Por Adilson Gomes Santos [1]
Durante minha infância, o acesso a textos escritos não era comum, visto que poucas pessoas de meu convívio tinham acesso à educação formal e, consequentemente, à escrita. Eu tinha acesso a áudios da rádio comunitária ou de fitas gravadas. Naquela época, tinha contato também com a Bíblia Sagrada. Por sermos crianças, e porque meus pais a consideravam um livro sagrado, apenas um adulto poderia ter contato direto com a Bíblia. Mesmo assim, eu ouvia a leitura do texto sagrado feita por minha mãe, com voz um pouco insegura em função de ela ter estudado apenas até a quarta série do Ensino Fundamental. As leituras da Bíblia eram reforçadas na igreja, principalmente nas ocasiões em que o padre estava presente nas missas. Além das escrituras, lia textos que circulavam no meio em que vivia, como bulas de medicamentos, listas de compras, listas de despesas de cada mês etc.
Eu me lembro que entre seis e sete anos, fui presenteado com uma fita de áudio com músicas de lambada, ritmo rápido e contagiante que me interessava tanto que ficava ao lado do toca-fitas. Ouvia, também, na casa de minha avó, o áudio do Ofício da Imaculada Conceição, música religiosa, todas as tardes. Desses áudios, o que mais gostei foi o da fita de Ofício, porque naquela época precisávamos saber a rezar o Ofício, como estratégia utilizada por nossa comunidade quilombola para preservar a cultura afro-brasileira. Participava de encontros coletivos para ouvir as contações de causos ou para fazer a Oração do Terço, tradições orais ainda hoje preservadas em minha comunidade.
Antes de frequentar a escola, tive contato com a prática de escrita por intermédio das atividades diárias da minha mãe. Quando ela deixava folhas ou listas de compras em locais baixos, eu aproveitava a oportunidade para rabiscar as folhas. Percebendo minha curiosidade e vontade de escrever, minha família me presenteou com uma caixinha de canetinhas e um caderninho de arame. Confesso que usava mais a parede para tentar escrever do que o caderno. Ficava ali, tentando reproduzir o alfabeto ou desenhando os animais, como, por exemplo, minha cachorrinha Floresta. No início de minha alfabetização, nos primeiros anos escolares, tive uma professora muito dedicada, a tia Lúcia do Celin, que alfabetizava usando metodologias que prendiam nossa atenção. Uma delas consistia em usar imagens de objetos presentes em nosso dia a dia relacionadas às letras do alfabeto.
Minha motivação para escrever iniciou-se com as atividades propostas pela professora, que levava contos para serem trabalhados em sala de aula. Essas narrativas, que faziam parte de minha (de nossas) vivência(s), eram expostas em sequências de imagens para que pudéssemos, a partir delas, elaborar textos escritos nas aulas de português. A escola, portanto, teve uma função muito relevante em meu aprendizado, ou melhor, em meu processo de letramento, porém acredito que poderíamos ter tido contato com os livros que ficavam trancados nos armários do “Cantinho de Leitura”.
A leitura era mais cobrada nos anos finais do Fundamental I. Tínhamos responsabilidades ao pegar os livros literários chamados de “novos” pelos professores, mas não via um real incentivo à leitura. Queriam que tivéssemos acesso ao livro, e os textos produzidos eram a partir de sequências de imagens e dos relatos do sobre o período de férias.
No ensino Fundamental II continuei a ter contato com a literatura. A partir da quinta série, estudei em uma escola Estadual que possuía uma biblioteca com um grande acervo de livros, o que facilitou a diversificação de textos. Os professores, muitas vezes, escolhiam quais livros seriam lidos, mas a partir dessas escolhas surgiu em mim uma grande curiosidade pelos textos, no sentido de buscar saber o que estava por trás daquela escrita, algo que ia além daquilo que nossos olhos alcançam. Mais tarde, em função de minha curiosidade pela Bíblia Sagrada, participei de cursos para melhor compreendê-la.
Chegando ao ensino superior, tive a sensação de que sabia muito pouco. Precisei despertar o leitor e o escritor que estavam adormecidos dento em mim. Em minha trajetória de vida não tive contato com textos teóricos, por isso, tive uma grande dificuldade para ler e interpretar textos deste tipo. Entretanto, tenho superado os obstáculos. Percebo que, muitas vezes, o professor quer trabalhar de forma contextualizada, mas existe uma grade curricular que funciona como uma barreira que limita a atuação do educador. Assim, acredito que o docente nem sempre é culpado pela má formação de seus alunos.