Por Irene dos Santos Lopes [1]
Apresento aqui um pouco da minha história de vida. Eu nasci e cresci na comunidade quilombola de Suaçuí, zona rural da cidade de Coluna, no vale do Rio Doce, leste de Minas Gerais. A minha família trabalhava com plantação de milho, feijão, mandioca etc. Desde os três anos de idade já tinha uma enxadinha para as tarefas da roça. Não tive contato com leitura e escrita em casa. Aprendi minhas primeiras letras na escola, e foi bastante difícil, pois demorava a entender as letras. Lia e escrevia apenas na escola, pois em casa não tinha tempo: meus pais precisavam da minha ajuda. Eram muito rígidos, e eu tinha que fazer tarefas de casa e da roça, mas tinha incentivo deles na escola também.
Não escrevia letras, mas fazia alguns rabiscos. A escola foi uma das motivadoras na minha iniciação escolar. A comunicação era mais difícil, mas ouvia alguns poemas infantis, recitados por meus irmãos mais velhos.
Entrei na escola aos sete anos, mas não tinha horário fixo para as aulas. As professoras vinham da cidade que ficava a uns vinte quilômetros da comunidade. Não havia energia elétrica, nem transportes e, algumas vezes, não tinha merenda. Na escola não existia biblioteca, e os livros didáticos eram poucos e não podiam ser levados para casa. A escola criou o cantinho de leitura, com livros compartilhados de outra escola do município. Na sala de aula tínhamos que compartilhar os livros com os demais colegas. O livro que eu mais gostei foi o que contava a história da “Menina bonita do laço de fita”. Quando mudei da escola municipal para a estadual, fora do município, encontrei uma biblioteca, mas eu não lia muito, porque chegava da escola e tinha muitos afazeres domésticos e alguns deveres escolares para fazer à noite, à luz de lamparina. Gostava de livros de poesia, entretanto não pegava livros com medo de sujá-los ou sumi-los. Apenas fazia algumas leituras quando a professora mandava.
Conclui o Ensino Médio e continuei na comunidade, ajudando meus pais a cuidar dos irmãozinhos menores e com a lida da roça. Dez anos depois, através da ajuda do meu irmão, que já tem mais contato e facilidade com o mundo tecnológico, soube do curso de Licenciatura em Educação do Campo. Ele nos inscreveu no vestibular. Eu consegui passar na segunda tentativa, e aqui estou no terceiro período. Enfrento muitas dificuldades, tanto para acessar as ferramentas, como computador, plataformas digitais que necessitamos, quanto para dar conta das leituras dos textos científicos. A partir do contato com os textos e das explicações dos docentes do curso, estou aprendendo a ter outras perspectivas: a leitura crítica faz diferença, principalmente, para entender o meio onde vivo, as notícias, as leis e tudo que faz diferença em nossas vidas, principalmente, o debate político e histórico em que se inserem nossas histórias culturais e lutas.