Minha reminiscência escrita

Por Wágner Gomes da Rocha [1]



 

“Oh! que saudades que eu tenho

Da aurora da minha vida,

Da minha infância querida.

Que os anos não trazem mais!”

 

(Casimiro de Abreu, 1859)

Tal qual o eu-lírico evoca as memórias de sua infância, assim recordo-me saudosamente das reminiscências de minha meninice para a escrita deste relato. Eu morava na zona rural, juntamente com minha família. Minha irmã mais velha estudava na escola do distrito mais próximo; meus pais, por sua vez, não tiveram a oportunidade de concluir o primário (Ensino Fundamental I) devido à necessidade de trabalhar na roça para ajudar suas famílias. Entretanto, meu pai sabia ler e escrever, ainda que pouco e com dificuldades. Na minha casa, eu não tinha acesso a livros literários. Os textos escritos presentes advinham dos livros didáticos que minha irmã utilizava na escola, da Bíblia, dos rótulos de alimentos e medicamentos, dos relógios, dos panfletos comerciais e das faturas de energia elétrica. Ademais, sempre gostamos muito de escutar o rádio. Ele era o nosso grande aliado para acesso às informações e notícias da região, e entretenimento, já que por ele escutávamos as narrações dos jogos de futebol – principalmente do Atlético Mineiro, do qual eu era torcedor.

Meu primeiro contato com as letras e números se deu antes de ingressar no jardim de infância, quando me reunia com minha irmã, meus primos e vizinhos e brincávamos de “escolinha”. Foi assim que conheci e aprendi as primeiras letras do alfabeto e números. Contudo, ainda não sabia ler nem escrever palavras. Em relação aos números, estes me foram apresentados principalmente pelo meu pai que, ao regressar para casa após as safras de cana de açúcar, sempre trazia moedas e me ensinava a contá-las, de modo que à medida que eu acertava, ele me concedia as moedas. Assim, aprendi a contar os números, somar e subtrair dinheiro, sendo este um exercício do qual eu sempre gostei e tive muita facilidade em aprender.

Ao ingressar na “pré-escola” (jardim de infância), eu já conhecia as letras e números. Todavia, foi lá onde aprendi a desvendar o mundo das palavras, onde aprendi a formar sílabas e palavras, escrevê-las e lê-las. Recordo-me que no pré-escolar eu já conseguia “tirar do quadro” as lições ensinadas pela professora que, diariamente, nos instruía a escrever um mesmo trecho com a única alternância da data do dia. Nesta altura eu já sabia ler e escrever palavras; e também sabia contar dinheiro e não apresentava dificuldades com os números.

 Posteriormente, ao ingressar no Ensino Fundamental, numa escola estadual, tive acesso a outros textos escritos por meio da biblioteca da escola, como gibis de “O Menino Maluquinho”, de Ziraldo, livros de poesias, dentre os quais recordei-me inicialmente do poema “Meus oito anos”, de Casimiro de Abreu, que a professora de Português levava para lermos, decorar e recitar, e “O Barquinho Amarelo”, de Iêda Dias da Silva, um dos primeiros livros literários que li e um dos mais conhecidos na minha escola, já que todas as crianças tinham que lê-lo por solicitação da professora. Eu não gostava muito de ler livros, mas sempre o fazia, já que todo ano ou bimestre a professora de Português nos pedia que lêssemos um livro, o apresentássemos à turma e fizéssemos uma resenha acerca do mesmo. Ao longo de todo meu ensino básico sempre gostei muito de matemática, de fazer cálculos, interpretar e desvendar problemas, usar o raciocínio lógico, e sempre tive facilidade com os mesmos, fato este que me guiou até a escolha do meu primeiro curso de graduação em Ciências Contábeis, onde imergi em outros tipos de textos, agora universitários e científicos, que construíram e moldaram meu aprendizado e me deram sede pelo aprendizado da matemática para, posteriormente, o ensino da mesma, o que me impulsionou a chegar até aqui.

Agora, ao reviver minhas memórias, noto a presença do letramento e do letramento matemático em minha vida e o modo como estes contribuíram para a construção do “Wágner” que sou hoje, desde o meu aprendizado até meus gostos, escolhas e anseios. Assim, emergem as lembranças “(…) que os anos não trazem mais”, como disse Casimiro de Abreu (1859). e projetam-se sonhos que se tornam cada dia mais reais.



[1] Wágner Gomes da Rocha é graduando da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Prática de Leitura e Produção de Textos, ofertada no primeiro semestre de 2023. A organização e edição do material foi feita pelo Projeto de Extensão Aula Digital.

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro, com as ricas contribuições na revisão e organização do tutor Marcos Roberto Rocha.

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