Parte de uma história

Parte de uma história

Por Ingred Pereira da Silva [1]

Sempre fui muito dedicada aos estudos, gosto muito de ler, de ouvir histórias e sempre tive facilidade em aprender e falar em público. Estudar/aprender, para mim, era, e é, com certeza, algo muito prazeroso. Acredito que as minhas relações com a leitura dentro e fora da escola contribuíram muito para que esse prazer fosse constante em minha vida.

Na infância, era muito curiosa, aquele tipo de criança que perguntava o porquê de tudo. Lembro-me de minha mãe lendo a bíblia e celebrando os cultos na Igreja da minha comunidade com os folhetos litúrgicos, de minhas primas com os livros didáticos que usavam na escola: estes eram os contatos mais diretos que tinha com textos escritos antes de iniciar meus estudos.

As lembranças que guardo de toda minha vida são, na maioria, a partir de quando entrei na escola. Comecei a estudar com quatro anos na educação infantil (Pré-Escolar), momento em que aprendi a escrever meu nome e a ler. Isto era algo que eu queria muito. Depois que aprendi a ler, lia tudo que encontrava pela frente: placas, rótulos, entre outros, orgulhosa porque havia aprendido a ler. Quando estava no primário, participei de uma encenação teatral, representando a Chapeuzinho Vermelho. Acredito esta representação motivou meu gosto pela leitura, por histórias e por falar em público. Nesta época, tive uma professora de quem gostava muito, Tia Nardete, que me incentivou muito e por quem tenho, até hoje, um carinho grande. Ainda na infância, iniciei a catequese na igreja onde fazia atividades em grupo, a qual colaborou para desenvolvimento em mim de uma nova forma de entender o trabalho coletivo. Entendo que a escola teve papel fundamental para meu processo de letramento.

Foi no Ensino Fundamental I que tive maior acesso aos livros, às mídias e a produções textuais. Comecei a produzir textos, ler livros e recontá-los, e até mesmo a fazer resumos de filmes assistidos em sala de aula. Recordo-me de um momento de leitura que tive durante as aulas: o professor tinha um grande livro de contos e, a cada dia, lia um texto diferente Era o momento que eu mais esperava e sempre pedia ao professor para que me emprestasse o livro para levar para casa. O que eu escrevia antes dessa fase na escola se relacionava às questões de alfabetização, escrever palavras, formar frases etc. Como disse, no Ensino Fundamental I, exercitei minha escrita e leitura textual, que foram melhorando com o passar dos anos. Já no Ensino Fundamental II, aumentei meu repertório de leitura e pude ler livros de difícil acesso, como os de Shakespeare, Machado de Assis, Drummond entre outros. Tais livros estavam disponíveis na biblioteca da escola. Além disso, realizei várias atividades, como por exemplo, uma peça de teatro baseada em um livro. Os recontos e resumos passaram a estar mais presentes nos projetos de leitura. Durante essa etapa, tive ótimos professores que sempre me motivaram e acreditaram em minha capacidade, em especial o professor de história, Pedro, conhecido como Juninho. Suas aulas eram boas e construtivas, e me possibilitavam entender os fatos históricos e contemporâneos de forma mais analítica, permitindo-me contribuir com minhas considerações e pontos de vista. Meu senso crítico melhorou.

Durante o Ensino Médio, aumentei meu contato com os livros e tive mais acesso às mídias, como, por exemplo, o datashow. Realizava várias apresentações usando esses instrumentos mais modernos. Uma vez, meu grupo e eu fizemos um teatro através de vídeo, contando a história de Fernando Sabino, uma experiência muito rica.

Atualmente, estou cursando a Licenciatura em Educação do Campo (LEC), habilitação em Linguagens e Códigos, na Universidade Federal dos Vales Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Essa nova etapa é cheia de novas descobertas e experiências, como o aumento de minhas atividades de escrita e de leitura, de questionamentos sobre o mundo, minha vida acadêmica e meus pontos de vista. Por um lado, há pontos positivos: progresso na leitura, na escrita, na organização, na criticidade entre outros. Por outro, há pontos negativos: deixar de ler alguns textos/livros que costumava, para ler os que estão relacionados às temáticas estudadas, e que os professores solicitam. Apesar de todas essas coisas acredito que a caminhada vale a pena.

Enfim, todas estas fases que passei fizeram de mim o que sou hoje. Agradeço a Deus por me permitir viver para experimentar tudo isso, à minha família, em especial à minha mãe, Claudiana Silva, que sempre esteve do meu lado, aos colegas que andaram e andam juntos comigo por esses caminhos, e aos professores que acreditaram e acreditam em mim e na educação.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Meu processo de letramento

Meu processo de letramento

Ilza Fernandes de Oliveira [1]

Lembro-me que nós brincávamos de escolinha, substituindo o giz pelo carvão. Juntávamos grupinhos onde um de nós era o professor. Trocávamos de função para que todos pudessem ser o professor.   Brincávamos de escrever e desenhar, pois para nós essa era uma ótima aula. Cada um tinha uma enorme vontade de ir para escola. Tive meu primeiro lápis e caderno quando fui para a escola, com cinco anos. O primeiro livro também me foi dado nessa época. Eram experiências muito emocionantes, parecia até que eu tinha ido para um outro mundo.

Infelizmente não tivemos acesso a nenhum tipo de texto escrito até determinada idade, mas conhecemos muitos textos orais por causa dos contos que nossos pais contavam. Só tive acesso a livros quando meus irmãos traziam da escola. Esse foi o meu acesso a livro escrito. Fiquei muito curiosa, principalmente por causa das imagens que via. Era um mundo maravilhoso, fantasioso. Eu adorava revistas que tinham muitas gravuras. O acesso ao computador só ocorreu no final do ensino fundamental. Computador e internet, para mim, eram coisas de outro mundo, porque tudo que eu queria ver estava lá. Isso ocorreu quando eu já tinha 17 anos. Foi assim que eu conheci este mundo virtual. Hoje, crianças de um ano ou menos possuem acesso à internet.

Na escola, nos primeiros anos, as professoras nos davam revistas em quadrinhos. As figuras despertavam em nós o interesse pela leitura e escrita. Havia biblioteca nas escolas em que fiz o ensino fundamental e médio. Na universidade também há biblioteca. Somos incentivados a ler livros para que possamos desenvolver a leitura e a escrita. Isso foi muito importante, pois hoje meu interesse pela leitura aumentou, porque não eu tinha esse interesse em aprimorar esse processo de aprendizagem. Essas são as grandes mudanças que ocorreram na minha vida. 

Para mim, a minha formação, no ensino médio e na faculdade, é muito importante, porque incentivam tanto a família e os amigos a tentarem obter uma formação. Infelizmente, meus pais não tiveram oportunidade de estudar, então, já que eu estou tendo essa oportunidade, quero aproveitar e dar orgulho a eles.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Conto de uma vida

Conto de uma vida

Por Fernanda Lemes Costa [1]

Nasci no dia dez de setembro de 1981, em Diamantina, e cresci em Senador Modestino Gonçalves, Minas Gerais, onde vivo até os dias atuais. Iniciei a Educação Infantil aos sete anos, na Escola Estadual Darcília Godoy. Recordo-me com muita saudade de minha primeira professora, tão querida Tia Lada. Hoje posso dizer que ela deixou marcas positivas e permanentes em mim, com sua infinita paciência, seu carisma e sua sabedoria, fazendo, assim, uma ponte entre professor e aluno sempre com muito respeito e amor. 

Ao voltar ao passado, lembro-me como foi meu primeiro contato com a leitura e a escrita. Minha alfabetização foi marcada por muita ansiedade e descobertas, pois passei a conhecer um mundo cheio de letras, números e cores.

Minha alfabetização se deu através das cantigas de roda, contos literários, histórias contadas a partir de desenhos feitos em cartolinas (o que me permitia construir histórias usando minha imaginação), e através das datas comemorativas de cada mês. A minha época preferida do ano era o mês de outubro, que tinha a semana da criança com várias brincadeiras educativas. Esta era uma iniciativa dos professores, que nos levavam para um lindo gramado verde e fazíamos grandes descobertas, pois as brincadeiras possibilitavam conhecer melhor os colegas, a escola e os professores.

Em minha casa não havia acesso a livros, rádio ou televisão. Dos jornais, só me recordo de ver o da igreja, com as passagens da bíblia. Lembro-me que, depois da missa, as pessoas deixavam esses jornais nos bancos, e eu pegava alguns deles e levava comigo para casa, porque gostava de recortar as letras e formar palavras novas com elas. Com o passar do tempo, já cursando a Educação Básica, a Escola Estadual Darcília Godoy se encontrava em melhores condições estruturais, tanto físicas quanto na qualidade do ensino, o que me proporcionou melhores condições de aprendizagem. Na biblioteca se encontrava uma pequena diversidade de livros, o que permitia ao professor cobrar mais práticas de leitura.

Mesmo a escola me motivando a ler, a visitar a biblioteca em outros horários, e a estar mais próxima dos livros, sempre tive dificuldade em frequentar a escola em horários especiais ou me dedicar mais à leitura e à escrita, pois precisava ajudar meus pais com o plantio de roça, na arrumação da casa, a cuidar dos irmãos mais novos, e em outras atividades. Meus pais tinham uma leitura de mundo diferente da minha, achavam que saber ler e escrever já me bastaria.

Somente no Ensino Médio fui perceber a importância da leitura e da escrita e o quanto eu havia perdido, não somente para a minha formação, mas para que eu tivesse uma visão mais ampla do mundo. Formei-me no Ensino Médio no ano de 2000, e não tive oportunidade de continuar os estudos imediatamente, pois, naquela época, somente quem tinha ‘‘melhores condições de vida’’ davam continuidade aos estudos. Apesar de muito tempo ter se passado, no segundo semestre de 2018, comecei uma nova jornada em minha vida, tive a chance de ingressar no curso Licenciatura em Educação do Campo (LEC), da UFVJM.

Na LEC, quando adentro na sala de aula, sinto a mesma ansiedade vivida na Educação Infantil, com sentimentos duvidosos e incertos e, ao mesmo tempo, uma enorme alegria em saber que nunca é tarde para o recomeço. Embora todos tenham o direito a uma Educação de qualidade, o que eu vivi, e o que a maioria dos alunos que estudam em escolas públicas ainda vivem, foi uma educação engavetada, centrada somente em livros pedagógicos, que não estimulavam a reflexão dos alunos, nem a busca de soluções criativas para seus problemas, para que leiam bons livros literários e discutam questões sociais.

Portanto, tenho o objetivo de me formar como uma educadora do campo que esteja mais atenta à realidade dos alunos, buscando a construção de uma Educação Contextualizada, que valorize as diferentes formas de saberes e de aprendizados.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Relembrar é escrever

Relembrar é escrever

Por Fernanda Antonina Rodrigues da Silva [1]

Atualmente, moro em Veredinha, mas, até cinco anos, residi com minha família na cidade de Diamantina, Minas Gerais. Em certa fase de nossas vidas, decidimos nos mudar para Veredinha, também em Minas Gerais, cidade onde ainda hoje moramos. Acredito que, de uma forma ou de outra, a leitura e a escrita sempre fizeram parte de minha história. Não me recordo de muita coisa sobre minhas primeiras experiências com a escrita e a leitura antes de frequentar a escola, mas, ainda assim, lembro-me que minha família recebia muitas cartas, único meio que tínhamos, naquela época, para nos comunicar com os amigos e familiares que viviam em Diamantina.

Minha mãe lia todas aquelas cartas e cartões de datas comemorativas para mim, e eu achava o máximo quando ela me deixava fazer um desenho para enviar junto com as cartas que ela enviaria aos parentes. Geralmente, esses desenhos que eu fazia iam para minhas primas que moravam longe. Mesmo que por meio de desenhos, esses foram os meus primeiros contatos com a leitura. Antes de frequentar a escola, os tipos de leituras que circulavam em minha casa, além dessas cartas, eram os livros didáticos da minha irmã mais velha e a bíblia da minha mãe. Um aspecto que considero significativo quanto ao meu processo de letramento era a leitura de revista de músicas do meu pai, pois ele sempre tocou violão.

Logo quando entrei na escola municipal da minha cidade, por volta de cinco ou seis anos, identifiquei-me imediatamente com os desenhos, porque eu amava colorir. Quando fui avançando pelas séries e cheguei à fase em que já dominava a escrita e a leitura, comecei a perceber um forte interesse pela leitura. Falando em leitura, tenho lembranças de quando ganhei o meu primeiro livro, com aproximadamente sete ou oito anos de idade: o conto de fadas ‘A Bela Adormecida’, que me foi doado por minha professora. Na escola, naquela época, sempre quando algum aluno fazia aniversário, a professora o presenteava com um livrinho de histórias infantis. Lembro-me que ficávamos ansiosos para descobrir qual livro iríamos ganhar e, quando chegava o dia, era só festa. Apesar de não ter biblioteca nessa primeira escola, eu sempre recorria à biblioteca municipal da minha cidade, e durante todo meu processo de aprendizagem nessa escola, durante os Anos Iniciais, busquei ler bastante.

Quando cheguei ao Ensino Fundamental II e, posteriormente, ao Ensino Médio, tudo começou a mudar: escola nova, novos professores e rotinas de aulas diferentes. Tantas modificações diminuíram meu interesse pela leitura. Eu já não tinha aquele mesmo interesse, passei a ler menos frequentemente os livros que gostava, substituindo-os pelos livros didáticos das disciplinas. Talvez isto tenha ocorrido em função da forma lúdica como os professores dos anos iniciais trabalhavam a leitura, despertando mais interesse. O que sei é que o Ensino Fundamental II tirou parte da minha vontade de ler textos que me davam prazer. Nos últimos anos do Ensino Médio, um projeto realizado pela escola me tocou e despertou em mim novamente o interesse pela leitura. Com esse projeto, a escola recebeu um acervo enorme de livros novos e muito bons. Para mim, ele foi de suma importância, pois tive a oportunidade de voltar a ler com a mesma intensidade de antes. A escola, antes disso, não tinha uma biblioteca provida de livros que chamassem minha atenção, o que aumentou meu desinteresse pelos textos até aquele momento. Como eu estava mais velha, a biblioteca municipal já não atendia minhas necessidades de leitura.

Nos dias atuais, estou fazendo graduação e percebi que o desinteresse pela leitura aumentou novamente. Agora, as leituras acadêmicas me tiraram um pouco do prazer de ler os livros que costumava ler. Minhas leituras românticas são agora substituídas por textos científicos. Mas isso não é ruim, não em parte, pois estou fazendo leituras que me levarão a alcançar uma coisa que eu desejo muito, que é me formar e poder ser uma boa profissional. Queria saber organizar o tempo para voltar a ler como lia na infância, com o olhar e a inocência de criança. Dito isso, não posso negar que fui e sou feita de leitura, seja de livros, desenhos, músicas, enfim!  Minha vida deu várias voltas em relação à leitura: ora leio demais, ora leio de menos, ora estou como agora. Todavia, o importante é registrar aqui que a leitura sempre me acompanhou de uma forma ou de outra, e vai continuar me acompanhando.

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.