Mergulhando nas lembranças de minha escrita

Thais

Os textos publicados individualmente nesta página podem ser lidos reunidos nos volumes da coleção Memórias de Letramentos. Para adquirir seu e-book gratuito ou impresso  pelo preço apenas do serviço de gráfica, clique no banner ao lado ou no fim da página.


Thais Fernandes dos Santos, Itamarandiba/MG

Antes de ingressar no ambiente escolar, meu primeiro contato com o mundo da escrita ocorreu em uma creche em Itamarandiba, quando eu tinha cerca de cinco anos e meio. Minha mãe se referia a essa fase como prezinho. As memórias dessa época são vagas, mas recordo que ali aprendi a contar e a escrever, embora não me lembre exatamente até onde minha capacidade se estendia. Curiosamente, foi nesse período que, movida pela minha curiosidade inata, aprendi a escrever em letra cursiva. Já a leitura, não sei se dominava completamente.

Com o passar do tempo, minha mãe conheceu meu padrasto e nos mudamos para a zona rural. A ausência de energia elétrica tornou-se um desafio considerável para minha adaptação, e o contato com a escrita diminuiu. Lembro-me de um pequeno rádio a pilha que nos proporcionava música e notícias. Costumava visitar uma tia que possuía revistas de moda; eu adorava folheá-las e admirar as ilustrações.

Não posso esquecer da tia Ilda, que frequentemente nos visitava trazendo sua filha mais nova. Ela trazia consigo encantadores livros de contos de fadas, cada um com cores vibrantes e poucas páginas. O conto da Cinderela era meu favorito, especialmente pelas ilustrações. Brincava com meus primos e irmãos de escolinha; eu assumia o papel da professora, escrevendo nas paredes com carvão ou, dependendo do local, utilizando um barro branco conhecido como Tabatinga.

Ao completar sete anos, ingressei na Escola Municipal São Miguel Arcanjo, situada a cerca de quinze minutos de casa, que eu percorria a pé. No início, era tímida e preferia permanecer à margem, até me enturmar com os colegas. Por já ter passado um período na creche, cheguei à escola escrevendo em letra cursiva — que chamava de “emendada”. Contudo, a tia Fátima — carinhosamente chamada de ‘fessora’ — não permitiu que eu continuasse assim. Fiquei bastante chateada com isso; ela me explicou que ainda não estava na fase adequada para aprender aquela forma de escrita. Se não me engano, aprendi a ler as horas antes mesmo de entrar na escola.

Minhas dificuldades na escrita foram poucas; o maior desafio residia na leitura. Recordo-me também das continhas básicas: um mais um, dois mais dois… Eu lidava bem com problemas simples e até apreciava principalmente adições; no entanto, ao avançar para multiplicação e divisão, as coisas se tornaram um pouco mais complicadas!

Havia dias em que chegava à escola atrasada por perder a hora. Contávamos com um despertador bastante silencioso, e minha mãe tinha um sono pesado; às vezes, ela simplesmente não ouvia o alarme. Eu andava devagarinho e meu padrinho costumava gritar ao me avistar: “Tira o pé do chão, tartaruga!” O pior era quando a fessora não me deixava entrar; eu voltava para casa chorando.

E como eram engraçadas as ocasiões em que precisava ficar na casa da minha avó! Nessa época, já estudava à tarde. Havia um rio cujas únicas passagens secas eram por uma pinguela; porém, havia dias em que me deparava com uma lagartixa no caminho e faltava-me coragem para atravessar! Gritava: “Ô, vó! Vem passar eu na lagartixa!” Às vezes, ela vinha; outras vezes, ela resmungava e não se movia. Eu era tão medrosa que acabava voltando para casa e perdendo aula. Com essas idas e vindas, acabei ficando em recuperação devido às faltas acumuladas.

Com o tempo, fui conhecendo melhor os colegas e formamos laços de amizade durante o trajeto até a escola; aquele caminho era pura diversão! Frutos como gabiroba, cajuzinho-do-campo e jatobá adornavam nossas caminhadas; nas épocas de colheita, chegávamos em casa tarde e com as barrigas repletas.

Naquela época, não havia biblioteca na escola; havia apenas um canto separado onde os livros eram dispostos sobre uma mesa decorada com figuras incentivadoras para a leitura. Era um período bastante precário: levávamos nossos cadernos em sacolas de arroz. Lembro-me das provas escritas à mão que eram passadas pelo mimeógrafo; as letras frequentemente saíam apagadas e a fessora tinha que reforçá-las com caneta para facilitar nossa compreensão.

Em outro momento da minha jornada escolar, estudei sob a orientação da tia Célia — uma educadora dedicada e carinhosa. Ela nos incentivou imensamente na leitura e na criação de textos. Possuía um caderno destinado exclusivamente à produção textual; colávamos ilustrações nele e, através delas, criávamos nossos relatos. Toda sexta-feira eu levava um livro para ler em casa e, na segunda-feira, apresentávamos o assunto tratado diante da turma. Uma das obras que mais recordo é “Chapeuzinho Vermelho”, além das lendas folclóricas que tanto me fascinavam.

Assim foram meus primeiros passos no mundo da escrita — uma jornada repleta de descobertas e memórias inesquecíveis!

Quando alcancei a fase da divisão e multiplicação, a tia Fátima retornou como minha professora. Enfrentei inúmeras dificuldades nesse período e recordo que ela aplicava os fatos diariamente, além de designar a tabuada para que eu estudasse em casa. Ela também exigia uma produção textual considerável, que se tornou minha atividade favorita, onde eu preenchia mais de uma folha.

Subsequentemente, ingressei na quinta série e mudei de escola, passando a estudar em Itamarandiba. Era necessário acordar às quatro horas da manhã e percorrer aproximadamente dois quilômetros para pegar o ônibus escolar, que realizava um trajeto de cerca de vinte e quatro quilômetros. Essa rotina era extremamente exaustiva; quando não enfrentávamos poeira, lidávamos com lama e buracos. O ônibus frequentemente apresentava problemas mecânicos, obrigando-nos a esperar à beira da estrada por socorro, especialmente quando não era viável retornar a pé.

No Ensino Fundamental II, já havia uma biblioteca na escola e éramos incentivados a frequentá-la. Comecei a explorar livros de maior complexidade para leitura. Não consigo esquecer de um momento teatral que apresentamos na escola, baseado em um livro; é uma pena que não me recorde do título. Ao levar o livro para casa, era necessário assinar um termo de compromisso e preencher uma ficha literária.

Antes de concluir o Ensino Fundamental II, engravidei e me vi compelida a interromper meus estudos. Contudo, sempre mantive o desejo de retomar essa jornada. Aos vinte anos, retornei à educação no CESEC (Centro de Educação Continuada) de Itamarandiba e, com muito esforço e dedicação, consegui me formar no Ensino Médio.

Devido à minha interrupção escolar, sinto que experimentei uma significativa perda em meu aprendizado, especialmente em disciplinas como Física e Química, que demandam um aprofundamento maior e um tempo adicional para compreender melhor as fórmulas. Sempre tive uma grande afinidade por Matemática, mas, em virtude do período em que estive afastada da escola, enfrentei algumas dificuldades nessa área. No entanto, tive a sorte de contar com um excelente professor de Matemática no CESEC, chamado Donizete. Mesmo após um bom tempo da minha formação, recordo-me claramente de seu método de ensino. Graças aos seus ensinamentos, consegui superar as dificuldades e desenvolver ainda mais meu apreço pela disciplina.

Considero-me uma pessoa habituada à leitura; tenho um profundo gosto por livros. Atualmente, exerço a função de secretária na associação quilombola de minha comunidade, onde escrevo e leio com frequência. Reconheço que o papel da escola no meu letramento inicial foi de suma importância para minha vida e para meu crescimento neste novo capítulo que estou vivendo.

Sempre nutri o sonho de cursar uma universidade, embora imaginasse isso como algo distante devido ao meu papel como dona de casa e mãe de família. Nunca havia considerado a possibilidade de estudar Pedagogia; no entanto, após a pandemia e com as aulas remotas, comecei a reunir em minha casa uma pequena turma composta por meu irmão, primos, sobrinho, vizinho e minha filha para ajudá-los com as atividades escolares. Essa experiência despertou em mim um interesse pela área educacional.

Atualmente, trabalho como servente escolar, função que está intimamente ligada à educação e ao contato com as crianças. Sinto que estou trilhando o caminho certo. Hoje, estou aqui cursando Pedagogia na UFVJM, o que representa uma grande realização pessoal e uma busca incessante por mais conhecimentos.

Acredito que a educação é um instrumento transformador, capaz de promover mudanças significativas na vida das pessoas. Estou determinada a aplicar tudo o que aprendi e continuarei aprendendo para inspirar e apoiar as futuras gerações. Meu objetivo é não apenas formar alunos, mas também cultivar cidadãos conscientes e críticos, que possam contribuir para um mundo mais justo e igualitário. Estou animada com o que o futuro me reserva e ansiosa para fazer a diferença na vida dos meus alunos!



SOBRE A AUTORA:

Thais Fernandes dos Santos, de Itamarandiba/MG, é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), onde cursa Pedagogia. Produziu este relato na disciplina Práticas de Leitura e Produção de Textos, ofertada de julho a novembro de 2024.


A orientação deste trabalho e a organização do e-book foram realizadas por Carlos Henrique Silva de Castro, Kátia Lepesqueur e Virgínia Batista.

%d blogueiros gostam disto: