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Mariana Braga Melo, Pedra Azul/MG
O desbravamento dos textos se iniciou na minha vida em Teresina/PI, a poucos quilômetros da minha cidade natal, Bacabal/MA. Através da Bíblia que minha bisavó sempre deixava aberta, onde guardava as fotos dos meus tios, primos e seus antepassados como forma de proteção, tive meu primeiro contato com as letras e textos. Ao folhear sua Bíblia, não sabia o que estava escrito, mas passeava meu dedo sobre os registros. Morávamos em uma casa de aluguel e tínhamos uma TV pequena de tubo com antena telescópica, fixada na parede com um prego. Era comum assistirmos às novelas e ver as legendas passando no canto inferior da TV. Sem entender o que se passava, apenas observava as letras como se estivessem dançando, e a cada momento eram passos diferentes, ou melhor, palavras diferentes. Ao receber cartas do banco, minha bisavó, não tão cuidadosa, sempre as deixava em locais que eu conseguia alcançar e brincar com os papéis. Alguns até chegaram a sumir sem que ela percebesse. Hoje, percebo que, na mão de uma criança, um papel com letras, números e informações pessoais pode não significar nada, mas a partir de um certo ponto (idade), começa a ser um ponto de partida para a compreensão do seu ser e do mundo.
Aos 9 anos de idade, receber moeda de algum parente ou achar cinco ou dez centavos no chão da rua sempre foi motivo de empolgação, fazendo com que eu caminhasse direto para uma vendinha mais próxima para gastar com doces, pipocas e geladinhos. Isso aguçava meu interesse em aprender a manusear o dinheiro, para saber quanto de troco iria voltar e se não estávamos sendo enganados, de modo que no dia seguinte eu pudesse voltar à vendinha com mais moedas e comprar mais guloseimas.
Minha família sempre foi muito incentivadora. Nunca me deixaram faltar sequer um dia de aula, por buscar os melhores materiais e por me levar ao ponto da escola até eu ganhar independência para ir sozinha. Sempre fui responsável com o famoso “para casa” e os trabalhos da escola. Minha busca era na papelaria mais próxima, onde eu recebia cópias impressas com o tema solicitado e as transcrevia para outra folha. Passava a tarde inteira transcrevendo e colando imagens. Assistência para ensinar ou orientar eu não recebia; para minha bisavó, a única opção era trabalhar e cuidar dos afazeres de casa. Portanto, ela nunca me deixou faltar um suco de maracujá com pão e manteiga, criando memórias afetivas da minha infância.
As lembranças do meu ensino fundamental I estão principalmente relacionadas ao 4º e 5º anos, nos anos de 2013 e 2014. Naquela época, não se repassava a noção da importância da leitura e seus benefícios, e a visita a uma biblioteca não era incentivada nem mencionada.
O ensino fundamental II começou em 2015, ainda em Jaboatão dos Guararapes/PE, no 6º ano, e continuou de 2016 até 2018 em Pedra Azul/MG. Foi marcado pelo uso da biblioteca, onde os alunos que pegassem mais livros, ao final do bimestre, recebiam um tipo de incentivo para continuar nessa jornada de imersão na leitura desde cedo.
No ensino médio, o foco estava voltado para a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Escrever, ler e reler textos, tanto da minha autoria quanto de outros autores, era algo que eu fazia para usar como inspiração e fonte de comparação. Meu ponto forte sempre foi a escrita; os cálculos matemáticos, de forma literal, “não entravam na minha cabeça”. Isso já foi motivo de lágrimas e soluços, devido à dificuldade em compreender uma fórmula matemática. Minha sensibilidade e o medo de não conseguir aprender eram reais e intensos.
No ano de 2020, no 2º ano do ensino médio, fui pega pela pandemia. Depois de um ano tão caloroso, com a idealização de viver cada ano do ensino médio com toda entrega, o baque veio. A ideia de ter que estudar em casa não era compreendida; como eu iria aprender e me preparar para o ENEM? Como seriam essas provas? Apenas com um celular conectado à internet, consegui vencer e, muitas vezes, ser minha própria professora, buscando aprender sozinha. No final de 2021, voltamos, já no 3º ano.
Consegui uma bolsa no curso técnico em Enfermagem e comecei a ter acesso a uma linguagem mais técnica, com terminologias da área da saúde. A partir daí, meu aprofundamento em artigos e uma linguagem que exige um esforço maior para o entendimento trouxe uma mudança positiva. Sair da leitura dentro da minha realidade e começar a desbravar outras é sair de uma zona de conforto que muitas vezes me segurou. Os textos dissertativos e argumentativos são os que mais me prendem e me envolvem, ajudando-me a desenvolver meu lado crítico.
Passar no vestibular da UFVJM é uma realização que traz diversos sentimentos e alivia aquela aflição do: “Será que vou conseguir entrar em uma universidade pública? Caso contrário, diante das minhas condições, não conseguirei fazer nenhuma graduação, já que pagar não está ao meu alcance.” Agora, é um degrau acima de tudo o que já fiz parte; é mergulhar de corpo e alma para que todo o esforço da minha bisavó seja validado.
SOBRE A AUTORA:
Mariana Braga Melo, de Pedra Azul/MG, é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), onde cursa Pedagogia. Produziu este relato na disciplina Práticas de Leitura e Produção de Textos, ofertada de julho a novembro de 2024.
A orientação deste trabalho e a organização do e-book foram realizadas por Carlos Henrique Silva de Castro, Kátia Lepesqueur e Virgínia Batista.