Entre laços literários e desafios acadêmicos

Entre laços literários e desafios acadêmicos

Como diz Chimamanda Ngozi Adichie, “Todas essas histórias fazem de mim quem eu sou. Mas insistir somente nessas histórias negativas é superficializar minha experiência e negligenciar as muitas outras histórias que me formaram. A única história cria estereótipos. E o problema com estereótipos não é que eles sejam mentira, mas que eles sejam incompletos.” Não só Chimamanda, mas observando as tendências atuais na literatura, tenho percebido um incentivo crescente à valorização da diversidade. Isso se reflete, por exemplo, na representação da minha identidade como mulher negra e quilombola.

Um exemplo notável é a obra de Chimamanda Ngozi Adichie, que tem impactado profundamente a cena literária global, especialmente no contexto da cultura afro. Essa influência ressoa fortemente com minha posição na produção literária, alinhando-se com minha visão de mundo e com o letramento que adquiri até o momento.

Mas por que focar na literatura e entender minha posição na produção literária, quando talvez eu devesse apenas registrar uma simples memória de letramento? A resposta é simples: o letramento vai muito além da alfabetização (a habilidade de ler e escrever). No entanto, vou me concentrar nas minhas experiências pessoais e na minha evolução com a leitura e a escrita ao longo da minha vida, mostrando como essas experiências moldaram meu desenvolvimento educacional e pessoal de maneira profunda e significativa.

Lembranças de livros específicos que abriram minha mente para novos mundos, professores inspiradores que despertaram minha paixão pelo conhecimento e atividades escolares que transformaram minha visão do aprendizado estarão no centro desta narrativa. Cada uma dessas experiências está intimamente ligada ao letramento, que nos permite viver, sonhar e nos inspirar. Através dos diversos gêneros literários, especialmente aqueles que mais me emocionam ao recordá-los, quero compartilhar o impacto transformador da leitura e da escrita.

Uma das obras que considero marcantes na minha infância é “Menina Bonita do Laço de Fita”, de Ana Maria Machado. Essa história se destaca como uma das minhas favoritas, exercendo profunda influência na minha percepção da beleza negra. Pela primeira vez, vi uma personagem que refletia minha própria imagem, e isso teve um impacto significativo na minha autoestima. Eu e meus colegas de turma encenamos um teatro baseado na história, o que incentivou minha criatividade e meu amor pelas obras literárias. Essa experiência pessoal, juntamente com minha vivência na comunidade, reforça a importância do acesso à literatura desde cedo.

Um trecho da historinha que mais me marcou foi: “Por isso, um dia ele foi até a casa da menina e perguntou: – Menina bonita do laço de fita, qual é teu segredo para ser tão pretinha? A menina não sabia, mas inventou: – Ah deve ser porque eu caí na tinta preta quando era pequenina… O coelho saiu dali, procurou uma lata de tinta preta e tomou banho nela. Ficou bem negro, todo contente. Mas aí veio uma chuva e lavou todo aquele pretume, ele ficou branco outra vez”. Recriar essa cena, interpretando e narrando juntamente com meus colegas, abriu minha mente para novos horizontes.

Considerando que desde criança sempre fui incentivada a ler, durante o Ensino Fundamental 1 na escola XV de Novembro da minha comunidade local, a Comunidade Quilombola do Paiol, a professora Eliana, nossa querida professora daquela época e até hoje, sempre demonstrou grande dedicação à leitura e aos poemas. Ela costumava nos passar livrinhos literários e históricos, incentivando a criação de contos e recontos. Essa prática constante contribuiu para que eu desenvolvesse um profundo gosto pela literatura e pela leitura. Além disso, vivendo na nossa comunidade, ela contextualizava todas as aulas com nossa experiência de vida, o que significou um avanço significativo no nosso letramento.

Quando ingressei no Ensino Fundamental II, meu amor pela leitura continuou evidente. Adorava passar o tempo na biblioteca durante o recreio. No entanto, a proximidade com a literatura não era mais tão intensa quanto no Ensino Fundamental I. Tínhamos uma aula por semana chamada “Literatura”, onde estudávamos barroco, cordel, entre outros. Embora interessante, não era tão estimulante quanto às atividades criativas do Fundamental I. Mesmo assim, mantive o hábito de ler e comecei a apreciar também a ficção científica, que me proporciona visões do futuro. Quando se trata de ficção científica, pode parecer loucura, mas num mundo tão interconectado e dinâmico, desde pequenos somos rápidos em nos adaptar às tecnologias atuais; no entanto, é crucial sabermos utilizá-las para o bem maior. Além disso, eu amava mergulhar nos quadrinhos da “Turma da Mônica”, do autor Maurício de Sousa, especialmente pelos variados personagens como Chico Bento, Mônica, Magali, entre outros, porque eles me proporcionavam momentos de diversão e me permitiam mergulhar em histórias cativantes e cheias de aventuras.

Havia um aspecto que me desagradava em algumas histórias: o desfecho trágico. Muitas vezes, começavam felizes, mas terminavam de maneira dolorosa e triste. Na escola, participei de eventos onde conquistei títulos, como o primeiro lugar em uma gincana sobre “Reconto”, interpretação e produção de texto de poema, e o segundo lugar em outras competições. Com a chegada da pandemia, o acesso aos livros físicos ficou mais difícil, mas a internet proporcionava alternativas. No entanto, acabei me distanciando um pouco da leitura nesse período.

Ao ingressar na faculdade e explorar a Linguagem e Códigos, percebi que, mesmo antes, tinha contato constante com a literatura, mas minha visão sobre ela não era tão apurada como é hoje. O percurso acadêmico trouxe uma compreensão mais profunda e uma conexão ainda maior com o mundo literário, tornando-me letrada em várias etapas da minha vida. Durante esse período, um docente lançou um desafio: quem fizesse a melhor interpretação em áudio de um trecho do livro “Torto Arado”, de Itamar Vieira Junior, ganharia o livro “Do Amor e Outros Demônios”, de Gabriel García Márquez. Aceitei o desafio, fiz uma interpretação envolvente e ganhei o livro. Depois disso, ao decorrer dessa jornada universitária fui presenteada com vários outros livros: “Como Educar as Crianças no Mundo das Telas” de Igor Amin, “Linguagem e Autismo: Conversas Transdisciplinares,” organizado por Luiz Magnani e Gustavo Ruckert. “Os Vales que Educam,” de Lemes et al. Futuramente, pretendo criar uma pequena biblioteca dentro da minha casa, que é um sonho de infância. Os docentes me deixam feliz quando me presenteiam com um bom livro. Gratidão!

Para mim, a literatura desempenha um papel crucial em minha formação e no meu letramento. Através dela, é possível educar, desmantelar estereótipos, sonhar e imaginar, influenciando meus futuros docentes. Ela se torna um veículo essencial para o desenvolvimento pessoal, proporcionando um meio de expressão e compreensão do mundo que vai além das barreiras cotidianas.



SOBRE A AUTORA:

Caroline Rodrigues Ferreira é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

Para adquirir a versão impressa, a preço de custo, CLIQUE AQUI! 

Memórias de meus letramentos

Memórias de meus letramentos

Resido na comunidade Quilombola Paiol, localizada no município de Cristália-MG. Sou filha de mãe analfabeta e pai alfabetizado. Acredito que meu primeiro contato com os letramentos foi quando ouvia minha mãe contar histórias e causos sobre a comunidade, que me lembro até hoje. Também recordo diversas brincadeiras que tinham a ver com gêneros escritos, como amarelinha e quebra-pedra, entre outras. Aos 6 anos, tive meus primeiros contatos com a Escola Municipal da cidade de Cristália, que fica a nove quilômetros de distância da comunidade.

Naquela época, enfrentei muitos desafios para estudar, inclusive para pegar o transporte escolar, pois tinha que caminhar meia hora a pé, já que o ônibus não chegava até a porta da minha casa. Embora houvesse uma escola dentro da comunidade, minha mãe optou por me matricular na cidade, pois a escola da zona rural funcionava apenas pela manhã. Assim, não havia como eu ir todos os dias a pé, sozinha, até a escola, que ficava a 5 quilômetros de casa. Como meus irmãos estudavam na cidade, facilitava meu deslocamento, já que eles cuidavam de mim e ajudavam a levar meus materiais até o ponto de ônibus.

No ensino fundamental, passei por algumas dificuldades para aprender a ler, embora já tivesse uma boa coordenação motora, desenvolvida nas brincadeiras de ‘escrever’ no chão de terra batida com pedaços de madeira. Na escola, viajantes vendiam livrinhos de histórias de princesas, e meu sonho era adquirir aqueles livros com lindas imagens. Mesmo sem saber ler perfeitamente, eu podia olhar as imagens e, com o CD que acompanhava o kit, ouvir as histórias. Apesar das dificuldades financeiras, meus pais sempre compravam esses kits para mim. Quando eu os adquiri, já tinha uma imaginação de contos de fadas, e minha vontade de ler todos os parágrafos das histórias e interpretá-los era muito grande. Isso foi um dos incentivos para aprender a ler.

Ao longo dos anos, meu desejo pelos estudos foi aumentando, mas sempre tive dificuldade em matemática; as contas eram algo que complicava minha cabeça. Nos anos iniciais, aprendi a contar os primeiros números e depois a fazer operações de soma e subtração. Sempre levava moedas para comprar meu lanche, mas não sabia o valor de muitos números e tinha que perguntar aos funcionários o que poderia comprar. Isso me causava muita vergonha, pois eu queria saber o valor de cada moeda.

Minha família sempre influenciou na escola e no papel dos letramentos, inclusive nos conteúdos voltados à área da matemática. Os principais incentivos partiram do berço familiar, antes mesmo de me alfabetizar, sendo de certa forma influenciada pelo meio social em que vivia. Aos poucos, fui aprendendo a reconhecer o dinheiro e as horas.

Na escola que frequentei durante os anos iniciais, não havia uma biblioteca. Assim, quando precisávamos de algum material ou livro didático-pedagógico, tínhamos que nos deslocar até a Secretaria de Educação, que ficava a cerca de um quilômetro de distância da escola. A locomoção e a distância entre os dois locais dificultavam o acesso contínuo aos livros didáticos. Nos anos finais do ensino fundamental, já não tive mais problemas em relação à biblioteca e às leituras, uma vez que fui estudar na Escola Estadual. Naquele período, os docentes sempre nos incentivavam a realizar atividades articuladas aos livros. No entanto, enfrentei grande dificuldade com leitura crítica e interpretação de texto, e acredito que isso foi um dos resultados da falta de diversidade de leitura no início da alfabetização.

Ao iniciar os estudos na universidade, tive bastante dificuldade com diversos gêneros textuais, com a escrita e com a leitura engajada, entre outros. No entanto, ao longo do tempo, fui praticando e, assim, melhorando tanto na forma de escrever quanto na forma de expressar minhas opiniões sobre diversos temas. Atualmente, me identifico com a linguagem e temas e consigo acompanhar os conteúdos das unidades curriculares, pois são bem contextualizados com a realidade dos educandos.

Vale ressaltar o quanto os estudos, práticas e pesquisas desenvolvidas até aqui têm fortalecido meu processo formativo como educadora do campo. Pretendo enriquecer ainda mais meu conhecimento acadêmico e, assim, no futuro, ter a capacidade de articular conteúdos diversos à realidade dos meus alunos, proporcionando desenvolvimento tanto no processo de aprender quanto de ensinar.



SOBRE A AUTORA:

Amanda Pereira dos Santos é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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Memórias de Letramentos 5 – Apresentação

Memórias de Letramentos 5 – Apresentação

Este é o quinto volume da coleção Memórias de Letramentos, iniciada em 2017 em parceria com meu compadre Luiz Henrique Magnani, também professor da nossa Universidade, a UFVJM. Outros colegas contribuíram em outras edições, como Rosana Baptista dos Santos e Mauricio Teixeira Mendes. Neste volume, sete anos depois, trago para os leitores 10 narrativas autobiográficas de sujeitos dos nossos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Já somos 148 vozes, cada uma com sua identidade, mas muitas similaridades em termos de formação e letramentos. Não necessariamente nesta ordem, o livro conta com dois textos oriundos da Comunidade Quilombola Paiol, situada em Cristália-MG, município que conta também com um terceiro texto. Quatro outras narrativas vêm da Comunidade Quilombola Capivari, situada no Serro-MG; e a Comunidade Quilombola do Peixe Bravo, situada em Riacho dos Machados-MG, é a origem do último dos textos quilombolas. Completam a edição um texto de Diamantina-MG e outro de Coronel Murta-MG.

Temos um livro cheio de emoção, com histórias e reflexões importantes, não apenas para os autores e autoras, estudantes da Licenciatura em Educação do Campo, mas também para pesquisadores e cidadãos comuns que se preocupam com reflexões sobre letramentos, diversidade e educação, ou gostam de textos autobiográficos. São novas vozes que se juntam a outras tantas eternizadas em nossa coleção, com questões antigas, como acesso à educação e certos bens culturais, mas também com experiências lindas de superação, generosidade e criatividade.

Refletir sobre como aprendemos, especialmente com as letras e seus contextos, nos torna cidadãos mais críticos e conectados com a realidade. Pensar sobre como aprendemos nos ajuda a melhorar nossas práticas de aprendizagem e ensino, a promover a autonomia e o diálogo. Em um mundo cheio de informações e armadilhas, altamente letrado em termos de presença da escrita, o professor precisa ser reflexivo e precisa saber lidar com essas mudanças. A ‘leitura de mundo’, defendida por Paulo Freire na Conferência de Abertura do 3° Congresso de Leitura do Brasil (COLE), em Campinas, 1981, vai além da palavra escrita e continua tão necessária quanto nos tempos difíceis que levaram o educador ao exílio. Refletir sobre a realidade de uma educação real, dos vales, que, como tantas existentes em nossos territórios, promove ‘leitura de mundo’.

A escrita dessas memórias fez parte das atividades da disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, oferecida para estudantes da Licenciatura em Educação do Campo, habilitação Linguagens e Códigos, em julho de 2024, no período que denominamos Tempo Universidade, que, grosso modo, é um período em que os nossos estudantes do campo comparecem presencialmente à Universidade. Quando não estão na Universidade, aguardam as visitas dos professores em suas comunidades, tarefa que sempre me traz imenso prazer e muitas aprendizagens.

A disciplina incluiu reflexões teóricas e pesquisas práticas sobre letramentos e práticas nas áreas de formação dos alunos-autores e futuros professores. Promover o diálogo entre os estudantes e o público externo à universidade também foi um dos objetivos da disciplina. Para isso, este material foi produzido em etapas que incluíram oficina de escrita de narrativas, revisão, diagramação e edição final. Adicionalmente, cada texto é acompanhado de um podcast, que, em conjunto com estes dez textos que aqui apresento, serão publicados no site do Projeto de Extensão Aula Digital – auladigital.net.br – e divulgados nas redes sociais – instagram.com/auladigital.net.br.

O material também promove troca de saberes, trazendo para a universidade reflexões e ensinamentos sobre como nossa gente aprende, especialmente na adversidade. Assim, nós, os professores, aprendemos com eles em uma saudável inversão de papéis que nos auxilia a descobrirmos os caminhos do saber junto a eles, aprendendo a arte de ensinar e a melhor forma de guiar, transformando-nos em estudiosos e orientadores mediadores mais conectados com o mundo.

Nesse processo de troca e crescimento, vemos a urgência de não apenas abrir os portões das universidades, mas de possibilitar que o caminho seja virtuoso com políticas de permanência, além da necessidade de se manter sempre as janelas abertas para que não se percam o diálogo, as mudanças e a complexidade do mundo.

Para adquirir a obra gratuitamente em formato digital, ou impresso a preço de custo, clique na imagem com as capas dos livros acima, ou na capa do volume 5 abaixo, ou AQUI!

Carlos Henrique Silva de Castro

Outubro/2024

Licenciatura em Educação do Campo (LEC)

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)



SOBRE O AUTOR DO TEXTO E ORGANIZADOR DO LIVRO:

Carlos Henrique Silva de Castro é um professor e pesquisador brasileiro que atua no Ensino Superior pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) no curso Licenciatura em Educação no Campo, em cursos de licenciatura da Diretoria de Educação Aberta e a Distância (DEAD) e no Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas (PPG-CH), Linha de Pesquisa Práticas Educacionais, Culturais e Linguagens. Licenciado e bacharel em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG / 2000-2005), atua nas áreas Linguagem e Tecnologia e Ensino de Português. É doutor em Estudos Linguísticos / Linguística Aplicada pela UFMG (2011-2015), com período sanduíche na University of California, Santa Barbara (UCSB / 2013-2014). Fez estágio pós-doutoral na UFMG (2018-2019) com pesquisa acerca de letramentos digitais e educação. Atuou como consultor da Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, Ciência e Cultura (OEI). Como professor visitante, fez estágio pós-doutoral na Universidad Complutense de Madrid em associação com a Universidade de Aveiro (2021-2022), com pesquisa de viés etnográfico sobre educação linguística, plurilíngue e multicultural. Mais detalhes sobre sua produção na seção DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA e no currículo lattes: https://lattes.cnpq.br/8846976753165320.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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Agroecologia contra o êxodo rural: o caso do Serro/MG

Agroecologia contra o êxodo rural: o caso do Serro/MG

Práticas agroecológicas estão sendo desenvolvidas por moradores da cidade de Serro e região, devido à lacuna percebida na aplicação de atividades econômicas sustentáveis no município. A agroecologia representa uma forma de resistência ao êxodo rural, especialmente nas comunidades quilombolas. O relacionamento entre o campo e a cidade sempre foi mal compreendido, embora sejam espaços interdependentes. No entanto, uma idealização promovida pelo setor econômico e capitalista retrata o homem do campo como alguém atrasado, sem acesso a tecnologias modernas e incapaz de se integrar aos espaços urbanos. Nesse contexto, cabe uma reflexão por parte dos moradores de Serro-MG, onde a agricultura familiar exerceu uma influência significativa na formação do município. No entanto, os moradores afirma

A principal razão para o êxodo rural na região de Serro é a falta de políticas públicas voltadas para o campo, a escassez de acesso à terra para os jovens e a ausência de apoio técnico para sua produção. Esta realidade automaticamente leva as pessoas a abandonarem o campo em busca de melhores condições nas cidades. Muitas vezes, elas escolhem migrar para grandes metrópoles, levando suas famílias consigo, resultando assim no êxodo rural. Em alguns casos, optam por migrar ilegalmente para os Estados Unidos. Segundo Fonseca (2015) [1], “O problema do êxodo rural é uma consequência da mecanização da agricultura, onde os pequenos agricultores não conseguem competir no mercado devido à falta de recursos”.

Consequentemente, os agricultores acabam abandonando suas terras e procurando novas oportunidades nas cidades. Isso enfraquece nossas identidades e contribui para a desterritorialização de espaços que foram conquistados por nossos antepassados, resultando também na perda de nossas culturas. Para tentar resolver parte desses problemas e dar protagonismo às pessoas que realmente vivem no território, a Agroecologia tem sido discutida como uma abordagem sustentável para lidar com a terra na região. Universidades, escolas e associações têm promovido discussões sobre o tema por meio de projetos de extensão, rodas de conversa, feiras agroecológicas e trocas de sementes, com a participação das comunidades.

A prática da agroecologia parte do pressuposto de que não basta apenas produzir para sobreviver bem, mas é essencial produzir com consciência e respeito à natureza e ao local, visando criar condições de sobrevivência. Essas práticas também são capazes de promover a soberania alimentar da população local. Conforme Jesus e Paes (2020) [2] esclarecem, “A comunidade de Capivari é tradicional e preserva suas práticas culturais de manejo ambiental, preparo da terra e conservação de sementes crioulas há várias gerações”. Um exemplo desse movimento dentro do município envolve a participação de jovens e mulheres nas práticas agroecológicas, como o coletivo de Mulheres da Comunidade Quilombola Ausente Feliz. Liderado por mulheres, o coletivo tem promovido diversas iniciativas para geração de renda na comunidade.

O coletivo tem compartilhado experiências e métodos tradicionais de trabalho na terra em eventos regionais e nacionais. Isso destaca a importância de nossas lutas em defesa do uso sustentável do solo em nossos territórios quilombolas, bem como a valiosa permanência dos jovens que se reconhecem e se identificam com o espaço rural. Dessa forma, por meio das técnicas agroecológicas, a comunidade começa a desafiar a ideia de que os grandes capitais, especialmente na nossa região, a partir da mineração, trazem desenvolvimento para a região. No entanto, é importante destacar que os únicos beneficiários dessa exploração são os proprietários das mineradoras, políticos e fazendeiros que concentram grandes riquezas em suas mãos. Não há espaço para mineração onde a agricultura é a base de sustento, ou onde existem comunidades quilombolas.

Portanto, é essencial conscientizar nossa população, especialmente os jovens, sobre os danos que o poder capitalista pode causar. Isso inclui exemplos de abandono de nossas culturas, famílias e áreas rurais. Para efetuar isso de maneira eficiente, devemos criar espaços em escolas, universidades e na própria comunidade, onde possamos discutir esses temas relacionados à Agroecologia e ao êxodo rural, além de destacar o potencial de nossa região para crescer de maneira sustentável na agricultura.

Referências

[1] FONSECA, Wéverson Lima; et al. Causas e consequências do êxodo rural no nordeste brasileiro. Revista Nucleus, v. 12, 2015. Disponível em: https://www.nucleus.feituverava.com.br/index.php/nucleus/article/view/1422/0.

[2] JESUS, Nanci Ribeiro; PAES, Silvia Regina. Horta Comunitária “Jovens de Capivari”. Cadernos de Agroecologia, v. 15, n. 3, 2020. Disponível em: https://cadernos.aba-agroecologia.org.br/cadernos/article/view/6378.



SOBRE O AUTOR

Valderes Quintino Silva é acadêmico da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Educação sexual e prevenção da gravidez na adolescência

Educação sexual e prevenção da gravidez na adolescência

A taxa alarmante de gravidez na adolescência no Brasil continua a ser um desafio persistente para as políticas de saúde pública e educação. Segundo dados do governo brasileiro (2023), uma em cada sete mães de recém-nascidos é adolescente, totalizando 1.043 adolescentes se tornando mães todos os dias [1]. Essas estatísticas não apenas representam números impressionantes, mas também revelam uma realidade preocupante: a falta de acesso a informações e educação sexual adequada entre os adolescentes.

O Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), ferramenta do Sistema Único de Saúde (SUS), fornece uma visão sombria da situação, destacando não apenas a prevalência de gravidez na adolescência, mas também a faixa etária preocupante das mães adolescentes. De acordo com os dados, duas das 44 mães adolescentes que dão à luz a cada hora têm entre 10 e 14 anos de idade [1]. Esses números não são apenas estatísticas frias, mas representam vidas jovens afetadas por consequências profundas e duradouras (SUS, 2023).

Por trás desses números estão histórias reais de jovens, como Viviane, do município de Cristália-MG, que aos 15 anos de idade se viu enfrentando uma gravidez não planejada. Viviane compartilhou sua história, revelando uma lacuna preocupante na educação sexual dentro de sua família e escola. Sua mãe não abordou o assunto em casa; na escola, os professores não ofereceram orientação adequada sobre prevenção da gravidez e saúde sexual. Em suas próprias palavras, Viviane não temia a gravidez; o tema era tratado com piadas entre colegas e a falta de informação e apoio a levaram a abandonar os estudos. A história de Viviane não é única. Muitas adolescentes enfrentam desafios semelhantes devido à falta de educação sexual adequada. E isso não é apenas uma questão de evitar a gravidez na adolescência, mas também de promover relacionamentos saudáveis, prevenir doenças e infecções sexualmente transmissíveis e capacitar os jovens para tomarem decisões informadas sobre sua saúde e bem-estar.

Diante desse cenário, é crucial reconhecer o papel fundamental das escolas na educação sexual dos adolescentes. As escolas não apenas têm a responsabilidade de fornecer informações precisas e abrangentes sobre saúde sexual e reprodutiva, mas também de criar um ambiente seguro e acolhedor onde os alunos se sintam à vontade para discutir esses assuntos sem vergonha ou estigma. A inclusão da educação sexual no currículo escolar não é apenas uma questão de fornecer informações sobre anatomia e contracepção; trata-se também de promover valores como respeito, consentimento e igualdade de gênero. Os adolescentes precisam entender não apenas como evitar uma gravidez não planejada, mas também como construir relacionamentos saudáveis e tomar decisões responsáveis em relação à sua vida sexual.

Apesar da alta taxa de gravidez na adolescência e de todas as dificuldades enfrentadas por essas mães adolescentes, esse assunto ainda gera opiniões divididas, especialmente quanto à abordagem nas escolas. Algumas pessoas acreditam que a educação sexual nas escolas não irá ajudar os adolescentes, considerando que pode ser cedo demais para eles serem expostos a certos temas, ou que isso contradiz tradições culturais, religiosas, entre outros aspectos, além de receios sobre incentivar a prática sexual. Segundo a pesquisadora Fabiana Maranhão (2019) [2], o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro expressou sua opinião sobre esse assunto, chegando a afirmar que “quem ensina sexo para a criança são o papai e a mamãe”. Outros líderes que são contra a educação sexual nas escolas, além das lideranças políticas, são os religiosos, que argumentam que essa educação pode acarretar “sexualização precoce” ou até mesmo “estimular a troca de sexo”.

Contudo, é de suma importância abordar esse assunto nas escolas, mesmo que gere polêmica. Acreditamos que, quando tratado de forma leve, responsável e inclusiva, pode trazer inúmeros benefícios para crianças e adolescentes. Através dessa educação, eles podem aprender sobre si mesmos, suas emoções e desenvolver o respeito mútuo, além de receber informações essenciais sobre prevenção da gravidez precoce e outros temas relevantes. É crucial que tenham acesso a informações corretas e respeitosas para tomar decisões conscientes sobre suas vidas. A abordagem aberta também ajuda a combater tabus e preconceitos, promovendo uma cultura de respeito e compreensão. Além disso, a participação dos pais e líderes é fundamental para apoiar e complementar essa educação, garantindo que haja um ambiente de apoio e diálogo em casa e na comunidade. Em última análise, a educação sexual nas escolas pode contribuir para a formação de indivíduos conscientes, responsáveis e respeitosos em nossa sociedade.

 

Referências

[1] Ministério da Educação do Brasil. (2023). Por hora, nascem 44 bebês de mães adolescentes no Brasil, segundo dados do SUS. Recuperado de <https://www.gov.br/ebserh/pt-br/comunicacao/noticias/por-hora-nascem-44-bebes-de-maes-adolescentes-no-brasil-segundo-dados-do-sus> Acessado em: 12/02/2024.

[2] Maranhão, Fabiana. (2019). Educação sexual nas escolas é menor do que imaginamos. Recuperado de <https://novaescola.org.br/conteudo/15749/educacao-sexual-nas-escolas-e-menor-do-que-imaginamos> Acessado em: 20/02/2024.



SOBRE AS AUTORAS

Thalyta Cristina Gomes Martins e Vívian Emanuelly Rodrigues Borges são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.