos futuros como educadora. Como futura professora, estou determinada a criar um ambiente de aprendizado que valorize e incentive a leitura e a escrita, proporcionando aos meus alunos as oportunidades que me faltaram no início.

Quero ser uma fonte de inspiração para meus alunos, ajudando-os a descobrir o prazer da leitura e a importância da escrita em suas vidas. Ao transmitir minha paixão pelos livros e pelo conhecimento, espero cultivar uma nova geração de leitores e escritores apaixonados, preparados para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades que a vida lhes oferecer.

Assim, cada livro lido, cada texto escrito e cada memória revisitada não só enriqueceram minha vida, mas também me prepararam para inspirar e educar aqueles que cruzarem meu caminho. Continuarei a aprimorar minhas habilidades e a valorizar cada etapa da minha jornada literária, sempre buscando transmitir aos meus alunos o poder transformador da leitura e da escrita.



SOBRE A AUTORA:

Claudiana Silva Sincurá é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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