Minhas trajetórias de letramento

Minhas trajetórias de letramento

 

Sou uma mãe de 21 anos e venho de uma comunidade tradicional com poucas oportunidades de ingresso em uma universidade federal. Atualmente, estou cursando o sexto período do curso de Licenciatura em Educação do Campo e, ao relembrar as diversas dificuldades e escassas oportunidades de ter uma educação mais completa em minha casa, percebo o quão importante foi cada esforço e superação para alcançar esse objetivo.

Ao relembrar minha trajetória educacional, recordo-me de como o incentivo à leitura e à escrita era quase inexistente em meu ambiente social. Meus pais, por falta de paciência e tempo, não me apresentavam livros e textos. Foi somente no início da minha alfabetização que tive meu primeiro contato com a escrita. A partir daí, fui conhecendo e entendendo, aos poucos, alguns textos. Foi através da escrita que pude descobrir a magia das palavras

Meu primeiro contato com a leitura foi aos seis anos de idade, quando iniciei a fase de alfabetização. Aprendi a escrever meu nome e comecei a utilizar diversos objetos para praticar a escrita. Lembro-me de escrever na areia com um pedaço de madeira e até mesmo nas paredes da minha casa, o que causava brigas com meus pais. Desde criança sempre admirei o hábito da leitura e da escrita, porém, devido às condições financeiras e à falta de incentivo, não tive acesso a uma variedade de livros. Mesmo diante disso, fazia o possível para me envolver com a leitura, seja através de livros emprestados da biblioteca da escola ou de revistas antigas encontradas na casa dos meus avós.

Lembro-me de quando a escola proporcionou um projeto literário que se mostrou bastante acolhedor e me ajudou a melhorar minha leitura. Ele fez com que os estudantes viajassem e mergulhassem em um mundo que se interpreta por si só, pois a leitura tem o seu próprio método de ensinar, na perspectiva de ser libertadora.

O projeto desenvolvido na escola tem uma função especial na minha vida, pois amenizou os impactos gerados pela falta de contato com livros na minha infância. Acredito que a leitura possibilita a emancipação do cidadão, tornando as pessoas críticas e conscientes. Também creio que a literatura é um direito, como defendia Antônio Cândido. Mais do que decodificar signos, ler vai além da palavra escrita e deve promover a compreensão da realidade e permitir que o indivíduo se torne um agente transformador, social e cultural, em seu meio.

Foi através desses pequenos trabalhos desenvolvidos na escola e do curso da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), no qual estou inserida hoje, que fui ampliando meus horizontes e adquirindo novas habilidades. Vejo como a leitura e a escrita se tornaram ferramentas essenciais na minha jornada de aprendizagem e crescimento profissional e pessoal. Mesmo sem as mesmas oportunidades que muitos, percebi que o conhecimento adquirido através da leitura é algo que ninguém pode me tirar.

Hoje, olhando para trás, vejo o quanto a minha admiração pelo hábito de ler e pelo letramento foi fundamental para superar as adversidades e conquistar meus sonhos. Mesmo com poucas oportunidades, nunca deixei de acreditar no poder transformador da educação. Como futura educadora do campo, continuo buscando novas formas de me aprimorar e de compartilhar meus conhecimentos com os outros. A leitura e os letramentos me abriram portas e me mostraram que, com determinação e esforço, é possível ser uma cidadã mais criativa, crítica e reflexiva em relação às questões que me cercam.



SOBRE A AUTORA:

Maria Cláudia Barbosa Nogueira é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

Para adquirir a versão impressa, a preço de custo, CLIQUE AQUI! 

Minhas vivências aprendendo

Minhas vivências aprendendo

 

 

Tenho 25 anos e sou natural da comunidade Quilombola do Peixe Bravo, localizada em Riacho dos Machados, Minas Gerais. Desde a infância, sempre fui uma pessoa curiosa, interessada em compreender o motivo das coisas, mesmo sem saber ler ou escrever. Desde cedo, já estava em contato com o significado das palavras, dos objetos e dos sentimentos ao meu redor.

Aos 4 anos, comecei a questionar a origem das palavras, observando minhas primas mais velhas indo à escola, fazendo tarefas de casa e utilizando materiais de papelaria. Eu tinha um grande desejo de acompanhá-las, mas naquela época era pequena demais para frequentar a escola. Como não podia frequentar a escola, uma das minhas primas me presenteou com um livro antigo para que eu pudesse rabiscar e estudar. Assim, mesmo sem ter aulas formais, eu aproveitava cada momento para explorar aquele livro: rabiscava, desenhava e tentava decifrar as letras e palavras ali escritas. Foi com ele que aprendi a contar os números. 

A sensação que tenho é que tudo isso aconteceu “ontem”. Quem poderia imaginar que um simples livro velho despertaria em mim tantos sentimentos e me motivaria a gostar do aprendizado. Um dos motivos pelos quais minha mãe relutava em me matricular na escola das minhas primas era a distância considerável que eu teria que percorrer. Eram vários quilômetros a pé até chegar ao ponto de ônibus, seguidos por mais horas de viagem até chegar à escola.

Quando completei cinco anos, minha mãe decidiu me matricular na escola, apesar de suas preocupações. Ela conversou com uma professora da escola e explicou que, apesar de minha vontade de estudar ser forte, ela tinha receios devido à longa caminhada até o ponto de ônibus.

Foi nesse momento que a querida professora Selma sugeriu à minha mãe que, se eu realmente queria estudar e já estava matriculada, ela poderia me levar até o ponto de ônibus e pedir a alguém que me acompanhasse dentro do ônibus. Assim, minha mãe fez. Quando ela voltou para casa, trouxe a notícia de que eu poderia ir para a escola todos os dias, na companhia das minhas primas.

Chegou o grande momento do primeiro dia de aula. Acordei cedo, cheia de empolgação, pedindo à minha mãe para me arrumar logo, pois estava prestes a realizar um sonho. Ao entrar na sala cheia de crianças, experimentei uma mistura de ansiedade, nervosismo e empolgação. A professora Selma, com seu sorriso acolhedor, ajudou-me a encontrar minha carteira e logo percebi que ali, naquele ambiente repleto de livros, quadros e lápis coloridos, eu estava exatamente onde sempre quis estar.

Lembro-me de ser a única na turma que sabia escrever meu nome corretamente, embora ainda não soubesse ler completamente. Foi minha mãe quem me ensinou a escrevê-lo em casa, o que me fez sentir inteligente desde cedo. Além disso, meus pais sempre me contavam histórias, discutiam passagens da Bíblia e tocavam músicas em CDs no rádio. Assim, quando entrei no “pré”, já conhecia algumas letras do alfabeto e alguns números. Na escola, me dediquei bastante e aprendi a ler minhas primeiras palavras com muito entusiasmo.

Quando entrei para o primeiro ano, meu desejo era continuar na mesma classe dos meus colegas, pois adorava aprender junto com eles. Já dominávamos melhor o alfabeto e conseguia facilmente formar palavras. Pouco tempo depois, já era capaz de escrever pequenos textos inspirados nas histórias que a professora contava em sala de aula. 

Foi nesse momento que descobri a biblioteca. Ela era pequena e ficava ao lado da sala, onde a professora nos levava para estimular nossos letramentos e também a nossa imaginação. Lá, tínhamos a oportunidade de escolher um livro por mês para levar para casa, cujas histórias compartilhávamos com a classe. Essa descoberta foi marcante para mim, pois sentia que podia viajar sem sair de casa. O universo dos livros se abriu diante de mim. 

No Ensino Fundamental II, vivi um período de transição marcado por uma mistura de sentimentos: não era mais tão criança, mas ainda estava longe de ser adulta. A pressão na escola aumentou significativamente, com mais atividades e provas mais exigentes, mas mantive minha determinação porque realmente gostava de aprender. Nessa nova fase, comecei a identificar as matérias que mais me interessavam, como português e história, enquanto outras, como Matemática, não despertavam tanto meu entusiasmo. No entanto, o apoio da minha turma de amigos foi fundamental. Lembro-me vividamente de escrever uma carta pela primeira vez, seguindo um modelo, o que foi bastante divertido e educativo.

Sempre tive o desejo de cursar uma faculdade. Esse sonho começou a se aproximar durante o ensino médio, quando as matérias se tornaram mais desafiadoras e a ansiedade tornou-se parte da minha rotina diária. Nesse momento, precisei aprender a lidar com essa ansiedade, então estabeleci um cronograma de estudos mais definido e reservei tempo de qualidade para passar com minha família e amigos, que me ajudavam a manter a calma.

No segundo ano do ensino médio, enfrentei uma mudança significativa ao me mudar para a cidade de Fruta de Leite – MG e passar a viver com minha avó para estudar na Escola Estadual Aníbal Gonçalves das Neves. Foi um período um tanto tenso devido ao recente falecimento do meu avô, além de estar longe dos meus amigos me deixou apreensiva.

Tudo se resolveu quando fiz novas amizades e com a companhia da minha avó, com quem passei momentos significativos, além de começar a me dedicar melhor aos estudos. Lembro-me vividamente de como a leitura foi fundamental nesse período. Era um momento reservado para mim e meus pensamentos. Uma professora, muito especial, sempre me indicava livros e filmes que ampliaram meu horizonte.

Me formar no ensino médio foi um momento muito gratificante, quando pude ver minha família orgulhosa e me sentir preparada para a próxima etapa. A nostalgia daquele tempo ainda persiste: a sala colorida, meus amigos e o apoio constante da minha família com as tarefas iam além das simples aulas.

Após a formatura, sabia que o próximo passo seria a faculdade. Embora inicialmente assustador, em 2021, decidi ingressar na Licenciatura em Educação do Campo na UFVJM, decisão que hoje me preenche de satisfação. A cada dia, me encanto mais com a complexidade dos estudos, explorando de maneira ampla e específica temas que sempre me fascinaram. Descobrir que há tanto a aprofundar nesses assuntos e ter a perspectiva de ensiná-los futuramente me inspira profundamente.

 

 

 



SOBRE A AUTORA:

Márcia Vicente de Sales é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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Construção dos meus letramentos: da infância à universidade

Construção dos meus letramentos: da infância à universidade

 

Aprender a “ler o mundo”, como dizia Paulo Freire, significa compreender os contextos e localizar-se no espaço social mais amplo, por meio da relação entre a palavra e o mundo. Na minha infância, comecei a ter percepção do “mundo”, das “coisas de adulto” com certa facilidade, pois a vivência diária com minha família me trazia muitos aprendizados, que eram um tipo de letramento vindo da visão “popular” de mundo que tinham.

Os ensinamentos sobre a forma de ver e entender as coisas se davam a partir dos conhecimentos que os mais velhos da comunidade tinham. Era muito comum ver as pessoas cantando, trabalhando e lendo, de forma que elas entendiam as coisas; muitos não liam letras do alfabeto, mas liam as imagens que estavam vendo, e demonstravam interpretações complexas daquilo tudo. No entanto, minha relação com o mundo da leitura e da escrita na minha infância era difícil, uma vez que poucos no meu entorno eram alfabetizados.

No momento desta escrita, estou com 25 anos e sou moradora da comunidade de Capivari, uma comunidade Quilombola localizada no município de Serro, no Vale do Jequitinhonha. Sempre fui uma menina muito estudiosa, apaixonada por leituras, linguagem, literatura e diversas outras formas de conhecimento. Cada uma dessas áreas me proporcionou enxergar diferentes aspectos de mim mesma e do mundo ao meu redor, ampliando minha visão de mundo, meus letramentos, meus significados. Também sou mãe de uma menina chamada Kemylly, que tem 5 anos de idade.

Venho de uma família formada por dez pessoas. Minha mãe, Enilce, tem 50 anos e cursou a escola até o 5º ano. Meu pai, Anirton, com 52 anos, também estudou até o 5º ano. Juntos, eles buscaram me ensinar o que sabiam, da forma que podiam. Somos seis irmãs, sendo que Katia tem vinte e sete anos e atualmente está cursando o ensino superior comigo. Na nossa infância, não tínhamos recursos para a educação e nem acesso à internet. Os poucos livros eram oferecidos pela prefeitura municipal, ou os livros religiosos. Lembro-me da escola pequena de tijolos de barro e telha de amianto, com apenas duas salas onde as aulas eram ministradas de forma multisseriada, com duas professoras de manhã e duas à tarde.

Durante esse tempo, as professoras eram muito atenciosas e nos ajudavam na leitura, na compreensão das imagens e outros elementos. Fiquei nessa escola até o 5º ano, pois a escola não oferecia os anos subsequentes. Assim, tivemos que ir para a comunidade vizinha para continuar nossos estudos até o segundo grau. Minhas irmãs Indiamara, Beatriz, Kassia e Berenice viveram suas experiências de estudo em um período em que a escola passou por reformas, tanto na estrutura física, quanto nos recursos disponíveis, incluindo acesso a mais livros e à internet.

Durante a minha infância, recordo-me com carinho do auxílio que minha irmã mais velha e minhas primas me proporcionavam ao compartilhar conhecimentos adquiridos na escola e em conversas com outras pessoas. Além disso, elas também me incentivavam a ler ao trazerem livros da escola para enriquecer meu aprendizado.

Logo após concluir meus estudos na escola da comunidade vizinha, ingressei na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), no curso de Licenciatura em Educação do Campo, com ênfase em Ciências da Natureza. Nesse ambiente acadêmico, tive a oportunidade de conhecer pessoas que desempenharam papel fundamental em minha formação, como professores, técnicos e principalmente os colegas, que me auxiliaram de maneira significativa ao longo desse processo.

Meu letramento no início foi difícil, pois a forma de estudar e como as coisas aconteciam eram novas para mim. Tive muita dificuldade em compreender as aulas e em me concentrar nas leituras e nos livros indicados pelo professor, devido à linguagem ser diferente do que eu estava acostumada. 

Durante meu curso, essa evolução gradual tornou-se evidente, especialmente a partir do quarto período. Com o auxílio dos colegas, pude compreender melhor as exigências do curso e as leituras necessárias. Isso me permitiu concentrar mais os meus esforços. Comecei a realizar não apenas as leituras obrigatórias em sala de aula, mas também as complementares, que foram fundamentais para minha formação. Percebi a existência de visões de mundo distintas, porém, ao mesmo tempo, semelhantes. Inicialmente, trazia o conhecimento popular como minha base principal, mas ao me inserir no ambiente acadêmico, fui integrando-o ao saber científico. Embora essas duas bases fossem diferentes, percebi que compartilhavam semelhanças essenciais. O conhecimento popular, embora não reconhecido pela ciência, mostrou-se igualmente valioso ao lado do conhecimento científico.

Durante minha trajetória formativa, participei de grupos de leitura, projetos de ensino, atividades de extensão como o projeto Vídeo Cartas, entre outros, nos quais a leitura desempenhava um papel central. A partir do quinto período, intensificou-se o contato com novas leituras, livros e autores, especialmente durante meu estágio, momento de significativo aprendizado.

No oitavo período, tive minha filha e concluí minha formação na área das ciências em 2020. Atualmente, estou cursando outra graduação na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na área de Linguagem e Códigos. Nesta nova formação, tive a oportunidade de participar do PIBID, onde pude exercer funções que enriqueceram significativamente meus conhecimentos como futura educadora do campo. Além disso, essa experiência tem me permitido enxergar com maior clareza questões em minha comunidade que antes passavam despercebidas.

Hoje, só tenho a agradecer pelo processo de formação ao qual me inseri. Agradeço imensamente à minha família e a todos os colegas da Licenciatura em Educação do Campo, que me apoiaram e continuam me apoiando em cada etapa dessa jornada.



SOBRE A AUTORA:

Katiane da Cunha Ribeiro é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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Minha vida, meus letramentos

Minha vida, meus letramentos

Tenho 27 anos, sou da comunidade quilombola de Capivari, no município de Serro, ao pé do Pico do Itambé. Eu sempre fui uma menina curiosa desde cedo, um pouco tímida e acanhada, mas sempre em busca dos meus objetivos. Tive a oportunidade de ter contato com letramentos pela primeira vez através da televisão e do rádio, pois quando era criança gostava muito de assistir. Com o tempo passando e eu crescendo, passei a participar do teatro da comunidade, que se chama Quatro Gerações, onde minhas tias nos ensinavam através de canções, poemas e versos na produção oral.

Passado o tempo, comecei a brincar de casinha com minhas primas, que também me ensinavam a escrever. Como na época não tínhamos lápis nem caderno, pois os pais só os compravam quando íamos para a escola, usávamos pedaços de carvão e um pedaço de papelão. Eu gostava muito. Pegando em minha mão, mesmo com toda a dificuldade, as primas começaram a me ensinar, junto aos outros menores, a fazer os traços das letras que elas aprendiam na escola. Tinha hora que perdiam a paciência, aí era hora das brigas, mas logo passava.

E assim a vida foi seguindo. Aos 7 anos de idade, comecei a ir para a escola da minha comunidade, que atendia os estudantes até a 4ª série. Naquela época, a turma era multisseriada, com duas turmas juntas, quando comecei meu processo de alfabetização. As professoras eram muito prestativas e pacientes conosco. Naquele tempo, mesmo sem muitos recursos, sempre buscavam promover letramentos.

Quando começamos a aprender o alfabeto, lembro que a professora cantava assim conosco: “A de amor, B de baixinho, C de casa, D de docinho…” e no final… “…e X o que é que é: É Xuxa! E Z é zunzunzum.” Sim, ela ensinava cantando o abecedário da Xuxa. Começamos a escrever no caderno brochura de capa vermelha, que ficavam com as pontas das folhas dobradas com o uso, e um lápis preto. Era um lápis que vivia quebrando a ponta, mas era uma alegria ter aquele material. Como brincava muito com minhas primas, esse processo foi até fácil. Todos os dias estudávamos o alfabeto e a formação de sílabas e palavras, até conseguirmos aprender. Já nas aulas de matemática, lembro que a professora “cantava” a tabuada conosco para irmos aprendendo os números também através da música.

Como não havia biblioteca na nossa comunidade, lembro que o meu primeiro contato com um livro foi no catecismo, onde tive a oportunidade de tocar uma Bíblia Infantil pela primeira vez. Lembro que era de capa vermelha e suas páginas eram lindamente ilustradas. Com o passar do tempo, ganhei alguns livros infantis como Branca de Neve e os Sete Anões, Cinderela etc. Na escola também havia alguns livros que ficavam em um armário aberto, de fácil acesso. A maioria era de contos infantis ou didáticos. Nos reuníamos em grupos de até três pessoas para ler, pois não havia um livro para cada um; eram poucos. Lembro também que havia um dicionário Aurélio, que pegávamos para ler palavras novas.

Ao terminar a quarta série do ensino fundamental, fomos estudar na comunidade vizinha, chamada Milho Verde, onde fiquei até o 3º ano do ensino médio. Nessa escola, tive mais acesso a livros, pois já havia uma biblioteca maior com mais livros. A única professora que nos incentivava a ler foram a professora Antonina, que sempre nos pedia para ler alguma história, e o professor de geografia que era muito focado na escrita. Assim, o tempo foi passando e eu me formei.

Em 2013, a internet chegou na minha comunidade. Havia alguns poucos computadores que ficavam no centro comunitário, onde comecei a fazer pesquisas para o trabalho escolar. Ali comecei a desenvolver o que hoje chamamos de letramento digital. Depois que me formei, me afastei da escola por nove anos, pois comecei a trabalhar. Minha irmã Katiane sempre me chamava para fazer o vestibular da Licenciatura em Educação (LEC), mas eu nunca conseguia, por causa do trabalho. Em 2021 ela me chamou novamente, pensei bastante e decidi que era hora de voltar. Fiz a inscrição, a prova… cheguei em casa e falei com minha mãe: “Mãe, não vou conseguir, acho que fui mal na prova.” Quando chegou o dia do resultado, me surpreendi ao ver que tinha conseguido passar. Hoje estou aqui, em busca de construir novos conhecimentos para que, no futuro, eu possa ajudar os meus alunos e a minha filha Jasmim.



SOBRE A AUTORA:

Katia da Cunha Ribeiro Jesus é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

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Leituras de minha vida

Leituras de minha vida

Tenho 20 anos e sou da comunidade quilombola de Capivari, localizada no município do Serro, Minas Gerais. Embora tenha poucas lembranças do meu contato com a leitura antes da escola, sei que comecei a aprender com minha família. Assistia às apresentações do Teatro Quatro Gerações, um grupo da minha comunidade; no rádio, meu pai, todas as manhãs, sintonizava a FM 98, no programa do João de Nico.

Antes de entrar para a escola, tive meus primeiros contatos com a leitura através dos folhetos da igreja, do terço e do livro de músicas do teatro, com os quais eu interagia frequentemente. Gostava de desenhos na TV e acho que aprendi muito com as narrativas presentes neles. Meu primeiro contato com Ziraldo foi por meio do desenho animado do Menino Maluquinho, que eu não perdia. Com o Sítio do Pica-pau Amarelo conheci Monteiro Lobato.

Naquela época, eu não tinha tanto interesse pela leitura; queria aproveitar minha infância, e os livros não faziam parte dos meus hábitos. Quando entrei na escola aos 5 anos de idade, comecei a ter contato com livros que toda criança conhece, como histórias de fadas e contos clássicos, como Chapeuzinho Vermelho e Cachinhos Dourados. Mesmo assim, ainda não tinha muito interesse pela leitura, pois sempre gostei mais de matemática, já que tinha mais facilidade nessa área do que em português.

Meus primeiros contatos com a leitura aconteceram na escolinha que funcionava no centro comunitário da minha comunidade, enquanto a escola estava em obras. Esse contato inicial foi graças às aulas da tia Aparecida. Sempre tentei ler, mas preferia observar as palavras com os olhos, pois tinha grandes dificuldades na leitura.

Quando estava estudando com a professora Eni, comecei a frequentar o fonoaudiólogo para melhorar minhas habilidades de leitura. No entanto, tive que parar porque o atendimento deixou de ser oferecido na comunidade. Assim, precisei me esforçar por conta própria para melhorar nesse aspecto, e esse desafio continua até hoje.

Na escola de Capivari, havia um cantinho da leitura, mas não muitos livros, o que nos levava a ler principalmente textos impressos pelos professores ou encontrados nos livros didáticos disponíveis na escola. Ao contrário desse período, quando passei a estudar na escola de Milho Verde, no final do ensino fundamental e no ensino médio, tive a oportunidade de acessar uma maior variedade de livros para leitura. Mesmo assim, meu interesse pela leitura ainda era limitado.

Contudo, durante o oitavo ano do ensino fundamental, dei um passo diferente: fui até a biblioteca da escola e peguei um livro para ler. O livro se chamava “A Última Pedra”, mas não me lembro o nome do autor. Tentei começar a leitura, mas não consegui finalizá-la. Também tive contato com outros textos durante esse período, mas minha vontade de ler ainda não era grande. Talvez isso se devesse ao fato de já ter ouvido que eu “lia errado” ou por outro problema, algo que escutei no ensino fundamental e que me marcou. Sempre pensava: ‘E se eu começar a gaguejar ou ler errado? E se alguém rir de mim?’, passei um bom tempo com medo de ler em voz alta. Lembro até hoje de um dia em que fui ler na igreja e me olharam com cara de julgamento. Como eu era pequena, morria de vergonha de ler em público. Desde aquele dia, nunca mais quis ler na igreja.

Durante o ensino médio, tive a oportunidade de ter um professor que nos incentivava a ler: o professor Heráclito. Ele dedicava um dia da semana para a leitura, toda quinta-feira. Um dos livros que li nesse dia foi “Quatro Vidas de Um Cachorro”, de W. Bruce Cameron, e “Querido John”, de Nicholas Sparks, livros emprestados por uma colega de classe. Foi aí que me desafiei mais a ler. Quando fiz 18 anos, ganhei dois livros de presente: “Cidades de Papel” e “Sereia”, da coleção de uma amiga, Raquel, que conhecia desde criança. Também tive a oportunidade de participar de um encontro quilombola, onde ganhei mais um livro em um sorteio, ou, como falamos, “de sorte”. Assim conheci Lélia Gonzalez a partir do livro “Por um Feminismo Afro-latino-americano”.

A leitura estava presente em diversas disciplinas, como matemática e física. Para fazer cálculos, era preciso ler e escrever sobre eles. Além disso, os números romanos também exigiam, já usam letras ao invés dos números “normais” da matemática. Durante o tempo em que estive na escola, tanto no ensino fundamental quanto no médio, a leitura esteve sempre presente.

Infelizmente, finalizei meus estudos do ensino médio durante a pandemia de Covid-19, o que foi bastante desafiador. O incentivo que eu tinha dos professores deixou de existir e minha vontade de ler acabou ficando de lado naquele momento. No entanto, quando entrei para o curso da LEC, a leitura voltou a ser constante, desde quando entro na sala de aula até quando estou fora dela, tanto na faculdade quanto na minha comunidade.

A leitura tornou-se parte de mim novamente, especialmente agora que sou representante da diretoria da minha comunidade, ocupando um cargo onde a leitura é essencial para o desempenho das minhas funções. Percebo que sempre estou rodeada pela leitura e sempre estarei. Fico feliz em esperar o futuro com essa companhia.



SOBRE A AUTORA:

Indiamara Aparecida Ribeiro Da Cunha é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

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Uma jornada de descobertas

Uma jornada de descobertas

Tenho 21 anos e sou da cidade de Coronel Murta, localizada na região do Médio Jequitinhonha. Sou filha de pequenos agricultores rurais, Marlene e Manoel, que sempre me incentivaram a estudar. Desde cedo, aprendi a valorizar a educação como uma ferramenta essencial para o desenvolvimento pessoal e profissional. Meus pais, apesar das limitações e desafios enfrentados na vida no campo, nunca mediram esforços para apoiar meus estudos e me motivar a buscar sempre mais.

Minha jornada com os letramentos começou de forma simples com os recursos disponíveis em casa: revistas e cadernos antigos dos meus irmãos se tornaram meus primeiros materiais didáticos. Desde cedo, eu adorava brincar de “aulinha”, mesmo sem ainda saber ler. As letras começaram a se tornar familiares, principalmente porque minha irmã me ensinava pacientemente. Mesmo sem estar oficialmente matriculada, eu frequentava a escola da comunidade. As professoras, de maneira gentil, me entregavam atividades simples como letrinhas para colorir, o que gradualmente me aproximou do mundo das palavras.

Aos seis anos, finalmente fui matriculada na Escola Municipal Manoel Costa Barreto, localizada na comunidade Olhos D’Água. O primeiro dia de aula foi uma explosão de emoções, meu coração parecia querer saltar do peito, pois ali começava uma longa jornada educacional. A professora Udilene, com sua paciência e dedicação, foi essencial para guiar-me nesse caminho inicial. No segundo ano, algo mágico aconteceu: aprendi a ler e adorava me sentar no cantinho de leitura e imergir nas histórias em quadrinhos da Turma da Mônica. Era um verdadeiro encanto. Sempre comparava as aventuras da Vovó Bastião comendo feijão com as histórias do meu avô, que também se chamava Bastião.

Em 2014, dei início ao sexto ano na escola municipal do distrito de Freire Cardoso, localizado em Coronel Murta. Essa nova fase trouxe consigo desafios significativos. O transporte escolar me levava diariamente por quilômetros de distância, atravessando estradas poeirentas e muitas vezes áridas sob o sol escaldante, tornando o retorno para casa uma verdadeira luta diária. As condições climáticas severas e a longa jornada afetavam não apenas o meu ânimo, mas também a disposição dos colegas. Em alguns dias, a merenda escolar, por mais que fosse bem-vinda, não era suficiente para nutrir-nos adequadamente, resultando em mal-estar durante a volta para casa. Esses desafios cotidianos moldaram não apenas a minha resistência física, mas também fortaleceram o meu compromisso com os estudos e a determinação em superar adversidades.

Apesar das dificuldades enfrentadas na escola do distrito de Freire Cardoso, em Coronel Murta, durante o sexto ano em 2014, essa experiência deixou marcas profundas em minha vida acadêmica. No entanto, lamentavelmente, o ensino de português não alcançou o padrão desejado. A professora concentrava-se excessivamente na gramática, deixando a leitura em segundo plano, o que limitava nosso desenvolvimento linguístico e cultural. Felizmente, por iniciativa própria, muitos alunos buscavam enriquecer seus conhecimentos frequentando a biblioteca da escola. Lá, descobrimos novos mundos através dos livros, expandindo nossos horizontes para além das limitações do currículo escolar. Essa autonomia na busca pelo conhecimento não só complementava, mas também compensava as lacunas no ensino formal, preparando-nos melhor para os desafios futuros na educação e na vida.

Minha trajetória no mundo do conhecimento começou de forma única. Desde cedo, descobri que tinha facilidade com as partes gramaticais da língua, mas ao mesmo tempo, a literatura, que sempre me cativou, acabou perdendo espaço para o foco nas disciplinas exatas. Os elogios dos professores de matemática eram como notas musicais para mim, embora minha timidez muitas vezes me limitasse a expressar plenamente meu potencial. Foram quatro anos intensos de esforço e aprendizado, nos quais busquei equilibrar minha dedicação aos estudos gramaticais com o desafio constante das ciências exatas. A cada conquista e desafio superado, percebia que essa jornada não apenas fortaleceu minha base acadêmica, mas também moldou minha perseverança e determinação para enfrentar novos desafios no futuro.

Em 2018, tudo mudou. Ingressei no ensino médio na Escola Família Agroecológica de Araçuaí. Enfrentei o desafio de estar longe da família, o que foi difícil no início, mas consegui me adaptar. Houve momentos em que pensei em desistir, mas a motivação para continuar meus estudos sempre prevaleceu. A escola tinha uma abordagem pedagógica inovadora, focada na agroecologia e na sustentabilidade, o que me permitiu aprender não apenas o currículo tradicional, mas também práticas agrícolas sustentáveis e gestão ambiental. Tive a sorte de contar com professores de alta qualidade, que, apesar de alguns deslizes, sempre me incentivaram e apoiaram. 

Além das aulas teóricas, participei de várias atividades práticas e projetos comunitários, que fortaleceram meu entendimento sobre a importância da agricultura sustentável para a comunidade local. Fiz amizades valiosas, que me ajudaram a superar a saudade de casa e contribuíram para meu crescimento pessoal.

Essa experiência me proporcionou um crescimento pessoal significativo e solidificou minha determinação em buscar meus objetivos acadêmicos e profissionais. A convivência com colegas e professores me ensinou a importância da cooperação e do trabalho em equipe, habilidades que levarei comigo para o futuro.

A parte mais complexa? Formar-me durante a pandemia. Não foi apenas difícil para mim, mas para meus colegas, professores e o mundo inteiro. A EFA se tornou uma das minhas maiores conquistas. O período de alternância, com quinze dias na escola e quinze em casa, proporcionou uma educação diferenciada. Lá, o jovem do campo convive com a sustentabilidade, a liderança e a formação crítica.

No ano de 2021, realizei minha inscrição para o vestibular da Licenciatura em Educação do Campo (LEC). Hoje, estou aqui, enfrentando mais uma nova jornada na área de Linguagens e Códigos. Embora não seja minha zona de conforto, estou determinada a aprimorar meus conhecimentos e expandir minhas habilidades. Essa escolha representa um passo significativo na minha trajetória. A licenciatura em Educação do Campo me oferece a oportunidade de aprofundar meus estudos em linguagens e códigos, áreas fundamentais para a comunicação e a educação. Estou ciente dos desafios que essa nova etapa traz, mas acredito que cada obstáculo superado me fortalece e fortalecerá ainda mais. Entre lembranças e saudades, compartilho minha jornada de letramentos, uma jornada de descobertas.



SOBRE A AUTORA:

Elidiana Martins da Silva é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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Meu desenvolvimento com a prática da leitura e da escrita

Meu desenvolvimento com a prática da leitura e da escrita

Na infância, não havia livros nas estantes de casa. Apenas canetas e panfletos da igreja preenchiam os espaços, com riscos e linhas deixados por mim e minha irmã no rosto de cada personagem. Em alguns domingos, na comunidade rural onde morávamos, diversas associações realizavam reuniões para ajudar famílias pobres que não podiam comprar materiais ou brinquedos para seus filhos. Lembro-me também de quadrinhos e livros sobre a Arca de Noé e Sansão que levávamos para casa. Quando chegávamos em casa, nos entregávamos à imaginação, já que não sabíamos ler.

Iniciei a pré-escola aos quatro anos sem estímulo para ler ou escrever. Ao chegar à escola, sentia vergonha de interagir com os colegas. Durante dois anos, não falei com ninguém. Os professores não interagiam, e saí da pré-escola sem nunca ter usado a própria voz. Às vezes, tinha dificuldades para ir ao banheiro e precisava esperar pelo lanche, o que resultava em constrangimentos na sala de aula. Nessa fase, as professoras ajudaram minha mãe a buscar ajuda médica, já que meu ‘atraso’ estaria afetando minha aprendizagem nas aulas.

Até o segundo ano da pré-escola, ainda não sabia o alfabeto. Foi uma fase de descoberta das dificuldades em socializar. Aprendi a escrever o nome na fase introdutória, com a ajuda dos professores, que seguravam minha mão para eu formar as letras e as palavras. Na perspectiva de ajudar, as professoras faziam um caderno de caligrafia para ligar pontos e formar palavras. Esse caderno era feito à mão, devido à falta de recursos na escola. Elas escreviam pequenos textos de forma pontilhada, para que eu pudesse desenhar por cima e formar as palavras. Mesmo mudando de escola e de professores, continuei recebendo suporte de uma fonoaudióloga e uma psicóloga.

Essa ajuda psicológica contribuiu para que eu pudesse ter foco e desenvolver o raciocínio lógico. As consultas eram realizadas a cada 15 dias, onde eu fazia montagens de quebra-cabeça, visualização e interpretação de cores e formação de palavras. Pelo fato de meus pais se considerarem analfabetos na época, acreditavam que os filhos teriam o mesmo pensamentos e atitudes que eles. O estímulo e a valorização da leitura eram nulos; a realização das atividades até essa fase não teve ajuda deles.

Após essa fase introdutória, as visitas semanais à biblioteca começaram no primeiro ano, permitindo contato inicial com livros e escrita. Durante o segundo e terceiro ano, as matérias ficaram mais difíceis e tive que me adaptar. No final do terceiro ano, fui reprovado por falta de preparo para o quarto ano. Inicialmente, foi difícil me ajustar à nova turma, mas com o tempo comecei a levar livros da biblioteca para casa, incluindo gibis e histórias da Bíblia, que eram mais fáceis de compreender.

Nessa fase também houve a inserção do trabalho com números. De início, contávamos até 3 e posteriormente até 10. Quando pulava algum dedo e chegava ao final com 9 números, causava estranhamento; os dedos acabavam e eu não sabia o que fazer. Sempre me enrolava no numeral 7, pois o dedo que seria o 2 da mão esquerda se tornava o número 7. Inicialmente, aprendi a contar até o número 10, depois 100, 200 e, com custo, até 1.000.000.

No quinto ano, começamos a fazer redações e até ganhei um prêmio por uma delas. Foi no final do fundamental 1 que a leitura começou a se consolidar, embora ainda com dificuldades na escrita.

No ensino fundamental 2, iniciaram-se aulas de inglês, novas matérias e novos colegas. A escola tinha uma biblioteca grande, e a professora, como forma de incentivo à leitura, nos fazia levar alguns livros durante os bimestres para casa, desenvolvia questões sobre os livros nas provas e organizava rodas de conversa para discuti-los. No dia da apresentação, sempre virava o rosto; calafrios de medo me faziam suar. Às vezes, era proposto escrever algumas linhas da parte que mais havia gostado da leitura. Eu sempre escrevia umas seis linhas. As obras que melhor me recordo são Dom Casmurro, Iracema, O Cortiço, mas houve diversas outras.

No ensino médio, li livros mais extensos, porém em menor quantidade. Aprendi a calcular juros, o que trouxe uma perspectiva boa e contribuiu para meu primeiro emprego, escrevi redações e cartas formais. Com a pandemia, a leitura foi deixada de lado até o início das aulas na faculdade, o que retornou quase dois anos depois.

No início das aulas na universidade, houve um certo estranhamento devido ao tipo de leitura. Em minha concepção, as leituras seriam baseadas em obras literárias brasileiras simples, como as que fazíamos na escola. Isso contrariou minha expectativa, pois os professores já esperavam que os alunos tivessem contato com obras mais complexas. Os diálogos com pensamentos científicos e filosóficos mudaram a percepção e minha mentalidade enquanto estudante, antes pouco crítico. A escrita melhorou devido às regras gramaticais, concordância e o uso do plural, algo que na prática com textos mais formais se mostra tão importante.

Atualmente, leio diariamente jornais e revistas online, e por vezes vou até a biblioteca municipal do bairro onde moro ou até a biblioteca universitária e pego algum livro. Pretendo cultivar o hábito de leitura diária e manter-me atualizado, pois esse mecanismo desenvolve o pensamento crítico e muda a mente do cidadão. A leitura crítica mudou minha concepção da realidade e tornou-se uma forma de interação com o mundo, levantando questões que antes não faria ou não consideraria importantes no cotidiano. Com essa nova visão, muitos assuntos se transformaram e ganharam uma perspectiva e entendimento diferentes. As aulas de matemática contribuíram para que na realidade o cálculo dos juros sobre as faturas e contas pudessem ser entendidos ou servissem de base para os estudos de futuros conhecimentos.

Minha trajetória de aprendizado foi marcada por desafios e superações. Desde a infância sem estímulo para a leitura até o desenvolvimento gradual de habilidades fundamentais na escola, cada etapa contribuiu e contribuirá significativamente para minha contínua formação. O apoio de professores, o incentivo à leitura e a ajuda psicológica foram essenciais para o meu progresso. A introdução ao universo dos livros e o trabalho com números moldaram minha capacidade de raciocínio e compreensão.

Atualmente, a leitura diária, aliada às visitas frequentes às bibliotecas, fortalece meu hábito de me manter informado e aprimorar meu pensamento crítico. A leitura crítica, em particular, revolucionou minha percepção da realidade, permitindo uma interação mais profunda e questionadora com o mundo ao meu redor. Em suma, minha jornada acadêmica e pessoal destaca a importância da persistência, do apoio e da leitura no desenvolvimento integral do indivíduo.



SOBRE O AUTOR:

Edmilson Oliveira Silva é acadêmico da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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Palavras e passados: recordações literárias

Palavras e passados: recordações literárias

 

 

As memórias são janelas para o passado, pois revelam os caminhos que trilhamos e os momentos que nos moldaram. Elas carregam consigo as experiências, emoções e aprendizados que construíram nossa identidade ao longo dos anos. Em um mundo cada vez mais acelerado, revisitar nossas memórias é uma forma de valorizar nossa trajetória e compreender melhor quem somos.

Este texto de memórias pretende resgatar as recordações da minha relação com a leitura e a escrita, desde a infância até os dias atuais. Por meio dessas lembranças, espero compartilhar a evolução da minha jornada literária e destacar as influências que foram fundamentais para o desenvolvimento do meu amor pelos livros e pela palavra escrita. Segundo a professora Sara Rojo, o progresso da linguagem escrita ou do processo de letramento infantil está relacionado ao nível de letramento das instituições sociais onde a criança se encontra, assim como as diversas formas de engajamento em práticas discursivas orais através de atividades cheias de significado.

Para iniciar este relato de memória, irei falar um pouco sobre a minha infância. Passei minha infância em um lugar chamado Serra da Bicha, que era afastado de tudo e de todos. A casa mais próxima ficava a cerca de 20 minutos de distância. Não havia estrada para carro; para fazer compras, meus pais iam a Capivari ou pegavam o burro e iam para São Gonçalo do Rio das Pedras. Dormiam na casa de parentes e, de manhã, pegavam o ônibus de Diamantina, faziam uma compra bem grande e voltavam para São Gonçalo do Rio das Pedras. Colocavam as compras no burro e voltavam para casa. Minha mãe e minha avó eram analfabetas, e meu pai mal sabia escrever o nome.

Antes dos meus sete anos, pelo que me lembro, minha infância não foi marcada por uma forte presença de textos escritos. Só tive contato com um livro de matemática, que tinha muitos desenhos e que era da minha avó, e mesmo assim ele desapareceu rapidamente. Não era comum ver livros, jornais ou revistas em minha casa. Antes de frequentar a escola, minha relação com a escrita era quase inexistente. Aprendi as primeiras letras na escola, aos sete anos de idade. A experiência foi desafiadora no início, pois não tinha muita familiaridade com o universo das letras e das palavras.

Quando comecei os estudos, fui morar com minha madrinha (mãe) na comunidade de Capivari. Nos primeiros anos escolares, comecei a desenvolver uma relação mais próxima com a escrita. As aulas de alfabetização eram momentos de descoberta, e lembro-me de escrever pequenas palavras e frases simples. Todos os dias, minha professora escrevia no quadro o nome da escola, o dia, o mês e o ano por extenso. Eu tinha muita dificuldade, mas fui aprendendo aos poucos. A escola desempenhou um papel fundamental em meus letramentos iniciais. Foi no ambiente escolar que tive o primeiro contato consistente com livros e outros materiais de leitura. As atividades escolares me ajudaram a melhorar minhas habilidades de leitura e escrita.

Minha relação com a matemática também começou na escola. Aprendi a contar e a reconhecer números com a ajuda dos professores. Não tenho lembranças claras de saber contar antes de ingressar na escola. Com o tempo, aprendi a somar e subtrair, e essas habilidades se consolidaram com a prática contínua ao longo dos anos escolares. Quando entrei na escola, não sabia fazer contas complexas. Os problemas matemáticos eram desafiadores, mas, com o apoio dos professores e a prática regular, comecei a entender melhor os conceitos matemáticos.

Durante minha vida escolar, não tive acesso a diferentes gêneros textuais. No ensino fundamental I, a escola era bem pequena, tinha somente duas salas, dois banheiros pequenos e uma cozinha. As professoras davam aula para duas turmas ao mesmo tempo. Não havia muitos livros; até os livros didáticos tínhamos que compartilhar com os colegas. Lembro-me de que, no quinto ano, minha professora, chamada Marina, nos obrigava a escolher um livro, ler e depois contar para os colegas. Porém, não havia livros para todos, e os que havia não eram de fácil entendimento.

No ensino fundamental II, perdi meu grande herói, meu pai. Fui morar com minha mãe em outra cidade e lá não tive professores que incentivavam a leitura. Também não era madura o suficiente para entender a importância da leitura e ler por conta própria. No ensino médio, comecei a trabalhar e tinha pouco tempo, pois trabalhava das sete às 17 horas, arrumava no serviço e ia direto para a escola. Chegava em casa por volta das 22h30, tinha apenas tempo para comer, tomar um banho e dormir. As escolas que frequentei tinham bibliotecas, mas eu não era muito motivada a frequentá-las. Minhas visitas à biblioteca eram geralmente para cumprir tarefas escolares específicas.

Comecei a ler depois de me formar no ensino médio. Nessa época, sentia-me sozinha, pois havia me mudado para Belo Horizonte para trabalhar. Depois do horário de trabalho, não tinha nada para fazer ou ver. Foi quando comecei a ler romances, que me permitiram imaginar vários cenários na minha cabeça. A leitura me transportou para outros mundos, proporcionando uma fuga e um conforto que não encontrava na minha nova rotina.

Segundo Brito (2010), ler é uma prática agradável e poderosa, pois estimula a capacidade criativa, amplia o conhecimento e oferece uma nova perspectiva sobre o mundo. O leitor estabelece uma conexão dinâmica entre a fantasia dos livros e a realidade de seu ambiente social. Nesse cenário fascinante, a criatividade, a imaginação e o raciocínio se destacam, abrindo um leque de possibilidades.

Na universidade, meus hábitos de leitura e escrita mudaram. Passei a ler mais textos acadêmicos e a escrever de forma mais crítica e analítica. Essas mudanças trouxeram aspectos positivos; minha capacidade de compreensão e análise textual melhorou significativamente. Atualmente, leio tanto autonomamente quanto os textos recomendados pelos professores e participo de grupos de leitura, o que enriquece ainda mais minha experiência literária.

No entanto, sinto que os professores do ensino fundamental e médio poderiam ter me preparado melhor. Se tivesse tido um contato mais profundo e constante com a leitura desde cedo, talvez minha transição para a leitura acadêmica e a escrita crítica tivesse sido mais natural. Mesmo assim, valorizo cada etapa da minha jornada, pois cada livro e cada texto lido contribuíram para o meu desenvolvimento pessoal e intelectual.

Como futura professora, pretendo cultivar uma relação constante e significativa com a leitura e a escrita. Quero inspirar meus alunos a descobrir o prazer da leitura, proporcionando-lhes as ferramentas necessárias para desenvolver essas habilidades de forma plena e enriquecedora. Pretendo criar um ambiente de aprendizado onde a curiosidade e a criatividade sejam incentivadas, permitindo que cada aluno encontre seu próprio caminho no mundo das palavras.

Cada etapa da minha vida contribuiu para o desenvolvimento das habilidades que valorizo e que continuarei a aprimorar no futuro. Minha experiência pessoal mostrou como a leitura pode ser uma fonte de conforto, conhecimento e crescimento. Desejo transmitir essa paixão aos meus alunos, ajudando-os a reconhecer o poder transformador da leitura e da escrita. Assim, espero não apenas educar, mas também inspirar uma nova geração de leitores e escritores apaixonados, preparados para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades que surgirem em suas vidas.

Ao refletir sobre minha trajetória de leitura e escrita, percebo como cada etapa, desde minha infância até minha vida adulta, desempenhou um papel crucial no desenvolvimento das minhas habilidades literárias. As dificuldades e limitações que enfrentei, tanto em termos de acesso quanto de motivação, foram superadas pela descoberta do prazer da leitura e pelo impacto transformador que os livros tiveram em minha vida.

Minha experiência pessoal me ensinou que a leitura é uma janela para outros mundos e uma ferramenta poderosa para o crescimento intelectual e emocional. Essas memórias moldaram não apenas quem sou hoje, mas também meus objetivos futuros como educadora. Como futura professora, estou determinada a criar um ambiente de aprendizado que valorize e incentive a leitura e a escrita, proporcionando aos meus alunos as oportunidades que me faltaram no início.

Quero ser uma fonte de inspiração para meus alunos, ajudando-os a descobrir o prazer da leitura e a importância da escrita em suas vidas. Ao transmitir minha paixão pelos livros e pelo conhecimento, espero cultivar uma nova geração de leitores e escritores apaixonados, preparados para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades que a vida lhes oferecer.

Assim, cada livro lido, cada texto escrito e cada memória revisitada não só enriqueceram minha vida, mas também me prepararam para inspirar e educar aqueles que cruzarem meu caminho. Continuarei a aprimorar minhas habilidades e a valorizar cada etapa da minha jornada literária, sempre buscando transmitir aos meus alunos o poder transformador da leitura e da escrita.



SOBRE A AUTORA:

Claudiana Silva Sincurá é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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Entre laços literários e desafios acadêmicos

Entre laços literários e desafios acadêmicos

Como diz Chimamanda Ngozi Adichie, “Todas essas histórias fazem de mim quem eu sou. Mas insistir somente nessas histórias negativas é superficializar minha experiência e negligenciar as muitas outras histórias que me formaram. A única história cria estereótipos. E o problema com estereótipos não é que eles sejam mentira, mas que eles sejam incompletos.” Não só Chimamanda, mas observando as tendências atuais na literatura, tenho percebido um incentivo crescente à valorização da diversidade. Isso se reflete, por exemplo, na representação da minha identidade como mulher negra e quilombola.

Um exemplo notável é a obra de Chimamanda Ngozi Adichie, que tem impactado profundamente a cena literária global, especialmente no contexto da cultura afro. Essa influência ressoa fortemente com minha posição na produção literária, alinhando-se com minha visão de mundo e com o letramento que adquiri até o momento.

Mas por que focar na literatura e entender minha posição na produção literária, quando talvez eu devesse apenas registrar uma simples memória de letramento? A resposta é simples: o letramento vai muito além da alfabetização (a habilidade de ler e escrever). No entanto, vou me concentrar nas minhas experiências pessoais e na minha evolução com a leitura e a escrita ao longo da minha vida, mostrando como essas experiências moldaram meu desenvolvimento educacional e pessoal de maneira profunda e significativa.

Lembranças de livros específicos que abriram minha mente para novos mundos, professores inspiradores que despertaram minha paixão pelo conhecimento e atividades escolares que transformaram minha visão do aprendizado estarão no centro desta narrativa. Cada uma dessas experiências está intimamente ligada ao letramento, que nos permite viver, sonhar e nos inspirar. Através dos diversos gêneros literários, especialmente aqueles que mais me emocionam ao recordá-los, quero compartilhar o impacto transformador da leitura e da escrita.

Uma das obras que considero marcantes na minha infância é “Menina Bonita do Laço de Fita”, de Ana Maria Machado. Essa história se destaca como uma das minhas favoritas, exercendo profunda influência na minha percepção da beleza negra. Pela primeira vez, vi uma personagem que refletia minha própria imagem, e isso teve um impacto significativo na minha autoestima. Eu e meus colegas de turma encenamos um teatro baseado na história, o que incentivou minha criatividade e meu amor pelas obras literárias. Essa experiência pessoal, juntamente com minha vivência na comunidade, reforça a importância do acesso à literatura desde cedo.

Um trecho da historinha que mais me marcou foi: “Por isso, um dia ele foi até a casa da menina e perguntou: – Menina bonita do laço de fita, qual é teu segredo para ser tão pretinha? A menina não sabia, mas inventou: – Ah deve ser porque eu caí na tinta preta quando era pequenina… O coelho saiu dali, procurou uma lata de tinta preta e tomou banho nela. Ficou bem negro, todo contente. Mas aí veio uma chuva e lavou todo aquele pretume, ele ficou branco outra vez”. Recriar essa cena, interpretando e narrando juntamente com meus colegas, abriu minha mente para novos horizontes.

Considerando que desde criança sempre fui incentivada a ler, durante o Ensino Fundamental 1 na escola XV de Novembro da minha comunidade local, a Comunidade Quilombola do Paiol, a professora Eliana, nossa querida professora daquela época e até hoje, sempre demonstrou grande dedicação à leitura e aos poemas. Ela costumava nos passar livrinhos literários e históricos, incentivando a criação de contos e recontos. Essa prática constante contribuiu para que eu desenvolvesse um profundo gosto pela literatura e pela leitura. Além disso, vivendo na nossa comunidade, ela contextualizava todas as aulas com nossa experiência de vida, o que significou um avanço significativo no nosso letramento.

Quando ingressei no Ensino Fundamental II, meu amor pela leitura continuou evidente. Adorava passar o tempo na biblioteca durante o recreio. No entanto, a proximidade com a literatura não era mais tão intensa quanto no Ensino Fundamental I. Tínhamos uma aula por semana chamada “Literatura”, onde estudávamos barroco, cordel, entre outros. Embora interessante, não era tão estimulante quanto às atividades criativas do Fundamental I. Mesmo assim, mantive o hábito de ler e comecei a apreciar também a ficção científica, que me proporciona visões do futuro. Quando se trata de ficção científica, pode parecer loucura, mas num mundo tão interconectado e dinâmico, desde pequenos somos rápidos em nos adaptar às tecnologias atuais; no entanto, é crucial sabermos utilizá-las para o bem maior. Além disso, eu amava mergulhar nos quadrinhos da “Turma da Mônica”, do autor Maurício de Sousa, especialmente pelos variados personagens como Chico Bento, Mônica, Magali, entre outros, porque eles me proporcionavam momentos de diversão e me permitiam mergulhar em histórias cativantes e cheias de aventuras.

Havia um aspecto que me desagradava em algumas histórias: o desfecho trágico. Muitas vezes, começavam felizes, mas terminavam de maneira dolorosa e triste. Na escola, participei de eventos onde conquistei títulos, como o primeiro lugar em uma gincana sobre “Reconto”, interpretação e produção de texto de poema, e o segundo lugar em outras competições. Com a chegada da pandemia, o acesso aos livros físicos ficou mais difícil, mas a internet proporcionava alternativas. No entanto, acabei me distanciando um pouco da leitura nesse período.

Ao ingressar na faculdade e explorar a Linguagem e Códigos, percebi que, mesmo antes, tinha contato constante com a literatura, mas minha visão sobre ela não era tão apurada como é hoje. O percurso acadêmico trouxe uma compreensão mais profunda e uma conexão ainda maior com o mundo literário, tornando-me letrada em várias etapas da minha vida. Durante esse período, um docente lançou um desafio: quem fizesse a melhor interpretação em áudio de um trecho do livro “Torto Arado”, de Itamar Vieira Junior, ganharia o livro “Do Amor e Outros Demônios”, de Gabriel García Márquez. Aceitei o desafio, fiz uma interpretação envolvente e ganhei o livro. Depois disso, ao decorrer dessa jornada universitária fui presenteada com vários outros livros: “Como Educar as Crianças no Mundo das Telas” de Igor Amin, “Linguagem e Autismo: Conversas Transdisciplinares,” organizado por Luiz Magnani e Gustavo Ruckert. “Os Vales que Educam,” de Lemes et al. Futuramente, pretendo criar uma pequena biblioteca dentro da minha casa, que é um sonho de infância. Os docentes me deixam feliz quando me presenteiam com um bom livro. Gratidão!

Para mim, a literatura desempenha um papel crucial em minha formação e no meu letramento. Através dela, é possível educar, desmantelar estereótipos, sonhar e imaginar, influenciando meus futuros docentes. Ela se torna um veículo essencial para o desenvolvimento pessoal, proporcionando um meio de expressão e compreensão do mundo que vai além das barreiras cotidianas.



SOBRE A AUTORA:

Caroline Rodrigues Ferreira é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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Memórias de meus letramentos

Memórias de meus letramentos

Resido na comunidade Quilombola Paiol, localizada no município de Cristália-MG. Sou filha de mãe analfabeta e pai alfabetizado. Acredito que meu primeiro contato com os letramentos foi quando ouvia minha mãe contar histórias e causos sobre a comunidade, que me lembro até hoje. Também recordo diversas brincadeiras que tinham a ver com gêneros escritos, como amarelinha e quebra-pedra, entre outras. Aos 6 anos, tive meus primeiros contatos com a Escola Municipal da cidade de Cristália, que fica a nove quilômetros de distância da comunidade.

Naquela época, enfrentei muitos desafios para estudar, inclusive para pegar o transporte escolar, pois tinha que caminhar meia hora a pé, já que o ônibus não chegava até a porta da minha casa. Embora houvesse uma escola dentro da comunidade, minha mãe optou por me matricular na cidade, pois a escola da zona rural funcionava apenas pela manhã. Assim, não havia como eu ir todos os dias a pé, sozinha, até a escola, que ficava a 5 quilômetros de casa. Como meus irmãos estudavam na cidade, facilitava meu deslocamento, já que eles cuidavam de mim e ajudavam a levar meus materiais até o ponto de ônibus.

No ensino fundamental, passei por algumas dificuldades para aprender a ler, embora já tivesse uma boa coordenação motora, desenvolvida nas brincadeiras de ‘escrever’ no chão de terra batida com pedaços de madeira. Na escola, viajantes vendiam livrinhos de histórias de princesas, e meu sonho era adquirir aqueles livros com lindas imagens. Mesmo sem saber ler perfeitamente, eu podia olhar as imagens e, com o CD que acompanhava o kit, ouvir as histórias. Apesar das dificuldades financeiras, meus pais sempre compravam esses kits para mim. Quando eu os adquiri, já tinha uma imaginação de contos de fadas, e minha vontade de ler todos os parágrafos das histórias e interpretá-los era muito grande. Isso foi um dos incentivos para aprender a ler.

Ao longo dos anos, meu desejo pelos estudos foi aumentando, mas sempre tive dificuldade em matemática; as contas eram algo que complicava minha cabeça. Nos anos iniciais, aprendi a contar os primeiros números e depois a fazer operações de soma e subtração. Sempre levava moedas para comprar meu lanche, mas não sabia o valor de muitos números e tinha que perguntar aos funcionários o que poderia comprar. Isso me causava muita vergonha, pois eu queria saber o valor de cada moeda.

Minha família sempre influenciou na escola e no papel dos letramentos, inclusive nos conteúdos voltados à área da matemática. Os principais incentivos partiram do berço familiar, antes mesmo de me alfabetizar, sendo de certa forma influenciada pelo meio social em que vivia. Aos poucos, fui aprendendo a reconhecer o dinheiro e as horas.

Na escola que frequentei durante os anos iniciais, não havia uma biblioteca. Assim, quando precisávamos de algum material ou livro didático-pedagógico, tínhamos que nos deslocar até a Secretaria de Educação, que ficava a cerca de um quilômetro de distância da escola. A locomoção e a distância entre os dois locais dificultavam o acesso contínuo aos livros didáticos. Nos anos finais do ensino fundamental, já não tive mais problemas em relação à biblioteca e às leituras, uma vez que fui estudar na Escola Estadual. Naquele período, os docentes sempre nos incentivavam a realizar atividades articuladas aos livros. No entanto, enfrentei grande dificuldade com leitura crítica e interpretação de texto, e acredito que isso foi um dos resultados da falta de diversidade de leitura no início da alfabetização.

Ao iniciar os estudos na universidade, tive bastante dificuldade com diversos gêneros textuais, com a escrita e com a leitura engajada, entre outros. No entanto, ao longo do tempo, fui praticando e, assim, melhorando tanto na forma de escrever quanto na forma de expressar minhas opiniões sobre diversos temas. Atualmente, me identifico com a linguagem e temas e consigo acompanhar os conteúdos das unidades curriculares, pois são bem contextualizados com a realidade dos educandos.

Vale ressaltar o quanto os estudos, práticas e pesquisas desenvolvidas até aqui têm fortalecido meu processo formativo como educadora do campo. Pretendo enriquecer ainda mais meu conhecimento acadêmico e, assim, no futuro, ter a capacidade de articular conteúdos diversos à realidade dos meus alunos, proporcionando desenvolvimento tanto no processo de aprender quanto de ensinar.



SOBRE A AUTORA:

Amanda Pereira dos Santos é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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Memórias de Letramentos 5 – Apresentação

Memórias de Letramentos 5 – Apresentação

Este é o quinto volume da coleção Memórias de Letramentos, iniciada em 2017 em parceria com meu compadre Luiz Henrique Magnani, também professor da nossa Universidade, a UFVJM. Outros colegas contribuíram em outras edições, como Rosana Baptista dos Santos e Mauricio Teixeira Mendes. Neste volume, sete anos depois, trago para os leitores 10 narrativas autobiográficas de sujeitos dos nossos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Já somos 148 vozes, cada uma com sua identidade, mas muitas similaridades em termos de formação e letramentos. Não necessariamente nesta ordem, o livro conta com dois textos oriundos da Comunidade Quilombola Paiol, situada em Cristália-MG, município que conta também com um terceiro texto. Quatro outras narrativas vêm da Comunidade Quilombola Capivari, situada no Serro-MG; e a Comunidade Quilombola do Peixe Bravo, situada em Riacho dos Machados-MG, é a origem do último dos textos quilombolas. Completam a edição um texto de Diamantina-MG e outro de Coronel Murta-MG.

Temos um livro cheio de emoção, com histórias e reflexões importantes, não apenas para os autores e autoras, estudantes da Licenciatura em Educação do Campo, mas também para pesquisadores e cidadãos comuns que se preocupam com reflexões sobre letramentos, diversidade e educação, ou gostam de textos autobiográficos. São novas vozes que se juntam a outras tantas eternizadas em nossa coleção, com questões antigas, como acesso à educação e certos bens culturais, mas também com experiências lindas de superação, generosidade e criatividade.

Refletir sobre como aprendemos, especialmente com as letras e seus contextos, nos torna cidadãos mais críticos e conectados com a realidade. Pensar sobre como aprendemos nos ajuda a melhorar nossas práticas de aprendizagem e ensino, a promover a autonomia e o diálogo. Em um mundo cheio de informações e armadilhas, altamente letrado em termos de presença da escrita, o professor precisa ser reflexivo e precisa saber lidar com essas mudanças. A ‘leitura de mundo’, defendida por Paulo Freire na Conferência de Abertura do 3° Congresso de Leitura do Brasil (COLE), em Campinas, 1981, vai além da palavra escrita e continua tão necessária quanto nos tempos difíceis que levaram o educador ao exílio. Refletir sobre a realidade de uma educação real, dos vales, que, como tantas existentes em nossos territórios, promove ‘leitura de mundo’.

A escrita dessas memórias fez parte das atividades da disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, oferecida para estudantes da Licenciatura em Educação do Campo, habilitação Linguagens e Códigos, em julho de 2024, no período que denominamos Tempo Universidade, que, grosso modo, é um período em que os nossos estudantes do campo comparecem presencialmente à Universidade. Quando não estão na Universidade, aguardam as visitas dos professores em suas comunidades, tarefa que sempre me traz imenso prazer e muitas aprendizagens.

A disciplina incluiu reflexões teóricas e pesquisas práticas sobre letramentos e práticas nas áreas de formação dos alunos-autores e futuros professores. Promover o diálogo entre os estudantes e o público externo à universidade também foi um dos objetivos da disciplina. Para isso, este material foi produzido em etapas que incluíram oficina de escrita de narrativas, revisão, diagramação e edição final. Adicionalmente, cada texto é acompanhado de um podcast, que, em conjunto com estes dez textos que aqui apresento, serão publicados no site do Projeto de Extensão Aula Digital – auladigital.net.br – e divulgados nas redes sociais – instagram.com/auladigital.net.br.

O material também promove troca de saberes, trazendo para a universidade reflexões e ensinamentos sobre como nossa gente aprende, especialmente na adversidade. Assim, nós, os professores, aprendemos com eles em uma saudável inversão de papéis que nos auxilia a descobrirmos os caminhos do saber junto a eles, aprendendo a arte de ensinar e a melhor forma de guiar, transformando-nos em estudiosos e orientadores mediadores mais conectados com o mundo.

Nesse processo de troca e crescimento, vemos a urgência de não apenas abrir os portões das universidades, mas de possibilitar que o caminho seja virtuoso com políticas de permanência, além da necessidade de se manter sempre as janelas abertas para que não se percam o diálogo, as mudanças e a complexidade do mundo.

Para adquirir a obra gratuitamente em formato digital, ou impresso a preço de custo, clique na imagem com as capas dos livros acima, ou na capa do volume 5 abaixo, ou AQUI!

Carlos Henrique Silva de Castro

Outubro/2024

Licenciatura em Educação do Campo (LEC)

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)



SOBRE O AUTOR DO TEXTO E ORGANIZADOR DO LIVRO:

Carlos Henrique Silva de Castro é um professor e pesquisador brasileiro que atua no Ensino Superior pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) no curso Licenciatura em Educação no Campo, em cursos de licenciatura da Diretoria de Educação Aberta e a Distância (DEAD) e no Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas (PPG-CH), Linha de Pesquisa Práticas Educacionais, Culturais e Linguagens. Licenciado e bacharel em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG / 2000-2005), atua nas áreas Linguagem e Tecnologia e Ensino de Português. É doutor em Estudos Linguísticos / Linguística Aplicada pela UFMG (2011-2015), com período sanduíche na University of California, Santa Barbara (UCSB / 2013-2014). Fez estágio pós-doutoral na UFMG (2018-2019) com pesquisa acerca de letramentos digitais e educação. Atuou como consultor da Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, Ciência e Cultura (OEI). Como professor visitante, fez estágio pós-doutoral na Universidad Complutense de Madrid em associação com a Universidade de Aveiro (2021-2022), com pesquisa de viés etnográfico sobre educação linguística, plurilíngue e multicultural. Mais detalhes sobre sua produção na seção DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA e no currículo lattes: https://lattes.cnpq.br/8846976753165320.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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Agroecologia contra o êxodo rural: o caso do Serro/MG

Agroecologia contra o êxodo rural: o caso do Serro/MG

Práticas agroecológicas estão sendo desenvolvidas por moradores da cidade de Serro e região, devido à lacuna percebida na aplicação de atividades econômicas sustentáveis no município. A agroecologia representa uma forma de resistência ao êxodo rural, especialmente nas comunidades quilombolas. O relacionamento entre o campo e a cidade sempre foi mal compreendido, embora sejam espaços interdependentes. No entanto, uma idealização promovida pelo setor econômico e capitalista retrata o homem do campo como alguém atrasado, sem acesso a tecnologias modernas e incapaz de se integrar aos espaços urbanos. Nesse contexto, cabe uma reflexão por parte dos moradores de Serro-MG, onde a agricultura familiar exerceu uma influência significativa na formação do município. No entanto, os moradores afirma

A principal razão para o êxodo rural na região de Serro é a falta de políticas públicas voltadas para o campo, a escassez de acesso à terra para os jovens e a ausência de apoio técnico para sua produção. Esta realidade automaticamente leva as pessoas a abandonarem o campo em busca de melhores condições nas cidades. Muitas vezes, elas escolhem migrar para grandes metrópoles, levando suas famílias consigo, resultando assim no êxodo rural. Em alguns casos, optam por migrar ilegalmente para os Estados Unidos. Segundo Fonseca (2015) [1], “O problema do êxodo rural é uma consequência da mecanização da agricultura, onde os pequenos agricultores não conseguem competir no mercado devido à falta de recursos”.

Consequentemente, os agricultores acabam abandonando suas terras e procurando novas oportunidades nas cidades. Isso enfraquece nossas identidades e contribui para a desterritorialização de espaços que foram conquistados por nossos antepassados, resultando também na perda de nossas culturas. Para tentar resolver parte desses problemas e dar protagonismo às pessoas que realmente vivem no território, a Agroecologia tem sido discutida como uma abordagem sustentável para lidar com a terra na região. Universidades, escolas e associações têm promovido discussões sobre o tema por meio de projetos de extensão, rodas de conversa, feiras agroecológicas e trocas de sementes, com a participação das comunidades.

A prática da agroecologia parte do pressuposto de que não basta apenas produzir para sobreviver bem, mas é essencial produzir com consciência e respeito à natureza e ao local, visando criar condições de sobrevivência. Essas práticas também são capazes de promover a soberania alimentar da população local. Conforme Jesus e Paes (2020) [2] esclarecem, “A comunidade de Capivari é tradicional e preserva suas práticas culturais de manejo ambiental, preparo da terra e conservação de sementes crioulas há várias gerações”. Um exemplo desse movimento dentro do município envolve a participação de jovens e mulheres nas práticas agroecológicas, como o coletivo de Mulheres da Comunidade Quilombola Ausente Feliz. Liderado por mulheres, o coletivo tem promovido diversas iniciativas para geração de renda na comunidade.

O coletivo tem compartilhado experiências e métodos tradicionais de trabalho na terra em eventos regionais e nacionais. Isso destaca a importância de nossas lutas em defesa do uso sustentável do solo em nossos territórios quilombolas, bem como a valiosa permanência dos jovens que se reconhecem e se identificam com o espaço rural. Dessa forma, por meio das técnicas agroecológicas, a comunidade começa a desafiar a ideia de que os grandes capitais, especialmente na nossa região, a partir da mineração, trazem desenvolvimento para a região. No entanto, é importante destacar que os únicos beneficiários dessa exploração são os proprietários das mineradoras, políticos e fazendeiros que concentram grandes riquezas em suas mãos. Não há espaço para mineração onde a agricultura é a base de sustento, ou onde existem comunidades quilombolas.

Portanto, é essencial conscientizar nossa população, especialmente os jovens, sobre os danos que o poder capitalista pode causar. Isso inclui exemplos de abandono de nossas culturas, famílias e áreas rurais. Para efetuar isso de maneira eficiente, devemos criar espaços em escolas, universidades e na própria comunidade, onde possamos discutir esses temas relacionados à Agroecologia e ao êxodo rural, além de destacar o potencial de nossa região para crescer de maneira sustentável na agricultura.

Referências

[1] FONSECA, Wéverson Lima; et al. Causas e consequências do êxodo rural no nordeste brasileiro. Revista Nucleus, v. 12, 2015. Disponível em: https://www.nucleus.feituverava.com.br/index.php/nucleus/article/view/1422/0.

[2] JESUS, Nanci Ribeiro; PAES, Silvia Regina. Horta Comunitária “Jovens de Capivari”. Cadernos de Agroecologia, v. 15, n. 3, 2020. Disponível em: https://cadernos.aba-agroecologia.org.br/cadernos/article/view/6378.



SOBRE O AUTOR

Valderes Quintino Silva é acadêmico da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Educação sexual e prevenção da gravidez na adolescência

Educação sexual e prevenção da gravidez na adolescência

A taxa alarmante de gravidez na adolescência no Brasil continua a ser um desafio persistente para as políticas de saúde pública e educação. Segundo dados do governo brasileiro (2023), uma em cada sete mães de recém-nascidos é adolescente, totalizando 1.043 adolescentes se tornando mães todos os dias [1]. Essas estatísticas não apenas representam números impressionantes, mas também revelam uma realidade preocupante: a falta de acesso a informações e educação sexual adequada entre os adolescentes.

O Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), ferramenta do Sistema Único de Saúde (SUS), fornece uma visão sombria da situação, destacando não apenas a prevalência de gravidez na adolescência, mas também a faixa etária preocupante das mães adolescentes. De acordo com os dados, duas das 44 mães adolescentes que dão à luz a cada hora têm entre 10 e 14 anos de idade [1]. Esses números não são apenas estatísticas frias, mas representam vidas jovens afetadas por consequências profundas e duradouras (SUS, 2023).

Por trás desses números estão histórias reais de jovens, como Viviane, do município de Cristália-MG, que aos 15 anos de idade se viu enfrentando uma gravidez não planejada. Viviane compartilhou sua história, revelando uma lacuna preocupante na educação sexual dentro de sua família e escola. Sua mãe não abordou o assunto em casa; na escola, os professores não ofereceram orientação adequada sobre prevenção da gravidez e saúde sexual. Em suas próprias palavras, Viviane não temia a gravidez; o tema era tratado com piadas entre colegas e a falta de informação e apoio a levaram a abandonar os estudos. A história de Viviane não é única. Muitas adolescentes enfrentam desafios semelhantes devido à falta de educação sexual adequada. E isso não é apenas uma questão de evitar a gravidez na adolescência, mas também de promover relacionamentos saudáveis, prevenir doenças e infecções sexualmente transmissíveis e capacitar os jovens para tomarem decisões informadas sobre sua saúde e bem-estar.

Diante desse cenário, é crucial reconhecer o papel fundamental das escolas na educação sexual dos adolescentes. As escolas não apenas têm a responsabilidade de fornecer informações precisas e abrangentes sobre saúde sexual e reprodutiva, mas também de criar um ambiente seguro e acolhedor onde os alunos se sintam à vontade para discutir esses assuntos sem vergonha ou estigma. A inclusão da educação sexual no currículo escolar não é apenas uma questão de fornecer informações sobre anatomia e contracepção; trata-se também de promover valores como respeito, consentimento e igualdade de gênero. Os adolescentes precisam entender não apenas como evitar uma gravidez não planejada, mas também como construir relacionamentos saudáveis e tomar decisões responsáveis em relação à sua vida sexual.

Apesar da alta taxa de gravidez na adolescência e de todas as dificuldades enfrentadas por essas mães adolescentes, esse assunto ainda gera opiniões divididas, especialmente quanto à abordagem nas escolas. Algumas pessoas acreditam que a educação sexual nas escolas não irá ajudar os adolescentes, considerando que pode ser cedo demais para eles serem expostos a certos temas, ou que isso contradiz tradições culturais, religiosas, entre outros aspectos, além de receios sobre incentivar a prática sexual. Segundo a pesquisadora Fabiana Maranhão (2019) [2], o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro expressou sua opinião sobre esse assunto, chegando a afirmar que “quem ensina sexo para a criança são o papai e a mamãe”. Outros líderes que são contra a educação sexual nas escolas, além das lideranças políticas, são os religiosos, que argumentam que essa educação pode acarretar “sexualização precoce” ou até mesmo “estimular a troca de sexo”.

Contudo, é de suma importância abordar esse assunto nas escolas, mesmo que gere polêmica. Acreditamos que, quando tratado de forma leve, responsável e inclusiva, pode trazer inúmeros benefícios para crianças e adolescentes. Através dessa educação, eles podem aprender sobre si mesmos, suas emoções e desenvolver o respeito mútuo, além de receber informações essenciais sobre prevenção da gravidez precoce e outros temas relevantes. É crucial que tenham acesso a informações corretas e respeitosas para tomar decisões conscientes sobre suas vidas. A abordagem aberta também ajuda a combater tabus e preconceitos, promovendo uma cultura de respeito e compreensão. Além disso, a participação dos pais e líderes é fundamental para apoiar e complementar essa educação, garantindo que haja um ambiente de apoio e diálogo em casa e na comunidade. Em última análise, a educação sexual nas escolas pode contribuir para a formação de indivíduos conscientes, responsáveis e respeitosos em nossa sociedade.

 

Referências

[1] Ministério da Educação do Brasil. (2023). Por hora, nascem 44 bebês de mães adolescentes no Brasil, segundo dados do SUS. Recuperado de <https://www.gov.br/ebserh/pt-br/comunicacao/noticias/por-hora-nascem-44-bebes-de-maes-adolescentes-no-brasil-segundo-dados-do-sus> Acessado em: 12/02/2024.

[2] Maranhão, Fabiana. (2019). Educação sexual nas escolas é menor do que imaginamos. Recuperado de <https://novaescola.org.br/conteudo/15749/educacao-sexual-nas-escolas-e-menor-do-que-imaginamos> Acessado em: 20/02/2024.



SOBRE AS AUTORAS

Thalyta Cristina Gomes Martins e Vívian Emanuelly Rodrigues Borges são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

O feminicídio e os gritos silenciados

O feminicídio e os gritos silenciados

De acordo com os últimos dados estatísticos do site do G1 (2024) [1], os registros de feminicídio em 2023 aumentaram de forma preocupante no Brasil, com uma média de um caso a cada seis horas. Esta forma de violência desrespeita os direitos humanos e constitui um crime direcionado contra a vida das mulheres unicamente por sua condição de gênero, sendo um grito silenciado das vítimas que pede por justiça e chama a atenção daqueles que não aceitam a normalização do feminicídio.

A violência baseada exclusivamente na condição de gênero reflete uma falha na garantia da igualdade. Esta realidade permite que o medo e a opressão silenciem as vozes das mulheres e neguem seu direito à vida. Segundo a matéria de D. Piccirillo e G. Silvestre no G1 (2023) [2], foi registrado um aumento de 5,5% nos casos de feminicídio no país entre 2021 e 2022, resultando em 1,4 mil mulheres mortas exclusivamente por sua condição de gênero. O feminicídio não é apenas um problema doméstico, mas sim um problema global que deve ser reconhecido e tratado com a devida importância.

As leis, como a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, apesar de representarem avanços na proteção das mulheres contra a violência de gênero, não são suficientes para garantir a prevenção e o combate a essa realidade cruel. No pleno século XXI, é incontestável que o feminicídio se revela como algo preocupante em nossas estruturas sociais e culturais, sendo resultado de um passado permeado por opressões e influências de ideais patriarcais, que contribuem para a continuidade desta situação alarmante, na qual as mulheres são vítimas diárias de violência em diversos contextos, seja nas ruas, em casa ou até mesmo nos ambientes de trabalho.

É importante lembrar que o crime de feminicídio não se restringe a um único perfil de mulher; todas as mulheres estão sujeitas a essa violência. No entanto, segundo Almeida (2023) [3], o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023 revelou que, em 2022, 1,9% dos casos de feminicídio no Brasil ocorreram na área rural. A baixa densidade populacional e a distância dessas regiões colaboram para o silenciamento dos casos de feminicídio, mantendo-os longe da atenção pública e das autoridades. Esta realidade é muito comum entre mulheres em situações de vulnerabilidade socioeconômica. Além disso, muitas mulheres criadas em áreas rurais possuem uma concepção de vida ligada à crença de que o homem detém o poder dentro do lar, o que dificulta o reconhecimento e a denúncia, tornando-as mais propensas a permanecer nesse ciclo de violência.

Diariamente, acompanhamos nos jornais casos em que mulheres são assassinadas brutalmente, principalmente por seus companheiros ou ex-companheiros. A impunidade dos agressores é um reflexo da falta de políticas eficientes para a prevenção do feminicídio. Tajra (2023) [4] relatou um aumento de cerca de 40% no número de novos casos de feminicídio e violência doméstica contra a mulher nos tribunais estaduais em 2022. Em relação aos casos pendentes na Justiça, aqueles em andamento ou sem encerramento definitivo, houve um acréscimo de 15%. Inúmeros casos de feminicídio muitas vezes não chegam a ser levados a julgamento, e frequentemente aqueles que passam pelo processo judicial resultam em penas brandas ou absolvições, resultado das lacunas na legislação que contribuem para o aumento deste crime. Isso destaca a importância de questionar os fundamentos jurídicos que podem perpetuar a violência contra as mulheres.

Em contrapartida, há quem diga que o feminicídio é um problema isolado, quando na verdade trata-se de um reflexo alarmante da violência de gênero e da desigualdade estrutural em nossa sociedade, que atenta contra o direito fundamental à vida e à segurança das mulheres. Embora a violência de gênero tenha raízes culturais profundas, políticas governamentais eficazes como a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, que visam acabar com a violência contra a mulher, e outras iniciativas governamentais para o atendimento às vítimas, podem contribuir significativamente para a prevenção deste crime, que frequentemente resulta em altos índices de impunidade.

Por fim, é necessário refletir: como chegamos a um momento em que aceitamos silenciosamente a violência do feminicídio? Esta reflexão aponta uma direção clara; é hora de romper o silêncio e reconhecer a interligação entre diversidade, educação e direitos humanos. Introduzir práticas educativas nos currículos escolares, como palestras que abordem temas como igualdade, violência de gênero e feminicídio, além de promover a conscientização nas escolas e comunidades, contribuiria para a construção de uma cultura de tolerância por meio da educação. Além disso, é fundamental a criação de políticas de justiça social e educacional que sensibilizem sobre questões de gênero. Somente assim será possível promover a diversidade e a educação, rompendo o silêncio que mata e dando voz a esse grito silenciado para garantir os direitos das mulheres.

Referências:

[1] https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2024/03/07/brasil-registra-em-media-um-feminicidio-a-cada-seis-horas-em-2023.ghtml

[2] https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2023/03/08/numeros-de-uma-tragedia-anunciada-10-mulheres-assassinadas-todos-os-dias-no-brasil.ghtml

[3] ALMEIDA, Daniella. Margaridas debatem impactos da violência contra mulheres rurais. 2023. Agência Brasil, Brasília. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-08/margaridas-debatem-impactos-da-violencia-contra-mulheres.

[4] TAJRA, Alex. Registros de feminicídio e violência doméstica contra mulher cresceram 40%. Consultor Jurídico, 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-ago-16/casos-feminicidio-violencia-mulher-crescem-40-justica




SOBRE A AUTORA

Taciane Viviane Cunha Nascimento é acadêmica da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foi orientada pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Complexidades da gravidez precoce: impactos individuais e coletivos

Complexidades da gravidez precoce: impactos individuais e coletivos

A gravidez na adolescência acomete jovens do campo e de vulnerabilidade socioeconômica, sendo consequência da falta de acesso à educação e ao conhecimento. O Brasil lidera em índices de gravidez na adolescência, prevalente sobretudo em zonas rurais e áreas com vulnerabilidade socioeconômica, em comparação com regiões metropolitanas (CRUZ, CARVALHO, IRFFI, 2016) [1]. Segundo a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares [2], ‘um a cada sete bebês brasileiros é filho de mãe adolescente. Por dia, 1.043 adolescentes tornam-se mães no Brasil. A cada hora, nascem 44 bebês de mães adolescentes, das quais duas têm entre 10 e 14 anos de idade’. Esta disparidade é atribuída à falta de acesso à educação e à falta de orientação sexual por parte das famílias e da sociedade, resultando em impactos psicológicos, sociais e econômicos significativos na vida das adolescentes. Em famílias com pouca orientação sexual, as adolescentes enfrentam maior risco de gravidez na adolescência.

Assim, a família desempenha um papel crucial para reduzir esses índices, especialmente porque afetam mais jovens. Também é uma consequência do ‘tabu’ em discutir sexualidade com meninas, devido ao papel social tradicional atribuído à mulher desde tempos antigos, onde há uma pressão para que se casem jovens e formem família, de acordo com normas sociais. Ainda hoje, há casamentos na adolescência, aumentando as taxas de gravidez e suas consequências biopsicossociais às adolescentes. Quando se trata de sexualidade, muitas questões estão envolvidas, como vergonha, cultura e preconceito, o que muitas vezes impede os pais de dialogar diretamente com os filhos, resultando em conversas indiretas e falta de compreensão dos filhos sobre o tema (Silva, 2011) [3].

A falta de orientação sexual por parte dos pais é uma das consequências da gravidez na adolescência. Falar sobre sexualidade com os filhos é crucial, especialmente com as adolescentes, que são as mais afetadas por uma gravidez indesejada. Para uma educação sexual eficaz, é necessário o diálogo, que deve começar na família. A escola também desempenha um papel importante na construção de conhecimento, mas enfrenta resistência por parte dos professores ao abordar sexualidade, devido ao ‘tabu’ e ao preconceito que persistem nas escolas. Muitos profissionais se sentem desconfortáveis em discutir sexualidade devido à falta de educação sexual recebida dos pais, perpetuando a visão de que o assunto deve ser tratado exclusivamente em casa. Com a falta de informação, os jovens não têm conhecimento sobre métodos contraceptivos para evitar gravidezes indesejadas ou infecções sexualmente transmissíveis. Segundo Taborda (2014, p. 20 [4]):

Com relação à prevenção, três fatores são comumente associados. O primeiro é a ideia de que a gravidez na adolescência resulta da falta de informação sobre métodos contraceptivos; o segundo é a relação entre contracepção e iniciação sexual, onde quanto mais precoce a iniciação sexual, menores são as chances de uso de métodos contraceptivos; e o terceiro é a correlação entre escolaridade e contracepção, onde maior escolaridade aumenta as chances de uso de métodos contraceptivos na primeira relação sexual e subsequentes.

 

Estes fatores destacam a importância da educação sexual para adolescentes, ensinando sobre métodos contraceptivos como camisinhas e pílulas anticoncepcionais, os mais utilizados. Além disso, enfatiza a importância de que a família converse abertamente com os adolescentes sobre sexualidade, pois o diálogo tardio aumenta as chances de gravidez. Finalmente, mostra a influência positiva da escolaridade na utilização de métodos contraceptivos, reduzindo as chances de gravidez precoce e indesejada.

A gravidez na adolescência pode interromper a educação e limitar as oportunidades profissionais, levando a dificuldades econômicas e menor estabilidade financeira. Esta condição precoce também pode afetar o desenvolvimento pessoal e social, restrito a participação em atividades e crescimento individual, podendo alterar os relacionamentos familiares e sociais, representando barreiras para jovens alcançarem metas pessoais e profissionais. Segundo Borges (2016, p.15) [5]:

Há uma preocupação significativa com as consequências da maternidade precoce para a saúde, educação e desenvolvimento econômico e social, devido à dificuldade de desenvolvimento educacional e social da adolescente, bem como sua capacidade de utilizar todo o seu potencial individual. Como resultado, observa-se maior taxa de abandono escolar, desajustes familiares e dificuldade de inserção no mercado de trabalho.

 

Explorar as complexidades e impactos da gravidez precoce na adolescência é essencial para compreender suas ramificações sociais e individuais. A evasão escolar é uma questão delicada que pode ser exacerbada pela gravidez precoce. Para adolescentes mães, conciliar responsabilidades familiares com estudos é desafiador, com cuidados infantis interferindo na frequência escolar e no foco acadêmico, levando muitas adolescentes a abandonarem a escola, aumentando as taxas de evasão e limitando futuras oportunidades educacionais e de emprego, perpetuando o ciclo de pobreza e desigualdade social. Abordar essas questões é fundamental para a urgente necessidade de educação sexual e apoio familiar para jovens adolescentes em vulnerabilidade socioeconômica que se tornam mães precocemente.

Um contra-argumento identificado é que, ao engravidarem, as jovens frequentemente abandonam seus estudos para cuidar dos filhos. No entanto, há estudos, como o de Taborda e colaboradores (2014) [4] em Belém do Pará, que mostram o contrário: a gravidez na adolescência fortalece a permanência das jovens na escola. Os pesquisadores atribuem isso ao desejo das jovens de usar a escola como um meio de mobilidade social e para realizar seus projetos de vida e oferecer uma vida melhor para seus filhos e para si mesmas.

Uma intervenção viável nas escolas para transformar essa realidade seria a realização de palestras sobre sexualidade e estratégias para manter as adolescentes no ambiente escolar. Políticas públicas direcionadas às populações vulneráveis socioeconômicas podem ampliar o acesso ao conhecimento, desconstruindo o papel social tradicional das mulheres e promovendo maior independência financeira e emocional para os jovens, especialmente as adolescentes.

 

REFERÊNCIAS

[1] CRUZ, Mércia Santos; CARVALHO, Fabrícia Jóisse Vitorio; IRFFI Guilherme. Perfil socioeconômico, demográfico, cultural, regional e comportamental da gravidez na adolescência no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas – PPP, n.46, p. 243- 266, 2016.

[2] Gov.br: Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. Por hora, nascem 44 bebês de mães adolescentes no Brasil, segundo dados do SUS. São Luís, 13 fev. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/ebserh/pt-br/comunicacao/noticias/por-hora-nascem-44-bebes-de-maes-adolescentes-no-brasil-segundo-dados-do-sus. Acesso em 25/03/2024

[3] SILVA, Marli de Fátima. Sexualidade e gravidez na adolescência. Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de especialização em atenção básica em saúde da família da Universidade Federal de Minas Gerais como parte das exigências para obtenção de título de especialista. UFMG, Campos Gerais – MG, 2011.

[4] TABORDA, Joseane Adriana et al.. Consequências da gravidez na adolescência para as meninas considerando-se as diferenças socioeconômicas entre elas. Cad. Saúde Colet. Rio de Janeiro, n. 22, p. 16-24, 2014.

[5] BORGES, Daniela Monise de Souza. Amamentar, ato de amor e perseverança: o que as mães adolescentes pensam sobre isso? Monografia – (Bacharelado em Enfermagem) – Universidade Federal do Piauí, Pícos, 2016.




SOBRE AS AUTORAS

Silmara da Silva Pereira e Taliele Santana Higino são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Agroecologia nas escolas

Agroecologia nas escolas

O Vale do Jequitinhonha é uma região de Minas Gerais que há muito tempo convive com o êxodo rural. Muitas pessoas deixaram e continuam deixando o Vale em busca de oportunidades no corte de cana-de-açúcar, na colheita de café, entre outras atividades. Nesse sentido, o ensino de agroecologia nas escolas pode contribuir para a valorização territorial e, consequentemente, evitar o êxodo rural no Vale do Jequitinhonha.

O êxodo rural é um fenômeno de migração da população rural para as áreas urbanas, um problema preocupante em todo o Brasil. O jornal Brasil de Fato mostra que: “De acordo com dados do Banco Mundial, o percentual de habitantes do país que vivem no campo caiu 33,8% de 2000 a 2022. No mundo, a redução foi de 19,2%.” (Konchinski, 2024) [1]. Ou seja, o êxodo rural no Brasil está muito acima da média global. Isso também se reflete no Vale do Jequitinhonha, como revela uma matéria do jornal Estado de Minas, que evidencia os impactos do êxodo rural com o surgimento de cidades fantasmas, onde a maioria dos moradores migrou em busca de oportunidades de emprego. Segundo a matéria, essa migração intensificou-se nos últimos anos e tem resultado no aumento das casas abandonadas. (Ribeiro, 2018) [2].

A introdução da agroecologia nas escolas é um fator determinante para mudar essa realidade, pois não apenas promove a valorização territorial, mas também forma indivíduos críticos capazes de compreender sua própria realidade e engajar-se na luta por melhorias. Além disso, a agroecologia confronta o modelo hegemônico de agricultura capitalista, representando tanto a ciência quanto o saber dos sujeitos do campo que buscam uma agricultura que respeite e valorize tanto a natureza quanto o ser humano. Altieri (2012) [3] argumenta que a agroecologia mescla ciência e prática. Partindo desse pressuposto, Caldart (2016) [4] enumera cinco razões fundamentais para integrar a agroecologia nas escolas. Dentre elas, destacamos a quinta, de natureza epistemológica e pedagógica:

Se nossos objetivos formativos são de longo prazo e visam à construção de novas relações sociais, é necessário trabalhar com uma concepção de conhecimento que ajude na compreensão de como os fenômenos naturais e as relações sociais são produzidos, como a realidade se movimenta e transforma.’ (Caldart, 2016, p. 7)

 

Portanto, a agroecologia é crucial no processo educativo, permitindo a discussão sobre as diversas relações sociais e as complexidades da sociedade contemporânea, incluindo fenômenos como o êxodo rural. A agroecologia, por ser um conjunto de conhecimentos diversos, facilita o debate sobre realidades locais e globais frequentemente moldadas por um projeto de sociedade capitalista.

Outro aspecto significativo da agroecologia nas escolas é a construção e consolidação da identidade camponesa. No Vale do Jequitinhonha, é fundamental fortalecer essa identidade diante do discurso frequentemente propagado de que o Vale é uma região de pobreza e miséria, o que estigmatiza a localidade. Assim, formar indivíduos críticos sobre sua realidade é um passo para reduzir o êxodo, à medida que os estudantes aprendem sobre as possíveis conexões com a produção sustentável e uma sociedade mais justa e igualitária para todos, um princípio fundamental da agroecologia contra-hegemônica. Weisheimer (2005) [5] defende que a escola é crucial na formação da identidade da juventude rural, embora haja um descompasso entre o modelo escolar atual, derivado das sociedades industriais urbanas, e as especificidades das comunidades rurais, contribuindo assim para o êxodo rural, ao invés de mitigá-lo.

Por outro lado, muitas pessoas consideram que ensinar agroecologia nas escolas é irrelevante, argumentando que é apenas mais um método de produção ou que não é suficiente para resolver a complexidade do êxodo rural. No entanto, a agroecologia vai além disso, sendo um modo de vida que abraça a diversidade, não apenas um projeto agrícola, mas um projeto de sociedade que valoriza diferenças de conhecimento e forma indivíduos críticos capazes de questionar sua própria realidade rural e o fenômeno do êxodo, mobilizando-se para a mudança.

Portanto, é crucial debater a agroecologia nas escolas, considerando toda a sua complexidade. Tais debates podem resultar em projetos interdisciplinares, já que a agroecologia é por si só uma ciência interdisciplinar. Apesar dos desafios de fragmentação no ensino, a inclusão da agroecologia pode ser extremamente benéfica, inclusive para reduzir o êxodo rural. Cada disciplina pode contribuir para reflexões sobre agroecologia: disciplinas de linguagens e códigos podem explorar a relação entre linguagem e agroecologia, análise do discurso capitalista com os estudantes e a produção de diversos tipos de textos. Nas disciplinas de ciências da natureza, pode-se abordar questões práticas da agroecologia, ecossistemas, agroecossistemas e tudo o que envolve a natureza. Já nas matérias de ciências humanas, pode-se destacar os processos sociais envolvendo o surgimento da agroecologia, as lutas dos movimentos sociais e outras questões políticas e sociais relevantes para o estudo da agroecologia. Dessa forma, é possível implementar na escola projetos agroecológicos que combinem contribuições práticas e teóricas de todas as disciplinas.

 

Referências

[1] KONCHINSKI, V. Êxodo rural no Brasil é quase o dobro da média mundial e desafia sustentabilidade do campo e cidade. Brasil de Fato. Curitiba, 18 fev. 2024. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2024/02/18/exodo-rural-no-brasil-e-quase-o-dobro-da-media-mundial-e-desafia-sustentabilidade-do-campo-e-cidade>. Acesso em 19/03/2024.

[2] RIBEIRO, L. Êxodo rural deixa cidades fantasmas no Vale do Jequitinhonha. Estado de Minas, abr. 2018. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2018/04/17/internas_economia,952184/exodo-rural-deixa-cidades-fantasmas-no-vale-do-jequitinhonha.shtml>. Acesso em 19/03/2024

[3] ALTIERI, M. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. 3ª ed. (revista e ampliada), São Paulo/Rio de Janeiro: Expressão Popular/AS-PTA, 2012.

[4] CALDART, R. S. Escolas do Campo e Agroecologia: uma agenda de trabalho com a vida e pela vida. Porto Alegre, 2016.

[5] WEISHEIMER, N. Juventudes rurais: mapa de estudos recentes. Brasília: MDA/NEAD, 2005.

 



SOBRE OS AUTORES

Rozilene Pereira da Silva e Denilson da Silva Pereira são acadêmicos da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientados pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Famílias LGBTs e o bom desempenho escolar dos filhos

Famílias LGBTs e o bom desempenho escolar dos filhos

O debate em torno da diversidade familiar tem ganhado cada vez mais destaque, especialmente no que diz respeito ao impacto das novas dinâmicas socialmente aceitas na educação de crianças e adolescentes. Nesse contexto, as famílias LGBTQIAPN+ têm sido objeto de análise devido à sua crescente visibilidade e representatividade na sociedade contemporânea. Aqui defende-se a tese de que filhos de pais LGBTQIAPN+ tendem a ter um desempenho educacional positivo, e que ambientes familiares inclusivos, que celebram a diversidade, contribuem para o desenvolvimento educacional das crianças. Diante desse cenário, é crucial compreender e reconhecer a importância do apoio familiar para o desenvolvimento educacional das crianças criadas por pais LGBTQIAPN+.

Conforme Gonçalves (2018) [1], um dos pilares essenciais a ser destacado é o papel que o apoio familiar desempenha no desenvolvimento acadêmico e socioemocional das crianças. Pais LGBTQIAPN+ frequentemente proporcionam um ambiente familiar marcado pela comunicação aberta, apoio emocional, participação ativa na vida dos filhos e valorização da educação. Esses elementos são fundamentais para estabelecer um contexto propício ao aprendizado e ao crescimento das crianças, independentemente da orientação sexual ou identidade de gênero dos pais.

Segundo Faria (2020) [2], a comunicação franca e aberta entre pais e filhos promove um ambiente de confiança e compreensão, permitindo que as crianças expressem livremente seus pensamentos, sentimentos e preocupações. O apoio emocional oferecido pelos pais LGBTQIAPN+ ajuda a fortalecer o bem-estar mental das crianças, proporcionando-lhes o suporte necessário para enfrentar os desafios da vida cotidiana. De acordo com Oliveira (2018) [3], o envolvimento parental ativo demonstrado por pais LGBTQIAPN+ também cria um senso de segurança e pertencimento nas crianças, mostrando-lhes que são amadas e valorizadas em seu ambiente familiar. Essa valorização da educação, por sua vez, estimula o interesse pela aprendizagem e pelo desenvolvimento pessoal, incentivando as crianças a explorarem seu potencial máximo.

Além disso, a desconstrução de estigmas e preconceitos desempenha um papel crucial na promoção de um ambiente educacional inclusivo e acolhedor. Conforme Faria (2020) [2], ao desafiar estereótipos de gênero e sexualidade e ao promover uma cultura de aceitação e respeito mútuo, essas famílias criam um contexto favorável para o aprendizado das crianças. Esse ambiente é fundamental para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como empatia, resiliência e pensamento crítico, que desempenham um papel fundamental no sucesso acadêmico e pessoal das crianças. Segundo Gonçalves (2018) [1], ao oferecer um espaço onde a diversidade é celebrada e as diferenças são respeitadas, as famílias LGBTQIAPN+ contribuem significativamente para a formação de indivíduos mais tolerantes, abertos e preparados para enfrentar os desafios da vida e contribuir para uma sociedade mais inclusiva.

Por outro lado, é importante reconhecer que ainda existem desafios a serem superados. Ribeiro (2023) [4] aborda que, apesar do progresso alcançado, as famílias LGBTQIAPN+ continuam a enfrentar discriminação e estigma em muitos contextos sociais. Portanto, é crucial implementar políticas e práticas educacionais inclusivas que garantam um ambiente seguro e acolhedor para todos os alunos, independentemente da composição de suas famílias.

Nesse sentido, conforme apontado por Silva (2023) [5], intervenções no contexto escolar, como a implementação de políticas antidiscriminatórias, a inclusão de conteúdos curriculares que abordem a diversidade familiar, questões de gênero, sexualidade e a criação de espaços seguros para estudantes LGBTQIAPN+, são fundamentais para promover uma cultura de respeito e inclusão. Além disso, a colaboração com pais e responsáveis é essencial para garantir o sucesso dessas iniciativas e promover uma cultura de apoio e compreensão mútua.

Diante do exposto, destacamos a importância de reconhecer e valorizar a diversidade familiar, especialmente no contexto das famílias LGBTQIAPN+, e seu impacto positivo no desenvolvimento educacional de crianças e adolescentes. É fundamental reconhecer que as famílias LGBTQIAPN+ enfrentam desafios únicos, como estigma, discriminação e falta de reconhecimento legal, que podem impactar o ambiente familiar e, consequentemente, o desenvolvimento educacional das crianças. No entanto, também é evidente que essas famílias podem oferecer um apoio emocional sólido, além de promoverem a diversidade e a desconstrução de estereótipos, iniciativas propícias ao aprendizado e ao desenvolvimento pessoal.

Assim, reconhecer e valorizar a diversidade familiar, especialmente no contexto das famílias LGBTQIAPN+, é fundamental para promover uma sociedade mais inclusiva e justa. Ao promover políticas e práticas educacionais inclusivas, podemos garantir que todas as crianças tenham acesso a uma educação de qualidade e se sintam valorizadas em seu processo de aprendizagem. Portanto, é imperativo que continuemos a apoiar e valorizar as famílias LGBTQIAPN+, reconhecendo o papel crucial que desempenham no desenvolvimento educacional de crianças e adolescentes.

 

Referências

[1] GONÇALVES, Sara Sofia Basílio. Envolvimento do Aluno Na Escola, Percepção de Apoio Familiar e Desempenho Escolar. Dissertação de Mestrado. Universidade da Madeira (Portugal) ProQuest Dissertations Publishing, 2018. 

[2] FARIA, Margareth Regina Gomes Veríssimo de. Apoio Social Como Fator de Proteção para Vitimizações e Desempenho Escolar. Avaliação em Psicologia, v. 19, 2020.

[3] OLIVEIRA, Gualber Pereira Silva de. A inclusão de filhos(as) de casais homoparentais em escolas da zona sul de Natal (RN). Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de PósGraduação em Educação, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, 2018, 120p.

[4] RIBEIRO, A. B. O.. Descoberta e aceitação: relatos de experiência de um grupo de lésbicas e de gays. Palimpsesto, v. 22, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.12957/palimpsesto.2023.70350. Acesso em 30/05/2024.

[5] SILVA, Viviane Flores da. Gênero, sexualidade e prática docente: desafios e perspectivas na educação. Trabalho de conclusão de curso. Pedagogia Plena. Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, Brasil. 2023.




SOBRE AS AUTORAS

Maria Amélia Martins Sousa e Maria Rosa Marques de Matos são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Agroecologia, sexualidade, gênero e êxodo rural

Agroecologia, sexualidade, gênero e êxodo rural

A agroecologia nos últimos tempos tem sido tema de muitos debates no Brasil, pois além de ser o principal meio de sustentabilidade econômica, que preza pelo cuidado com as pautas da sexualidade, afirmações de gênero e na redução do êxodo rural, é o futuro para as comunidades do campo. Nas atividades campesinas, o diálogo sobre a sexualidade faz parte de uma educação muito mais ampla e complexa. Nessa perspectiva educacional, o êxodo rural é um dos principais pontos de discussão, visto que evitar a saída das pessoas de suas próprias comunidades, através de formações na área da agroecologia, pode fortalecer seus conhecimentos e enriquecer seus aprendizados sobre a vida e sobre si mesmas.

Para discutir a agroecologia como fundamental para as afirmações e relações de gênero e sexualidade em comunidades do campo, citamos o artigo “Convergências e divergências entre feminismo e agroecologia”, publicado na revista Ciência e Cultura por Ferreira e Mattos (2017). Esses pesquisadores consideram fundamental o feminismo na agroecologia, pois beneficia questões tecnológicas, produtivas e ambientais. Além disso, a agroecologia promove a justiça e equidade nas relações de gênero e afirmações de sexualidades. Como sabemos, a agricultura familiar, com técnicas agroecológicas tradicionais, sempre foi a base da sustentabilidade econômica do país. No entanto, o Estado precisa dar mais visibilidade a esse meio de subsistência e às relações das pessoas, uma vez que são as plantações das pessoas do campo que fornecem alimentos saudáveis e livres de produtos químicos para as cidades, possibilitando assim a soberania alimentar.

A coautora deste trabalho, Marciléia Silva, é coordenadora do Coletivo de Agroecologia Quilombo Ausente Feliz; é uma mulher preta, quilombola, mãe, graduanda em Educação do Campo e agricultora de 34 anos. Em diálogo com as vivências da coordenadora Marciléia, afirmamos que a agroecologia colabora com: (i) autonomia, inclusão e diversidade nas práticas agroecológicas; (ii) geração de renda e afirmação de identidades e territorialidades em combate ao êxodo rural; e (iii) fortalecimento de bases e empoderamento em várias dimensões sociais, como, por exemplo, no âmbito político. A partir de conversa informal com a coordenadora Marciléia, outras considerações são importantes. Sobre a permanência dos jovens nas atividades do campo e sobre a sexualidade dentro das práticas agroecológicas, a coordenadora disse que o coletivo é formado por 20 integrantes, dos quais 19 se identificam como mulheres (incluindo uma mulher lésbica) e 1 homem, cuja sexualidade não é revelada publicamente. Além disso, 2 pessoas são jovens e as demais são adultas com mais de 30 anos de idade.

Segundo Marciléia, em qualquer outro ambiente, uma pessoa mais velha tem dificuldade para conversar com um filho sobre várias questões que envolvem o desenvolvimento do corpo. Já em processos de formação orientados pela agroecologia, essa pessoa aprende a deixar o receio de lado e é auxiliada a perceber os momentos de diálogo sobre questões que envolvem sexualidade e identidade de gênero, proporcionando a liberdade de conversar com seus filhos(as) e assim compreendê-los. Isso ajuda a evitar que eles queiram sair da comunidade por causa da falta de aceitação da família e da sociedade.

A coordenadora afirma que “a agroecologia é muito significativa para o coletivo, porque, com o cuidado que o grupo tem com a terra e ao usar apenas insumos naturais, evitam agredir o meio ambiente.” No entanto, destacam-se as relações sociais e culturais dentro da agroecologia que abrem espaço para questões de gênero e a pauta da sexualidade, fortalecendo o diálogo no grupo e nos núcleos familiares. Sobre isso, complementa que “a partir dessas discussões, uma grande conquista hoje é a distribuição das tarefas domésticas entre os membros da família, que não ficam mais apenas sob responsabilidade das matriarcas.” Além disso, essas mulheres hoje já participam abertamente e publicamente de eventos e palestras com temas diversos.

Durante o IV Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), em um debate da Plenária das Juventudes, foram registradas manifestações dos participantes. Segundo o Website Jornalistas Livres (2018), a agroecologia compreende as mulheres, os LGBTs, os negros e outros seres humanos que compõem todo esse universo da diversidade. A matéria também afirma que a não aceitação da diversidade e a invisibilidade, principalmente do sujeito LGBT, na construção da agroecologia, é um dos principais motivos da migração das pessoas para a cidade, onde buscam maior aceitação no mercado de trabalho.

Os grupos LGBT tendem a sofrer muitos preconceitos no campo, com a estrutura tradicional de família e a falta de acesso a variedades de formações que possam compreender a necessidade de aceitação das outras pessoas com orientações sexuais diferentes das padronizadas pela comunidade. Nesse ínterim, cabe destacar a importância de valorizar a discussão sobre a permanência nas atividades do campo, desmistificando argumentos como a falta de identificação com o cotidiano rural, a remuneração reduzida, as dificuldades na obtenção de crédito, a falta de acesso à cultura e ao lazer, entre outras justificativas falsas que os jovens acreditam quando se sentem desmotivados a se empoderarem e a buscar por seus direitos e autonomias dentro da agroecologia, optando por migrar para as cidades. Eles precisam entender que a falta de conhecimento e de políticas públicas pode ser resolvida com uma organização social consciente e disposta a acessar seus direitos. Além disso, precisam aprender a precificar seus produtos, a participar de feiras municipais e regionais e a pesquisar sobre os créditos disponíveis para agricultores, como o Pronaf e outras linhas de crédito oferecidas por instituições bancárias, melhorando assim sua remuneração.

Apesar de muitos argumentos defenderem a migração para a cidade, o senso de pertencimento, o empoderamento e as relações territoriais sólidas são bases para a construção política dos sujeitos do campo que lutam por seus direitos e por políticas públicas. Embora algumas já existam, elas são inacessíveis devido às segregações do sistema social e capitalista. Baseado nas justificativas do êxodo rural, o autor Florêncio et al. (2023) [2], em seu artigo “A juventude rural e as questões do êxodo rural: Uma breve revisão”, afirma que a falta de estímulo na sucessão familiar dos serviços rurais impulsiona os jovens a procurarem outras profissões, sendo essa sua principal razão para abandonar as atividades rurais. Em contrapartida, a luta começa com a reconstrução dessa argumentação, com o objetivo de mostrar que a agroecologia também é uma ótima opção para a autonomia financeira nas comunidades camponesas e uma profissão digna de ser vivida.

O autor Florêncio et al. (2023) [2] defende que o contexto no qual o jovem do campo está inserido possibilita a tomada de decisão de permanecer no ambiente agrícola. Com base nisso e na função dos pais e da comunidade em inserir os jovens nesse ambiente, a agroecologia é também um método de mitigar o êxodo, a partir da autonomia de cada sujeito, com o objetivo de reconhecer que a agroecologia “propõe relações justas, equitativas e equilibradas entre as pessoas e o ambiente” (Pinto, Calbino, 2020) [3]. Nesse sentido, pode fornecer renda e contribuir para a melhoria da qualidade de vida, baseada na soberania alimentar e na sustentabilidade.

À medida que as pessoas do campo vão tendo os seus trabalhos reconhecidos, elas se tornam mais empoderadas no seu próprio território; e isso, gera o desejo de continuar em seu lugarejo e, consequentemente, a diminuição do êxodo rural e das superlotações das periferias das grandes cidades. Um caminho a percorrer é reforçar o diálogo aberto nas comunidades fortalecendo as relações sociais e culturais. Esse fortalecimento pode vir por meio de projetos educacionais interdisciplinares nas escolas, que explorem a agroecologia como tema central, incentivando os estudantes a compreenderem a importância da prática para a sustentabilidade econômica, inclusão social com base no diálogo sobre gêneros e sexualidade e a redução do êxodo rural.

Isso pode incluir atividades práticas, como a criação de pequenas hortas agroecológicas na escola, palestras sobre sustentabilidade, diversidade e inclusão nas atividades agroecológicas, e debates sobre a importância da agroecologia na preservação do ambiente e no combate ao êxodo rural. Além disso, poderia incluir também, visitas a comunidades que desempenham atividades ligadas a agroecologia, palestras com especialistas e a realização de outras atividades dinâmicas relacionadas à agroecologia. Essa iniciativa visa não apenas a educar, mas também a incentivar a reflexão sobre a contribuição de cada indivíduo para a construção de comunidades mais sustentáveis e inclusivas.

Referências

[1] FERREIRA, Ana Paula Lopes; MATTOS, Luís Cláudio. Convergências e divergências entre feminismo e agroecologia. Ciência e Cultura. v. 69, São Paulo, 2017.

[2] FLORÊNCIO, T. S.; VASCONCELOS, O.; QUIRINO, J. M.; SANTOS, I. J. O. A juventude rural e as questões do êxodo rural: Uma breve revisão. Ciências Rurais em Foco, v. 9, 2023.

[3] PINTO, Luiz Henrique Rocha; CALBINO, Daniel. Sem diversidade (sexual) há Agroecologia? Proposta de uma agenda política. Cadernos de Agroecologia – Anais do XI Congresso Brasileiro de Agroecologia, São Cristóvão, Sergipe, v. 15, 2020.




SOBRE OS AUTORES

Marciléia S. Silva e Matheus H. Rocha são acadêmicos da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientados pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Acesso à educação e a realidade da cultura do estupro

Acesso à educação e a realidade da cultura do estupro

A violência contra a mulher é um tema debatido em diversos espaços sociais, especialmente os casos de estupro, que, segundo uma pesquisa do IPEA [1], chegam a 822 mil por ano no Brasil. O número é alarmante e preocupante, pois muitas dessas vítimas são adolescentes e, frequentemente, os agressores são pessoas próximas das vítimas. Além disso, há um sério impacto na saúde física e mental dessas mulheres. De acordo com a BBC Brasil, a maioria das vítimas são mulheres com baixa escolaridade, especialmente adolescentes, conforme dados do IPEA, Sinan, Datafolha e outros divulgados pelo gov.br.

A educação é fundamental para mudar essa realidade; a educação sexual, especificamente, pode transformar a sociedade. Se as escolas educassem meninos e meninas sobre o respeito ao corpo do outro, certamente esses números seriam diferentes. A escola deveria ensinar às crianças e adolescentes que os homens não têm o direito de exercer poder sobre o corpo das mulheres, especialmente em uma sociedade estruturalmente machista onde as famílias frequentemente falham nesse papel. Tavares (2019) [2] afirma:

A escola tem o papel de oferecer aos educandos condições para um desenvolvimento pleno, tanto escolar quanto psicológico, sexual e social. Dessa forma, ela desempenha um papel crucial no apoio às vítimas de violência infantil, estabelecendo laços de afetividade e confiança no convívio diário entre professores e alunos, o que permite ao educador identificar alterações no corpo, comportamento, humor e capacidade de aprendizado dos educandos. (Tavares, 2019, p. 15)

 

A falta de informação e de educação, bem como as questões socioeconômicas, são fatores que contribuem para essa realidade. Quando a mulher conhece seus direitos, ela se torna empoderada e deixa de ser um alvo fácil para os estupradores. Uma lei foi criada para combater casos de assédio e estupro em locais públicos: a lei ‘Não é Não’, de acordo com Sofia Cerqueira da Veja [3]. Esta lei obriga os estabelecimentos a proteger e apoiar imediatamente as vítimas, mas é falha ao não abranger espaços como igrejas/cultos, onde também ocorrem casos, principalmente de assédio. Em 2022, um pastor foi denunciado por assediar uma jovem da igreja através de mensagens. Segundo informações do site G1.com [4], o pastor assediou a vítima por dois anos. Apesar das leis e campanhas de combate a esse tipo de crime, vemos autoridades políticas incentivando o crime. Em 2016, o então deputado federal Jair Bolsonaro tornou-se réu por afirmar que Maria do Rosário, também deputada, não merecia ser estuprada por ser feia. A declaração do deputado pode ser conferida no G1.com [5]:

Ela não merece, porque é muito ruim, é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar porque ela não merece.

Além do crime hediondo que é o estupro, há outra atrocidade envolvida: grande parte da sociedade culpa a vítima pelo crime, argumentando que ela provocou o ato, seja por sua vestimenta, comportamento ou pelo local que frequenta. Segundo dados do site Desconstrucaodiaria.com [6], a partir de uma pesquisa do IPEA em 2013, 26% dos entrevistados concordam totalmente ou parcialmente com a afirmação de que ‘mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas’, e 58,5% concordam totalmente ou parcialmente com a afirmação de que ‘se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros’.

A falta de acesso à informação, a negligência das autoridades, o medo e o machismo da sociedade favorecem e perpetuam a ideia de que a vítima é responsável pelo estupro. Isso leva muitas mulheres a não denunciarem seus agressores. Essa visão machista e violenta é sustentada pelo patriarcado e por sistemas racistas e escravistas que objetificam e sexualizam a mulher. Além disso, o papel de algumas instituições, incluindo igrejas, na perpetuação dessas ideias é significativo. Explorar como esses sistemas sustentam e perpetuam a cultura do estupro pode ser fundamental para destacar a importância da educação sexual e da mudança dessas estruturas.

A educação sexual ainda é a melhor maneira de combater o estupro. Ao educar os jovens sobre respeito mútuo, consentimento e igualdade de gênero, podemos transformar a sociedade e reduzir os casos de estupro e violência contra a mulher. É fundamental desafiar os estereótipos de gênero prejudiciais e promover a igualdade em todos os níveis da sociedade. Investir na educação, promover a igualdade de gênero e apoiar as vítimas são passos essenciais para combater a cultura do estupro e criar uma sociedade mais segura e justa para todos.

Existem várias ações coletivas que os órgãos governamentais podem adotar para prevenir o estupro e promover um ambiente mais seguro e respeitoso, especialmente para as mulheres. Garantir que as vítimas de estupro tenham acesso ao apoio, assistência jurídica e serviços de saúde mental adequados, responsabilizar os agressores por seus atos e promover uma cultura de responsabilidade pessoal em relação ao consentimento, além de envolver a comunidade em discussões sobre prevenção ao estupro, são medidas essenciais para combatê-lo. Essas ações coletivas são fundamentais porque abordam o problema do estupro de forma abrangente, atuando em várias frentes para criar um ambiente mais solidário e seguro para as vítimas. Promover programas abrangentes de educação sexual nas escolas e comunidades, e discutir questões de gênero e sexualidade de maneira saudável, são medidas eficazes no combate ao estupro. Incluir a educação sexual no currículo escolar pode transformar a sociedade e mudar essa cultura de machismo e objetivação das mulheres.

 

Referências

[1] https://www.ipea.gov.br/portal/categorias/45-todas-as-noticias/noticias/13541-brasil-tem-cerca-de-822-mil-casos-de-estupro-a-cada-ano-dois-por-minuto.

[2] TAVARES, F. M. S. Representação social do abuso sexual infantil e as práticas escolares em professores do ensino fundamental. 2019. 89 f. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Escola de Ciências Sociais e da Saúde, Goiânia, 2019. Disponível em: https://tede2.pucgoias.edu.br/bitstream/tede/4337/2/Fernanda%20Maria%20Siqueira%20Tavares.pdf. Acesso em: 07 jul. 2023.

[3] https://veja.abril.com.br/brasil/nao-e-nao-lula-sanciona-lei-que-protege-mulheres-em-bares-e-shows/mobile.

[4] https://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2022/10/03/mulher-denuncia-pastor-de-igreja-no-interior-de-sp-por-assedio-sexual-em-mensagens.ghtml.

[5] https://g1.globo.com/politica/noticia/2016/06/bolsonaro-vira-reu-por-falar-que-maria-do-rosario-nao-merece-ser-estuprada.amp.

[6] https://desconstrucaodiaria.com/2016/10/10/sobre-a-romantizacao-do-estupro/.

 

 




SOBRE AS AUTORAS

Márcia Martins e Maria Madalena Ribeiro são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Os direitos de famílias LGBTQIAPN+

Os direitos de famílias LGBTQIAPN+

É importante abordar que em 1950, ser homossexual era crime. Isso mostra a opressão e a injustiça que essas pessoas enfrentaram. Desde 1978, o movimento LGBTQIAPN+ tem conquistado diversos direitos [1]. Apesar das vitórias, ainda há muito a ser feito. O dia 28 de junho é um dia que deve ser celebrado e essa luta deve continuar, pois todos devem ser livres para viver suas vidas com direitos iguais e livres de discriminações.

As pessoas LGBTQIAPN+ têm o direito à formação e à construção de famílias, direito que não se resume apenas a um aspecto casual. Pelo contrário, existem leis que as protegem e amparam, como o reconhecimento da união estável, o casamento com direito a divórcio com separação de bens e o direito à adoção. Ainda é comum vermos preconceitos relacionados a essa formação familiar, preconceitos e discriminações que são passados de geração para geração, muitas vezes enraizados por diferentes causas, incluindo a influência da religião.

No entanto, os grupos católicos LGBTQIAPN+ têm sido importantes motores de mudança dentro da igreja, defendendo a inclusão e o respeito às pessoas LGBTQIAPN+ e promovendo um diálogo construtivo sobre as questões que envolvem essa comunidade. Segundo uma publicação da CNN em 2023 [2], o Papa Francisco afirmou que a igreja “está aberta” à população LGBTQIAPN+ e que a instituição deve guiar o caminho espiritual, mas enfatizou que “existem regras que regulam a vida católica”. Essas declarações foram feitas durante um pronunciamento a jornalistas em um avião.

As famílias LGBTQIAPN+ estão sendo cada vez mais aceitas pela sociedade ao longo dos anos, além de se mostrarem modelos que fazem parte da nova definição de família. Segundo Quirino Rangel, em 2019 [3], o pesquisador Éric Feugé observou 46 famílias com crianças entre um e nove anos e concluiu que elas foram capazes de redefinir e propor novos modelos culturais de paternidade e masculinidade, conforme analisado pelo Montreal Gazette. De maneira geral, os filhos de casais LGBTs ainda não se tornaram adultos, mas já se mostram crianças e adolescentes sensíveis às realidades, às diversidades, culturalmente menos reacionários e preconceituosos que a média da população

Afirmar que pais LGBTQIAPN+ ao adotarem crianças torna estas crianças gays é um grande mito, uma afirmação sem fundamentos. A orientação sexual não influencia o ambiente familiar, como já comprovado por cientistas. Com a implementação e a aplicação dessas leis na sociedade, podemos iniciar um processo de reeducação, transformação e respeito pelas escolhas e sexualidades individuais, independentemente de quais sejam elas. Ao desconstruirmos o estereótipo da família tradicional, um modelo que ignora toda a riqueza da diversidade e perpetua preconceitos sob a forma de discriminações, percebemos que devemos construir uma sociedade mais justa e igualitária, independentemente de sua forma, pois todas as famílias são válidas e merecem todo respeito.

 

REFERÊNCIAS

[1] https://dorconsultoria.com.br/2022/05/20/conquistas-do-movimento-lgbt-no-brasil

[2] https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/papa-francisco-igreja-esta-aberta-a-populacao-lgbtqia-mas-ha-regras/

[3] RANGEL, Quirino. Pesquisas revela que pais gays costumam ser ótimos na criação de filhos. https://observatoriog.bol.uol.com.br/noticias/2019/02/pesquisa-pais-gays-otimos-criacao-filhos.




SOBRE AS AUTORAS

Macielle Rodrigues Silva e Naiane Isabela Silva são acadêmicos da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientados pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

A intolerância religiosa no âmbito escolar

A intolerância religiosa no âmbito escolar

No atual sistema de ensino, a religião faz parte do contexto escolar em matérias facultativas como o ensino religioso, ou em matérias obrigatórias como filosofia, história e sociologia. Porém, quando damos ênfase à disciplina de religião, é visível o favoritismo nas escolas por religiões socialmente mais aceitas pela maioria, como, por exemplo, o cristianismo, que possui 22,2% de fiéis, e o catolicismo, com 64,6%, segundo o censo de 2010 [1]. Isso acaba deixando outras religiões em segundo plano, sendo pouco citadas, e quando mencionadas, na maioria das vezes é em algum evento ou projeto escolar.

Com isso em mente, podemos observar que mesmo nas escolas que não adotam a disciplina de ensino religioso, o proselitismo é encontrado e reproduzido. Segundo uma matéria publicada no G1 por Moreno em 2017, ‘Uma quantidade muito grande de professores começa as aulas com oração, uma Ave Maria ou um Pai Nosso’ [2]. Devido a esse fato ocorrer em sala de aula, muitos alunos se sentem obrigados a realizar essas orações. O proselitismo religioso é aplicado repetidamente, visto que algumas escolas adotam feriados religiosos católicos, como a Páscoa e festas juninas.

No que diz respeito às aulas de ensino religioso, estas geralmente têm foco em ensinar sobre o cristianismo, ignorando outras religiões, como as de matrizes africanas. Segundo uma publicação de Guimarães e Xarão em 2021. na revista científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, o STF apoia essa prática, pois ‘em 27 de setembro de 2017, ao rejeitar a ADI 4.439/2010 e reconhecer a constitucionalidade do Decreto nº 7.107, de 11 de fevereiro de 2010, que instituiu o ensino religioso confessional’ [3]. Este destaca em lei que a disciplina de ensino religioso pode ser baseada apenas em uma religião, o que desrespeita e ataca a liberdade de pensamento e de crença dos alunos.

Outro fato que evidencia o favoritismo religioso em relação às religiões baseadas no cristianismo é o fato de as religiões de matrizes africanas serem alvo frequente de intolerância religiosa no Brasil, já que não recebem ênfase ou espaço nas escolas, sendo lembradas apenas em comemorações específicas durante o ano, como o Dia da Consciência Negra. Outras religiões presentes no Brasil, como as indígenas, raramente são mencionadas nas salas de aula.

Este cenário contribui para a desinformação, perpetuando a intolerância religiosa no Brasil. Segundo Bernardo (2023), em matéria da BBC News, ‘O número de denúncias de intolerância religiosa no Brasil aumentou 106% em apenas um ano, passando de 583 em 2021 para 1.200 em 2022, uma média de três por dia. (…) A maioria das denúncias foi feita por praticantes de religiões de matriz africana, como umbanda e candomblé’ [4]. Esses números são resultado do preconceito, que também é silenciosamente demonstrado na escola, apesar de afirmar não ter preferências ou partidos religiosos. A escola deve ser laica e não ter preconceitos, no entanto, quando os jovens expressam suas religiões, principalmente de matriz africana, são reprimidos. Por isso, muitos alunos têm medo de seus colegas e até mesmo dos profissionais, pois alguns ainda se preocupam se o ‘destino’ do aluno será ‘o inferno’.

Há relatos, em matéria do G1 [5], de que uma estudante seguidora do candomblé, após passar mal na escola, foi acusada por colegas, funcionários e até mesmo pela diretora da escola de estar possuída pelo demônio. Após mais intolerâncias, disfarçadas de conselhos como ‘Procure uma igreja para aceitar Jesus’ ou ‘Quando vai começar a macumba?’, ela registrou uma denúncia na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância. Outro episódio foi relatado em uma matéria de 2023 da revista Correio Braziliense [6], que descreve uma mãe vestida com roupas religiosas de matriz africana tendo a matrícula de sua filha negada em uma escola, aparentemente devido às suas vestimentas.

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB N°9.475, de 22 de julho de 1997, no Art. 33, ‘O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo’ [7]. No entanto, em 2017, o STF votou a favor do Decreto nº 7.107/2010, que instituiu o ensino religioso confessional. De acordo com uma pesquisa do G1 de 2017, ‘De acordo com os dados mais recentes, um terço das escolas oferece o ensino religioso, mas os alunos são obrigados a participar'[2].

Diante disso, vemos que a escola atual não segue a LDB no art. 33, o que leva os educandos a terem uma visão limitada das religiões, excluindo-os da diversidade religiosa brasileira. Essa diversidade só seria possível se o Estado adotasse uma postura laica em todos os contextos, uma vez que o sistema atual favorece a perpetuação da intolerância religiosa. Concluímos com uma frase retirada de uma matéria da Agência Gov, de Pai Aurélio de Odé: ‘A separação entre Estado e religião é um desafio em muitos lugares. Promover a laicidade é crucial para garantir a liberdade religiosa e a igualdade para todos os cidadãos'[8] (Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania).”

 

Referências

[1] Censo 2010: número de católicos cai e aumenta o de evangélicos, espíritas e sem religião. agência IBGE notícias, 2023. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/14244-asi-censo-2010-numero-de-catolicos-cai-e-aumenta-o-de-evangelicos-espiritas-e-sem-religiao. Acesso em 25/03/2024.

[2] MORENO, Ana Carolina. Proselitismo existe mesmo em escolas que proíbem o ensino religioso confessional, diz especialista. G1, 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/proselitismo-existe-mesmo-em-escolas-que-p roibem-o-ensino-religioso-confessional-diz-especialista.ghtml. Acesso em 25/03/2024.

[3] GUIMARÃES, Marilia; XARÃO, José Francisco Lopes. Ensino religioso confessional: A decisão do STF e o enfraquecimento do estado laico no Brasil. G1, 2021. Disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/decisao-do-stf#:~:text=Esta%20foi%20a%20decis%C3%A3o%20do,instituiu%20o%20ensino%20religioso%20confessiona. Acesso em 25/03/2024.

[4] BERNARDO, André. Liberdade religiosa ainda não é realidade: os duros relatos de ataques por intolerância no Brasil. BBC NEWS Brasil, 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64393722#:~:text=O%20n%C3%BAmero%20de%20den%C3%BAncias%20de,Grande%20do%20Sul%20(51). Acesso em 25/03/2024.

[5] PRADO, Anita; LANNOY, Carlos De. Adolescente denuncia ter sofrido intolerância religiosa por funcionários do colégio que estuda em Nova Iguaçu. G1, 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/10/06/adolescente-denuncia-ter-sofrido-intelorancia-religiosa-por-funcionarios-do-colegio-que-estuda-em-nova-iguacu.ghtml. Acesso em 25/03/2024.

[6] BRASIL, Agência. Com traje candomblecista, mãe tem matrícula da filha negada. Correio Braziliense, 2023. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2023/02/5073011-com-trajes-candomble cista-mae-tem-matricula-da-filha-negada.html. Acesso em 25/03/2024.

[7] BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. LDB- N°9.475, de 22 de julho de 1997 Art 33. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9475.htm#:~:text=%22Art.,vedadas%20quaisquer%20formas%20de%20proselitismo. Acesso em 25/03/2024.

[8] AQUINO, Yara. Debate sobre liberdade religiosa aponta perspectivas de tolerância a diferentes crenças. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), 2024. Disponível em: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202401/mesa-redonda-sobre-liberdade-religiosa-promovida-pelo-mdhc-aponta-perspectivas-de-respeito-e-tolerancia-a-diferentescrencas. Acesso em 25/03/2024.




SOBRE OS AUTORES

Lorrane Borges Lima e Walison Moreira dos Santos Paranhos são acadêmicos da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientados pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

O combate à cultura do estupro e os direitos de crianças e adolescentes

O combate à cultura do estupro e os direitos de crianças e adolescentes

Dos 159 mil registros feitos pelo Disque Direitos Humanos ao longo de 2019, 86,8 mil são de violações de direitos de crianças ou adolescentes, um aumento de quase 14% em relação a 2018. A violência sexual figura em 11% das denúncias que se referem a este grupo específico, correspondendo a 17 mil ocorrências. Em comparação com 2018, o número manteve-se praticamente estável, apresentando uma queda de apenas 0,3%. [1]

A cultura do estupro é um fenômeno que permeia a sociedade de diversas formas e está relacionado a uma série de questões estruturais e culturais que perpetuam a violência contra as mulheres. Em algumas localidades, vemos que o estupro se tornou até mesmo uma espécie de cultura, onde esse termo refere-se a um conjunto de crenças, comportamentos e práticas que normalizam e justificam a violência sexual contra mulheres, homens e até mesmo crianças, tornando-se um problema social generalizado e endêmico. A cultura do estupro faz vítimas no ambiente doméstico e até em espaços públicos, de diferentes formas. No machismo, encontra apoio com a culpabilização da vítima, a minimização do agressor, a objetificação das mulheres, a banalização da violência sexual e a aceitação.

Em meio a uma sociedade marcada pela cultura do estupro, as crianças são alvo fácil de abusadores, sejam familiares, conhecidos ou estranhos. Elas podem a qualquer momento sofrer impactos que mudam totalmente suas vidas, e o trauma vivido na infância leva a efeitos devastadores na saúde física e emocional dessas crianças, moldando sua visão sobre relacionamentos, intimidade e confiança. O impacto dessas experiências pode persistir por toda a vida, afetando negativamente suas escolhas, relacionamentos futuros e sua capacidade de se sentirem seguras e confiantes em sua própria sexualidade.

Para combater a cultura do estupro, é fundamental que a sociedade como um todo se engaje na reflexão sobre suas próprias atitudes e valores em relação à violência sexual, que se sensibilize para as consequências devastadoras desse tipo de crime e que assuma a responsabilidade de promover a igualdade de gênero e a dignidade das mulheres. Isso requer um esforço coletivo para desconstruir mitos, estereótipos e preconceitos que legitimam a violência e para construir novos modelos de masculinidade e feminilidade baseados no respeito mútuo, na empatia e na igualdade de direitos.

Em suma, a cultura do estupro é um problema social complexo e enraizado que requer uma abordagem sistêmica para ser superado. É preciso que toda a sociedade se mobilize para desafiar as normas e valores que sustentam a violência sexual, para promover a educação e a conscientização sobre a importância do consentimento e para criar um ambiente mais seguro e acolhedor para todas as pessoas, independentemente de seu gênero. A mudança é possível, mas exige o comprometimento de todos os indivíduos e instituições para construir uma cultura de respeito e dignidade para todas as pessoas.

A violência estrutural que acarreta estupro precisa ser mais trabalhada nas comunidades em geral, principalmente nas instituições escolares, uma vez que podemos ver que nos ambientes escolares, as crianças e adolescentes têm mais liberdade para dizer e se expressar sobre o que está acontecendo com eles, pois o acolhimento e a percepção de quem convive com as crianças são muito grandes, podendo identificar suas diferentes reações e comportamentos, e assim saber quando eles estão bem ou precisando de ajuda. Torna-se imprescindível que medidas efetivas sejam tomadas para combater a cultura do estupro e proteger as crianças de violências sexuais. Ações de prevenção e conscientização, tanto em nível individual quanto institucional, são fundamentais para promover a segurança e o bem-estar infantil. Investimentos em capacitação de profissionais da área de educação, saúde e assistência social são essenciais para a identificação precoce de casos de violência sexual e o encaminhamento adequado das vítimas para receberem o apoio necessário. Portanto, é fundamental reconhecer o impacto negativo que a cultura do estupro tem sobre o desenvolvimento das crianças, assegurando que elas tenham seus direitos protegidos e promovendo uma sociedade mais segura e igualitária para todos.

A cultura do estupro e a violência contra crianças são problemas graves que afetam as comunidades do campo. As disparidades econômicas, sociais e educacionais nessas regiões muitas vezes tornam as crianças mais vulneráveis a abusos e agressões. A falta de acesso a serviços de proteção e apoio, a normalização da violência e a perpetuação de estereótipos de gênero contribuem para a prevalência desses casos. Além disso, a falta de denúncia e a impunidade dos agressores também são fatores que perpetuam esses crimes. É fundamental que as comunidades do campo se mobilizem para enfrentar esses problemas, promovendo a educação sobre direitos e prevenção de abusos, incentivando a denúncia de casos e apoiando as vítimas. As autoridades locais e a sociedade civil também devem se envolver ativamente na proteção das crianças e na punição dos agressores. A conscientização e a ação coletiva são essenciais para erradicar a cultura do estupro e a violência contra crianças nas comunidades do campo, garantindo um ambiente seguro e saudável para o desenvolvimento de todos os indivíduos.

 

Referência

[1] Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Ministério divulga dados de violência sexual contra crianças e adolescentes. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/maio/ministerio-divulga-dados-de-violencia-sexual-contra-criancas-e-adolescentes. Acesso em 18/06/2024.




SOBRE AS AUTORAS

Katiane da Cunha Ribeiro e Larissa Emanuelly Santos Gomes são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

A terra é mãe, a terra é mulher: agroecologia e feminismo

A terra é mãe, a terra é mulher: agroecologia e feminismo

“Sem o feminismo, não há agroecologia”, frase encontrada em diversos movimentos e redes sociais. A agroecologia é uma ferramenta de empoderamento, o cuidado com a terra, o solo, uma forma harmoniosa de viver. Agricultoras e camponesas que lutam pela conscientização dos direitos das mulheres são protagonistas de suas próprias histórias à medida que batalham por políticas sociais, ambientais e econômicas. A agroecologia acolhe essa diversidade, com afeto e sabedoria ancestral, garantindo segurança alimentar e nutricional.

Segundo Oliveira (2005) [1], perceber o corpo por essa perspectiva leva à compreensão da diversidade corporal, tanto do ponto de vista biológico quanto dos múltiplos significados culturais, integrando-se ao seu ambiente ancestral. A mulher traz essa integração do corpo, vida, terra, natureza, maternidade, ação e luta. Como Oliveira nos mostra, em diversas experiências de movimentos sociais e vivências comunitárias, as mulheres protagonizam a luta agroecológica! Sendo maioria nos territórios, elas se articulam nas comunidades para debater questões de gênero, não apenas no campo, mas também na cidade. Como mulheres do campo, são lutadoras e feministas, protagonistas de suas próprias histórias.

Elas levantam a bandeira do cuidado com a Mãe Terra, nossas sementes, nossa água. Têm a característica de sempre motivar outras mulheres contra a violência de gênero. O feminismo traz uma contribuição valiosa para a análise do conceito de patriarcado, revelando suas raízes históricas. Akotirene (2021) [2] destaca o quanto a luta das mulheres ainda enfrenta desafios significativos em relação à classe social, raça, periferia e negritude. Para as mulheres, o corpo também é um ponto de intersecção de várias categorias da dinâmica social, formando uma rede complexa de desigualdades e experienciando múltiplas colisões dos eixos estruturais de opressão da nossa sociedade, especialmente de gênero, raça e classe social. O papel subordinado da mulher e as diversas formas de opressão social que ainda enfrenta, de natureza patriarcal, perpetuam estereótipos paternalistas. Se não reconhecermos o papel e o trabalho das mulheres, não haverá agroecologia. Portanto, o desrespeito aos direitos das mulheres ainda é uma prática cotidiana.

Como educadores do campo, membros de movimentos sociais e sonhadores utópicos, precisamos trazer o feminismo e a agroecologia para as discussões nas escolas. É essencial fortalecer as práticas agroecológicas, fortalecendo espaços sociais e políticos, escapando dos espaços de opressão e melhorando a qualidade de vida das mulheres. Devemos inserir mais mulheres nos espaços políticos e de representatividade, não apenas na ação, mas também no papel.

O reconhecimento das lutas das mulheres e do feminismo na agroecologia se expandirá à medida que se tornarem pauta nas discussões dos espaços que ocupamos. Isso depende de um esforço da sociedade, especialmente dos homens, para compreender e contribuir para a redução da histórica desigualdade enfrentada pelas mulheres. Exige esforço das mulheres para desmistificar a desvalorização de seus trabalhos, historicamente menos valorizados em uma sociedade machista e patriarcal.

 

Referências

[1] OLIVEIRA, Eduardo David de. Filosofia da ancestralidade: corpo e mito na filosofia da Educação Brasileira. UFC. 2005. 353f. – Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira, Fortaleza (CE), 2005.

[2] AKOTIRENE, Karla. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen, 2019.




SOBRE A AUTORA

Karina Mendes é acadêmica da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foi orientada pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Agroecologia e os povos originários

Agroecologia e os povos originários

Os portugueses, por volta do ano 1500, ao afirmarem ter descoberto novas terras habitadas por nossos antepassados indígenas, acreditaram que conheciam a melhor forma de trabalhar a terra. Este modelo diferia radicalmente do praticado pelos povos originários, como registrado por Caminha (1500) [1], que escreveu:

Eles não lavram nem criam, nem há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha; nem nenhuma outra alimária que costumada seja ao viver dos homens; nem comem senão desse inhame que aqui há muito; e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si lançam.

Foi implementado um novo modelo de plantação conhecido como monocultura, que evoluiu para a agricultura convencional que conhecemos hoje, eliminando vastas áreas da vegetação original para dar lugar a culturas isoladas como milho, feijão, soja, arroz, entre outras. Entretanto, ao longo dos anos, especialmente no século XXI, está se descobrindo que os portugueses estavam completamente equivocados, pois eram os povos originários que possuíam o conhecimento verdadeiro sobre o manejo da terra. Nas palavras dos invasores, implantaram um modelo de produção que visava ‘desenvolver’ as regiões do país. O modelo de exploração monocultural tornou-se um grande problema com o avanço das novas tecnologias, culminando na chamada revolução verde, um nome pomposo que escondia uma lógica de produção em larga escala, resultando em um aumento exponencial do desmatamento e das queimadas.

Com o tempo, começaram a surgir críticas ao modelo descrito acima, levando ao surgimento da agroecologia, um campo da ciência que busca estudar sistemas agrícolas sustentáveis. Na década de 60, o ritmo acelerado de crescimento da produção e do consumo estava prevendo catástrofes naturais e sociais que inevitavelmente levariam a uma série de desastres, conforme destacado no relatório Meadows de 1972, elaborado pelo Clube de Roma. A partir desse ponto, a questão ambiental passou a ser discutida em escala global, resultando no surgimento de diversos movimentos ecoambientalistas (Neto e Canavesi, 2002, p. 204) [2]. Como resultado, diversos modelos de produção começaram a ser desenvolvidos e modelados, incluindo a agricultura ecológica, sistemas agroflorestais, silvipastoris, agrossilvipastoris, permacultura, entre outros.

A problemática originada pelo modelo agroquímico de produção, que surgiu no final do século XIX, motivou a criação de movimentos contrários à devastação dos recursos naturais, centrados na busca por modelos alternativos de produção agrícola sustentável, como a agricultura biodinâmica, orgânica, biológica, natural, permacultura e, mais recentemente, a organo-mineral ou SAT (produção sem utilização de agrotóxicos). Tais modelos, embora variem em práticas e princípios orientadores, compartilham o ideal de sustentabilidade dos agroecossistemas (Lopes & Lopes, 2011, p.1) [3]. Atualmente, o sistema agroflorestal se destaca, pois visa produzir alimentos de forma harmoniosa com a natureza, adaptando-se ao ambiente sem destruir a vegetação local.

[…] o uso das florestas, ao longo da história, não pressupõe necessariamente a transformação delas em uma paisagem de monocultura, mas resultando em mosaicos de florestas manejadas e sistemas agroflorestais. (Neves, 2014, p.409) [4].

Os povos originários já desenvolviam modelos de produção agroecológicos, muito similares aos defendidos pela agroecologia hoje em dia. Há relatos de que cultivavam em meio à mata sem destruir a floresta local, sempre buscando manter a diversidade e a sustentabilidade ambiental. Portanto, acreditamos que os portugueses estavam equivocados ao afirmar que os índios “[…] não lavram […]” (Caminha, 1500) [1]. Pelo contrário, eles praticavam a agricultura de forma sustentável, um modelo que só recentemente foi reconhecido como o mais correto. Alves (2001, p. 15) [5] destaca a importância dos indígenas nesse contexto:

Os indígenas foram os pioneiros na implantação de sistemas agroflorestais na Amazônia, sendo reconhecidos por promover o adensamento de espécies como castanha-do-pará, cacaueiro e diversas palmeiras em diferentes locais da região.

É importante mencionar que se os seres humanos tivessem adotado modelos de produção sustentáveis desde tempos antigos, o planeta provavelmente não estaria enfrentando o atual aquecimento global tão acentuado. Ações humanas como desmatamento, queimadas e queima de combustíveis fósseis têm contribuído significativamente para altas emissões de gases como dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O). Esses gases são responsáveis pelo efeito estufa, que por sua vez causa o aquecimento global e as mudanças climáticas.

Grande parte da comunidade científica acredita que o aumento da concentração de poluentes antropogênicos na atmosfera é a causa principal do efeito estufa, consequentemente do aquecimento global. (Silva; Paula, 2009, p.47) [6].

As mudanças climáticas afetam globalmente a vida de todos os seres vivos, alterando padrões climáticos como temperatura, umidade do ar e padrões de precipitação. Isso resulta em consequências como desertificação, extinção de espécies e desastres naturais significativos em várias partes do mundo. Segundo o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (2014, p. 25) [7],

Os cenários climáticos futuros indicam um aumento de eventos extremos de seca e estiagem prolongada, especialmente nos biomas da Amazônia, Cerrado e Caatinga, com acentuação a partir da metade e final do século XXI.

Os defensores do modelo agrícola convencional/monocultura geralmente são contrários aos modelos agroecológicos, devido aos altos lucros obtidos pela produção monocultural. Esses lucros beneficiam apenas pequenos grupos dominantes, enquanto a natureza e a maioria da população pagam o preço, mantendo esses grupos no poder continuamente. O capitalismo, um sistema baseado na propriedade privada e na busca incessante pelo lucro e acumulação de capital em forma de bens e dinheiro, influencia não apenas a economia, mas também aspectos políticos, sociais, culturais e éticos (Pena, 2024). [8]

Devido a isso, há poucos incentivos por parte das grandes potências para a implementação de modelos agroecológicos. Um dos poucos incentivos é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Para evitar a perda de lucratividade e acesso a grandes extensões de terras, são feitas propagandas promovendo o agronegócio como solução para o ‘desenvolvimento’ do país, dificultando assim a difusão e a implementação de modelos agroecológicos. No entanto, esse modelo não é mais sustentável, pois a natureza tem mostrado sua resistência através das mudanças climáticas.

Existem inúmeros argumentos contra os defensores do agronegócio e a favor da agroecologia. Um deles é a afirmação de que os modelos agroecológicos demandam muito trabalho. De fato, muitos desses modelos são intensivos em trabalho, enfrentando desafios como a escassez de mão de obra atualmente disponível. No entanto, é crucial entender que o foco não deve ser o trabalho envolvido, mas a urgência da necessidade de adoção de modelos que minimizem os impactos das mudanças climáticas.

Outro argumento é que os modelos agroecológicos necessitam de recursos financeiros significativos. Embora seja verdade que há uma necessidade de financiamento substancial, é importante ressaltar que essa necessidade é exacerbada pelo próprio capital. Certamente vale a pena investir em agroecologia, pois ela não apenas promove práticas sustentáveis ​​e respeitosas ao meio ambiente, mas também preserva a saúde dos ecossistemas e das comunidades humanas que deles dependem.

 

Referências

[1] CAMINHA, Pero Vaz de. Carta de Pero Vaz de Caminha. 1500. Disponível em: https://www.cervantesvirtual.com/obra-visor/a-carta-de-pero-vaz-de-caminha–0/html/ffce9a90-82b1-11df-acc7-002185ce6064_2.html. Acesso em 18/06/2024.

[2] NETO, Canrobert Costa; CANAVESI, Flaviane. Sustentabilidade em assentamentos rurais: o MST rumo à reforma agrária agroecológica no Brasil. H. Alimonda (Comp.), Ecología Política. Naturaleza, sociedad y utopía, p. 203-215, 2002.

[3] LOPES, Paulo Rogério; LOPES, Keila Cássia Santos Araújo. Sistemas de produção de base ecológica–a busca por um desenvolvimento rural sustentável. REDD–Revista Espaço de Diálogo e Desconexão, v. 4, n. 1, 2011.

[4] NEVES, Pedro Dias Mangolini. Sistemas agroflorestais como fomento para a segurança alimentar e nutricional. Boletim Gaúcho de Geografia, v. 41, n. 2, 2014.

[5] ALVES, Raimundo Nonato Brabo. Características da agricultura indígena e sua influência na produção familiar da Amazônia. 2001.

[6] SILVA, Robson Willians da Costa; PAULA, Beatriz Lima de. Causa do aquecimento global: antropogênica versus natural. Terræ Didatica, v. 5, n. 1, p. 42-49, 2009.

[7] PBMC-Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Base científica das mudanças climáticas. Contribuição do Grupo de Trabalho, v. 1, 2014.

[8] PENA, Rodolfo F. Alves. “O que é capitalismo?”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/geografia/o-que-e-capitalismo.htm. Acesso em 08 de maio de 2024.

 



* João Edson Gomes e Edilson Pereira Ferreira Sena são acadêmicos da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientadados pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Desigualdade salarial entre homens e mulheres

Desigualdade salarial entre homens e mulheres

Vivemos em uma sociedade onde as mulheres, além de trabalharem em seus empregos, também lidam com as tarefas domésticas. No entanto, um dos maiores desafios que enfrentam é a diferença salarial entre gêneros, pois os homens recebem significativamente mais, mesmo desempenhando a mesma função. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no mês de julho de 2023, sancionou a lei nº 1.085 que garante a igualdade salarial entre os gêneros [1]. Esta lei é um direito que está previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo 23, §2º, onde afirma que todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. Infelizmente, não se observa o cumprimento desse direito na sociedade, como destacado em uma notícia publicada pelo G1 em 2022, que reportou uma diferença salarial superior a 20% [2].

Essa realidade, onde a mulher é menosprezada, é uma questão enraizada na história da sociedade há muito tempo, na qual a mulher é vista como um ser frágil, destinado apenas à procriação e à gestão doméstica. Infelizmente, essa percepção persiste nos tempos atuais, refletindo-se em uma diferença salarial cada vez mais presente e marcante.

No mesmo sentido, o site CONJUR (Consultor Jurídico), em 6 de dezembro de 2023, publicou que, de acordo com dados do IBGE, “as mulheres recebem salário 22% menor em comparação com os homens”. A disparidade salarial aumenta à medida que os cargos são mais altos – mulheres em posições de liderança chegam a receber cerca de 34% a menos do que os homens ocupantes do mesmo cargo [3] Se o direito das mulheres à igualdade salarial, quando estão na mesma profissão e função que os homens, não for respeitado, essa diferença só tenderá a aumentar. Dessa forma, o pensamento machista continuará prevalecendo, contribuindo para a desvalorização contínua da mulher.

Diariamente, as mulheres ouvem que não são capazes de realizar o que os homens fazem, sendo suas características físicas consideradas inadequadas para certas atividades. Essa visão masculina da mulher como um corpo delicado e frágil perpetua a desigualdade, mesmo quando elas possuem a mesma formação, idade e experiência necessárias para o trabalho. Infelizmente, esse pensamento machista persiste em muitas mentes, o que leva as mulheres a se sentirem oprimidas e desvalorizadas ao executar suas funções, sendo menos reconhecidas do que os homens que ocupam as mesmas posições.

Contudo, enquanto as mulheres continuarem expostas a essas situações, sem ver o reconhecimento de seu desempenho no trabalho, apesar de seus esforços diários, isso reforçará o mesmo pensamento machista de que não são capazes de competir em igualdade com os homens na mesma profissão. Esse é um pensamento enraizado por anos em uma sociedade machista, ao qual as mulheres estão submetidas diariamente.

Diante dos aspectos relacionados à desigualdade salarial entre mulheres e homens, é essencial promover atividades de conscientização nas escolas para que as crianças não cresçam com visões machistas. Educando futuros cidadãos para quebrarem esses paradigmas presentes na sociedade, tornamo-los capazes de compreender a desigualdade salarial e de se posicionarem contra os diversos pensamentos machistas que afetam até mesmo as escolhas profissionais das mulheres.

 

Referências

[1] https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2023/07/03/lula-sanciona-lei-que-obriga-o-pagamento-de-salarios-iguais-para-homens-e-mulheres-na-mesma-funcao.ghtml

[2] https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2022/04/20/pesquisa-mostra-os-cargos-com-maior-diferenca-salarial-entre-homens-e-mulheres.ghtml

[3] https://www.conjur.com.br/2023-dez-06/novas-medidas-de-igualdade-salarial-entre-homens-e-mulheres




SOBRE AS AUTORAS

Indiamara Cunha e Kátia Jesus são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Vulnerabilidade e gravidez precoce

Vulnerabilidade e gravidez precoce

Neste artigo queremos discutir a gravidez precoce [1] como uma das consequências da violência estrutural e institucional contra a mulher. A violência contra as mulheres é estrutural, pois se manifesta em todas as esferas sociais: na câmara dos deputados, nas delegacias policiais, nos espaços de trabalho público e privado e, principalmente, dentro do ambiente doméstico.

A violência contra a mulher também é institucional, pois quando imagens de policiais militares batendo em mulheres são divulgadas pela internet sem nenhuma consequência de punição, o Estado brasileiro normaliza este tratamento. O recado passado à sociedade é: “está autorizada a violência ao corpo feminino”. Nesse contexto, nota-se que a gravidez precoce é uma das faces da violência que a mulher sofre.

A violência contra o corpo feminino se manifesta de diferentes maneiras, resultando sempre na desvalorização da mulher socialmente e promovendo a precarização do seu corpo. Por exemplo, o salário feminino é inferior ao salário do homem na mesma atividade e na mesma empresa, uma violência que se manifesta de forma silenciosa e contínua. Todo mês, nos holerites, a mulher se sente diminuída.

Um dos dados que evidenciam isso é a diferença salarial: o rendimento das mulheres representa, em média, 77,7% do rendimento dos homens (R$ 1.985 frente a R$ 2.555), conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de 2019 (CSJT, 2023) [2]. Não apenas as mulheres ganham menos nas estruturas sociais, mas também têm menores chances de ocuparem cargos de chefia. Os dados apontam para uma disparidade de gênero nas posições mais importantes dessas empresas. Apenas 17,4% das pessoas do sexo feminino possuem posição de destaque, como CFO (equivalente à diretora financeira) em bancos de investimento (Félix, 2024) [3].

Apesar de as mulheres serem maioria da população, a representação política feminina ainda é um desafio que parece estar longe de ser resolvido. Em João Pessoa, capital da Paraíba, a câmara municipal tem apenas uma vereadora. Podemos traduzir esta realidade na seguinte visão: quem toma conta do Brasil são os homens. Dentro do contexto da nossa discussão, fica a dúvida: para o homem, a gravidez precoce é um problema ou uma solução? Em 2018, foram eleitas 77 deputadas federais, 15% do total, o que, mesmo longe da paridade, representou um aumento expressivo em relação às eleições anteriores. Neste domingo (2), foram eleitas 92 mulheres para a Câmara e quatro para o Senado, totalizando 18% e 7%, respectivamente (Abreu, Mori, 2022) [4].

Dentro desta realidade, a sociedade tenta se contrapor, criando mecanismos legais que possam, de alguma forma, proteger as mulheres. Mas proteger de quem? Justamente dos homens. Alguns maiores exemplos são as delegacias especializadas e algumas leis. As Delegacias da Mulher são um espaço institucional especializado para socorrer mulheres que sofreram, ou ainda sofrem, violência por parte de homens (geralmente companheiros ou parentes). A Lei Maria da Penha define e criminaliza o feminicídio. Principalmente tirando da vítima a culpa do crime. A Lei Não é Não, por sua vez, busca proteger o corpo feminino da importunação e abuso em ambientes públicos.

Esta situação de vulnerabilidade autoriza, veladamente, o uso e abuso do corpo feminino. A menina adolescente se sente fragilizada diante do corpo masculino, sem condições de impor seus desejos e seus limites. A gravidez precoce não é apenas um trauma familiar nem uma ruptura de vida; é um caminho trilhado por muitas jovens. Neste contexto, a gravidez precoce faz parte de uma engrenagem social que normaliza esta situação. Talvez cumpra um papel importante na geração de mão de obra barata.

Referências

[1] https://ufmg.br/comunicacao/noticias/gravidez-na-adolescencia-uma-questao-de-saude-publica#:~:text=Segundo%20a%20Organiza%C3%A7%C3%A3o%20Mundial%20de,das%20mais%20altas%20do%20mundo.

[2]  CSJT. Desigualdade salarial entre homens e mulheres evidencia discriminação de gênero no mercado de trabalho. https://www.csjt.jus.br/web/csjt/-/desigualdade-salarial-entre-homens-e-mulheres-evidencia-discrimina%C3%A7%C3%A3o-de-g%C3%AAnero-no-mercado-de-trabalho. 2023.

[3] Félix, Thiago. Mulheres ocupam apenas 17% dos cargos de alto escalão em bancos de investimento, CNN, São Paulo, 2024.

[4] Abreu, Masra; Mori, Natalia. Como fica a representação feminina no Congresso Nacional a partir de 2023? Brasil de Fato, 2022.




SOBRE OS AUTORES

Graziella Rocha Baldaia e Clayton Fernandes são acadêmicos da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientados pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

A polêmica da (des)criminalização do aborto

A polêmica da (des)criminalização do aborto

Os debates inerentes ao aborto são polêmicos, complexos e delicados, perpassando questões de cunho social, econômico, cultural, bioético, moral, religioso, ideológico, político e de saúde pública. Segundo Rocha (2015) [1], é comum o uso da palavra “aborto” para indicar a interrupção da gravidez. Contudo, do ponto de vista técnico, existe uma diferença entre aborto e abortamento. Conceitualmente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) define o abortamento como a interrupção da gravidez até a 22ª semana, com produto da concepção pesando menos que 500g (BRASIL, 2012) [2]. Já o aborto é compreendido como o produto da concepção eliminado no abortamento. Pode ser classificado como espontâneo e provocado; o primeiro é interpretado como “natural” e é decorrente de inúmeras causas, enquanto o segundo é feito pela decisão da mulher (PEREIRA, 2018) [3].

No Brasil, a prática de interrupção provocada da gravidez é criminalizada, exceto nas hipóteses de gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto, previstas no Código Penal Brasileiro. Contudo, é de conhecimento geral que, mesmo com a proibição da prática, a interrupção da gravidez, para além das hipóteses previstas em lei, existe e é um fato social de ampla dimensão, sendo realizada, na maioria dos casos, em péssimas condições, colocando em risco a vida das mulheres (SANTOS, 2013) [4].

Grupos conservadores defendem a criminalização do aborto sob a pauta da moralidade religiosa e preceitos ideológicos, advogando em favor da proibição do aborto provocado, justificado pelo princípio da sacralidade da vida, cujo início ocorreria a partir da concepção. Portanto, quem aborta estaria tirando uma vida. Os argumentos sustentados pelos ativistas em favor da criminalização do aborto versam sobre a proteção ao feto/bebê considerado o mais vulnerável, além da promoção de medidas de auxílio às mães que não querem ter filhos, partindo do ponto de vista de que, ao invés de descriminalizar o aborto, deveriam ser criadas oportunidades para que as mulheres que pensam em realizar o abortamento possam ter as crianças com o amparo adequado, através de políticas de auxílio que proporcionarão condições dignas para a manutenção da gestação e para a saúde da mulher e do bebê.

Em contrapartida, grupos feministas e defensores da descriminalização do aborto, promotores de ações relacionadas à saúde da mulher, apontam a questão como um caso de saúde pública, argumentando que a prática é a razão para o elevado índice de mortalidade materna. O debate se articula no âmbito de diversas posições morais e conflitos legais, que se desdobram na perspectiva sociocultural e econômica. Ademais, os defensores da legalização do aborto argumentam que a previsão legal de proibição do aborto no Código Penal fere preceitos fundamentais da Constituição Federal, como o direito das mulheres à vida, à dignidade, à cidadania, à não discriminação, à liberdade, à igualdade, à saúde e ao planejamento familiar, entre outros. Ressaltam ainda que deveria ser garantido às mulheres o direito de decidir sobre o próprio corpo.

De acordo com um levantamento de dados feito pelo G1 na base de dados do DataSUS [5], no ano de 2020, o número de mulheres atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em razão de abortos malsucedidos foi 79 vezes maior que o de interrupções de gravidez previstas pela lei. Segundo o levantamento, no período de janeiro a junho do mesmo ano, o SUS realizou 1.024 abortos legais em todo o Brasil e, no mesmo período, foram realizados 80.948 procedimentos de curetagens e aspirações, processos necessários para a limpeza do útero após um aborto incompleto, que são mais frequentes nos casos em que a interrupção da gravidez é provocada, ou seja, a necessidade é menor no caso de abortos espontâneos.

Fato é que existem muitas questões atreladas à legalização do aborto, e estas vão muito além da relação com o avanço científico e tecnológico. Esse embate se conecta a um sistema complexo que envolve posicionamentos sociais, políticos e religiosos. Ademais, a ideia de ser “contra” ou “a favor” do aborto é puramente individual e pautada nos ideais, valores e crenças de cada sujeito. Portanto, o tema será sempre rodeado de polêmicas em função da divergência de posicionamentos. Compreender e respeitar a diversidade de opiniões que permeiam o assunto é fundamental para a formação de um diálogo que considere os prós e contras apresentados por cada grupo, visando chegar a um consenso. Neste sentido, é fundamental considerar a realidade e as consequências da prática do aborto, principalmente no que tange à saúde da mulher.

Por fim, a legalização da prática abortiva no Brasil não será a solução para amenizar o número dos procedimentos que colocam em risco a integridade física e emocional da mulher. O ideal seria o investimento em políticas públicas de conscientização, promoção da educação sexual e do planejamento familiar, e acolhimento de mulheres em situação de vulnerabilidade, além de políticas de enfrentamento da desigualdade social. A prevenção do aborto inseguro depende de esforços de setores políticos, econômicos e sociais para garantir a ampliação do debate sobre o tema, pautado na conscientização e promoção da dignidade das mulheres.

Referências

[1] ROCHA, Wesley Braga et al. Percepção de profissionais da saúde sobre abortamento legal. Revista Bioética, v. 23, 2015. Disponível in: https://doi.org/10.1590/1983-80422015232077. Acesso em 20/03/2024.
[2] BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes: norma técnica / Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – 3. ed. atual. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prevencao_agravo_violencia_sexual_mulheres_3ed.pd. Acesso em 20/03/2024.
[3] PEREIRA, Adriana de Jesus. O Papel do Profissional Enfermeiro Frente ao Aborto em seus Aspectos Jurídicos, Físico e Emocionais. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, v. 07, 2018. Disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/profissional-enfermeiro. Acesso em 20/03/2024.
[4] SANTOS, Vanessa Cruz. et al. Criminalização do aborto no Brasil e implicações à saúde pública. Revista Bioética, v. 21, 2013. Disponível em https://www.scielo.br/j/bioet/a/3ZMrQd69ZnwWCGNXTsZzh7t/?lang=pt. Acesso em 05/05/2024.
[5] ACAYABA, Cíntia; FIGUEIREDO, Patrícia. SUS fez 80,9 mil procedimentos após abortos malsucedidos e 1.024 interrupções de gravidez previstas em lei no 1º semestre de 2020. G1. São Paulo. 2020. Disponível em https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/08/20/sus-fez-809-mil-procedimentos-apos-abortos-malsucedidos-e-1024-interrupcoes-de-gravidez-previstas-em-lei-no-1o-semestre-de-2020.ghtml. Acesso em 05/05/2024.




SOBRE OS AUTORES

Gilvan Barrozo Dos Santos e Orlandina Aparecida Da Silva Rodrigues são acadêmicos da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientados pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

A agroecologia e a voz das mulheres do campo

A agroecologia e a voz das mulheres do campo

No Brasil, a agroecologia é um instrumento de resistência na jornada de mulheres pretas e agricultoras. Observamos o quanto as mulheres sofrem com a desvalorização de seu ser e de seu trabalho, principalmente as mulheres do campo que são pretas e agricultoras, as quais passam o tempo todo cuidando dos filhos, arrumando a casa, trabalhando na roça e no quintal, cultivando. Mesmo com essa carga horária altíssima, cheia de tarefas, as mulheres têm seu trabalho desvalorizado e não reconhecido pela sociedade. Nesse cenário, a agroecologia se configura como um instrumento essencial, promovendo autonomias na trajetória das mulheres pretas agricultoras e importante e poderosa aliada na resistência e no empoderamento delas.

Ao longo da história, os homens são vistos como fortes e livres, enquanto as mulheres têm sido colocadas em uma posição de inferioridade, rotuladas como o sexo frágil e tendo seus trabalhos invisibilizados. Diante desse cenário, devemos considerar que o trabalho das mulheres do campo é de extrema importância para a contribuição da renda familiar, visto que, enquanto estão produzindo grãos, legumes, verduras, entre outros produtos, deixam de comprá-los. Dessa forma, a agroecologia surge como um instrumento crucial para as mulheres do campo conquistarem autonomia, permitindo-lhes romper com esse tratamento desigual. Através da agroecologia, elas podem evidenciar como seus trabalhos são fundamentais para a subsistência de suas famílias e das comunidades, ao mesmo tempo em que demonstram respeito pela natureza, lutam por justiça social, enfrentam o racismo, reivindicam seus espaços e direitos. A essência de seus trabalhos gera alimentos produzidos de forma orgânica e sustentável, o que contribui para a segurança alimentar da região.

O trabalho sobre agroecologia produzido como conclusão de curso, intitulado “Mulheres Rurais e Seus Quintais Produtivos: Empoderamento Feminino, Sustentabilidade e Segurança Alimentar”, de Carolina Azevedo de Brito (2020) [1], apresenta que a segurança alimentar torna acessível a todos a obtenção de alimentos, visando garantir uma vida saudável à sociedade, permitindo o acesso a uma alimentação adequada por meio de recursos locais de forma constante e sustentável. Como exemplo de um trabalho sustentável que gera segurança alimentar, podemos citar o trabalho realizado pelo Coletivo de Agroecologia Quilombo Ausente Feliz, da comunidade Quilombola de Ausente/Serro-MG, em que as mulheres produzem alimentos saudáveis e agroecológicos para o sustento da família e para vendas no entorno da comunidade. Nesse processo, elas se empoderam, tornando-se referências na luta por reconhecer o contexto em que estão inseridas e demonstrando que esse trabalho também é uma forma de resistência contra o racismo estrutural, reafirmando suas raízes e identidade, além de promover uma boa alimentação. Vale ressaltar que, além da produção para a venda e consumo próprio, em muitas comunidades do campo há também relações de doações e trocas de alimentos.

O texto “Cadernetas agroecológicas e as Mulheres do Semiárido: de mãos dadas fortalecendo a agroecologia” do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA, 2020) [2] aborda a informação, com base no censo de 2010, de que o quantitativo de mulheres que se encontram chefiando os lares e desempenhando outros trabalhos não trouxe visibilidade para elas. Portanto, conclui-se que, na maioria das vezes, não há políticas públicas exclusivamente destinadas às mulheres agricultoras para que as auxiliem na busca por melhores condições de trabalho e segurança. Percebe-se isso porque essas mulheres há muito tempo vivem rodeadas de violência doméstica, resultante do machismo, entre outras questões.

Em outra realidade, como em comunidades rurais do município de Serro-MG, por exemplo, dentre todos os programas governamentais e não governamentais, são as mulheres que participam ativamente. Com isso, observamos que a agroecologia/agricultura familiar tem sido uma forma de quebrar esse modelo, pois atualmente, por meio de movimentos sociais e projetos, elas têm acesso a formações políticas, sociais e econômicas, que contribuem para sua autonomia e independência. Tudo isso fortalece o reconhecimento de suas identidades enquanto mulheres tradicionais, quilombolas, campesinas que enfrentam diariamente conflitos com grandes empreendimentos minerários que estão chegando na região.

A agroecologia tem sido uma ferramenta muito utilizada pelas mulheres no enfrentamento do racismo estrutural. O texto “Agrofloresta, feminismo e agroecologia: entrelaçando saberes e fazeres das mulheres” de Lobo e Curado (2022) [3] aponta que a agroecologia é vista como um caminho em oposição à conjuntura racista e capitalista que vivenciamos na sociedade, por meio de diversas frentes de luta como: manifestações públicas, compartilhando e dando visibilidade aos saberes das comunidades e das mulheres, produzindo alimentos saudáveis, entre outras coisas. Dessa forma, com muita luta e resistência, as mulheres têm conquistado cada vez mais seu lugar de fala, mostrando o quanto seu trabalho tem importância para o mundo. Além disso, as mulheres do campo têm soltado cada vez mais sua voz através da participação em movimentos sociais, comunitários e projetos de vendas coletivas formados por mulheres.

No site da revista UOL, no texto intitulado “Bolsonaro defende agronegócio e consumo de carne ‘de segunda a domingo’” por Ricardo Brito (2022) [4], há uma fala do ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que diz, “investir no agronegócio é um bom negócio e, para mim, carne fica de segunda a domingo, desde que tenha à disposição para a gente comprar, obviamente, e recurso para tal”. Essa fala do ex-presidente defende o capital pelo fato de ser um setor que gera dinheiro rápido, uma vez que envolve projetos de grande porte e grandes empresários, os quais visam somente o lucro. Investir no agronegócio concentra recursos e poder nas mãos de poucos, gerando, assim, desigualdade social e econômica. O agronegócio, com suas produções intensivas, provoca grandes impactos no meio ambiente, como desmatamento e poluição decorrente do uso excessivo de substâncias químicas. Isso compromete a saúde pública, uma vez que o consumo de alimentos ultraprocessados e com agrotóxicos aumenta. E afeta também o bem-estar dos animais devido às condições precárias em que são mantidos, e a qualidade das plantações. Assim, percebe-se que o agronegócio não se mostra como uma produção sustentável, tampouco de boa qualidade. Ao contrário, a agroecologia é baseada na sustentabilidade, prezando pela qualidade dos alimentos e pelo bem-estar social, comunitário e coletivo. E a mulher do campo agricultora tem um papel fundamental nessa forma de produção agroecológica.

Enfim, é de suma importância trabalhar essas questões da resistência da mulher por meio da agroecologia, tanto no ambiente escolar quanto com os jovens das comunidades rurais. Promover momentos de debates sobre o tema, desenvolver atividades com os alunos e jovens das comunidades e realizar intercâmbios entre escola e territórios, de forma a explicar aos alunos e jovens que o trabalho das mulheres, assim como o trabalho dos homens, tem importância e deve ser reconhecido e valorizado.

Referências

[1] BRITO, Carolina Azevedo de. Mulheres Rurais e Seus Quintais Produtivos: empoderamento feminino, sustentabilidade e segurança alimentar. 2020, 21f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Gestão Ambiental de Municípios) – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Princesa Isabel-PB. Disponível em: https://repositorio.ifpb.edu.br/jspui/bitstream/177683/1607/1/CarolinaBrito_MULHERES%20RURAIS%20E%20SEUS%20QUINTAIS%20PRODUTIVOS.pdf. Acesso em: 23 de Março de 2024.
[2] FUNDO INTERNACIONAL DE DESENVOLVIMENTO AGRÍCOLA (FIDA). Cadernetas agroecológicas e as mulheres do semiárido de mãos dadas fortalecendo a agroecologia: resultados do uso das cadernetas nos projetos apoiados pelo FIDA no Brasil de agosto de 2019 a fevereiro de 2020. Salvador, Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), 2020, 232 p.
[3] LOBO, Natália; CURADO, Isabela. Agrofloresta, feminismo e agroecologia: entrelaçando saberes e fazeres das mulheres. Capire, 2022. Disponível em: https://capiremov.org/experiencias/agrofloresta-feminismo-e-agroecologia-entrelacando-saberes-e-fazeres-das-mulheres/ . Acesso em 23 de março de 2024.
[4] BRITO, Ricardo. Bolsonaro defende agronegócio e consumo de carne ‘de segunda a domingo’. UOL, 2022. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/reuters/2022/01/06/bolsonaro-defende-agronegocio-e-consumo-de-carne-de-segunda-a-domingo.htm . Acesso em: 24 de Março de 2024.




SOBRE AS AUTORAS

Elizete Pires de Sena e Luciene A. C. Viríssimo Brandão são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Feminicídio e violação dos direitos das mulheres

Feminicídio e violação dos direitos das mulheres

No Brasil e em muitas partes do mundo, as mulheres enfrentam diariamente uma ameaça que não deveria existir no século XXI: o feminicídio. Esse termo, criado para descrever o assassinato de mulheres por razões de gênero, reflete uma realidade brutal que permeia nossa sociedade. É uma violação flagrante dos direitos humanos e uma triste evidência da persistência do machismo e da misoginia em nossa cultura.

A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e a Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015) tipificam esse crime como homicídio qualificado quando a vítima é morta em razão de seu gênero. Ao violar direitos fundamentais, como o direito à vida, à integridade física e à igualdade de gênero, o feminicídio contraria diversos artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, incluindo os artigos 3º, 5º e 7º. Conforme Pires e Perregil [1] (2021) é essencial compreender esse crime como uma clara violação ao direito à vida, à segurança e à igualdade, princípios fundamentais que são sistematicamente desrespeitados quando uma mulher é vítima desse crime brutal. Nesse sentido, assumir uma posição contrária ao feminicídio é uma questão de coerência com os valores democráticos e humanistas que regem nossa sociedade.

O feminicídio é uma dura realidade em nossa sociedade contemporânea, representando uma das mais cruéis violações dos direitos humanos das mulheres. Não se trata apenas de um crime comum, mas de uma manifestação clara da desigualdade de gênero e da violência contra as mulheres. Refere-se a uma forma específica de violência de gênero, motivada pelo machismo e pela misoginia arraigados em nossa sociedade. Portanto, exige medidas específicas e uma abordagem diferenciada por parte das autoridades e da sociedade como um todo. Essa triste realidade demanda ação urgente e decidida para ser erradicada.

Os números crescentes de feminicídios no Brasil não podem ser ignorados. De acordo com o G1 (2022) [2], a cada seis horas, uma mulher perde sua vida vítima desse crime brutal, deixando um rastro de dor e sofrimento para trás. Diante desse contexto, Nascimento (2023) [3] afirma que não podemos deixar de considerar o impacto devastador desse crime não apenas nas vítimas, mas também em suas famílias e na sociedade como um todo. Além do trauma emocional profundo que afeta as famílias das vítimas, o feminicídio também contribui para a perpetuação do medo e da insegurança entre as mulheres.

Diante dessa alarmante realidade, é necessário adotar uma postura firme e comprometida na luta contra essa forma extrema de violência de gênero. O reconhecimento inequívoco de que tal crime é uma violação dos direitos humanos das mulheres e uma manifestação clara da desigualdade e opressão de gênero é imprescindível. Não podemos mais aceitar passivamente sua ocorrência ou tratá-lo como apenas mais um crime. É imperativo que nos posicionemos de forma clara e inequívoca contra ele, defendendo a igualdade, o respeito e a dignidade das mulheres em todas as esferas da vida. Não se pode negar que o feminicídio é uma manifestação direta da desigualdade de gênero e do machismo estrutural que permeia nossa cultura. Ele reflete a ideia profundamente arraigada de que as mulheres são vistas como seres inferiores, cujas vidas têm menos valor do que as dos homens. Portanto, combatê-lo significa desafiar e transformar essas estruturas de poder desiguais que perpetuam a violência de gênero.

Defender a justiça e a responsabilização dos agressores é fundamental. Garantir que aqueles que cometem feminicídio sejam devidamente punidos é crucial para enviar uma mensagem clara de que esse tipo de violência não será tolerado em nossa sociedade. Isso envolve não apenas a aplicação rigorosa da lei, mas também a promoção de uma cultura de respeito pelos direitos das mulheres e de rejeição à violência de gênero em todas as suas formas. Para lidar com isso, é importante investir em medidas preventivas e educacionais para combater o feminicídio. Isso inclui programas educacionais que promovam a igualdade de gênero, o respeito mútuo e a não violência desde cedo, bem como políticas públicas que garantam o acesso das mulheres à justiça e aos serviços de proteção. Somente através de uma abordagem abrangente e multidisciplinar poderemos efetivamente enfrentar o feminicídio e construir uma sociedade mais justa, igualitária e segura para todas as mulheres.

Infelizmente, ainda existem vozes que minimizam sua gravidade e desconsideram suas motivações. A exemplo do ex-presidente Bolsonaro, que, de acordo com o Carta Capital (2018) [4], tratou esses crimes como algo corriqueiro, evidenciando a falta de empatia e compromisso político que pode perpetuar essa violência. No entanto, não podemos nos deixar abater por discursos que tentam normalizar o feminicídio. Devemos nos unir em torno desse objetivo comum e trabalhar incansavelmente para erradicar essa forma de violência de gênero. Isso requer uma ação conjunta e coordenada entre o Estado, as organizações da sociedade civil e a população em geral.

Para avançarmos nessa luta, é fundamental promover o diálogo e a colaboração entre os diversos setores da sociedade. Somente assim poderemos efetivamente enfrentar o feminicídio e construir uma sociedade mais justa e igualitária, onde todas as mulheres possam viver livres do medo e da opressão. Resta claro que o combate ao feminicídio é uma questão de direitos humanos e de justiça social. Devemos nos manter firmes em nossa determinação de erradicar essa epidemia de violência de gênero e garantir que todas as mulheres possam viver com dignidade e segurança. Juntos, podemos e devemos fazer a diferença.

Referências

[1] https://innocenti.com.br/a-importancia-da-luta-em-defesa-e-garantia-dos-direitos-humanos-das-mulheres/#top

[2] https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2023/03/08/brasil-bate-recorde-de-feminicidios-em-2022-com-uma-mulher-morta-a-cada-6-horas.ghtml

[3] https://sites.uel.br/lesfem/nada-e-como-a-mae-a-vida-de-criancas-e-adolescentes-orfaos-do-feminicidio/

[4] https://www.cartacapital.com.br/blogs/brasil-debate/o-discurso-que-legitima-o-feminicidio/




SOBRE AS AUTORAS

Elidiana Martins da Silva e Márcia Vicente de Sales são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Educação sexual e responsabilidade

Educação sexual e responsabilidade

Desde a década de 1970, segundo Juliane Pariz, Celito Francisco Mengarda e Giana Bitencourt Frizzo (2012) [1], a maternidade na adolescência vem sendo identificada como um problema de saúde pública. Complicações obstétricas com repercussões para a mãe e o recém-nascido, bem como problemas psicológicos, sociais e econômicos, têm fundamentado essa afirmação, evidenciando a gravidez na adolescência como um fenômeno complexo e preocupante, pois esta é uma fase de descobertas e mudanças, tanto físicas quanto emocionais. Nesse contexto, os adolescentes muitas vezes estão expostos a situações de risco, incluindo relações sexuais sem proteção, ocasionando um desafio tanto para os adolescentes quanto para a sociedade em geral. As ações voltadas para lidar com essa temática têm se apoiado em resoluções fundamentadas em políticas educacionais de educação sexual.

É imprescindível que haja Educação Sexual nas escolas para que os adolescentes tenham acesso a informações sobre métodos contraceptivos e todas as consequências de uma relação desprotegida, como DSTs e gravidez indesejada. Assim, esses jovens podem desenvolver uma sexualidade responsável, na qual tenham autonomia e garantia de seu bem-estar. Fornecendo informações precisas e abrangentes sobre educação sexual aos adolescentes, reduziremos os índices alarmantes de gravidez na adolescência.

De acordo com as informações disponíveis no site do Gov.br [2], diariamente, 1.043 adolescentes no Brasil se tornam mães. A cada hora, ocorrem 44 nascimentos de bebês cujas mães são adolescentes, com duas dessas jovens tendo entre 10 e 14 anos de idade. Esses dados foram obtidos por meio do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), uma ferramenta do Sistema Único de Saúde (SUS). Esses fatos apontam um grande problema, pois, segundo Marta Edna Holanda Diógenes Yazlle (2006), [3] a gravidez neste grupo populacional vem sendo considerada, em alguns países, um problema de saúde pública, uma vez que pode acarretar complicações obstétricas, com repercussões para a mãe e o recém-nascido, bem como problemas psicossociais e econômicos.

Nesse contexto, a educação desempenha um papel crucial, fornecendo informações precisas sobre saúde sexual e capacitando os jovens a possuírem habilidades de tomada de decisão e autoconhecimento, fundamentais para promover escolhas saudáveis e responsáveis, auxiliando na prevenção de gravidezes não planejadas. Portanto, investir em programas educacionais abrangentes que abordem questões ligadas à sexualidade é de suma importância para enfrentar esse desafio e garantir um futuro mais promissor para os jovens brasileiros.

Em revisão crítica da literatura, Ana Cristina Garcia Dias e Marco Antônio Pereira Teixeira (2010) [4], constataram que a gravidez precoce acarreta aumentos significativos nos riscos de mortalidade, tanto para a mãe quanto para o bebê, além de elevar as chances de parto prematuro, anemia, aborto espontâneo, eclâmpsia e depressão pós-parto. Adicionalmente, segundo Ana Cristina Garcia Dias (2010), há impactos sociais consideráveis, como o abandono dos estudos, desorganização familiar, afastamento do convívio escolar, isolamento social e dificuldade de inserção no mercado de trabalho. O contexto individual e familiar também é profundamente afetado, gerando um abalo emocional.

No entendimento de Leila Maria Vieira, Sandra de Oliveira Sales, Adriana Aparecida Bini Dória e Tamara Beres Lederer Goldberg (2006), [5] métodos de prevenção da gravidez e dos perigos associados ao sexo sem proteção são essenciais para que os jovens experimentem uma sexualidade saudável e responsável. Isso garante a prevenção tanto da gravidez não planejada quanto das doenças sexualmente transmissíveis e promove o direito humano à expressão sexual separada da reprodução, permitindo uma maior liberdade nesse aspecto da vida. As instituições de ensino, sendo grandes parceiras dos alunos e o lugar onde passam boa parte do tempo, podem atuar como mecanismos de inserção do assunto, trazendo palestras educativas que já são realizadas pelas entidades públicas, além de uma preparação estrutural do corpo docente, valorizando, dessa forma, o corpo do adolescente e o desenvolvimento do pensamento crítico.

Segundo César Aparecido Nunes (1987) [6], a temática da sexualidade é constantemente controversa, pois abarca uma variedade de questões, desde aspectos religiosos até considerações éticas, abrangendo diversas perspectivas. Ao abordar esse assunto, muitas pessoas tendem a associá-lo exclusivamente ao ato sexual. Entretanto, o conceito de sexualidade é muito mais amplo e não se limita apenas a isso, podendo também englobar aspectos relacionados à saúde. De acordo com Gabriela Cabral da Silva Dantas (2024) [7], isso implica na responsabilidade individual de cuidar do próprio corpo, a fim de evitar situações indesejadas no futuro, como a contração de doenças ou uma gravidez precoce e indesejada. Portanto, ao integrar a educação sexual no currículo escolar de forma abrangente, as instituições de ensino não apenas contribuem para o desenvolvimento integral dos estudantes, mas também desempenham um papel crucial na redução dos índices de gravidez na adolescência e na promoção da saúde sexual e reprodutiva.

Para mudar esse contexto, a escola deve trabalhar a educação sexual respeitando a faixa etária das crianças e adolescentes, abordando o respeito ao próprio corpo, ao corpo do outro e à sexualidade de modo pedagógico, envolvendo aspectos da vida como questões emocionais, sensações corpóreas, afeto, razão, amizade e gênero. Cabe aos profissionais a maneira de introduzir e abordar o tema de forma inteligente e aberta, quebrando tabus e preconceitos entre os jovens. Na maioria dos casos, os pais e responsáveis não têm informação suficiente para assumirem essa demanda. Por meio das Secretarias de Educação dos Estados e do Distrito Federal, o Ministério da Educação (MEC), em parceria com o Ministério da Saúde, deve oferecer programas de formação continuada para os professores, capacitando-os para abordar os temas de forma sensível, inclusiva e baseada em evidências científicas. As Secretarias de Educação dos Estados devem estabelecer parcerias com profissionais de saúde, como enfermeiros e psicólogos, para oferecer orientações e informações especializadas aos alunos, bem como realizar campanhas de prevenção e conscientização. Dessa forma, o MEC deve avaliar regularmente a eficácia das iniciativas implementadas por meio de pesquisas, questionários de satisfação e análise de indicadores de saúde e bem-estar dos alunos, ajustando as estratégias conforme necessário.

A educação sexual será o melhor método contraceptivo, pois os métodos tradicionais não são usados pelos adolescentes, contribuindo para a redução da gravidez precoce. É importante que todas as ações sejam desenvolvidas de forma colaborativa, envolvendo não apenas os professores e a equipe escolar, mas também os alunos, os pais/responsáveis e outros membros da comunidade, para garantir uma abordagem abrangente e sustentável da educação sexual na escola.

Referências

[1] PARIZ, J.; MENGARDA, C. F.; FRIZZO, G. B. A Atenção e o Cuidado à Gravidez na Adolescência nos Âmbitos Familiar, Político e na Sociedade: uma revisão da literatura. Saúde e sociedade, São Paulo, 2012.

[2] HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO (HU-UFMA). Por hora, nascem 44 bebês de mães adolescentes no Brasil, segundo dados do SUS. Gov.br, 2023. Disponível em: <https://www.gov.br/ebserh/pt-br/comunicacao/noticias/por-hora-nascem-44-bebes-de-maes-adolescentes-no-brasil-segundo-dados-do-sus>. Acesso em: 19 de fevereiro 2024.

[3] YAZLLE, Marta Edna Holanda Diógenes. Gravidez na adolescência. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, v. 28, 2006.

[4] DIAS, Ana Cristina Garcia; TEIXEIRA, Marco Antônio Pereira. Gravidez na adolescência: um olhar sobre um fenômeno complexo. Ribeirão Preto: Paidéia, v. 20, 2010.

[5] VIEIRA, Leila Maria et al. Reflexões sobre a anticoncepção na adolescência no Brasil. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 6, 2006.

[6] NUNES, César Aparecido. Desvendando a sexualidade. Campinas: Papirus, 1987.

[7] DANTAS, Gabriela Cabral da Silva. Educação Sexual – Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sexualidade/educacao-sexual.htm. Acesso em 29 de fevereiro de 2024.




SOBRE OS AUTORES

Claudiana Silva Sincurá e Edmilson Oliveira Silva são acadêmicos da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientados pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Estratégias de prevenção do êxodo rural

Estratégias de prevenção do êxodo rural

O êxodo rural [1] acontece principalmente pela busca por melhores oportunidades e tem transformado o Brasil, levando ao crescimento desordenado das cidades e à formação de favelas, comunidades de pessoas de baixa renda. Além disso, é importante destacar alguns problemas que persistem na maioria das favelas, como a falta de saneamento básico, violência e insegurança dos moradores, desigualdade social e falta de renda, entre outros. Segundo o IBGE, essa migração intensa ocorreu principalmente entre 1950 e 1980, reduzindo a população rural de 65% para cerca de 25%. Apesar da desaceleração recente, o êxodo rural ainda persiste [2].

A agroecologia pode evitar o êxodo rural. Uma abordagem mais sustentável pode impedir a migração da população e o deslocamento dos trabalhadores para os centros urbanos, em busca de fontes de renda ou de uma vida melhor. Uma consequência disso é o grande aumento populacional nas cidades, resultando na criação de favelas, especialmente em grandes cidades. Esse fator se dá por conta das construções de grandes indústrias, que muitas vezes têm uma taxa de empregados muito baixa, aumentando a taxa de subemprego (bico), que inclui diaristas, camelôs e empregadas domésticas, entre outros.

A preservação ambiental é um fator que pode contribuir para a diminuição do êxodo rural. No entanto, atualmente muitas áreas estão sendo desmatadas para a criação de indústrias e para o agronegócio, o que tem levado muitas pessoas do campo a migrarem para a zona urbana, uma vez que acabam sendo expulsas de suas terras para que sejam feitos plantios em larga escala como soja e milho. Atualmente, existem leis que protegem os trabalhadores do campo para que não venham a perder suas terras e que favorecem a preservação do meio ambiente, como programas de proteção a nascentes, rios e lagos. Na maioria das comunidades, pode-se observar que um dos problemas é a grande escassez de água. Uma solução é captar água do rio até que ele seque e, com a água disponível, possibilitar que alguns moradores façam pequenos plantios, conseguindo vendê-los para obter renda e ajudar na alimentação da família. Após isso, é importante conscientizar os moradores que consomem a água, para que não haja desperdício, e observar que aqueles com uma condição financeira mais alta furam poços artesianos em lençóis freáticos ou veias d’água.

Um dos desafios enfrentados pelas famílias é a obtenção de renda, que pode se tornar complicada em várias circunstâncias, como durante períodos de seca. Por exemplo, aqueles que dependem de pequenas plantações podem encontrar dificuldades devido à escassez de água. No entanto, existem algumas medidas de apoio disponíveis para essas famílias, como o programa Garantia Safra, que é um benefício social disponibilizado aos pequenos produtores rurais com baixa renda, que geralmente são sujeitos a perdas de safra devido a fenômenos naturais, como secas de geralmente 8 a 9 meses. Além deste programa, temos o Bolsa Família, que também é um auxílio que permite que alguns produtores comprem sementes para o plantio de hortaliças. Existem também leis específicas, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) [3], que oferece benefícios financeiros aos produtores rurais que entregam os alimentos produzidos em suas propriedades para escolas da cidade.

Uma questão problemática que pode ser observada são os agrotóxicos. No Brasil, os agrotóxicos são comprados em larga escala e geralmente são prejudiciais à terra e à saúde, mesmo que os produtos pareçam perfeitos e bonitos. Os agrotóxicos podem causar doenças cardiovasculares e até câncer. Observando as vendas atualmente, podemos notar que algumas frutas têm um prazo de validade muito alto, o que é indício de uso de agrotóxicos. No Brasil, temos a riqueza de poder usufruir dos frutos da nossa própria cultura alimentar e ambiental. Isso ainda acontece graças a produtores que plantam vegetais e frutas utilizando, na maioria das vezes, adubos orgânicos produzidos pelos próprios animais da fazenda.

Embora os agrotóxicos possam aumentar a produção agrícola, eles também são prejudiciais ao meio ambiente e à saúde humana, criando uma situação contraditória onde a busca por maior produtividade pode resultar em danos significativos. Existem modelos de plantios usando a agroecologia que são muito utilizados. Exemplos incluem a aquaponia, que é uma fonte de produção sustentável combinada com a aquicultura (criação de peixes) e hidroponia (cultivo de plantas em água), onde são plantadas hortaliças. Experiências bem-sucedidas comprovam que esse método é muito utilizado, principalmente por agricultores, sendo viável pelo grande retorno financeiro. Além disso, as plantações com agrotóxicos estão fazendo com que alguns tipos de plantas, como os milhos crioulos, percam sua raça de origem, levando a cultura à extinção. Para aprender sobre alguns tipos de produtos, são disponibilizados cursos do SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), oferecidos pela prefeitura. Além de serem totalmente livres de qualquer tipo de agrotóxico ou produto prejudicial à saúde.

Contudo, com as parcerias locais, como a prefeitura, que geralmente adota leis municipais como as ‘feirinhas’, disponibilizadas na cidade semanalmente para os trabalhadores rurais, é possível que, após suas colheitas, eles comercializem seus produtos e obtenham uma fonte de renda para suas casas. Deve-se incentivar as práticas agrícolas, como a doação de sementes e o auxílio aos produtores, possibilitando a continuidade e melhora das atividades.

Referências

[1] Êxodo rural no Brasil. O êxodo rural no Brasil e seus efeitos. Disponível em: <https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/Exodo-rural-no-brasil.htm>. Acessado em 09/05/2024.

[2] FERNANDA. Êxodo rural no Brasil é quase o dobro da média mundial e desafia sustentabilidade do campo e cidade. Disponível em: <https://mst.org.br/2024/02/20/exodo-rural-no-brasil-e-quase-o-dobro-da-media-mundial-e-desafia-sustentabilidade-do-campo-e-cidade/>. Acessado em 09/05/2024.

[3] Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Disponível em: < https://www.gov.br/mds/pt-br/acoes-e-programas/inclusao-produtiva-rural/paa >. Acessado em 09/05/2024.




  • SOBRE OS AUTORES

  • Caroline Rodrigues Ferreira e Maurício Máximo Ferreira são acadêmicos da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2022 (janeiro a junho de 2023). Foram orientados pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Adaptação do mundo para as pessoas com deficiência

Adaptação do mundo para as pessoas com deficiência

A análise e as reflexões presentes neste texto foram delineadas com base em nossas experiências durante os estágios, onde observamos a estrutura das instituições escolares em relação às Pessoas com Deficiência (PcD). Fica evidente que muitas escolas e espaços públicos carecem de uma estrutura adequada para a realidade desses indivíduos. É crucial reconhecer que todos os membros da sociedade têm o direito inalienável à participação plena e igualitária. Isso abrange as pessoas com deficiência, frequentemente confrontadas com barreiras físicas, sociais e políticas que obstruem sua integração completa. Ao não adaptar o mundo para atender às suas necessidades, estamos restringindo seu acesso a oportunidades básicas e violando diretamente seus direitos humanos.

A inclusão social transcende a mera garantia de acesso físico a espaços e recursos. Ela requer a criação de ambientes acolhedores, acessíveis e promotores da participação ativa de todos, independentemente de suas capacidades físicas ou mentais. A ausência de adaptações pode levar à exclusão e ao isolamento, privando os indivíduos com deficiência de contribuir plenamente para a sociedade. O Relatório Mundial Sobre Deficiência [1] traz relatos que ilustram isso de maneira vívida, como o de Samantha:

Minha vida gira em torno dos meus dois lindos filhos. Eles me veem como a ‘Mamãe’, e não como uma pessoa em cadeira de rodas, e não julgam a mim ou a vida que levamos. Agora isso está mudando, pois meus esforços para fazer parte das suas vidas são limitados pela dificuldade de acesso em escolas, parques e lojas, as atitudes dos outros pais, e a realidade de precisar de 8 horas de ajuda diária de um cuidador… Não posso entrar nas casas dos amigos dos meus filhos, é preciso esperar do lado de fora até terminarem de brincar. Não posso entrar em todas as salas de aula da escola, e por isso ainda não conheço muitos dos outros pais. Não consigo me aproximar do playground no meio do parque ou ajudar nos eventos esportivos dos quais meus filhos desejam participar. Os outros pais me veem como alguém diferente, e já vi uma mãe impedir meu filho de brincar com o seu porque eu não poderia ajudar a supervisionar as crianças na sua casa, inacessível para mim.” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2011, p.3)

Indivíduos com realidades semelhantes à de Samantha enfrentam diariamente desigualdades e inadequações como estas, destacando a urgência da conscientização e da adaptação do mundo para garantir, ao menos, os direitos básicos dessas pessoas. Contudo, para que haja uma transformação no mundo, é essencial promover uma mudança na mentalidade das pessoas. A adaptação do mundo para pessoas com deficiência não é apenas um imperativo moral, mas também traz benefícios tangíveis para toda a sociedade. Ambientes e serviços adaptados beneficiam não só aqueles com deficiência, mas também idosos, pais com carrinhos de bebê, pessoas temporariamente feridas, entre outros. Uma sociedade inclusiva é mais eficiente e compassiva para todos.

Apesar de haver argumentos contrários, muitos são baseados em equívocos sobre a importância da inclusão. Alguns desses argumentos incluem dificuldade na implementação de estrutura adequados para todos, pessoas sem e com deficiências. Alega-se que isso poderia causar perturbações ou exigir grandes reformas que não são viáveis. No entanto, com planejamento e comprometimento, adaptações podem ser feitas de maneira eficaz ao longo do tempo. Alguns podem questionar, ainda, se as adaptações seriam úteis para o restante da população. Contudo, muitas adaptações, como rampas de acesso, legendas em vídeos e espaços mais amplos, são benéficas para uma ampla gama de pessoas. Abordar esses argumentos geralmente envolve demonstrar os benefícios de longo prazo, tanto sociais quanto econômicos, da inclusão. Exemplos de adaptações bem-sucedidas e como a adaptação beneficia não apenas as pessoas com deficiência, mas toda a sociedade, são essenciais.

O governo implementa estratégias para a inclusão de pessoas com deficiência (PCDs) através de leis, projetos e decretos. No entanto, há limitações nesses esforços. Por exemplo, o artigo 93 da Lei da Previdência Social nº 8.213/91 [2] estabelece que empresas com mais de 100 funcionários devem reservar de 2% a 5% de seus cargos para PCDs. No entanto, essa lei não aborda a especialização necessária para esses profissionais, nem especifica o tipo de deficiência. Isso levanta questões sobre como as empresas podem proporcionar treinamento adequado e onde esses funcionários seriam inseridos e que funções desempenhariam. A lei, entretanto, muitas vezes não é cumprida, resultando na exclusão contínua das pessoas com deficiência. Falta uma verdadeira intenção de adaptar o mundo para incluí-las, deixando muitos programas apenas no papel e não na prática.

Para melhorar a inclusão de PCDs na sociedade, é essencial instalar rampas, corrimãos e banheiros adaptados, além de usar tecnologias assistivas como softwares de leitura de tela. O ensino de linguagem de sinais nas escolas e o treinamento dos professores também são cruciais para uma abordagem inclusiva em sala de aula e para promover conscientização sobre as PCDs, evitando estigmas e promovendo a compreensão.

Referências:

[1] ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Relatório mundial sobre deficiência 2011. Genebra: Organização Mundial da Saúde, 2011.

[2] PREVIDÊNCIA SOCIAL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social. Brasília, DF: Planalto, 1991. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm> Acesso em: 06 mai. 2014.




* As autoras são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Educação Sexual e as Escolas do Campo

Educação Sexual e as Escolas do Campo

De fato, trazer problemáticas relacionadas à educação sexual para dentro das práticas pedagógicas, no contexto das escolas do campo, pode contribuir para a queda no índice de gravidez precoce nessas realidades. “Uma vez que a Educação sobre sexualidade pode ajudar a população jovem a identificar o assédio desde cedo, por exemplo, e também no processo de decisão” (UOL, 2020).” [1]

O diálogo sobre a educação sexual e o trabalho de orientação sexual nas escolas contribui inclusive para “Prevenção de problemas graves, Gravidez indesejada, conhecimento sobre os métodos anticoncepcionais, sua disponibilidade e a reflexão sobre a própria sexualidade. Além de favorecer a apropriação do corpo, promovendo a consciência de que seu corpo lhes pertence e só deve ser tocado por outro com seu consentimento ou por razões de saúde e higiene (Parâmetros Curriculares Nacionais, p. 293)”. [2]

Esses são aspectos essenciais a serem abordados na educação sexual dos jovens. É evidente que trazer diálogos sobre tais temáticas é fundamental para garantir a saúde e o bem-estar dos adolescentes. Além disso, é importante promover debates sobre a importância da contracepção, dos métodos anticoncepcionais disponíveis e da responsabilidade na prática da sexualidade. Nesse sentido, é necessário que a educação sexual nas escolas enfatize tais questões que são socialmente relevantes, uma vez que estimula uma formação mais completa e responsável dos jovens/adolescentes. Esses impasses preparam-nos para trilhar um caminho de decisões conscientes, responsáveis e, sobretudo, saudáveis.

Fortalecer o diálogo acerca da educação sexual nas escolas do campo contribuirá não apenas para a diminuição da gravidez precoce, mas também estimulará a queda da evasão escolar e do círculo vicioso de pobreza. Em suma, estudos mostram que quando a educação se distancia da realidade socioeconômica e sociocultural dos grupos minoritários, o índice de pobreza e evasão escolar tende a crescer. Uma matéria publicada pelo UOL (2020) confirma: “A cada dez jovens de 15 a 19 anos grávidas, sete são negras e seis não estudam nem trabalham, neste sentido, a gravidez nessa etapa da vida reforça o círculo vicioso de pobreza, uma vez que diminui as chances de conclusão dos estudos e, consequentemente, resulta em menos qualificação professional (UOL.2020).” [1]

Existe o senso comum que é contra a inserção de temáticas voltadas à educação sexual nos currículos das escolas do campo. Esta minoria entende, supostamente, que trabalhar a educação sexual na escola é influenciar a relação sexual de adolescentes. Esse tipo de ideologia foi evidenciado claramente no governo do ex-presidente Bolsonaro, quando foram retiradas temáticas voltadas à educação sexual. “Nos últimos anos, especialmente na gestão de Jair Bolsonaro, os temas de sexualidade foram retirados das dinâmicas, restando somente conteúdos de alimentação saudável e incentivo a atividades físicas (G1,2023)”. [3]

Enquanto futuros/as educadores/as da educação básica, temos o dever de organizar, planejar e incluir temáticas voltadas à educação e orientação sexual nas práticas docentes nas diversas escolas. O diálogo sobre tais temáticas é a base para orientar os jovens acerca de doenças transmissíveis, gravidez precoce, pobreza e evasão escolar. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) destaca “a importância de promover a compreensão sobre a sexualidade, suas orientações e identidades, bem como a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, incluindo a conscientização sobre métodos de prevenção e formas de diagnósticos e tratamentos” (BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular, 2018). [4]

A própria BNCC contempla a ideia de que a temática da sexualidade deve ser trabalhada com ênfase na reprodução e nas doenças sexualmente transmissíveis. A falta de práticas que articulem a educação sexual nos currículos tem fortalecido o processo de opressão, preconceito e racismo dentro do contexto educacional. Esse crescimento, relacionado ao preconceito e ao racismo, vem sendo influenciado por diversos grupos sociais, inclusive pelas classes dominantes. Com o intuito de promover a inserção de várias temáticas voltadas à educação sexual nas escolas do campo, poderíamos discutir e refletir sobre as problemáticas relacionadas à gravidez precoce, preconceito e racismo estrutural com maior frequência. Trazer o diálogo, a interação e o senso crítico para o contexto escolar é essencial. Nesse sentido, poderíamos utilizar o projeto “Semana para a Vida”, desenvolvido nas escolas, para promover ações de conscientização e orientação, dando visibilidade a várias temáticas.

Referências

[1] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/deutschewelle/2020/01/10/a-educacao-sexual-como-chave-contra-gravidez-na-adolescencia.htm

[2] http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/pcn/orientacao.pdf

[3] https://g1.globo.com/educacao/noticia/2023/09/15/educacao-sexual-na-escola-pode-evitar-casos-de-abuso-saiba-o-que-as-criancas-devem-aprender.ghtml

[4] https://www.gov.br/mec/pt-br/escola-em-tempo-integral/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal.pdf




* As autoras são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Cultura do Estupro, Prevenção à Violência e Promoção da Igualdade de Gênero

Cultura do Estupro, Prevenção à Violência e Promoção da Igualdade de Gênero

Segundo a tese de 2020 de Joana Rodrigues Moreira Leite [1], a expressão “Cultura do Estupro” originou-se na língua inglesa como “Rape Culture” e surgiu na década de 1970, difundida por ativistas feministas, as quais denunciaram que o estupro era uma violência frequente, mas silenciada. Naquela época, as mulheres que trouxeram o assunto a público divulgaram informações e conscientizaram a sociedade sobre a problemática do estupro que, até então, era tratado como uma doença do estuprador ou necessidade masculina, tendo em vista que o agressor estava agindo de acordo com seus instintos. Isso foi confirmado, por exemplo, quando mulheres indígenas e escravas foram forçadas a ter relações sexuais com “homens brancos”. Ou seja, essa cultura foi normalizada após a conquista europeia do Brasil, e a sociedade atual culpa as vítimas.

A cultura do estupro é um conjunto de comportamentos, atitudes e crenças que minimizam, toleram e até incentivam a violência sexual. Por meio de educação e sensibilização adequadas, é possível combater essa cultura e promover a igualdade de gênero, o respeito e a empatia. É fundamental que a sociedade assuma a responsabilidade de desconstruir essa cultura e criar um ambiente seguro e acolhedor para todos.

A cultura do estupro atravessa diversas esferas da sociedade, perpetuando atitudes e comportamentos que normalizam a violência sexual e sempre culpam as vítimas. A discussão aqui colocada busca explorar estratégias eficazes para desconstruir essa cultura, promover a conscientização e prevenir a violência de gênero.

Segundo Patrícia Galvão [2], em 26 de julho de 2016, no Brasil, a cada 11 minutos uma mulher é estuprada, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Além disso, de acordo com levantamento divulgado pelo IPEA em 2014, apenas 10% dos casos desse tipo de violência chegam ao conhecimento da polícia, 89% das vítimas são do sexo feminino e 70% dos crimes são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos. A maioria dos estupros é praticada por indivíduos do sexo masculino. A cultura do estupro é um problema sistêmico que precisa ser confrontado de forma direta. Isso requer educação e conscientização sobre consentimento, respeito mútuo e igualdade de gênero. Além disso, é fundamental que haja consequências reais para os agressores e um sistema de apoio sólido para as vítimas.

É necessário que os homens que cometem o estupro sejam presos e penalizados, para que eles não continuem a propagar essa cultura. Ao responsabilizar os agressores, a sociedade envia uma mensagem clara de que o estupro não será tolerado e que as vítimas serão apoiadas em busca de justiça. Além disso, a punição legal serve como um meio de dissuasão para outros potenciais agressores, contribuindo para a prevenção desse tipo de crime.

De acordo com a Lei do Minuto Seguinte (Lei 12.845/2013), as vítimas de violência sexual têm direito a atendimento imediato pelo SUS, amparo médico, psicológico e social, exames preventivos e informações sobre seus direitos. Podemos perceber que há leis que garantem o apoio às vítimas de estupro. No entanto, muitas vezes, essas leis não são tão divulgadas e, por isso, muitas mulheres não sabem de sua existência, o que faz com que muitas vítimas fiquem em silêncio.

Infelizmente, em muitos casos, as vítimas de estupro são culpadas ou responsabilizadas por terem sido agredidas sexualmente. Alguns argumentam que a vestimenta, o comportamento ou as ações da vítima contribuíram para o ocorrido, desviando a responsabilidade do agressor. Usar o termo “cultura” nesse contexto reforça a noção de que podemos e devemos trabalhar para mudar os padrões sociais e estruturas que perpetuam a violência sexual e a culpabilização das vítimas [3]. Portanto, é necessário quebrar os rótulos criados pela sociedade e as normas culturais que perpetuam a cultura do estupro. É importante educar as crianças desde cedo sobre o respeito ao próprio corpo, o respeito mútuo e, o mais importante, respeitar um “NÃO” quando ouvi-lo. Além disso, é fundamental saber ouvir e respeitar as vítimas de estupro, orientando-as para que possam procurar seus direitos. Afinal, a responsabilidade de combater essa cultura tão cruel é de todos nós.

 

Referências

[1] LEITE, Joana Rodrigues Moreira. Pode a mulher falar? Discursos de mulheres vítimas de abusos sexuais/estupro. 2020. 245 f. Tese (Doutorado em Estudos de Linguagem) – Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Linguagens, Cuiabá, 2020 disponível em: <http://ri.ufmt.br/handle/1/3493>

[2] Agência Patrícia Galvão. Cultura do estupro: como ela é muito mais presente no Brasil do que você imagina. Disponível em: <https://agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/noticias-violencia/cultura-do-estupro>

[3] MEDEIROS, L. Como assim, cultura do estupro? | Politize! Disponível em: <https://www.politize.com.br/cultura-do-estupro-como-assim/>.




* As autoras são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Gravidez na adolescência e educação sexual

Gravidez na adolescência e educação sexual

A gravidez na adolescência é um fenômeno complexo e preocupante que traz consigo uma série de desafios e consequências tanto para as mães quanto para os familiares e para a sociedade em geral. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) [1], a gravidez na adolescência é um grande desafio para a saúde pública no Brasil e, em 2020, a gravidez precoce totalizou 380.778 casos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) [1] destaca que a gestação nesta fase é uma condição que eleva a prevalência de complicações para a mãe, para o feto e para o recém-nascido, além da possibilidade de agravamento de problemas socioeconômicos já existentes. Isso ressalta a magnitude desse problema não apenas no Brasil, mas também globalmente, onde milhões de adolescentes enfrentam a gravidez precoce.

A falta de educação e orientação sexual adequadas tem sido apontada como uma das principais causas desse fator. Muitos adolescentes desconhecem os meios e métodos contraceptivos, e os riscos associados à atividade sexual desprotegida crescem cada vez mais. De acordo Cabral e Brandão (2020), em estudo publicado na revista Cadernos de Saúde Pública [2], a falta de uma educação sexual eficaz e abrangente é um fator que contribui para as altas taxas de gravidez na adolescência no Brasil.

A educação sexual é fundamental para fornecer aos adolescentes informações precisas e relevantes sobre contracepção, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e desenvolvimento saudável das relações. Além disso, a educação sexual também desempenha um papel importante na promoção do respeito mútuo, da autoestima e do consentimento, ajudando assim a prevenir a gravidez não planejada e as consequências negativas associadas. Estudos na área de ciências sociais e saúde poderiam explorar o impacto da educação sexual na redução das taxas de gravidez na adolescência, bem como a eficácia dos programas de educação sexual nas escolas e comunidades. Além disso, poderiam investigar a influência de fatores socioeconômicos, culturais e familiares na tomada de decisões dos adolescentes em relação à atividade sexual e à contracepção.

Uma gravidez na adolescência tem consequências em diversos âmbitos para a sociedade, como na saúde mental e física das adolescentes, na vida profissional e na autonomia na fase adulta. Por isso, é tão importante que o tema seja encarado com sensibilidade e empatia pela sociedade como um problema sério, até porque a gravidez na adolescência é considerada de alto risco para as jovens mães, podendo acarretar diversos problemas de saúde, como aumento do risco de morte materna, hipertensão, anemia, aborto espontâneo, depressão pós-parto, entre outros.

É importante considerar que, nessa fase da vida, as jovens mães ainda não têm total maturidade para assumir uma responsabilidade tão importante quanto o papel de ser mãe. A gravidez na adolescência pode acarretar uma série de desafios físicos, emocionais e financeiros para toda a família. Os custos associados à gravidez precoce e ao parto, assim como os gastos com o sustento da criança, podem ser significativos e variar de acordo com o contexto em que a jovem está inserida. Dados do IBGE mostram que seis em cada dez adolescentes grávidas não estão envolvidas em atividades de estudo ou trabalho. Essa situação impacta direta e indiretamente a qualidade de vida das jovens mães e de suas famílias. Entre as adolescentes mães que estudam, muitas tendem a abandonar os estudos para criar os filhos, por não terem condições de pagar alguém para cuidar de seus filhos, e por isso acabam desistindo da escola.

Referências

[1] www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/fevereiro/gravidez-na-adolescencia-saiba-os-riscos-para-maes-e-bebes-e-os-metodos-contraceptivos-disponiveis-no-sus

[2] Cabral, C. S.; Brandão, E. R.. Gravidez na adolescência, iniciação sexual e gênero: perspectivas em disputa. Cad. Saúde Pública, 36(8), 2020.




* As autoras são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Refletindo sobre minha jornada de aprendizados

Refletindo sobre minha jornada de aprendizados

 

 

Desde pequena, o acesso a textos escritos era algo comum na minha casa e na comunidade em que vivia. Lembro-me claramente de ver meu tio lendo gibis, principalmente nos finais de semana. Era como um ritual para ele: pegava sua coleção de gibis, se acomodava no sofá e mergulhava nas histórias em quadrinhos. Eu achava aquilo fascinante, como ele parecia tão concentrado e entretido.

Além disso, meu tio-avô é escritor. Ele passava horas escrevendo ou editando algum texto. Às vezes, eu o via em sua escrivaninha, cercado de papéis e livros, com uma expressão séria enquanto digitava no computador ou fazia anotações. Ele sempre foi uma figura inspiradora para mim, mostrando o quanto a escrita e a leitura podem ser prazerosas. Crescer nesse ambiente me fez valorizar muito o mundo dos textos escritos, fosse lendo, escrevendo ou apenas observando os outros fazerem isso.

Antes de começar a frequentar a escola, eu já brincava de escrever letras de músicas. Eu devia ter uns cinco anos quando comecei a fazer isso. Não sabia escrever direito ainda, mas adorava imitar as letras das músicas que ouvia. Eu rabiscava no papel, fingindo que estava criando minhas próprias canções. Foi uma experiência divertida e, de certa forma, meu primeiro contato com a escrita.

Nos primeiros anos da escola, minha relação com a escrita foi muito positiva. Eu era motivada a escrever e adorava as atividades de redação. Lembro-me de escrever pequenas histórias, poemas e, claro, continuar com minha brincadeira de criar letras de músicas, mas agora de uma forma mais estruturada. A escola sempre incentivava a criatividade, e isso me fez gostar ainda mais de escrever.

Avalio o papel da escola nos meus letramentos iniciais como essencial. Foi na escola que aprendi as bases da leitura e da escrita, o que me permitiu explorar essas habilidades de formas mais complexas com o tempo. O ambiente escolar oferecia muitos estímulos e oportunidades para praticar e melhorar a escrita, e os professores sempre foram muito encorajadores.

A escrita teve um papel fundamental na minha decisão de fazer licenciatura em matemática. Embora pareça algo mais voltado para os números, a habilidade de se comunicar claramente através da escrita é muito importante. Além disso, a disciplina e a lógica que adquiri ao praticar a escrita ajudaram bastante nos meus estudos e na compreensão dos conceitos matemáticos.

Eu me recordo bem dos textos que lia e produzia na escola. Passei boa parte do meu tempo na biblioteca da escola, sempre em busca de novos livros e histórias. No Fundamental I, eu gostava de ler contos de fadas, fábulas e livros ilustrados. Produzia textos simples, como pequenas histórias sobre animais e amigos imaginários. No Fundamental II, meus interesses começaram a se diversificar. Eu lia muitas aventuras, mistérios e, claro, continuava apaixonada por gibis. Escrevia redações mais elaboradas, pequenos poemas e crônicas sobre o cotidiano escolar.

No Ensino Médio, comecei a me interessar por literatura clássica e textos mais complexos. Lia romances, poesias e livros de filosofia. Nessa época, me apaixonei por “A Moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo. Minhas produções textuais incluíam análises literárias, ensaios e reflexões sobre temas diversos. Minhas escolas sempre tinham biblioteca, e eu era muito motivada a frequentá-las. Os professores incentivavam o uso da biblioteca, e muitas atividades escolares envolviam pesquisas e leituras que eu adorava fazer.

Avaliando toda a minha vida escolar, noto várias mudanças nas minhas relações com a leitura e a escrita. No início, a leitura era mais recreativa e a escrita, uma forma de expressão simples. Com o tempo, ambas se tornaram mais profundas e críticas, passando a incluir análises e reflexões mais complexas. Notei que algumas mudanças na minha relação com a leitura e a escrita não foram motivadas diretamente pela escola. Por exemplo, o hábito de ler para relaxar e a prática de escrever diários e poesias surgiram por influência de familiares e amigos, e não necessariamente de atividades escolares.

Quanto às práticas com os números, elas sempre fizeram muito sentido para mim. Desde cedo, eu amava matemática. Encontrava prazer em resolver problemas e adorava quando percebia como os conceitos matemáticos se aplicavam a questões da vida real, como orçamento familiar, medições em projetos de arte ou até mesmo em jogos e estratégias.



SOBRE A AUTORA:

Rhanna Carolliny Santos Costa é graduanda da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2024. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Dos quadrinhos à universidade

Dos quadrinhos à universidade

Antes de frequentar a escola, os textos aos quais eu tinha acesso eram a Bíblia, jornais e revistas. Em minha casa, eu sempre via meus pais lendo a Bíblia ou revistas, e meu irmão lendo livros didáticos. Eu amava tiras de quadrinhos, especialmente as da Mafalda. Como ainda não sabia ler, sempre pedia ao meu irmão para ler para mim, mas já entendia algumas coisas pelas figuras. Os primeiros livros que ganhei eram de uma coletânea de livros bíblicos, que vinha com um CD contendo histórias em áudio e algumas músicas para complementar.

Eu aprendi a contar com meu irmão e meus primos, brincando de esconde-esconde. Antes de ir para a escola, eu já reconhecia o dinheiro porque meus avós e minha bisavó sempre me davam moedas por executar determinadas tarefas, e eu sempre comprava guloseimas com essas moedas. Entrei na escola sem saber somar ou subtrair, mas tive muita facilidade para aprender e sempre me destaquei na matemática. A escola e a família desempenharam papéis importantes e diferentes quanto ao meu letramento matemático, mas avalio que a escola foi mais importante.

Eu aprendi minhas primeiras letras com uma amiga mais velha. Brincávamos de escolinha, e ela me ensinou a escrever meu segundo nome, Camila, e palavras simples quando eu tinha 5 anos. Entrei na escola aos 6 anos, e minha professora me pediu para escrever meu nome, mas eu não sabia escrever o primeiro nome, Elida. Assim, meus primeiros dias foram traumáticos. Nos meus primeiros anos de escola, sempre fui motivada a escrever pelas professoras. Cheguei a ganhar um prêmio de melhor redação da turma, recebendo um chaveiro, o que foi o máximo para mim. Sempre gostei mais de ler do que escrever. Acho que sou uma ótima leitora, mas não tão boa escritora.

A escola foi crucial para meu letramento inicial. No ensino fundamental I, eu sempre lia histórias infantis, mas foi no fundamental II que comecei a ler diversas obras literárias e me apaixonei pela leitura. No 6° ano, conheci a Turma da Mônica, e foi amor à primeira vista. No ensino médio, tive acesso na biblioteca da escola a grandes obras literárias, como Orgulho e Preconceito e O Morro dos Ventos Uivantes. Nessa época, a leitura para mim já era quase como um vício.

Agora, na universidade, leio os textos orientados pelos professores, mas não gosto tanto de ler esses textos quanto gosto de ler livros literários. Acho que o ensino médio não nos prepara para os desafios econômicos e burocráticos da vida adulta. O que mais sinto que não aprendi na escola foi a língua portuguesa. Acho que, se consigo escrever bem, é porque li muito e ainda leio, mas a escola em si nunca me cobrou ser melhor. Acho que os alunos que se formaram comigo, que não tinham o hábito de ler autonomamente, enfrentaram muitas dificuldades após o término do ensino médio.



SOBRE A AUTORA:

Elida Camila de Souza Marques é graduanda da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2024. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Os livros e a leitura: portas abertas para o conhecimento

Os livros e a leitura: portas abertas para o conhecimento

 

 

 

 

Como a maioria das crianças da minha geração, fui alfabetizado em uma escola da zona urbana de uma pequena cidade do interior. Em 2004, no auge dos meus 6 anos, não era comum ter em casa computadores, smarTVs e muito menos celulares. Logo, toda a minha alfabetização ocorreu por meio de livros e cartilhas.

Antes mesmo de começar a primeira série, já sabia ler, fato esse que me enchia de orgulho. Saber ler me permitia participar das leituras nos cultos e missas aos domingos. Minha família me considerava extremamente inteligente por ter aprendido a ler tão cedo. Eu era o orgulho da vovó, que na época também estava aprendendo a ler e assim podia ajudá-la escrevendo cartas para o Divino Pai Eterno, pois ela tinha um sonho de receber uma carta do padre Robson.

Ler bem me fazia receber muita atenção dos meus familiares. Apesar dos poucos recursos, adorava ler o nome das capitais com meu pai e descobrir o nome dos países nos mapas. Meu pai sempre me dava livrinhos com historinhas, e minha mãe comprava aquelas revistas que vendedores levavam na escola. Tudo isso me incentivava a ler mais. Assim, a leitura se tornou uma paixão que me acompanha até hoje.

Na minha primeira série, minha primeira professora, a de Aparecida, além de suas aulas regulares, organizava grupos de estudos em sua casa pela manhã, onde ela avaliava a nossa leitura com o intuito de aprimorá-la. Eu adorava participar, pois sempre que lia corretamente, ganhava um doce. Nunca perdia um. A professora de Aparecida sempre dizia: “Quem lê mais, sabe mais.” Hoje, compreendo essa verdade e, trabalhando em uma escola, percebo a importância de os alunos aprenderem a ler e gostarem de ler o quanto antes. Isso abrirá um novo mundo para eles de todas as formas, fazendo com que de fato saibam mais.

Atualmente, curso duas faculdades e uma pós-graduação. Grande parte das minhas leituras são artigos, textos acadêmicos ou livros com enfoque educacional, que enriquecem meu conhecimento e aprimoram meu senso crítico. Portanto, ter o hábito de ler não só enriquece nosso conhecimento, mas também abre portas para novos mundos e possibilidades. Leia mais e descubra o quanto você pode aprender e crescer.



SOBRE A AUTORA:

Ritha de Kassia Coelho Fernandes é graduanda da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2024. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Minhas memórias de letramento

Minhas memórias de letramento


Desde cedo, o acesso a textos escritos em casa e na comunidade era algo comum para mim. Lembro-me de ver outras pessoas lendo, escrevendo ou manuseando livros, folhetos, jornais e revistas, principalmente durante momentos de lazer ou em situações cotidianas, como na escola ou em reuniões familiares. Minha introdução aos livros e textos mais elaborados também ocorreu cedo, por meio de quebra-cabeças, CDs interativos e outros materiais semelhantes, que despertaram minha curiosidade e interesse pela leitura.

Minha experiência com a matemática começou em casa, onde aprendi a contar e a reconhecer o valor do dinheiro. Quando entrei na escola, já tinha alguma noção de contas básicas, mas foi lá que aprofundei esses e outros conhecimentos. Acredito que tanto a escola quanto a família desempenharam papéis fundamentais nesse processo, complementando-se na construção do letramento matemático inicial.

Antes de frequentar a escola, eu já escrevia algumas coisas simples, como meu nome e palavras básicas, mas foi na escola que aprendi as primeiras letras de forma mais estruturada, aos sete anos de idade. Nos primeiros anos escolares, minha relação com a escrita era bastante exploratória, escrevendo principalmente textos narrativos simples e descrevendo experiências pessoais.

Ao longo da vida, ocorreram mudanças significativas na minha relação com a leitura e escrita. Inicialmente, eram atividades mais lúdicas e exploratórias, mas com o tempo, tornaram-se mais acadêmicas e direcionadas a objetivos específicos, como estudos e trabalhos universitários. No que diz respeito à matemática, as práticas com números sempre fizeram sentido para mim, pois eram facilmente aplicáveis à vida real. Essa relação prática contribuiu para uma compreensão mais sólida desses conceitos.

No primeiro ano de universidade, meus hábitos de leitura e escrita passaram por transformações significativas. A exigência de textos mais complexos e a necessidade de produção acadêmica trouxeram desafios, mas também possibilitaram um maior aprofundamento nos estudos. Essas mudanças trouxeram aspectos positivos, como o desenvolvimento de habilidades mais avançadas de leitura, escrita e matemática, além de uma maior autonomia intelectual. No entanto, também trouxeram desafios, como a necessidade de lidar com textos mais densos e complexos e a pressão pelo desempenho acadêmico.

No que se refere à veracidade dos textos diversos que nos cercam, acredito que seja importante estar atento e utilizar fontes confiáveis. Quanto aos conteúdos de língua e matemática que tive acesso ao longo da minha vida escolar, sinto que poderiam ter sido mais abrangentes em alguns aspectos. No entanto, considero que administro bem minhas questões financeiras, e acredito que o ensino médio tenha contribuído para isso, preparando-me para lidar com desafios nessa área.



SOBRE A AUTORA:

Maria Aparecida Luiz dos Santos é graduanda da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2024. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

A importância do incentivo

A importância do incentivo


Desde minhas memórias mais tenras, lembro-me de ficar sentadinha na biblioteca do meu avô, em seu escritório, enquanto ele estava à mesa lendo seu jornal Estado de Minas. Eu ficava ali ao lado com uns lápis e um pedaço de papel que embrulhava as flores. Às vezes, ia para a prateleira onde havia várias enciclopédias, mas sempre era alertada: “Muito cuidado, esses livros não são para você!”. O máximo que podia fazer era viajar pelo atlas gigante que ali existia. Quando me cansava de estar ali ou quando ele ia receber algum cliente, saía para brincar no meio das plantas e brincar de vendedora.

Em minha casa, com minha mãe, sempre fazíamos o devocional, mas era chato por ser sempre muito cedo, e as leituras eram longas e monótonas. Mas todos os dias tínhamos, e o que eu gostava mesmo era ver minha mãe todos os dias de madrugada fazendo sua leitura da Bíblia. Na igreja, era divertido, pois a tia gostava de contar histórias em um livro ilustrado bem grande, e ela sempre contava as histórias com entusiasmo e alegria.

Mas, infelizmente, quando fui para a escola, foi minha maior tristeza, pois na minha sala só havia meninos e apenas eu de menina. A professora tinha seis dedos em cada pé, uma história de palmatória e uma régua de madeira de metro. Eu, sentadinha lá atrás, no canto da sala, me esforçava para reconhecer e aprender. Era surpreendida com uma reguada na mesa que me fazia pular, e também me lembrava das gargalhadas dos meus colegas com meu susto. Era sempre chamada de burra no recreio, e para piorar, ainda tinha meu nome, que por ser de uma história bíblica que minha mãe lia, eu sempre falava assim: “Hadassa rainha Ester”, e isso sempre era motivo de chacota, além de me colocarem todo tipo de apelido. No final, ainda repeti de ano mesmo tendo conseguido nota. Me lembro que no meu boletim era 63, mas a professora, com todo seu conhecimento, convenceu minha mãe a me fazer repetir a 1ª série, pois na 4ª série eu teria dificuldade para acompanhar os demais. Escrevo isso e ainda me vem uma tristeza, pois me lembro do quanto me esforçava. Fato é que lá na bendita 4ª série estava eu repetindo, pois realmente era péssima em português e na leitura. E por aí fui rompendo, e sinceramente, as experiências com a leitura foram apenas piorando a cada dia.

Na adolescência, minha mãe, ao descobrir que eu estava namorando, ao invés de conversar comigo, me deu três livros como castigo. Nem me pergunte o nome, pois não faço ideia, apesar de ter feito um resumo de cada um deles. E toda vez que fazia algo de errado, era me dado um livro para ler, e o ódio pela leitura apenas aumentava.

Mas, depois de já crescida, ao me ver grávida, decidi pegar um livro sobre educação infantil para aprender algo sobre ser mãe. Esse livro foi o primeiro que devorei. Tinha 587 páginas com letras minúsculas, e lá, além de descobrir o quanto era benéfico a leitura, percebi o quanto a literatura me fez crescer como pessoa. Depois desse, passei a andar pelas lojas sempre buscando um novo título interessante. E cada vez mais fui evoluindo na leitura e na grafia. Ainda não tenho uma gramática perfeita, mas já evoluí bastante do que era. Depois veio o desejo de estudar, de crescer mentalmente, pois ali descobri que o conhecimento poderia me abrir horizontes. Também entendi que minha mãe, da maneira dela, queria apenas que eu abrisse a minha mente, mas eu não tinha tido boas experiências com a literatura, pois ela sempre me era colocada de maneira chata, como castigo.

Em minha casa não tinha televisão nem rádio, pois era coisa do capeta, assim dizia minha mãe. “Deus não está nisso, se você assistir, Deus vai te castigar”, dizia ela. Meu pai trazia umas televisões pequenas de tubo que tinham aqueles botões redondos preto e branco, mas minha mãe pegava e jogava pela janela, e meu pai ficava triste, calado, e ia ler os livros de faroeste dele, que minha mãe também odiava que ele ficasse ali deitado lendo. Quando ele saía, ela pegava aqueles livros e fazia fogueira, sempre xingando e falando que era do capeta.

Após meu conhecimento e evolução, procuro ponderar os meus incentivos literários e tecnológicos, pois acredito que minhas ações vão influenciar positivamente ou negativamente na evolução das pessoas ao meu redor. Busco fazer minhas leituras em horários que minhas filhas estão acordadas, para que elas vejam e desejem, e isso tem dado certo. Por elas mesmas, têm buscado suas leituras. Além disso, quando elas eram menores, sempre tiveram livros disponíveis entre os brinquedos para que pudessem ter acesso a eles. Quando íamos à casa do meu avô, buscava orientá-las para que tivessem cuidado ao folhear os livros da prateleira, as auxiliando para que não viessem as broncas do bisavô. Inclusive, elas adoram ler o livro das baleias que está ali.

As séries, filmes de princesa e desenhos são liberados, e alguns são orientados para que evitem, pois não as edificam. Mas sempre com cuidado para não ter ruptura de laços e encanto. Acredito que tenho grande impacto na evolução das gerações que estão chegando. Busco sempre orientar e viver como desejo que o mundo seja.

Sei o poder que a literatura tem sobre a evolução do ser humano. Ela pode levar a outros mundos, reais, ilusórios, criativos, e apresenta a diversidade social e cultural. É uma contribuição real para a disseminação de culturas. Por isso, acredito que ao fomentar um ambiente rico em leituras e aprendizagens, estamos não só moldando o presente, mas também plantando as sementes de um futuro mais consciente e informado.



SOBRE A AUTORA:

Hadassa Altivo Ferraz  é graduanda da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2024. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Construindo memórias

Construindo memórias


 

Durante a minha infância, eu não tinha contato com livros ou textos. Morava com a minha avó e, creio que pelo fato de ela não saber ler, não havia opções de livros em casa. Lembro que, quando ia brincar na casa das minhas amigas, percebia que a mãe delas sempre deixava uma bíblia aberta em uma mesa ao lado da imagem de Nossa Senhora Aparecida. Como toda criança curiosa, eu a olhava e folheava, mas não compreendia o que havia escrito.

Outro local em que tive contato com textos foi na igreja. Todo domingo frequentava a missa com minha avó, onde sempre eram distribuídos folhetos com a liturgia. Eu gostava muito de olhar aquela folha cheia de letras, mas ainda não conseguia compreender sobre o que se tratava.

Outro momento em que tive acesso a outras mídias foi com CDs e DVDs. Em nossa casa, havia um som e uma televisão daquelas de tubo. Meu tio sempre escutava música no som, e enquanto ele fazia a troca dos CDs, eu observava curiosa as capas, que me chamavam a atenção. Sempre perguntava a ele o que estava escrito na capa. Ele me respondia lendo o nome de várias músicas e as colocava para tocar para que eu pudesse escutar. Já a televisão era mais utilizada pela minha avó, que adorava assistir a novelas à noite. Eu sempre gostei de assistir aos desenhos que passavam logo após o almoço.

Com seis anos, comecei a frequentar a escola e foi aí que tive meu primeiro contato com outros livros, além da bíblia. No início, não tinha conhecimento de quase nada em relação à escrita, não conhecia os números nem as letras. No meu primeiro dia de aula, fiquei com um pouco de medo, pois nunca havia ficado em um ambiente sem alguém da minha família, mas logo fui me acostumando.

De início, a professora começou a trabalhar letras e números. Logo depois, ela nos ensinou a escrever nosso nome. Ela sempre nos levava para um espaço onde havia vários livros, escolhia um e fazia uma roda para que começasse a ler a história. Todos nós ficávamos muito encantados com o fato de um livro cheio de letras conter uma história tão boa. Após a leitura, a professora nos perguntava sobre o que foi lido, e nós respondíamos o que havíamos entendido. Depois da leitura em conjunto, ela nos deixava olhar os outros livros daquele espaço, e eu amava folheá-los, principalmente os que tinham imagens.

Ao final do primeiro ano do ensino fundamental, eu já sabia juntar sílabas e formar palavras, além de ler pequenos textos. Como toda criança em período de alfabetização, eu tinha minhas dificuldades na escrita, que foram corrigidas através de atividades que a professora passava. Uma lembrança muito boa que tenho dessas atividades é a forma como eram impressas no mimeógrafo, um tipo de impressora antiga que utilizava álcool para possibilitar que a tinta de uma matriz transferisse as imagens e a escrita para uma folha de sulfite.

Outra atividade que a professora passava muito era o ditado, usado para avaliar nossa ortografia e, assim, trabalhar mais nas dificuldades diagnosticadas. Até o quinto ano do ensino fundamental foi uma época de muito aprendizado e evolução na escola. Foi nesse período que aprendi a ler, somar, criar textos e interpretá-los.

Do sexto ao nono ano, no ensino fundamental II, começaram novos desafios na minha aprendizagem, como as várias disciplinas, que me ensinaram, antes de tudo, a me organizar para que pudesse compreender cada uma delas. Um dos momentos que mais gostava nesse período era quando íamos para a biblioteca escolher um livro para ler e depois fazer resumos sobre o que foi lido. Um dos livros que escolhi se chamava “Capitães da Areia”, de Jorge Amado, que narrava a vida de crianças abandonadas que viviam nas ruas de Salvador. Esse é um dos melhores livros que já conheci.

Já no ensino médio, novos desafios foram surgindo. Lembro-me de que realizei muitos trabalhos, e um que me marcou foi um teatro que retratou momentos do modernismo, baseado em obras literárias. Nesse período, também tive a oportunidade de fazer a prova do Enem, cujo resultado me trouxe ao curso de pedagogia na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, a UFVJM. Essa trajetória de descobertas e desafios me mostrou o poder transformador da educação e da leitura, e é essa paixão que pretendo levar adiante na minha carreira de pedagoga.



SOBRE A AUTORA:

Eliane Simões de Oliveira  é graduanda da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2024. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Revivendo minhas lembranças da escola

Revivendo minhas lembranças da escola


Nas minhas lembranças, sempre me vêm minha mãe e minha irmã mais velha, Jussara, me ensinando muitas coisas sobre as letras e os números. As duas sempre brincavam de escolinha comigo e minhas outras duas irmãs, Jessica e Tatiana. Tive contato com outros tipos de textos não escritos, como o rádio, por intermédio do meu pai, que gostava de ouvir. Minha mãe me apresentou as novelas e os jornais, dizendo que nos mantinham informados sobre o que acontecia pelo mundo.

Quando minha mãe começou a trabalhar em uma creche, ela conseguiu vaga para mim e para minha irmã mais nova, Jessica, estudarmos lá. Foi um mundo novo para nós, pois interagir com novas crianças era muito legal. Dentre as tarefas dadas, o que mais gostava de fazer era pintar e ouvir histórias. Aqueles eram os melhores momentos na creche.  Contudo, não via a hora de chegar em casa e ouvir minha irmã Jussara ler os gibis da Turma da Mônica para mim. Sempre amei como ela lia, pois me fazia viajar em cada cena.

Quando fui para a escola, graças à minha mãe e à Jussara, já sabia muita coisa, como escrever meu nome e outras palavras, contar e até ler um pouco. Minha mãe sempre dizia que a escola é nossa segunda casa, pois era onde passávamos mais tempo depois da nossa casa, e onde as famílias deviam estar inseridas, como uma só família. Ela defendia que esse contato influenciava nosso desenvolvimento, tanto em aprendizados formais quanto nas interações sociais.

A lembrança mais marcante que tenho da escola foi na 3ª série, com a professora Jadete. Após aquele ano de estudo com ela, eu quis seguir a profissão de professora, pois, no meu ponto de vista, a metodologia dela era perfeita para o aprendizado. Ela procurava maneiras de interagir com os alunos de forma que todos participavam. Usava jogos matemáticos, disputas de escrita, leituras, dentre outras artimanhas. Com a professora Jadete, cada conquista no aprendizado era motivo de festa.

Nesse período do ensino fundamental, todo ano eu mudava de escola, o que parou de acontecer após a 5ª série. Contudo, foi uma época em que todas essas escolas contavam com bibliotecas, e cada uma delas tinha uma maneira de incentivar a leitura e a escrita. Podia ser no recreio, com a barraca de leitura, onde havia livros, gibis e revistas para todos os estudantes terem um acesso mais rápido à leitura durante o intervalo. Já na barraca móvel, eram oferecidos outros lugares para ler e havia disputas de qual turma declamava melhor sobre o texto. Em outra escola, havia a caixa do correio, onde qualquer um podia mandar cartas para os outros colegas e professores; todos aqueles envolvidos no ambiente escolar podiam participar. Era muito legal, com declarações de amor anônimas e cartas de amizade, entre outras. Em outra escola, havia o recital poético, onde os próprios estudantes realizavam seus poemas e poesias e depois os declamavam para os outros, com premiações no final. Esses projetos tinham ênfase em incentivar a leitura e a escrita.

Em 2008, entrei para a faculdade de licenciatura em física no IFNMG de Januária, curso que, infelizmente, não concluí por motivos particulares. Mas, no período que frequentei, pude perceber o sentido de estudar certos conteúdos, principalmente na área de matemática, que na época do ensino fundamental e médio não via sentido. Com todas essas experiências, tanto na infância quanto na minha breve passagem pela faculdade, compreendi a importância de um ambiente educativo enriquecedor e o impacto duradouro que ele pode ter no desenvolvimento e nas escolhas de uma pessoa.



SOBRE A AUTORA:

Christiany Dias Mota é graduanda da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2024. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Minha breve história com a educação

Minha breve história com a educação


 

Tenho 24 anos, moro na cidade de Grão Mogol, Minas Gerais, na zona rural do município. Trabalho na Escola Francisco Pereira do Nascimento, onde também sou estagiária, uma etapa necessária para me tornar professora. Estou cursando o 6° período de Pedagogia na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), o que me proporcionou a oportunidade de ingressar na área da educação.

Sinto imensa gratidão pelo curso, que me permite realizar meus sonhos e alcançar meus objetivos. É muito gratificante adquirir e construir novos conhecimentos junto aos colegas e professores da universidade. No entanto, enfrento alguns desafios ao longo do meu percurso, como o estudo a distância, que exige total dedicação e disciplina do aluno. Com perseverança, vou alcançando minhas metas.

Minha história na educação começou na pré-escola, onde estudei na escola em que trabalho atualmente. Tenho boas lembranças das apresentações de trabalhos teatrais e culturais, que despertavam bastante interesse e proporcionavam diversão, como nas “Tardes Literárias”, onde os alunos realizavam teatros, declamação de poemas e leituras de diversos textos. Lembro-me também do período em que terminei o 9° ano e estava prestes a começar o 1° ano do ensino médio, quando descobri minhas habilidades nas artes. Foi nesse momento que comecei a desenhar e pintar quadros. Recordo-me dos elogios da diretora e dos professores às minhas pinturas e desenhos. Na escola, também lembro de como sempre fui uma criança muito tímida, o que me trazia desvantagens no ambiente escolar e na socialização. Com o tempo, fui me adaptando melhor.

Por isso, acredito na importância de um bom desempenho escolar, que proporciona aos alunos um acolhimento fundamental para o aprendizado, contribuindo na formação e no desenvolvimento de habilidades essenciais, por meio do exemplo e da edificação de valores. Cada estudante que chega traz um turbilhão de sentimentos, como medo do novo, a necessidade de fazer novos amigos e a expectativa de um novo ano escolar. Assim, espero continuar a crescer e a contribuir positivamente para a educação, ajudando a construir um ambiente acolhedor e estimulante para todos os alunos.



SOBRE A AUTORA:

Milena Oliveira Murça de Aguiar é graduanda da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2024. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Das histórias bíblicas à minha pequena biblioteca

Das histórias bíblicas à minha pequena biblioteca

Era muito comum o acesso a vários textos na minha casa quando eu era mais jovem. Quando aprendi a ler, o acesso a livros, revistas e jornais, tanto no ambiente escolar quanto no cotidiano, era fácil. Era comum ver diversas pessoas lendo revistas, folhetos e, principalmente, a Bíblia. Por crescer em um ambiente muito religioso, meu primeiro contato com a leitura foi um livro de histórias intitulado “Meu Livro de Histórias Bíblicas”. A leitura constante desse livro me ajudou a melhorar meu aprendizado e, hoje em dia, ainda leio artigos religiosos. Também gosto muito de livros e mangás

Não tenho lembranças de como aprendi a contar, mas lembro muito bem de que comecei contando até o número 13, que hoje em dia é meu número da sorte. Acho que cada um tem um número especial, e o meu é esse. Em relação a valores monetários, sempre tive dificuldade, pois minha infância foi muito difícil no aspecto financeiro, já que minha família não tinha muito dinheiro. Porém, lembro-me muito bem do meu primeiro contato com dinheiro, quando comecei a vender sobremesas para minha avó no centro da cidade, em “dias cheios”.

Na escola, eu sempre fui bem em matemática. Muito curioso, comecei a somar um pouco antes de aprender na escola, mas, como é de se esperar, eu conseguia realizar apenas operações bem simples, como 10 – 2. Mas, pelo fato de já saber, deixei minha professora impressionada. Em matemática sempre fui avançado, principalmente quando comecei a ter acesso à internet, pois gostava bastante de resolver problemas e ver vídeos curtos sobre eles, o que me ajudou muito quando entrei no Ensino Fundamental II. Na época, tive bastante incentivo familiar, mas o que mais me ajudou foi o incentivo dos meus colegas de escola. Acho que o fato de sempre ficarem surpresos com o meu conhecimento me fazia querer continuar sendo essa pessoa sábia.

Quando entrei na escola, eu tinha pouco domínio da escrita, mas sabia escrever meu nome e algumas palavras. Com relação à leitura, sempre tive dificuldades. A escola, logicamente, foi o que mais teve impacto em minha educação, pois foi fundamental para meu aprendizado na escrita e leitura.

Meus gostos de leitura sempre se mantiveram em quadrinhos. No Ensino Fundamental I, eu amava histórias em quadrinhos como Turma da Mônica e O Menino Maluquinho. No Ensino Fundamental II, mantive os mesmos gostos, porém com outras obras, como, por exemplo, o livro do “Demolidor”, que eu gostava tanto que ganhei o primeiro lugar em uma apresentação sobre o livro. Já no Ensino Médio, minhas obras favoritas eram os mangás, que nada mais são do que histórias em quadrinhos japonesas. Atualmente, esse é meu estilo dominante de leitura.

Em ambas as escolas em que estudei havia biblioteca, que eram espaços muito legais. A frequência sempre foi motivada pelos professores para lermos. Acho que isso me ajudou muito, pois até hoje tenho gosto pela leitura.

A minha prática com os números sempre era colocada em prática no meu dia a dia. Como dito anteriormente, meu número favorito é o 13 e até hoje, quando eu saio na rua, eu sempre tenho a mania de olhar as placas de carros e, com os números, fazer cálculos até chegar ao resultado 13. É divertido. Há outras maneiras que coloco os números nas minhas práticas, como, por exemplo, quando dou passos um pouco mais largos, a fim de que tenham mais ou menos 1 metro.

Mas nem tudo são flores e notei bastante diferença entre a universidade e a escola. Por exemplo, na escola, por termos que aprender regras sobre a língua portuguesa formal, não íamos com grande frequência à biblioteca, mas no Ensino Médio éramos incentivados a ler livros que eram cobrados no plano de ensino. Já na universidade, temos grande frequência de práticas de leitura de uma grande diversidade de livros que nos auxiliam no aprendizado. Isso acarreta, de forma positiva, em nosso aprendizado, pois temos várias fontes de estudo. O lado negativo é a dificuldade de conciliar tudo com a vida pessoal, especialmente para quem trabalha e tem família.

Atualmente, eu tenho lido bastante, não só as recomendações de professores, como também obras à parte. Estou com um projeto em andamento de uma pequena biblioteca, que conta com vários livros e coleções, de “Sherlock Holmes” a “One Piece”. No entanto, tenho leve dificuldade em ler recomendações universitárias.

Felizmente, sei lidar bem com minha questão financeira, porém esse aprendizado não veio por meio da escola, onde não eram abordadas questões econômicas. Ou seja, eu aprendi várias coisas por vontade própria, ou passaria dificuldades. Atualmente, sigo, nas redes sociais, diversas pessoas que mostram o bom resultado de saber lidar com seu dinheiro, e leio muitas obras a respeito, como, por exemplo, a obra “O Homem Mais Rico da Babilônia”.

A jornada de aprendizado e crescimento que experimentei ao longo dos anos, desde a infância até a universidade, moldou profundamente minhas habilidades e interesses. O amor pela leitura, iniciado com histórias bíblicas e expandido para quadrinhos e mangás, foi essencial para meu desenvolvimento intelectual e pessoal. Da mesma forma, minha curiosidade e aptidão em matemática, incentivada tanto pela família quanto pelos colegas, estabeleceram uma base sólida para meu sucesso acadêmico. Hoje, vejo como cada etapa, cada livro lido e cada problema resolvido contribuíram para quem sou. Continuo a valorizar o conhecimento e a busca por novas aprendizagens, sempre equilibrando os desafios acadêmicos com a vida pessoal. Esse equilíbrio e a contínua dedicação à leitura e ao aprendizado são, sem dúvida, a chave para um futuro promissor. Espero conseguir me empenhar para continuar minha jornada.



SOBRE O AUTOR:

Natanael Gomes é graduando da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2024. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Memória de letramento escrito e matemático

Memória de letramento escrito e matemático

 

Nos meus primeiros anos de vida, em casa, o ambiente era permeado por jornais e revistas que minha mãe trazia das casas onde trabalhava como empregada doméstica. Lembro-me vividamente de observar meus pais, especialmente minha mãe, folheando os jornais para se atualizarem com as notícias do dia. Era um ritual diário, onde eles se sentavam à mesa da cozinha, mergulhavam nas páginas impressas e discutiam os acontecimentos do mundo.

Naquela época, minha casa também abrigava uma vitrola imponente, com uma coleção diversificada de discos de vinil que adornavam a estante. Aquelas tardes em que os vinis eram colocados para tocar eram momentos de pura magia para mim, perdido na melodia e nas histórias contadas pelas músicas.

Foi somente na escola que tive meu primeiro contato sistemático com a matemática. Lá, em salas de aula repletas de crianças curiosas, aprendi os fundamentos dos números, das operações básicas e da resolução de problemas. Esses conceitos matemáticos, que antes pareciam tão abstratos, tornaram-se cada vez mais tangíveis e aplicáveis à medida que avançava nos anos escolares. Foi naquele ambiente de aprendizado que também desbravei o mundo da leitura e escrita. Lembro-me da emoção de decifrar as primeiras palavras e de formar as primeiras frases com o auxílio paciente dos meus professores.

A escola desempenhou um papel fundamental nos meus processos de letramento. Apesar de, na época, eu não demonstrar muito interesse pela leitura, os esforços e incentivos dos meus professores plantaram sementes que floresceriam mais tarde na minha vida. Hoje, reconheço a importância daqueles momentos de aprendizado e como foram essenciais para moldar minha relação com a linguagem escrita e os números.

No contexto profissional, percebo claramente como o letramento adquirido na escola se tornou uma ferramenta indispensável. Seja na redação de relatórios, na interpretação de dados ou na comunicação escrita com colegas e superiores, as habilidades desenvolvidas ao longo dos anos escolares se revelam cruciais para o desempenho eficaz das minhas funções.

Na minha jornada acadêmica, a paixão pela leitura que sempre carreguei desde a infância foi um grande trunfo. Quando ingressei no curso de física, já tinha o hábito de devorar livros e artigos, o que facilitou a adaptação aos textos universitários mais densos. O gosto pela literatura não apenas tornou a absorção do conhecimento mais prazerosa, mas também contribuiu para o aprimoramento da minha comunicação escrita e oral.



SOBRE O AUTOR:

Robson Rodrigues Dias é graduando da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2024. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Minha vida escolar

Minha vida escolar

Ao iniciar minha jornada escolar, eu não sabia ler nem escrever. A contagem de números, aprendi de forma lúdica, nas brincadeiras de rua, com meus irmãos e vizinhos, como pique-esconde. Logo no primeiro ano do ensino fundamental, descobri a magia de escrever meu próprio nome, um marco inicial em minha trajetória educacional. Apesar de já ter alguma noção de números, adquirida nas brincadeiras infantis, logo percebi que o universo dos números ia muito além do que imaginava, infinitamente, o que despertou em mim uma verdadeira paixão pelos cálculos e pela matemática.

Naquela época, tive acesso a alguns livros de leitura pertencentes à minha irmã mais velha, que já frequentava a escola. Além disso, observar as pessoas lendo a Bíblia e os folhetos nos cultos religiosos despertava minha admiração pela habilidade deles na leitura. A interação entre a escola e minha família desempenhou um papel essencial na minha jornada de letramento. Lembro-me vividamente de um diário customizado pela professora, tia Cláudia, no qual éramos encorajados a registrar nossa rotina durante as férias, uma prática que contribuiu significativamente para o desenvolvimento da minha escrita.

A trajetória escolar foi marcada pela influência positiva dos professores e pela atmosfera acolhedora do ambiente educacional. No ensino fundamental, as aulas eram repletas de brincadeiras, músicas e histórias, o que tornava o aprendizado leve e prazeroso. No entanto, ao adentrar o ensino médio, percebi a necessidade de assumir responsabilidades e compromissos mais sérios. Enquanto na matemática me destacava, desafiando-me com cálculos complexos e tabuadas, enfrentava dificuldades em disciplinas como geografia e biologia, que me exigiam um esforço adicional para compreender os conteúdos.

O desejo de seguir a carreira de professora e proporcionar um futuro melhor para minhas filhas foi o principal impulso para cursar o ensino superior. Lembro-me com carinho das aulas de matemática, repletas de desafios lançados no quadro e tabuadas, que sempre foram minha paixão. No entanto, no ensino médio, enfrentei dificuldades com gráficos e figuras geométricas, mas, mesmo diante dos obstáculos, mantive um desempenho acadêmico exemplar. Os professores, embora sérios, transmitiam o conteúdo de forma envolvente, despertando em mim uma verdadeira paixão pela matemática e servindo como inspiração para minha futura carreira.

Ao ingressar na faculdade, redescobri o prazer pela leitura, algo que havia perdido após a formatura no ensino médio. A experiência acadêmica me proporcionou não apenas o desenvolvimento intelectual, mas também a oportunidade de retomar hábitos de leitura que haviam sido negligenciados. Atualmente, após um ano de curso, percebo uma mudança significativa, pois agora busco avidamente o conhecimento em todas as formas de texto, não apenas nos conteúdos sugeridos pelos professores, mas também em notícias, folhetos e jornais. Estou preparada para enfrentar um novo semestre, repleto de desafios e aprendizados, com a experiência adquirida e uma sede insaciável por conhecimento.



SOBRE A AUTORA:

Viviane Soares Silva é graduanda da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2024. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Memórias da Cartilha Caminho Suave

Memórias da Cartilha Caminho Suave


 

Durante minha infância, até os 5 anos de idade, morávamos na zona rural eu, meus pais e minha irmã mais velha, que naquela época tinha 6 anos. O acesso à escola apresentava algumas restrições, como a distância. Mesmo diante de tais dificuldades, foi possível ter contato com os primeiros textos escritos através da cartilha alfabetizadora da época, chamada “Cartilha Caminho Suave”.

O livro era emprestado por uma tia que lecionava na zona urbana. Naquele momento, ainda sem frequentar a escola, foi minha mãe, com muita determinação e carinho, que nos pré-alfabetizou, a mim e a minha irmã mais velha.

Recordo-me que a cartilha era bem simples e associava imagens e letras com o objetivo de facilitar a aprendizagem. Graficamente, apresentava as letras escritas na imagem, relacionando as duas formas de maneira visual. Por exemplo, a letra “V” era escrita com a silhueta no formato dos chifres da vaca, semelhante a um V, entre outras.

Ao completar 6 anos de idade, mudamos para a cidade e então tivemos acesso à escola formal. O fato de já estarmos pré-alfabetizadas facilitou minha compreensão e permitiu acompanhar a turma sem muitas dificuldades. Minha relação com os números, por sua vez, começou quando ingressei na escola da zona urbana. Sempre me esforcei para aprender matemática e acompanhar a classe, mas tenho consciência das minhas dificuldades na assimilação de alguns conteúdos da área de exatas em geral. Tenho melhor afinidade com a escrita e a leitura, apesar de perceber minhas dificuldades na sintaxe.

Minhas recordações com a escrita e a leitura no ensino fundamental referem-se aos ditados e às leituras feitas em classe e na biblioteca. Para ler na biblioteca, éramos organizados em grupos que, em determinado horário de aula, eram direcionados para a biblioteca para lermos um texto. O nível de leitura avançava na medida em que a complexidade dos textos aumentava. Em outros momentos da educação básica, éramos sorteados para fazer a leitura em voz alta dos textos trabalhados em sala para os demais colegas de classe, até então lidos apenas em voz baixa. Os ditados dos textos visavam à correta grafia. Meu hábito de ler livros de literatura varia de acordo com minha necessidade momentânea. Geralmente, minhas leituras mais cotidianas são referentes a temas do serviço que desempenho, o qual demanda conhecimentos diversos.

O ingresso na UFVJM para o curso de pedagogia me possibilitou uma visão diferente dos métodos de ensino e de letramento das crianças. O fato de ter filhos na idade de alfabetização, aliado à minha formação como futura professora, me proporciona o contato com a aprendizagem da escrita, da leitura e da matemática. Sobretudo, os filhos me despertam um interesse amplo no assunto, visto a necessidade de ampará-los e auxiliá-los neste momento primordial da alfabetização.

Sou grata à minha querida mãe por me incentivar a buscar o conhecimento formal, uma pessoa que, mesmo com suas limitações, me proporcionou o acesso aos letramentos na idade adequada. Tenho consciência de que o conhecimento abre portas e nos permite desfrutar do melhor da vida, desde que tenhamos determinação, coragem e oportunidades de acessá-lo. Pretendo concluir o curso com o objetivo de contribuir para o ensino daqueles que buscam formação e acesso ao conhecimento, bem como para a troca de saberes.



SOBRE A AUTORA:

Aline Pereira Lopes Dias  é graduanda da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2024. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Agroecologia e o combate ao êxodo rural no Vale do Jequitinhonha

Agroecologia e o combate ao êxodo rural no Vale do Jequitinhonha

Este texto trata da relação entre agroecologia e êxodo rural nas regiões do Alto, Médio e Baixo Jequitinhonha em Minas Gerais, Brasil. Com foco na agricultura sustentável, questiona como a agroecologia pode combater o êxodo rural considerando aspectos econômicos, sociais e ambientais. Além disso, são abordados os aspectos culturais e históricos que influenciam a migração. A agroecologia é apresentada como uma abordagem completa para revitalizar comunidades rurais, promovendo práticas sustentáveis e contribuindo para o desenvolvimento rural.

O êxodo rural no Vale do Jequitinhonha não é um fenômeno exclusivo dessa região, sendo observado em diversas localidades e comunidades camponesas brasileiras. As mudanças estruturais, incluindo o avanço da modernização das indústrias agrícolas, são impulsionadas por políticas governamentais e avanços na tecnologia. Consequentemente, a oferta de empregos sazonais no campo diminui a cada safra, exigindo um nível de escolarização mais alto e, de certa forma, inacessível para os trabalhadores rurais tradicionais. Segundo Nascimento (ano) [1], em seu artigo ‘Impactos da mecanização em face do trabalhador rural sazonal’, publicado na Revista de Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito da Seguridade Social, ‘Assim, a cada safra, a oferta de empregos diminui, e os empregos que prevalecem exigem um nível de escolarização que esses trabalhadores não possuem, sendo preenchidos possivelmente por pessoas que não são do meio rural e que possuem a qualificação necessária.’

A agroecologia emerge como um agente catalisador capaz de redefinir paradigmas agrícolas, desempenhando um papel essencial na transformação socioeconômica e ambiental das regiões em questão. O fortalecimento da identidade camponesa e a busca por formas viáveis de lidar com a realidade hídrica são aspectos essenciais da integração da agroecologia nas práticas agrícolas. Conforme Vasconcellos (2020) [2] destaca em seu artigo ‘A Construção da Agroecologia como projeto socialmente transformador: A ação coletiva de mulheres guardiãs de sementes crioulas’, ‘O fortalecimento da identidade camponesa na utilização da Agroecologia nas práticas envolvendo pessoas que vivem no campo e a busca por formas viáveis de conviver com a realidade hídrica da região.’ A agroecologia não é apenas uma opção viável, mas sim uma estratégia fundamental na construção de sociedades rurais ambientalmente conscientes.

As políticas públicas desempenham um papel importante na promoção da agroecologia como estratégia eficaz para combater o êxodo rural no Vale do Jequitinhonha e em outras regiões com alta taxa de abandono das populações camponesas. O sucesso dessa abordagem está associado à trajetória de movimentos sociais, sindicais, profissionais e estudantis desde os anos 1970. Ao integrar práticas agroecológicas nas estratégias de desenvolvimento rural, as políticas públicas podem criar um ambiente sustentável para as comunidades rurais, reduzindo a migração para áreas urbanas.

Embora a agroecologia seja promissora, não é a única solução para o êxodo rural. Outras abordagens, como investimentos em infraestrutura, também são importantes para manter as comunidades rurais. Segundo Niederle (2019) [3], autora do artigo ‘A trajetória brasileira de construção de políticas públicas para a agroecologia’, ‘Parte deste sucesso está associada à trajetória de movimentos sociais, sindicais, profissionais e estudantis desde os anos 1970.’ O destaque na agroecologia reside em equilibrar o progresso econômico com a preservação das comunidades rurais, promovendo uma abordagem mais sustentável e integradora.

Uma possível proposta de intervenção seria implementar programas educacionais em escolas e comunidades rurais envolvendo os mestres de saberes locais. A inclusão da agroecologia nas disciplinas escolares pode facilitar a disseminação do conhecimento e das formas de obtenção de renda, promovendo a sustentabilidade e o desenvolvimento das comunidades rurais.

Em resumo, a agroecologia representa uma abordagem promissora para reduzir o êxodo rural, especialmente no Vale do Jequitinhonha e em outras regiões com alta taxa de migração. Por meio de políticas públicas, investimentos em educação e práticas mais sustentáveis, podemos criar um ambiente propício para o desenvolvimento rural e a preservação das comunidades camponesas, tornando-se uma alternativa promissora de intervenção nesse processo de abandono do campo.

 

Referências

[1] NASCIMENTO, Jeane Silva S., et al. Impactos da mecanização em face do trabalhador rural sazonal. Revista de Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito da Seguridade Social, v. 1, n. 1, 2020.

[2] VANCONCELLOS, Andreia. Construção da Agroecologia como projeto socialmente transformador: ação coletiva de mulheres guardiãs de sementes crioulas. 2020. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Santa Maria. Disponível em: https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/21657/TES_PPGER_2020_%20VASCONCELLOS_ANDR%C3%89IA.pdf?sequence=1. Acesso em 10/05/2024.

[3] NIEDERLE, P. A., et al. A trajetória brasileira de construção de políticas públicas para a agroecologia. Redes, v. 24, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.17058/redes.v24i1.13035. Acesso em 10/05/2024.




SOBRE OS AUTORES

Vander Daniel Rocha Batista e Vitor Rocha Batista são acadêmicos da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientados pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Leitura e escrita na minha vida

Leitura e escrita na minha vida

Por Wesley Rodrigues de Almeida [1]



Comecei a estudar com 5 anos de idade, numa escola municipal chamada Casinha Feliz, em Taiobeiras/MG. Aos 6 anos, sabia escrever o meu nome. Aos 8, tinha uma pequena noção de valor do dinheiro e de soma e subtração de números. Quando criança, os meus pais me davam livros clássicos de literatura infantil (Chapeuzinho Vermelho, Os Três Porquinhos, A Bela e a Fera e outros) e histórias em quadrinhos. Era uma forma de estimular a leitura. Eu gostava dos meus livros e guardava-os muito bem para não estragar.

Lembro-me de alguns detalhes do Ensino Fundamental I: eu treinando as letras do alfabeto, aprendendo as sílabas e a juntá-las para formar palavras. Estudava bastante a tabuada para poder acertar no dia que a professora fizesse as perguntas. Começava assim o meu gosto pelos números. Recordo também do material dourado no ensino do sistema de numeração decimal. A minha mãe era quem geralmente me ajudava nas tarefas escolares. Com muita paciência e dedicação, ela estava sempre pronta a me ajudar.

Em relação ao Ensino Fundamental II, as professoras de Português costumavam solicitar a leitura de uns livros de literatura, os quais eram emprestados pela biblioteca escolar. Elas davam provas ou trabalhos sobre eles. No 9º ano consegui uma bolsa de estudos no Centro Educacional Beliza Corrêa em Taiobeiras. Foi principalmente com os professores da área de exatas dessa escola que aprendi a interligar os conteúdos matemáticos aprendidos na busca de solução para as questões de exercícios e provas, ou seja, o desenvolvimento do raciocínio lógico.

Durante o Ensino Médio li alguns livros para prestar vestibular e escrevi textos dissertativo-argumentativos. Agora, após mais de dez anos do término dessa etapa escolar, estou nos passos iniciais de uma jornada em busca da conclusão de um curso superior, a Licenciatura em Matemática. Assim, a minha noção de escrita e leitura foi aperfeiçoando ao longo do tempo através da escola e da minha família, mas sei que ainda tenho muito a aprender.



[1] Wesley Rodrigues de Almeida é graduanda da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2023. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro, com as ricas contribuições na revisão e organização do tutor Marcos Roberto Rocha.

Minha reminiscência escrita

Minha reminiscência escrita

Por Wágner Gomes da Rocha [1]



 

“Oh! que saudades que eu tenho

Da aurora da minha vida,

Da minha infância querida.

Que os anos não trazem mais!”

 

(Casimiro de Abreu, 1859)

Tal qual o eu-lírico evoca as memórias de sua infância, assim recordo-me saudosamente das reminiscências de minha meninice para a escrita deste relato. Eu morava na zona rural, juntamente com minha família. Minha irmã mais velha estudava na escola do distrito mais próximo; meus pais, por sua vez, não tiveram a oportunidade de concluir o primário (Ensino Fundamental I) devido à necessidade de trabalhar na roça para ajudar suas famílias. Entretanto, meu pai sabia ler e escrever, ainda que pouco e com dificuldades. Na minha casa, eu não tinha acesso a livros literários. Os textos escritos presentes advinham dos livros didáticos que minha irmã utilizava na escola, da Bíblia, dos rótulos de alimentos e medicamentos, dos relógios, dos panfletos comerciais e das faturas de energia elétrica. Ademais, sempre gostamos muito de escutar o rádio. Ele era o nosso grande aliado para acesso às informações e notícias da região, e entretenimento, já que por ele escutávamos as narrações dos jogos de futebol – principalmente do Atlético Mineiro, do qual eu era torcedor.

Meu primeiro contato com as letras e números se deu antes de ingressar no jardim de infância, quando me reunia com minha irmã, meus primos e vizinhos e brincávamos de “escolinha”. Foi assim que conheci e aprendi as primeiras letras do alfabeto e números. Contudo, ainda não sabia ler nem escrever palavras. Em relação aos números, estes me foram apresentados principalmente pelo meu pai que, ao regressar para casa após as safras de cana de açúcar, sempre trazia moedas e me ensinava a contá-las, de modo que à medida que eu acertava, ele me concedia as moedas. Assim, aprendi a contar os números, somar e subtrair dinheiro, sendo este um exercício do qual eu sempre gostei e tive muita facilidade em aprender.

Ao ingressar na “pré-escola” (jardim de infância), eu já conhecia as letras e números. Todavia, foi lá onde aprendi a desvendar o mundo das palavras, onde aprendi a formar sílabas e palavras, escrevê-las e lê-las. Recordo-me que no pré-escolar eu já conseguia “tirar do quadro” as lições ensinadas pela professora que, diariamente, nos instruía a escrever um mesmo trecho com a única alternância da data do dia. Nesta altura eu já sabia ler e escrever palavras; e também sabia contar dinheiro e não apresentava dificuldades com os números.

 Posteriormente, ao ingressar no Ensino Fundamental, numa escola estadual, tive acesso a outros textos escritos por meio da biblioteca da escola, como gibis de “O Menino Maluquinho”, de Ziraldo, livros de poesias, dentre os quais recordei-me inicialmente do poema “Meus oito anos”, de Casimiro de Abreu, que a professora de Português levava para lermos, decorar e recitar, e “O Barquinho Amarelo”, de Iêda Dias da Silva, um dos primeiros livros literários que li e um dos mais conhecidos na minha escola, já que todas as crianças tinham que lê-lo por solicitação da professora. Eu não gostava muito de ler livros, mas sempre o fazia, já que todo ano ou bimestre a professora de Português nos pedia que lêssemos um livro, o apresentássemos à turma e fizéssemos uma resenha acerca do mesmo. Ao longo de todo meu ensino básico sempre gostei muito de matemática, de fazer cálculos, interpretar e desvendar problemas, usar o raciocínio lógico, e sempre tive facilidade com os mesmos, fato este que me guiou até a escolha do meu primeiro curso de graduação em Ciências Contábeis, onde imergi em outros tipos de textos, agora universitários e científicos, que construíram e moldaram meu aprendizado e me deram sede pelo aprendizado da matemática para, posteriormente, o ensino da mesma, o que me impulsionou a chegar até aqui.

Agora, ao reviver minhas memórias, noto a presença do letramento e do letramento matemático em minha vida e o modo como estes contribuíram para a construção do “Wágner” que sou hoje, desde o meu aprendizado até meus gostos, escolhas e anseios. Assim, emergem as lembranças “(…) que os anos não trazem mais”, como disse Casimiro de Abreu (1859). e projetam-se sonhos que se tornam cada dia mais reais.



[1] Wágner Gomes da Rocha é graduando da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2023. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro, com as ricas contribuições na revisão e organização do tutor Marcos Roberto Rocha.