Acesso à educação e a realidade da cultura do estupro

A violência contra a mulher é um tema debatido em diversos espaços sociais, especialmente os casos de estupro, que, segundo uma pesquisa do IPEA [1], chegam a 822 mil por ano no Brasil. O número é alarmante e preocupante, pois muitas dessas vítimas são adolescentes e, frequentemente, os agressores são pessoas próximas das vítimas. Além disso, há um sério impacto na saúde física e mental dessas mulheres. De acordo com a BBC Brasil, a maioria das vítimas são mulheres com baixa escolaridade, especialmente adolescentes, conforme dados do IPEA, Sinan, Datafolha e outros divulgados pelo gov.br.

A educação é fundamental para mudar essa realidade; a educação sexual, especificamente, pode transformar a sociedade. Se as escolas educassem meninos e meninas sobre o respeito ao corpo do outro, certamente esses números seriam diferentes. A escola deveria ensinar às crianças e adolescentes que os homens não têm o direito de exercer poder sobre o corpo das mulheres, especialmente em uma sociedade estruturalmente machista onde as famílias frequentemente falham nesse papel. Tavares (2019) [2] afirma:

A escola tem o papel de oferecer aos educandos condições para um desenvolvimento pleno, tanto escolar quanto psicológico, sexual e social. Dessa forma, ela desempenha um papel crucial no apoio às vítimas de violência infantil, estabelecendo laços de afetividade e confiança no convívio diário entre professores e alunos, o que permite ao educador identificar alterações no corpo, comportamento, humor e capacidade de aprendizado dos educandos. (Tavares, 2019, p. 15)

 

A falta de informação e de educação, bem como as questões socioeconômicas, são fatores que contribuem para essa realidade. Quando a mulher conhece seus direitos, ela se torna empoderada e deixa de ser um alvo fácil para os estupradores. Uma lei foi criada para combater casos de assédio e estupro em locais públicos: a lei ‘Não é Não’, de acordo com Sofia Cerqueira da Veja [3]. Esta lei obriga os estabelecimentos a proteger e apoiar imediatamente as vítimas, mas é falha ao não abranger espaços como igrejas/cultos, onde também ocorrem casos, principalmente de assédio. Em 2022, um pastor foi denunciado por assediar uma jovem da igreja através de mensagens. Segundo informações do site G1.com [4], o pastor assediou a vítima por dois anos. Apesar das leis e campanhas de combate a esse tipo de crime, vemos autoridades políticas incentivando o crime. Em 2016, o então deputado federal Jair Bolsonaro tornou-se réu por afirmar que Maria do Rosário, também deputada, não merecia ser estuprada por ser feia. A declaração do deputado pode ser conferida no G1.com [5]:

Ela não merece, porque é muito ruim, é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar porque ela não merece.

Além do crime hediondo que é o estupro, há outra atrocidade envolvida: grande parte da sociedade culpa a vítima pelo crime, argumentando que ela provocou o ato, seja por sua vestimenta, comportamento ou pelo local que frequenta. Segundo dados do site Desconstrucaodiaria.com [6], a partir de uma pesquisa do IPEA em 2013, 26% dos entrevistados concordam totalmente ou parcialmente com a afirmação de que ‘mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas’, e 58,5% concordam totalmente ou parcialmente com a afirmação de que ‘se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros’.

A falta de acesso à informação, a negligência das autoridades, o medo e o machismo da sociedade favorecem e perpetuam a ideia de que a vítima é responsável pelo estupro. Isso leva muitas mulheres a não denunciarem seus agressores. Essa visão machista e violenta é sustentada pelo patriarcado e por sistemas racistas e escravistas que objetificam e sexualizam a mulher. Além disso, o papel de algumas instituições, incluindo igrejas, na perpetuação dessas ideias é significativo. Explorar como esses sistemas sustentam e perpetuam a cultura do estupro pode ser fundamental para destacar a importância da educação sexual e da mudança dessas estruturas.

A educação sexual ainda é a melhor maneira de combater o estupro. Ao educar os jovens sobre respeito mútuo, consentimento e igualdade de gênero, podemos transformar a sociedade e reduzir os casos de estupro e violência contra a mulher. É fundamental desafiar os estereótipos de gênero prejudiciais e promover a igualdade em todos os níveis da sociedade. Investir na educação, promover a igualdade de gênero e apoiar as vítimas são passos essenciais para combater a cultura do estupro e criar uma sociedade mais segura e justa para todos.

Existem várias ações coletivas que os órgãos governamentais podem adotar para prevenir o estupro e promover um ambiente mais seguro e respeitoso, especialmente para as mulheres. Garantir que as vítimas de estupro tenham acesso ao apoio, assistência jurídica e serviços de saúde mental adequados, responsabilizar os agressores por seus atos e promover uma cultura de responsabilidade pessoal em relação ao consentimento, além de envolver a comunidade em discussões sobre prevenção ao estupro, são medidas essenciais para combatê-lo. Essas ações coletivas são fundamentais porque abordam o problema do estupro de forma abrangente, atuando em várias frentes para criar um ambiente mais solidário e seguro para as vítimas. Promover programas abrangentes de educação sexual nas escolas e comunidades, e discutir questões de gênero e sexualidade de maneira saudável, são medidas eficazes no combate ao estupro. Incluir a educação sexual no currículo escolar pode transformar a sociedade e mudar essa cultura de machismo e objetivação das mulheres.

 

Referências

[1] https://www.ipea.gov.br/portal/categorias/45-todas-as-noticias/noticias/13541-brasil-tem-cerca-de-822-mil-casos-de-estupro-a-cada-ano-dois-por-minuto.

[2] TAVARES, F. M. S. Representação social do abuso sexual infantil e as práticas escolares em professores do ensino fundamental. 2019. 89 f. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Escola de Ciências Sociais e da Saúde, Goiânia, 2019. Disponível em: https://tede2.pucgoias.edu.br/bitstream/tede/4337/2/Fernanda%20Maria%20Siqueira%20Tavares.pdf. Acesso em: 07 jul. 2023.

[3] https://veja.abril.com.br/brasil/nao-e-nao-lula-sanciona-lei-que-protege-mulheres-em-bares-e-shows/mobile.

[4] https://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2022/10/03/mulher-denuncia-pastor-de-igreja-no-interior-de-sp-por-assedio-sexual-em-mensagens.ghtml.

[5] https://g1.globo.com/politica/noticia/2016/06/bolsonaro-vira-reu-por-falar-que-maria-do-rosario-nao-merece-ser-estuprada.amp.

[6] https://desconstrucaodiaria.com/2016/10/10/sobre-a-romantizacao-do-estupro/.

 

 




SOBRE AS AUTORAS

Márcia Martins e Maria Madalena Ribeiro são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

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