Construção dos meus letramentos: da infância à universidade

Construção dos meus letramentos: da infância à universidade

 

Aprender a “ler o mundo”, como dizia Paulo Freire, significa compreender os contextos e localizar-se no espaço social mais amplo, por meio da relação entre a palavra e o mundo. Na minha infância, comecei a ter percepção do “mundo”, das “coisas de adulto” com certa facilidade, pois a vivência diária com minha família me trazia muitos aprendizados, que eram um tipo de letramento vindo da visão “popular” de mundo que tinham.

Os ensinamentos sobre a forma de ver e entender as coisas se davam a partir dos conhecimentos que os mais velhos da comunidade tinham. Era muito comum ver as pessoas cantando, trabalhando e lendo, de forma que elas entendiam as coisas; muitos não liam letras do alfabeto, mas liam as imagens que estavam vendo, e demonstravam interpretações complexas daquilo tudo. No entanto, minha relação com o mundo da leitura e da escrita na minha infância era difícil, uma vez que poucos no meu entorno eram alfabetizados.

No momento desta escrita, estou com 25 anos e sou moradora da comunidade de Capivari, uma comunidade Quilombola localizada no município de Serro, no Vale do Jequitinhonha. Sempre fui uma menina muito estudiosa, apaixonada por leituras, linguagem, literatura e diversas outras formas de conhecimento. Cada uma dessas áreas me proporcionou enxergar diferentes aspectos de mim mesma e do mundo ao meu redor, ampliando minha visão de mundo, meus letramentos, meus significados. Também sou mãe de uma menina chamada Kemylly, que tem 5 anos de idade.

Venho de uma família formada por dez pessoas. Minha mãe, Enilce, tem 50 anos e cursou a escola até o 5º ano. Meu pai, Anirton, com 52 anos, também estudou até o 5º ano. Juntos, eles buscaram me ensinar o que sabiam, da forma que podiam. Somos seis irmãs, sendo que Katia tem vinte e sete anos e atualmente está cursando o ensino superior comigo. Na nossa infância, não tínhamos recursos para a educação e nem acesso à internet. Os poucos livros eram oferecidos pela prefeitura municipal, ou os livros religiosos. Lembro-me da escola pequena de tijolos de barro e telha de amianto, com apenas duas salas onde as aulas eram ministradas de forma multisseriada, com duas professoras de manhã e duas à tarde.

Durante esse tempo, as professoras eram muito atenciosas e nos ajudavam na leitura, na compreensão das imagens e outros elementos. Fiquei nessa escola até o 5º ano, pois a escola não oferecia os anos subsequentes. Assim, tivemos que ir para a comunidade vizinha para continuar nossos estudos até o segundo grau. Minhas irmãs Indiamara, Beatriz, Kassia e Berenice viveram suas experiências de estudo em um período em que a escola passou por reformas, tanto na estrutura física, quanto nos recursos disponíveis, incluindo acesso a mais livros e à internet.

Durante a minha infância, recordo-me com carinho do auxílio que minha irmã mais velha e minhas primas me proporcionavam ao compartilhar conhecimentos adquiridos na escola e em conversas com outras pessoas. Além disso, elas também me incentivavam a ler ao trazerem livros da escola para enriquecer meu aprendizado.

Logo após concluir meus estudos na escola da comunidade vizinha, ingressei na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), no curso de Licenciatura em Educação do Campo, com ênfase em Ciências da Natureza. Nesse ambiente acadêmico, tive a oportunidade de conhecer pessoas que desempenharam papel fundamental em minha formação, como professores, técnicos e principalmente os colegas, que me auxiliaram de maneira significativa ao longo desse processo.

Meu letramento no início foi difícil, pois a forma de estudar e como as coisas aconteciam eram novas para mim. Tive muita dificuldade em compreender as aulas e em me concentrar nas leituras e nos livros indicados pelo professor, devido à linguagem ser diferente do que eu estava acostumada. 

Durante meu curso, essa evolução gradual tornou-se evidente, especialmente a partir do quarto período. Com o auxílio dos colegas, pude compreender melhor as exigências do curso e as leituras necessárias. Isso me permitiu concentrar mais os meus esforços. Comecei a realizar não apenas as leituras obrigatórias em sala de aula, mas também as complementares, que foram fundamentais para minha formação. Percebi a existência de visões de mundo distintas, porém, ao mesmo tempo, semelhantes. Inicialmente, trazia o conhecimento popular como minha base principal, mas ao me inserir no ambiente acadêmico, fui integrando-o ao saber científico. Embora essas duas bases fossem diferentes, percebi que compartilhavam semelhanças essenciais. O conhecimento popular, embora não reconhecido pela ciência, mostrou-se igualmente valioso ao lado do conhecimento científico.

Durante minha trajetória formativa, participei de grupos de leitura, projetos de ensino, atividades de extensão como o projeto Vídeo Cartas, entre outros, nos quais a leitura desempenhava um papel central. A partir do quinto período, intensificou-se o contato com novas leituras, livros e autores, especialmente durante meu estágio, momento de significativo aprendizado.

No oitavo período, tive minha filha e concluí minha formação na área das ciências em 2020. Atualmente, estou cursando outra graduação na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na área de Linguagem e Códigos. Nesta nova formação, tive a oportunidade de participar do PIBID, onde pude exercer funções que enriqueceram significativamente meus conhecimentos como futura educadora do campo. Além disso, essa experiência tem me permitido enxergar com maior clareza questões em minha comunidade que antes passavam despercebidas.

Hoje, só tenho a agradecer pelo processo de formação ao qual me inseri. Agradeço imensamente à minha família e a todos os colegas da Licenciatura em Educação do Campo, que me apoiaram e continuam me apoiando em cada etapa dessa jornada.



SOBRE A AUTORA:

Katiane da Cunha Ribeiro é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

Para adquirir a versão impressa, a preço de custo, CLIQUE AQUI! 

Minha vida, meus letramentos

Minha vida, meus letramentos

Tenho 27 anos, sou da comunidade quilombola de Capivari, no município de Serro, ao pé do Pico do Itambé. Eu sempre fui uma menina curiosa desde cedo, um pouco tímida e acanhada, mas sempre em busca dos meus objetivos. Tive a oportunidade de ter contato com letramentos pela primeira vez através da televisão e do rádio, pois quando era criança gostava muito de assistir. Com o tempo passando e eu crescendo, passei a participar do teatro da comunidade, que se chama Quatro Gerações, onde minhas tias nos ensinavam através de canções, poemas e versos na produção oral.

Passado o tempo, comecei a brincar de casinha com minhas primas, que também me ensinavam a escrever. Como na época não tínhamos lápis nem caderno, pois os pais só os compravam quando íamos para a escola, usávamos pedaços de carvão e um pedaço de papelão. Eu gostava muito. Pegando em minha mão, mesmo com toda a dificuldade, as primas começaram a me ensinar, junto aos outros menores, a fazer os traços das letras que elas aprendiam na escola. Tinha hora que perdiam a paciência, aí era hora das brigas, mas logo passava.

E assim a vida foi seguindo. Aos 7 anos de idade, comecei a ir para a escola da minha comunidade, que atendia os estudantes até a 4ª série. Naquela época, a turma era multisseriada, com duas turmas juntas, quando comecei meu processo de alfabetização. As professoras eram muito prestativas e pacientes conosco. Naquele tempo, mesmo sem muitos recursos, sempre buscavam promover letramentos.

Quando começamos a aprender o alfabeto, lembro que a professora cantava assim conosco: “A de amor, B de baixinho, C de casa, D de docinho…” e no final… “…e X o que é que é: É Xuxa! E Z é zunzunzum.” Sim, ela ensinava cantando o abecedário da Xuxa. Começamos a escrever no caderno brochura de capa vermelha, que ficavam com as pontas das folhas dobradas com o uso, e um lápis preto. Era um lápis que vivia quebrando a ponta, mas era uma alegria ter aquele material. Como brincava muito com minhas primas, esse processo foi até fácil. Todos os dias estudávamos o alfabeto e a formação de sílabas e palavras, até conseguirmos aprender. Já nas aulas de matemática, lembro que a professora “cantava” a tabuada conosco para irmos aprendendo os números também através da música.

Como não havia biblioteca na nossa comunidade, lembro que o meu primeiro contato com um livro foi no catecismo, onde tive a oportunidade de tocar uma Bíblia Infantil pela primeira vez. Lembro que era de capa vermelha e suas páginas eram lindamente ilustradas. Com o passar do tempo, ganhei alguns livros infantis como Branca de Neve e os Sete Anões, Cinderela etc. Na escola também havia alguns livros que ficavam em um armário aberto, de fácil acesso. A maioria era de contos infantis ou didáticos. Nos reuníamos em grupos de até três pessoas para ler, pois não havia um livro para cada um; eram poucos. Lembro também que havia um dicionário Aurélio, que pegávamos para ler palavras novas.

Ao terminar a quarta série do ensino fundamental, fomos estudar na comunidade vizinha, chamada Milho Verde, onde fiquei até o 3º ano do ensino médio. Nessa escola, tive mais acesso a livros, pois já havia uma biblioteca maior com mais livros. A única professora que nos incentivava a ler foram a professora Antonina, que sempre nos pedia para ler alguma história, e o professor de geografia que era muito focado na escrita. Assim, o tempo foi passando e eu me formei.

Em 2013, a internet chegou na minha comunidade. Havia alguns poucos computadores que ficavam no centro comunitário, onde comecei a fazer pesquisas para o trabalho escolar. Ali comecei a desenvolver o que hoje chamamos de letramento digital. Depois que me formei, me afastei da escola por nove anos, pois comecei a trabalhar. Minha irmã Katiane sempre me chamava para fazer o vestibular da Licenciatura em Educação (LEC), mas eu nunca conseguia, por causa do trabalho. Em 2021 ela me chamou novamente, pensei bastante e decidi que era hora de voltar. Fiz a inscrição, a prova… cheguei em casa e falei com minha mãe: “Mãe, não vou conseguir, acho que fui mal na prova.” Quando chegou o dia do resultado, me surpreendi ao ver que tinha conseguido passar. Hoje estou aqui, em busca de construir novos conhecimentos para que, no futuro, eu possa ajudar os meus alunos e a minha filha Jasmim.



SOBRE A AUTORA:

Katia da Cunha Ribeiro Jesus é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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Leituras de minha vida

Leituras de minha vida

Tenho 20 anos e sou da comunidade quilombola de Capivari, localizada no município do Serro, Minas Gerais. Embora tenha poucas lembranças do meu contato com a leitura antes da escola, sei que comecei a aprender com minha família. Assistia às apresentações do Teatro Quatro Gerações, um grupo da minha comunidade; no rádio, meu pai, todas as manhãs, sintonizava a FM 98, no programa do João de Nico.

Antes de entrar para a escola, tive meus primeiros contatos com a leitura através dos folhetos da igreja, do terço e do livro de músicas do teatro, com os quais eu interagia frequentemente. Gostava de desenhos na TV e acho que aprendi muito com as narrativas presentes neles. Meu primeiro contato com Ziraldo foi por meio do desenho animado do Menino Maluquinho, que eu não perdia. Com o Sítio do Pica-pau Amarelo conheci Monteiro Lobato.

Naquela época, eu não tinha tanto interesse pela leitura; queria aproveitar minha infância, e os livros não faziam parte dos meus hábitos. Quando entrei na escola aos 5 anos de idade, comecei a ter contato com livros que toda criança conhece, como histórias de fadas e contos clássicos, como Chapeuzinho Vermelho e Cachinhos Dourados. Mesmo assim, ainda não tinha muito interesse pela leitura, pois sempre gostei mais de matemática, já que tinha mais facilidade nessa área do que em português.

Meus primeiros contatos com a leitura aconteceram na escolinha que funcionava no centro comunitário da minha comunidade, enquanto a escola estava em obras. Esse contato inicial foi graças às aulas da tia Aparecida. Sempre tentei ler, mas preferia observar as palavras com os olhos, pois tinha grandes dificuldades na leitura.

Quando estava estudando com a professora Eni, comecei a frequentar o fonoaudiólogo para melhorar minhas habilidades de leitura. No entanto, tive que parar porque o atendimento deixou de ser oferecido na comunidade. Assim, precisei me esforçar por conta própria para melhorar nesse aspecto, e esse desafio continua até hoje.

Na escola de Capivari, havia um cantinho da leitura, mas não muitos livros, o que nos levava a ler principalmente textos impressos pelos professores ou encontrados nos livros didáticos disponíveis na escola. Ao contrário desse período, quando passei a estudar na escola de Milho Verde, no final do ensino fundamental e no ensino médio, tive a oportunidade de acessar uma maior variedade de livros para leitura. Mesmo assim, meu interesse pela leitura ainda era limitado.

Contudo, durante o oitavo ano do ensino fundamental, dei um passo diferente: fui até a biblioteca da escola e peguei um livro para ler. O livro se chamava “A Última Pedra”, mas não me lembro o nome do autor. Tentei começar a leitura, mas não consegui finalizá-la. Também tive contato com outros textos durante esse período, mas minha vontade de ler ainda não era grande. Talvez isso se devesse ao fato de já ter ouvido que eu “lia errado” ou por outro problema, algo que escutei no ensino fundamental e que me marcou. Sempre pensava: ‘E se eu começar a gaguejar ou ler errado? E se alguém rir de mim?’, passei um bom tempo com medo de ler em voz alta. Lembro até hoje de um dia em que fui ler na igreja e me olharam com cara de julgamento. Como eu era pequena, morria de vergonha de ler em público. Desde aquele dia, nunca mais quis ler na igreja.

Durante o ensino médio, tive a oportunidade de ter um professor que nos incentivava a ler: o professor Heráclito. Ele dedicava um dia da semana para a leitura, toda quinta-feira. Um dos livros que li nesse dia foi “Quatro Vidas de Um Cachorro”, de W. Bruce Cameron, e “Querido John”, de Nicholas Sparks, livros emprestados por uma colega de classe. Foi aí que me desafiei mais a ler. Quando fiz 18 anos, ganhei dois livros de presente: “Cidades de Papel” e “Sereia”, da coleção de uma amiga, Raquel, que conhecia desde criança. Também tive a oportunidade de participar de um encontro quilombola, onde ganhei mais um livro em um sorteio, ou, como falamos, “de sorte”. Assim conheci Lélia Gonzalez a partir do livro “Por um Feminismo Afro-latino-americano”.

A leitura estava presente em diversas disciplinas, como matemática e física. Para fazer cálculos, era preciso ler e escrever sobre eles. Além disso, os números romanos também exigiam, já usam letras ao invés dos números “normais” da matemática. Durante o tempo em que estive na escola, tanto no ensino fundamental quanto no médio, a leitura esteve sempre presente.

Infelizmente, finalizei meus estudos do ensino médio durante a pandemia de Covid-19, o que foi bastante desafiador. O incentivo que eu tinha dos professores deixou de existir e minha vontade de ler acabou ficando de lado naquele momento. No entanto, quando entrei para o curso da LEC, a leitura voltou a ser constante, desde quando entro na sala de aula até quando estou fora dela, tanto na faculdade quanto na minha comunidade.

A leitura tornou-se parte de mim novamente, especialmente agora que sou representante da diretoria da minha comunidade, ocupando um cargo onde a leitura é essencial para o desempenho das minhas funções. Percebo que sempre estou rodeada pela leitura e sempre estarei. Fico feliz em esperar o futuro com essa companhia.



SOBRE A AUTORA:

Indiamara Aparecida Ribeiro Da Cunha é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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Uma jornada de descobertas

Uma jornada de descobertas

Tenho 21 anos e sou da cidade de Coronel Murta, localizada na região do Médio Jequitinhonha. Sou filha de pequenos agricultores rurais, Marlene e Manoel, que sempre me incentivaram a estudar. Desde cedo, aprendi a valorizar a educação como uma ferramenta essencial para o desenvolvimento pessoal e profissional. Meus pais, apesar das limitações e desafios enfrentados na vida no campo, nunca mediram esforços para apoiar meus estudos e me motivar a buscar sempre mais.

Minha jornada com os letramentos começou de forma simples com os recursos disponíveis em casa: revistas e cadernos antigos dos meus irmãos se tornaram meus primeiros materiais didáticos. Desde cedo, eu adorava brincar de “aulinha”, mesmo sem ainda saber ler. As letras começaram a se tornar familiares, principalmente porque minha irmã me ensinava pacientemente. Mesmo sem estar oficialmente matriculada, eu frequentava a escola da comunidade. As professoras, de maneira gentil, me entregavam atividades simples como letrinhas para colorir, o que gradualmente me aproximou do mundo das palavras.

Aos seis anos, finalmente fui matriculada na Escola Municipal Manoel Costa Barreto, localizada na comunidade Olhos D’Água. O primeiro dia de aula foi uma explosão de emoções, meu coração parecia querer saltar do peito, pois ali começava uma longa jornada educacional. A professora Udilene, com sua paciência e dedicação, foi essencial para guiar-me nesse caminho inicial. No segundo ano, algo mágico aconteceu: aprendi a ler e adorava me sentar no cantinho de leitura e imergir nas histórias em quadrinhos da Turma da Mônica. Era um verdadeiro encanto. Sempre comparava as aventuras da Vovó Bastião comendo feijão com as histórias do meu avô, que também se chamava Bastião.

Em 2014, dei início ao sexto ano na escola municipal do distrito de Freire Cardoso, localizado em Coronel Murta. Essa nova fase trouxe consigo desafios significativos. O transporte escolar me levava diariamente por quilômetros de distância, atravessando estradas poeirentas e muitas vezes áridas sob o sol escaldante, tornando o retorno para casa uma verdadeira luta diária. As condições climáticas severas e a longa jornada afetavam não apenas o meu ânimo, mas também a disposição dos colegas. Em alguns dias, a merenda escolar, por mais que fosse bem-vinda, não era suficiente para nutrir-nos adequadamente, resultando em mal-estar durante a volta para casa. Esses desafios cotidianos moldaram não apenas a minha resistência física, mas também fortaleceram o meu compromisso com os estudos e a determinação em superar adversidades.

Apesar das dificuldades enfrentadas na escola do distrito de Freire Cardoso, em Coronel Murta, durante o sexto ano em 2014, essa experiência deixou marcas profundas em minha vida acadêmica. No entanto, lamentavelmente, o ensino de português não alcançou o padrão desejado. A professora concentrava-se excessivamente na gramática, deixando a leitura em segundo plano, o que limitava nosso desenvolvimento linguístico e cultural. Felizmente, por iniciativa própria, muitos alunos buscavam enriquecer seus conhecimentos frequentando a biblioteca da escola. Lá, descobrimos novos mundos através dos livros, expandindo nossos horizontes para além das limitações do currículo escolar. Essa autonomia na busca pelo conhecimento não só complementava, mas também compensava as lacunas no ensino formal, preparando-nos melhor para os desafios futuros na educação e na vida.

Minha trajetória no mundo do conhecimento começou de forma única. Desde cedo, descobri que tinha facilidade com as partes gramaticais da língua, mas ao mesmo tempo, a literatura, que sempre me cativou, acabou perdendo espaço para o foco nas disciplinas exatas. Os elogios dos professores de matemática eram como notas musicais para mim, embora minha timidez muitas vezes me limitasse a expressar plenamente meu potencial. Foram quatro anos intensos de esforço e aprendizado, nos quais busquei equilibrar minha dedicação aos estudos gramaticais com o desafio constante das ciências exatas. A cada conquista e desafio superado, percebia que essa jornada não apenas fortaleceu minha base acadêmica, mas também moldou minha perseverança e determinação para enfrentar novos desafios no futuro.

Em 2018, tudo mudou. Ingressei no ensino médio na Escola Família Agroecológica de Araçuaí. Enfrentei o desafio de estar longe da família, o que foi difícil no início, mas consegui me adaptar. Houve momentos em que pensei em desistir, mas a motivação para continuar meus estudos sempre prevaleceu. A escola tinha uma abordagem pedagógica inovadora, focada na agroecologia e na sustentabilidade, o que me permitiu aprender não apenas o currículo tradicional, mas também práticas agrícolas sustentáveis e gestão ambiental. Tive a sorte de contar com professores de alta qualidade, que, apesar de alguns deslizes, sempre me incentivaram e apoiaram. 

Além das aulas teóricas, participei de várias atividades práticas e projetos comunitários, que fortaleceram meu entendimento sobre a importância da agricultura sustentável para a comunidade local. Fiz amizades valiosas, que me ajudaram a superar a saudade de casa e contribuíram para meu crescimento pessoal.

Essa experiência me proporcionou um crescimento pessoal significativo e solidificou minha determinação em buscar meus objetivos acadêmicos e profissionais. A convivência com colegas e professores me ensinou a importância da cooperação e do trabalho em equipe, habilidades que levarei comigo para o futuro.

A parte mais complexa? Formar-me durante a pandemia. Não foi apenas difícil para mim, mas para meus colegas, professores e o mundo inteiro. A EFA se tornou uma das minhas maiores conquistas. O período de alternância, com quinze dias na escola e quinze em casa, proporcionou uma educação diferenciada. Lá, o jovem do campo convive com a sustentabilidade, a liderança e a formação crítica.

No ano de 2021, realizei minha inscrição para o vestibular da Licenciatura em Educação do Campo (LEC). Hoje, estou aqui, enfrentando mais uma nova jornada na área de Linguagens e Códigos. Embora não seja minha zona de conforto, estou determinada a aprimorar meus conhecimentos e expandir minhas habilidades. Essa escolha representa um passo significativo na minha trajetória. A licenciatura em Educação do Campo me oferece a oportunidade de aprofundar meus estudos em linguagens e códigos, áreas fundamentais para a comunicação e a educação. Estou ciente dos desafios que essa nova etapa traz, mas acredito que cada obstáculo superado me fortalece e fortalecerá ainda mais. Entre lembranças e saudades, compartilho minha jornada de letramentos, uma jornada de descobertas.



SOBRE A AUTORA:

Elidiana Martins da Silva é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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Meu desenvolvimento com a prática da leitura e da escrita

Meu desenvolvimento com a prática da leitura e da escrita

Na infância, não havia livros nas estantes de casa. Apenas canetas e panfletos da igreja preenchiam os espaços, com riscos e linhas deixados por mim e minha irmã no rosto de cada personagem. Em alguns domingos, na comunidade rural onde morávamos, diversas associações realizavam reuniões para ajudar famílias pobres que não podiam comprar materiais ou brinquedos para seus filhos. Lembro-me também de quadrinhos e livros sobre a Arca de Noé e Sansão que levávamos para casa. Quando chegávamos em casa, nos entregávamos à imaginação, já que não sabíamos ler.

Iniciei a pré-escola aos quatro anos sem estímulo para ler ou escrever. Ao chegar à escola, sentia vergonha de interagir com os colegas. Durante dois anos, não falei com ninguém. Os professores não interagiam, e saí da pré-escola sem nunca ter usado a própria voz. Às vezes, tinha dificuldades para ir ao banheiro e precisava esperar pelo lanche, o que resultava em constrangimentos na sala de aula. Nessa fase, as professoras ajudaram minha mãe a buscar ajuda médica, já que meu ‘atraso’ estaria afetando minha aprendizagem nas aulas.

Até o segundo ano da pré-escola, ainda não sabia o alfabeto. Foi uma fase de descoberta das dificuldades em socializar. Aprendi a escrever o nome na fase introdutória, com a ajuda dos professores, que seguravam minha mão para eu formar as letras e as palavras. Na perspectiva de ajudar, as professoras faziam um caderno de caligrafia para ligar pontos e formar palavras. Esse caderno era feito à mão, devido à falta de recursos na escola. Elas escreviam pequenos textos de forma pontilhada, para que eu pudesse desenhar por cima e formar as palavras. Mesmo mudando de escola e de professores, continuei recebendo suporte de uma fonoaudióloga e uma psicóloga.

Essa ajuda psicológica contribuiu para que eu pudesse ter foco e desenvolver o raciocínio lógico. As consultas eram realizadas a cada 15 dias, onde eu fazia montagens de quebra-cabeça, visualização e interpretação de cores e formação de palavras. Pelo fato de meus pais se considerarem analfabetos na época, acreditavam que os filhos teriam o mesmo pensamentos e atitudes que eles. O estímulo e a valorização da leitura eram nulos; a realização das atividades até essa fase não teve ajuda deles.

Após essa fase introdutória, as visitas semanais à biblioteca começaram no primeiro ano, permitindo contato inicial com livros e escrita. Durante o segundo e terceiro ano, as matérias ficaram mais difíceis e tive que me adaptar. No final do terceiro ano, fui reprovado por falta de preparo para o quarto ano. Inicialmente, foi difícil me ajustar à nova turma, mas com o tempo comecei a levar livros da biblioteca para casa, incluindo gibis e histórias da Bíblia, que eram mais fáceis de compreender.

Nessa fase também houve a inserção do trabalho com números. De início, contávamos até 3 e posteriormente até 10. Quando pulava algum dedo e chegava ao final com 9 números, causava estranhamento; os dedos acabavam e eu não sabia o que fazer. Sempre me enrolava no numeral 7, pois o dedo que seria o 2 da mão esquerda se tornava o número 7. Inicialmente, aprendi a contar até o número 10, depois 100, 200 e, com custo, até 1.000.000.

No quinto ano, começamos a fazer redações e até ganhei um prêmio por uma delas. Foi no final do fundamental 1 que a leitura começou a se consolidar, embora ainda com dificuldades na escrita.

No ensino fundamental 2, iniciaram-se aulas de inglês, novas matérias e novos colegas. A escola tinha uma biblioteca grande, e a professora, como forma de incentivo à leitura, nos fazia levar alguns livros durante os bimestres para casa, desenvolvia questões sobre os livros nas provas e organizava rodas de conversa para discuti-los. No dia da apresentação, sempre virava o rosto; calafrios de medo me faziam suar. Às vezes, era proposto escrever algumas linhas da parte que mais havia gostado da leitura. Eu sempre escrevia umas seis linhas. As obras que melhor me recordo são Dom Casmurro, Iracema, O Cortiço, mas houve diversas outras.

No ensino médio, li livros mais extensos, porém em menor quantidade. Aprendi a calcular juros, o que trouxe uma perspectiva boa e contribuiu para meu primeiro emprego, escrevi redações e cartas formais. Com a pandemia, a leitura foi deixada de lado até o início das aulas na faculdade, o que retornou quase dois anos depois.

No início das aulas na universidade, houve um certo estranhamento devido ao tipo de leitura. Em minha concepção, as leituras seriam baseadas em obras literárias brasileiras simples, como as que fazíamos na escola. Isso contrariou minha expectativa, pois os professores já esperavam que os alunos tivessem contato com obras mais complexas. Os diálogos com pensamentos científicos e filosóficos mudaram a percepção e minha mentalidade enquanto estudante, antes pouco crítico. A escrita melhorou devido às regras gramaticais, concordância e o uso do plural, algo que na prática com textos mais formais se mostra tão importante.

Atualmente, leio diariamente jornais e revistas online, e por vezes vou até a biblioteca municipal do bairro onde moro ou até a biblioteca universitária e pego algum livro. Pretendo cultivar o hábito de leitura diária e manter-me atualizado, pois esse mecanismo desenvolve o pensamento crítico e muda a mente do cidadão. A leitura crítica mudou minha concepção da realidade e tornou-se uma forma de interação com o mundo, levantando questões que antes não faria ou não consideraria importantes no cotidiano. Com essa nova visão, muitos assuntos se transformaram e ganharam uma perspectiva e entendimento diferentes. As aulas de matemática contribuíram para que na realidade o cálculo dos juros sobre as faturas e contas pudessem ser entendidos ou servissem de base para os estudos de futuros conhecimentos.

Minha trajetória de aprendizado foi marcada por desafios e superações. Desde a infância sem estímulo para a leitura até o desenvolvimento gradual de habilidades fundamentais na escola, cada etapa contribuiu e contribuirá significativamente para minha contínua formação. O apoio de professores, o incentivo à leitura e a ajuda psicológica foram essenciais para o meu progresso. A introdução ao universo dos livros e o trabalho com números moldaram minha capacidade de raciocínio e compreensão.

Atualmente, a leitura diária, aliada às visitas frequentes às bibliotecas, fortalece meu hábito de me manter informado e aprimorar meu pensamento crítico. A leitura crítica, em particular, revolucionou minha percepção da realidade, permitindo uma interação mais profunda e questionadora com o mundo ao meu redor. Em suma, minha jornada acadêmica e pessoal destaca a importância da persistência, do apoio e da leitura no desenvolvimento integral do indivíduo.



SOBRE O AUTOR:

Edmilson Oliveira Silva é acadêmico da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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Palavras e passados: recordações literárias

Palavras e passados: recordações literárias

 

 

As memórias são janelas para o passado, pois revelam os caminhos que trilhamos e os momentos que nos moldaram. Elas carregam consigo as experiências, emoções e aprendizados que construíram nossa identidade ao longo dos anos. Em um mundo cada vez mais acelerado, revisitar nossas memórias é uma forma de valorizar nossa trajetória e compreender melhor quem somos.

Este texto de memórias pretende resgatar as recordações da minha relação com a leitura e a escrita, desde a infância até os dias atuais. Por meio dessas lembranças, espero compartilhar a evolução da minha jornada literária e destacar as influências que foram fundamentais para o desenvolvimento do meu amor pelos livros e pela palavra escrita. Segundo a professora Sara Rojo, o progresso da linguagem escrita ou do processo de letramento infantil está relacionado ao nível de letramento das instituições sociais onde a criança se encontra, assim como as diversas formas de engajamento em práticas discursivas orais através de atividades cheias de significado.

Para iniciar este relato de memória, irei falar um pouco sobre a minha infância. Passei minha infância em um lugar chamado Serra da Bicha, que era afastado de tudo e de todos. A casa mais próxima ficava a cerca de 20 minutos de distância. Não havia estrada para carro; para fazer compras, meus pais iam a Capivari ou pegavam o burro e iam para São Gonçalo do Rio das Pedras. Dormiam na casa de parentes e, de manhã, pegavam o ônibus de Diamantina, faziam uma compra bem grande e voltavam para São Gonçalo do Rio das Pedras. Colocavam as compras no burro e voltavam para casa. Minha mãe e minha avó eram analfabetas, e meu pai mal sabia escrever o nome.

Antes dos meus sete anos, pelo que me lembro, minha infância não foi marcada por uma forte presença de textos escritos. Só tive contato com um livro de matemática, que tinha muitos desenhos e que era da minha avó, e mesmo assim ele desapareceu rapidamente. Não era comum ver livros, jornais ou revistas em minha casa. Antes de frequentar a escola, minha relação com a escrita era quase inexistente. Aprendi as primeiras letras na escola, aos sete anos de idade. A experiência foi desafiadora no início, pois não tinha muita familiaridade com o universo das letras e das palavras.

Quando comecei os estudos, fui morar com minha madrinha (mãe) na comunidade de Capivari. Nos primeiros anos escolares, comecei a desenvolver uma relação mais próxima com a escrita. As aulas de alfabetização eram momentos de descoberta, e lembro-me de escrever pequenas palavras e frases simples. Todos os dias, minha professora escrevia no quadro o nome da escola, o dia, o mês e o ano por extenso. Eu tinha muita dificuldade, mas fui aprendendo aos poucos. A escola desempenhou um papel fundamental em meus letramentos iniciais. Foi no ambiente escolar que tive o primeiro contato consistente com livros e outros materiais de leitura. As atividades escolares me ajudaram a melhorar minhas habilidades de leitura e escrita.

Minha relação com a matemática também começou na escola. Aprendi a contar e a reconhecer números com a ajuda dos professores. Não tenho lembranças claras de saber contar antes de ingressar na escola. Com o tempo, aprendi a somar e subtrair, e essas habilidades se consolidaram com a prática contínua ao longo dos anos escolares. Quando entrei na escola, não sabia fazer contas complexas. Os problemas matemáticos eram desafiadores, mas, com o apoio dos professores e a prática regular, comecei a entender melhor os conceitos matemáticos.

Durante minha vida escolar, não tive acesso a diferentes gêneros textuais. No ensino fundamental I, a escola era bem pequena, tinha somente duas salas, dois banheiros pequenos e uma cozinha. As professoras davam aula para duas turmas ao mesmo tempo. Não havia muitos livros; até os livros didáticos tínhamos que compartilhar com os colegas. Lembro-me de que, no quinto ano, minha professora, chamada Marina, nos obrigava a escolher um livro, ler e depois contar para os colegas. Porém, não havia livros para todos, e os que havia não eram de fácil entendimento.

No ensino fundamental II, perdi meu grande herói, meu pai. Fui morar com minha mãe em outra cidade e lá não tive professores que incentivavam a leitura. Também não era madura o suficiente para entender a importância da leitura e ler por conta própria. No ensino médio, comecei a trabalhar e tinha pouco tempo, pois trabalhava das sete às 17 horas, arrumava no serviço e ia direto para a escola. Chegava em casa por volta das 22h30, tinha apenas tempo para comer, tomar um banho e dormir. As escolas que frequentei tinham bibliotecas, mas eu não era muito motivada a frequentá-las. Minhas visitas à biblioteca eram geralmente para cumprir tarefas escolares específicas.

Comecei a ler depois de me formar no ensino médio. Nessa época, sentia-me sozinha, pois havia me mudado para Belo Horizonte para trabalhar. Depois do horário de trabalho, não tinha nada para fazer ou ver. Foi quando comecei a ler romances, que me permitiram imaginar vários cenários na minha cabeça. A leitura me transportou para outros mundos, proporcionando uma fuga e um conforto que não encontrava na minha nova rotina.

Segundo Brito (2010), ler é uma prática agradável e poderosa, pois estimula a capacidade criativa, amplia o conhecimento e oferece uma nova perspectiva sobre o mundo. O leitor estabelece uma conexão dinâmica entre a fantasia dos livros e a realidade de seu ambiente social. Nesse cenário fascinante, a criatividade, a imaginação e o raciocínio se destacam, abrindo um leque de possibilidades.

Na universidade, meus hábitos de leitura e escrita mudaram. Passei a ler mais textos acadêmicos e a escrever de forma mais crítica e analítica. Essas mudanças trouxeram aspectos positivos; minha capacidade de compreensão e análise textual melhorou significativamente. Atualmente, leio tanto autonomamente quanto os textos recomendados pelos professores e participo de grupos de leitura, o que enriquece ainda mais minha experiência literária.

No entanto, sinto que os professores do ensino fundamental e médio poderiam ter me preparado melhor. Se tivesse tido um contato mais profundo e constante com a leitura desde cedo, talvez minha transição para a leitura acadêmica e a escrita crítica tivesse sido mais natural. Mesmo assim, valorizo cada etapa da minha jornada, pois cada livro e cada texto lido contribuíram para o meu desenvolvimento pessoal e intelectual.

Como futura professora, pretendo cultivar uma relação constante e significativa com a leitura e a escrita. Quero inspirar meus alunos a descobrir o prazer da leitura, proporcionando-lhes as ferramentas necessárias para desenvolver essas habilidades de forma plena e enriquecedora. Pretendo criar um ambiente de aprendizado onde a curiosidade e a criatividade sejam incentivadas, permitindo que cada aluno encontre seu próprio caminho no mundo das palavras.

Cada etapa da minha vida contribuiu para o desenvolvimento das habilidades que valorizo e que continuarei a aprimorar no futuro. Minha experiência pessoal mostrou como a leitura pode ser uma fonte de conforto, conhecimento e crescimento. Desejo transmitir essa paixão aos meus alunos, ajudando-os a reconhecer o poder transformador da leitura e da escrita. Assim, espero não apenas educar, mas também inspirar uma nova geração de leitores e escritores apaixonados, preparados para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades que surgirem em suas vidas.

Ao refletir sobre minha trajetória de leitura e escrita, percebo como cada etapa, desde minha infância até minha vida adulta, desempenhou um papel crucial no desenvolvimento das minhas habilidades literárias. As dificuldades e limitações que enfrentei, tanto em termos de acesso quanto de motivação, foram superadas pela descoberta do prazer da leitura e pelo impacto transformador que os livros tiveram em minha vida.

Minha experiência pessoal me ensinou que a leitura é uma janela para outros mundos e uma ferramenta poderosa para o crescimento intelectual e emocional. Essas memórias moldaram não apenas quem sou hoje, mas também meus objetivos futuros como educadora. Como futura professora, estou determinada a criar um ambiente de aprendizado que valorize e incentive a leitura e a escrita, proporcionando aos meus alunos as oportunidades que me faltaram no início.

Quero ser uma fonte de inspiração para meus alunos, ajudando-os a descobrir o prazer da leitura e a importância da escrita em suas vidas. Ao transmitir minha paixão pelos livros e pelo conhecimento, espero cultivar uma nova geração de leitores e escritores apaixonados, preparados para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades que a vida lhes oferecer.

Assim, cada livro lido, cada texto escrito e cada memória revisitada não só enriqueceram minha vida, mas também me prepararam para inspirar e educar aqueles que cruzarem meu caminho. Continuarei a aprimorar minhas habilidades e a valorizar cada etapa da minha jornada literária, sempre buscando transmitir aos meus alunos o poder transformador da leitura e da escrita.



SOBRE A AUTORA:

Claudiana Silva Sincurá é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

Para adquirir a versão impressa, a preço de custo, CLIQUE AQUI! 

Entre laços literários e desafios acadêmicos

Entre laços literários e desafios acadêmicos

Como diz Chimamanda Ngozi Adichie, “Todas essas histórias fazem de mim quem eu sou. Mas insistir somente nessas histórias negativas é superficializar minha experiência e negligenciar as muitas outras histórias que me formaram. A única história cria estereótipos. E o problema com estereótipos não é que eles sejam mentira, mas que eles sejam incompletos.” Não só Chimamanda, mas observando as tendências atuais na literatura, tenho percebido um incentivo crescente à valorização da diversidade. Isso se reflete, por exemplo, na representação da minha identidade como mulher negra e quilombola.

Um exemplo notável é a obra de Chimamanda Ngozi Adichie, que tem impactado profundamente a cena literária global, especialmente no contexto da cultura afro. Essa influência ressoa fortemente com minha posição na produção literária, alinhando-se com minha visão de mundo e com o letramento que adquiri até o momento.

Mas por que focar na literatura e entender minha posição na produção literária, quando talvez eu devesse apenas registrar uma simples memória de letramento? A resposta é simples: o letramento vai muito além da alfabetização (a habilidade de ler e escrever). No entanto, vou me concentrar nas minhas experiências pessoais e na minha evolução com a leitura e a escrita ao longo da minha vida, mostrando como essas experiências moldaram meu desenvolvimento educacional e pessoal de maneira profunda e significativa.

Lembranças de livros específicos que abriram minha mente para novos mundos, professores inspiradores que despertaram minha paixão pelo conhecimento e atividades escolares que transformaram minha visão do aprendizado estarão no centro desta narrativa. Cada uma dessas experiências está intimamente ligada ao letramento, que nos permite viver, sonhar e nos inspirar. Através dos diversos gêneros literários, especialmente aqueles que mais me emocionam ao recordá-los, quero compartilhar o impacto transformador da leitura e da escrita.

Uma das obras que considero marcantes na minha infância é “Menina Bonita do Laço de Fita”, de Ana Maria Machado. Essa história se destaca como uma das minhas favoritas, exercendo profunda influência na minha percepção da beleza negra. Pela primeira vez, vi uma personagem que refletia minha própria imagem, e isso teve um impacto significativo na minha autoestima. Eu e meus colegas de turma encenamos um teatro baseado na história, o que incentivou minha criatividade e meu amor pelas obras literárias. Essa experiência pessoal, juntamente com minha vivência na comunidade, reforça a importância do acesso à literatura desde cedo.

Um trecho da historinha que mais me marcou foi: “Por isso, um dia ele foi até a casa da menina e perguntou: – Menina bonita do laço de fita, qual é teu segredo para ser tão pretinha? A menina não sabia, mas inventou: – Ah deve ser porque eu caí na tinta preta quando era pequenina… O coelho saiu dali, procurou uma lata de tinta preta e tomou banho nela. Ficou bem negro, todo contente. Mas aí veio uma chuva e lavou todo aquele pretume, ele ficou branco outra vez”. Recriar essa cena, interpretando e narrando juntamente com meus colegas, abriu minha mente para novos horizontes.

Considerando que desde criança sempre fui incentivada a ler, durante o Ensino Fundamental 1 na escola XV de Novembro da minha comunidade local, a Comunidade Quilombola do Paiol, a professora Eliana, nossa querida professora daquela época e até hoje, sempre demonstrou grande dedicação à leitura e aos poemas. Ela costumava nos passar livrinhos literários e históricos, incentivando a criação de contos e recontos. Essa prática constante contribuiu para que eu desenvolvesse um profundo gosto pela literatura e pela leitura. Além disso, vivendo na nossa comunidade, ela contextualizava todas as aulas com nossa experiência de vida, o que significou um avanço significativo no nosso letramento.

Quando ingressei no Ensino Fundamental II, meu amor pela leitura continuou evidente. Adorava passar o tempo na biblioteca durante o recreio. No entanto, a proximidade com a literatura não era mais tão intensa quanto no Ensino Fundamental I. Tínhamos uma aula por semana chamada “Literatura”, onde estudávamos barroco, cordel, entre outros. Embora interessante, não era tão estimulante quanto às atividades criativas do Fundamental I. Mesmo assim, mantive o hábito de ler e comecei a apreciar também a ficção científica, que me proporciona visões do futuro. Quando se trata de ficção científica, pode parecer loucura, mas num mundo tão interconectado e dinâmico, desde pequenos somos rápidos em nos adaptar às tecnologias atuais; no entanto, é crucial sabermos utilizá-las para o bem maior. Além disso, eu amava mergulhar nos quadrinhos da “Turma da Mônica”, do autor Maurício de Sousa, especialmente pelos variados personagens como Chico Bento, Mônica, Magali, entre outros, porque eles me proporcionavam momentos de diversão e me permitiam mergulhar em histórias cativantes e cheias de aventuras.

Havia um aspecto que me desagradava em algumas histórias: o desfecho trágico. Muitas vezes, começavam felizes, mas terminavam de maneira dolorosa e triste. Na escola, participei de eventos onde conquistei títulos, como o primeiro lugar em uma gincana sobre “Reconto”, interpretação e produção de texto de poema, e o segundo lugar em outras competições. Com a chegada da pandemia, o acesso aos livros físicos ficou mais difícil, mas a internet proporcionava alternativas. No entanto, acabei me distanciando um pouco da leitura nesse período.

Ao ingressar na faculdade e explorar a Linguagem e Códigos, percebi que, mesmo antes, tinha contato constante com a literatura, mas minha visão sobre ela não era tão apurada como é hoje. O percurso acadêmico trouxe uma compreensão mais profunda e uma conexão ainda maior com o mundo literário, tornando-me letrada em várias etapas da minha vida. Durante esse período, um docente lançou um desafio: quem fizesse a melhor interpretação em áudio de um trecho do livro “Torto Arado”, de Itamar Vieira Junior, ganharia o livro “Do Amor e Outros Demônios”, de Gabriel García Márquez. Aceitei o desafio, fiz uma interpretação envolvente e ganhei o livro. Depois disso, ao decorrer dessa jornada universitária fui presenteada com vários outros livros: “Como Educar as Crianças no Mundo das Telas” de Igor Amin, “Linguagem e Autismo: Conversas Transdisciplinares,” organizado por Luiz Magnani e Gustavo Ruckert. “Os Vales que Educam,” de Lemes et al. Futuramente, pretendo criar uma pequena biblioteca dentro da minha casa, que é um sonho de infância. Os docentes me deixam feliz quando me presenteiam com um bom livro. Gratidão!

Para mim, a literatura desempenha um papel crucial em minha formação e no meu letramento. Através dela, é possível educar, desmantelar estereótipos, sonhar e imaginar, influenciando meus futuros docentes. Ela se torna um veículo essencial para o desenvolvimento pessoal, proporcionando um meio de expressão e compreensão do mundo que vai além das barreiras cotidianas.



SOBRE A AUTORA:

Caroline Rodrigues Ferreira é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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Memórias de meus letramentos

Memórias de meus letramentos

Resido na comunidade Quilombola Paiol, localizada no município de Cristália-MG. Sou filha de mãe analfabeta e pai alfabetizado. Acredito que meu primeiro contato com os letramentos foi quando ouvia minha mãe contar histórias e causos sobre a comunidade, que me lembro até hoje. Também recordo diversas brincadeiras que tinham a ver com gêneros escritos, como amarelinha e quebra-pedra, entre outras. Aos 6 anos, tive meus primeiros contatos com a Escola Municipal da cidade de Cristália, que fica a nove quilômetros de distância da comunidade.

Naquela época, enfrentei muitos desafios para estudar, inclusive para pegar o transporte escolar, pois tinha que caminhar meia hora a pé, já que o ônibus não chegava até a porta da minha casa. Embora houvesse uma escola dentro da comunidade, minha mãe optou por me matricular na cidade, pois a escola da zona rural funcionava apenas pela manhã. Assim, não havia como eu ir todos os dias a pé, sozinha, até a escola, que ficava a 5 quilômetros de casa. Como meus irmãos estudavam na cidade, facilitava meu deslocamento, já que eles cuidavam de mim e ajudavam a levar meus materiais até o ponto de ônibus.

No ensino fundamental, passei por algumas dificuldades para aprender a ler, embora já tivesse uma boa coordenação motora, desenvolvida nas brincadeiras de ‘escrever’ no chão de terra batida com pedaços de madeira. Na escola, viajantes vendiam livrinhos de histórias de princesas, e meu sonho era adquirir aqueles livros com lindas imagens. Mesmo sem saber ler perfeitamente, eu podia olhar as imagens e, com o CD que acompanhava o kit, ouvir as histórias. Apesar das dificuldades financeiras, meus pais sempre compravam esses kits para mim. Quando eu os adquiri, já tinha uma imaginação de contos de fadas, e minha vontade de ler todos os parágrafos das histórias e interpretá-los era muito grande. Isso foi um dos incentivos para aprender a ler.

Ao longo dos anos, meu desejo pelos estudos foi aumentando, mas sempre tive dificuldade em matemática; as contas eram algo que complicava minha cabeça. Nos anos iniciais, aprendi a contar os primeiros números e depois a fazer operações de soma e subtração. Sempre levava moedas para comprar meu lanche, mas não sabia o valor de muitos números e tinha que perguntar aos funcionários o que poderia comprar. Isso me causava muita vergonha, pois eu queria saber o valor de cada moeda.

Minha família sempre influenciou na escola e no papel dos letramentos, inclusive nos conteúdos voltados à área da matemática. Os principais incentivos partiram do berço familiar, antes mesmo de me alfabetizar, sendo de certa forma influenciada pelo meio social em que vivia. Aos poucos, fui aprendendo a reconhecer o dinheiro e as horas.

Na escola que frequentei durante os anos iniciais, não havia uma biblioteca. Assim, quando precisávamos de algum material ou livro didático-pedagógico, tínhamos que nos deslocar até a Secretaria de Educação, que ficava a cerca de um quilômetro de distância da escola. A locomoção e a distância entre os dois locais dificultavam o acesso contínuo aos livros didáticos. Nos anos finais do ensino fundamental, já não tive mais problemas em relação à biblioteca e às leituras, uma vez que fui estudar na Escola Estadual. Naquele período, os docentes sempre nos incentivavam a realizar atividades articuladas aos livros. No entanto, enfrentei grande dificuldade com leitura crítica e interpretação de texto, e acredito que isso foi um dos resultados da falta de diversidade de leitura no início da alfabetização.

Ao iniciar os estudos na universidade, tive bastante dificuldade com diversos gêneros textuais, com a escrita e com a leitura engajada, entre outros. No entanto, ao longo do tempo, fui praticando e, assim, melhorando tanto na forma de escrever quanto na forma de expressar minhas opiniões sobre diversos temas. Atualmente, me identifico com a linguagem e temas e consigo acompanhar os conteúdos das unidades curriculares, pois são bem contextualizados com a realidade dos educandos.

Vale ressaltar o quanto os estudos, práticas e pesquisas desenvolvidas até aqui têm fortalecido meu processo formativo como educadora do campo. Pretendo enriquecer ainda mais meu conhecimento acadêmico e, assim, no futuro, ter a capacidade de articular conteúdos diversos à realidade dos meus alunos, proporcionando desenvolvimento tanto no processo de aprender quanto de ensinar.



SOBRE A AUTORA:

Amanda Pereira dos Santos é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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Memórias de Letramentos 5 – Apresentação

Memórias de Letramentos 5 – Apresentação

Este é o quinto volume da coleção Memórias de Letramentos, iniciada em 2017 em parceria com meu compadre Luiz Henrique Magnani, também professor da nossa Universidade, a UFVJM. Outros colegas contribuíram em outras edições, como Rosana Baptista dos Santos e Mauricio Teixeira Mendes. Neste volume, sete anos depois, trago para os leitores 10 narrativas autobiográficas de sujeitos dos nossos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Já somos 148 vozes, cada uma com sua identidade, mas muitas similaridades em termos de formação e letramentos. Não necessariamente nesta ordem, o livro conta com dois textos oriundos da Comunidade Quilombola Paiol, situada em Cristália-MG, município que conta também com um terceiro texto. Quatro outras narrativas vêm da Comunidade Quilombola Capivari, situada no Serro-MG; e a Comunidade Quilombola do Peixe Bravo, situada em Riacho dos Machados-MG, é a origem do último dos textos quilombolas. Completam a edição um texto de Diamantina-MG e outro de Coronel Murta-MG.

Temos um livro cheio de emoção, com histórias e reflexões importantes, não apenas para os autores e autoras, estudantes da Licenciatura em Educação do Campo, mas também para pesquisadores e cidadãos comuns que se preocupam com reflexões sobre letramentos, diversidade e educação, ou gostam de textos autobiográficos. São novas vozes que se juntam a outras tantas eternizadas em nossa coleção, com questões antigas, como acesso à educação e certos bens culturais, mas também com experiências lindas de superação, generosidade e criatividade.

Refletir sobre como aprendemos, especialmente com as letras e seus contextos, nos torna cidadãos mais críticos e conectados com a realidade. Pensar sobre como aprendemos nos ajuda a melhorar nossas práticas de aprendizagem e ensino, a promover a autonomia e o diálogo. Em um mundo cheio de informações e armadilhas, altamente letrado em termos de presença da escrita, o professor precisa ser reflexivo e precisa saber lidar com essas mudanças. A ‘leitura de mundo’, defendida por Paulo Freire na Conferência de Abertura do 3° Congresso de Leitura do Brasil (COLE), em Campinas, 1981, vai além da palavra escrita e continua tão necessária quanto nos tempos difíceis que levaram o educador ao exílio. Refletir sobre a realidade de uma educação real, dos vales, que, como tantas existentes em nossos territórios, promove ‘leitura de mundo’.

A escrita dessas memórias fez parte das atividades da disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, oferecida para estudantes da Licenciatura em Educação do Campo, habilitação Linguagens e Códigos, em julho de 2024, no período que denominamos Tempo Universidade, que, grosso modo, é um período em que os nossos estudantes do campo comparecem presencialmente à Universidade. Quando não estão na Universidade, aguardam as visitas dos professores em suas comunidades, tarefa que sempre me traz imenso prazer e muitas aprendizagens.

A disciplina incluiu reflexões teóricas e pesquisas práticas sobre letramentos e práticas nas áreas de formação dos alunos-autores e futuros professores. Promover o diálogo entre os estudantes e o público externo à universidade também foi um dos objetivos da disciplina. Para isso, este material foi produzido em etapas que incluíram oficina de escrita de narrativas, revisão, diagramação e edição final. Adicionalmente, cada texto é acompanhado de um podcast, que, em conjunto com estes dez textos que aqui apresento, serão publicados no site do Projeto de Extensão Aula Digital – auladigital.net.br – e divulgados nas redes sociais – instagram.com/auladigital.net.br.

O material também promove troca de saberes, trazendo para a universidade reflexões e ensinamentos sobre como nossa gente aprende, especialmente na adversidade. Assim, nós, os professores, aprendemos com eles em uma saudável inversão de papéis que nos auxilia a descobrirmos os caminhos do saber junto a eles, aprendendo a arte de ensinar e a melhor forma de guiar, transformando-nos em estudiosos e orientadores mediadores mais conectados com o mundo.

Nesse processo de troca e crescimento, vemos a urgência de não apenas abrir os portões das universidades, mas de possibilitar que o caminho seja virtuoso com políticas de permanência, além da necessidade de se manter sempre as janelas abertas para que não se percam o diálogo, as mudanças e a complexidade do mundo.

Para adquirir a obra gratuitamente em formato digital, ou impresso a preço de custo, clique na imagem com as capas dos livros acima, ou na capa do volume 5 abaixo, ou AQUI!

Carlos Henrique Silva de Castro

Outubro/2024

Licenciatura em Educação do Campo (LEC)

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)



SOBRE O AUTOR DO TEXTO E ORGANIZADOR DO LIVRO:

Carlos Henrique Silva de Castro é um professor e pesquisador brasileiro que atua no Ensino Superior pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) no curso Licenciatura em Educação no Campo, em cursos de licenciatura da Diretoria de Educação Aberta e a Distância (DEAD) e no Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas (PPG-CH), Linha de Pesquisa Práticas Educacionais, Culturais e Linguagens. Licenciado e bacharel em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG / 2000-2005), atua nas áreas Linguagem e Tecnologia e Ensino de Português. É doutor em Estudos Linguísticos / Linguística Aplicada pela UFMG (2011-2015), com período sanduíche na University of California, Santa Barbara (UCSB / 2013-2014). Fez estágio pós-doutoral na UFMG (2018-2019) com pesquisa acerca de letramentos digitais e educação. Atuou como consultor da Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, Ciência e Cultura (OEI). Como professor visitante, fez estágio pós-doutoral na Universidad Complutense de Madrid em associação com a Universidade de Aveiro (2021-2022), com pesquisa de viés etnográfico sobre educação linguística, plurilíngue e multicultural. Mais detalhes sobre sua produção na seção DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA e no currículo lattes: https://lattes.cnpq.br/8846976753165320.

 

 

 

Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.

 

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Agroecologia contra o êxodo rural: o caso do Serro/MG

Agroecologia contra o êxodo rural: o caso do Serro/MG

Práticas agroecológicas estão sendo desenvolvidas por moradores da cidade de Serro e região, devido à lacuna percebida na aplicação de atividades econômicas sustentáveis no município. A agroecologia representa uma forma de resistência ao êxodo rural, especialmente nas comunidades quilombolas. O relacionamento entre o campo e a cidade sempre foi mal compreendido, embora sejam espaços interdependentes. No entanto, uma idealização promovida pelo setor econômico e capitalista retrata o homem do campo como alguém atrasado, sem acesso a tecnologias modernas e incapaz de se integrar aos espaços urbanos. Nesse contexto, cabe uma reflexão por parte dos moradores de Serro-MG, onde a agricultura familiar exerceu uma influência significativa na formação do município. No entanto, os moradores afirma

A principal razão para o êxodo rural na região de Serro é a falta de políticas públicas voltadas para o campo, a escassez de acesso à terra para os jovens e a ausência de apoio técnico para sua produção. Esta realidade automaticamente leva as pessoas a abandonarem o campo em busca de melhores condições nas cidades. Muitas vezes, elas escolhem migrar para grandes metrópoles, levando suas famílias consigo, resultando assim no êxodo rural. Em alguns casos, optam por migrar ilegalmente para os Estados Unidos. Segundo Fonseca (2015) [1], “O problema do êxodo rural é uma consequência da mecanização da agricultura, onde os pequenos agricultores não conseguem competir no mercado devido à falta de recursos”.

Consequentemente, os agricultores acabam abandonando suas terras e procurando novas oportunidades nas cidades. Isso enfraquece nossas identidades e contribui para a desterritorialização de espaços que foram conquistados por nossos antepassados, resultando também na perda de nossas culturas. Para tentar resolver parte desses problemas e dar protagonismo às pessoas que realmente vivem no território, a Agroecologia tem sido discutida como uma abordagem sustentável para lidar com a terra na região. Universidades, escolas e associações têm promovido discussões sobre o tema por meio de projetos de extensão, rodas de conversa, feiras agroecológicas e trocas de sementes, com a participação das comunidades.

A prática da agroecologia parte do pressuposto de que não basta apenas produzir para sobreviver bem, mas é essencial produzir com consciência e respeito à natureza e ao local, visando criar condições de sobrevivência. Essas práticas também são capazes de promover a soberania alimentar da população local. Conforme Jesus e Paes (2020) [2] esclarecem, “A comunidade de Capivari é tradicional e preserva suas práticas culturais de manejo ambiental, preparo da terra e conservação de sementes crioulas há várias gerações”. Um exemplo desse movimento dentro do município envolve a participação de jovens e mulheres nas práticas agroecológicas, como o coletivo de Mulheres da Comunidade Quilombola Ausente Feliz. Liderado por mulheres, o coletivo tem promovido diversas iniciativas para geração de renda na comunidade.

O coletivo tem compartilhado experiências e métodos tradicionais de trabalho na terra em eventos regionais e nacionais. Isso destaca a importância de nossas lutas em defesa do uso sustentável do solo em nossos territórios quilombolas, bem como a valiosa permanência dos jovens que se reconhecem e se identificam com o espaço rural. Dessa forma, por meio das técnicas agroecológicas, a comunidade começa a desafiar a ideia de que os grandes capitais, especialmente na nossa região, a partir da mineração, trazem desenvolvimento para a região. No entanto, é importante destacar que os únicos beneficiários dessa exploração são os proprietários das mineradoras, políticos e fazendeiros que concentram grandes riquezas em suas mãos. Não há espaço para mineração onde a agricultura é a base de sustento, ou onde existem comunidades quilombolas.

Portanto, é essencial conscientizar nossa população, especialmente os jovens, sobre os danos que o poder capitalista pode causar. Isso inclui exemplos de abandono de nossas culturas, famílias e áreas rurais. Para efetuar isso de maneira eficiente, devemos criar espaços em escolas, universidades e na própria comunidade, onde possamos discutir esses temas relacionados à Agroecologia e ao êxodo rural, além de destacar o potencial de nossa região para crescer de maneira sustentável na agricultura.

Referências

[1] FONSECA, Wéverson Lima; et al. Causas e consequências do êxodo rural no nordeste brasileiro. Revista Nucleus, v. 12, 2015. Disponível em: https://www.nucleus.feituverava.com.br/index.php/nucleus/article/view/1422/0.

[2] JESUS, Nanci Ribeiro; PAES, Silvia Regina. Horta Comunitária “Jovens de Capivari”. Cadernos de Agroecologia, v. 15, n. 3, 2020. Disponível em: https://cadernos.aba-agroecologia.org.br/cadernos/article/view/6378.



SOBRE O AUTOR

Valderes Quintino Silva é acadêmico da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.

Educação sexual e prevenção da gravidez na adolescência

Educação sexual e prevenção da gravidez na adolescência

A taxa alarmante de gravidez na adolescência no Brasil continua a ser um desafio persistente para as políticas de saúde pública e educação. Segundo dados do governo brasileiro (2023), uma em cada sete mães de recém-nascidos é adolescente, totalizando 1.043 adolescentes se tornando mães todos os dias [1]. Essas estatísticas não apenas representam números impressionantes, mas também revelam uma realidade preocupante: a falta de acesso a informações e educação sexual adequada entre os adolescentes.

O Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), ferramenta do Sistema Único de Saúde (SUS), fornece uma visão sombria da situação, destacando não apenas a prevalência de gravidez na adolescência, mas também a faixa etária preocupante das mães adolescentes. De acordo com os dados, duas das 44 mães adolescentes que dão à luz a cada hora têm entre 10 e 14 anos de idade [1]. Esses números não são apenas estatísticas frias, mas representam vidas jovens afetadas por consequências profundas e duradouras (SUS, 2023).

Por trás desses números estão histórias reais de jovens, como Viviane, do município de Cristália-MG, que aos 15 anos de idade se viu enfrentando uma gravidez não planejada. Viviane compartilhou sua história, revelando uma lacuna preocupante na educação sexual dentro de sua família e escola. Sua mãe não abordou o assunto em casa; na escola, os professores não ofereceram orientação adequada sobre prevenção da gravidez e saúde sexual. Em suas próprias palavras, Viviane não temia a gravidez; o tema era tratado com piadas entre colegas e a falta de informação e apoio a levaram a abandonar os estudos. A história de Viviane não é única. Muitas adolescentes enfrentam desafios semelhantes devido à falta de educação sexual adequada. E isso não é apenas uma questão de evitar a gravidez na adolescência, mas também de promover relacionamentos saudáveis, prevenir doenças e infecções sexualmente transmissíveis e capacitar os jovens para tomarem decisões informadas sobre sua saúde e bem-estar.

Diante desse cenário, é crucial reconhecer o papel fundamental das escolas na educação sexual dos adolescentes. As escolas não apenas têm a responsabilidade de fornecer informações precisas e abrangentes sobre saúde sexual e reprodutiva, mas também de criar um ambiente seguro e acolhedor onde os alunos se sintam à vontade para discutir esses assuntos sem vergonha ou estigma. A inclusão da educação sexual no currículo escolar não é apenas uma questão de fornecer informações sobre anatomia e contracepção; trata-se também de promover valores como respeito, consentimento e igualdade de gênero. Os adolescentes precisam entender não apenas como evitar uma gravidez não planejada, mas também como construir relacionamentos saudáveis e tomar decisões responsáveis em relação à sua vida sexual.

Apesar da alta taxa de gravidez na adolescência e de todas as dificuldades enfrentadas por essas mães adolescentes, esse assunto ainda gera opiniões divididas, especialmente quanto à abordagem nas escolas. Algumas pessoas acreditam que a educação sexual nas escolas não irá ajudar os adolescentes, considerando que pode ser cedo demais para eles serem expostos a certos temas, ou que isso contradiz tradições culturais, religiosas, entre outros aspectos, além de receios sobre incentivar a prática sexual. Segundo a pesquisadora Fabiana Maranhão (2019) [2], o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro expressou sua opinião sobre esse assunto, chegando a afirmar que “quem ensina sexo para a criança são o papai e a mamãe”. Outros líderes que são contra a educação sexual nas escolas, além das lideranças políticas, são os religiosos, que argumentam que essa educação pode acarretar “sexualização precoce” ou até mesmo “estimular a troca de sexo”.

Contudo, é de suma importância abordar esse assunto nas escolas, mesmo que gere polêmica. Acreditamos que, quando tratado de forma leve, responsável e inclusiva, pode trazer inúmeros benefícios para crianças e adolescentes. Através dessa educação, eles podem aprender sobre si mesmos, suas emoções e desenvolver o respeito mútuo, além de receber informações essenciais sobre prevenção da gravidez precoce e outros temas relevantes. É crucial que tenham acesso a informações corretas e respeitosas para tomar decisões conscientes sobre suas vidas. A abordagem aberta também ajuda a combater tabus e preconceitos, promovendo uma cultura de respeito e compreensão. Além disso, a participação dos pais e líderes é fundamental para apoiar e complementar essa educação, garantindo que haja um ambiente de apoio e diálogo em casa e na comunidade. Em última análise, a educação sexual nas escolas pode contribuir para a formação de indivíduos conscientes, responsáveis e respeitosos em nossa sociedade.

 

Referências

[1] Ministério da Educação do Brasil. (2023). Por hora, nascem 44 bebês de mães adolescentes no Brasil, segundo dados do SUS. Recuperado de <https://www.gov.br/ebserh/pt-br/comunicacao/noticias/por-hora-nascem-44-bebes-de-maes-adolescentes-no-brasil-segundo-dados-do-sus> Acessado em: 12/02/2024.

[2] Maranhão, Fabiana. (2019). Educação sexual nas escolas é menor do que imaginamos. Recuperado de <https://novaescola.org.br/conteudo/15749/educacao-sexual-nas-escolas-e-menor-do-que-imaginamos> Acessado em: 20/02/2024.



SOBRE AS AUTORAS

Thalyta Cristina Gomes Martins e Vívian Emanuelly Rodrigues Borges são acadêmicas da Licenciatura em Educação do Campo (LEC), curso ofertado pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziram este artigo de opinião na disciplina Diversidade e Educação, ofertada no segundo semestre letivo de 2023 (janeiro a junho de 2024). Foram orientadas pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro.