Tenho 21 anos e sou da cidade de Coronel Murta, localizada na região do Médio Jequitinhonha. Sou filha de pequenos agricultores rurais, Marlene e Manoel, que sempre me incentivaram a estudar. Desde cedo, aprendi a valorizar a educação como uma ferramenta essencial para o desenvolvimento pessoal e profissional. Meus pais, apesar das limitações e desafios enfrentados na vida no campo, nunca mediram esforços para apoiar meus estudos e me motivar a buscar sempre mais.
Minha jornada com os letramentos começou de forma simples com os recursos disponíveis em casa: revistas e cadernos antigos dos meus irmãos se tornaram meus primeiros materiais didáticos. Desde cedo, eu adorava brincar de “aulinha”, mesmo sem ainda saber ler. As letras começaram a se tornar familiares, principalmente porque minha irmã me ensinava pacientemente. Mesmo sem estar oficialmente matriculada, eu frequentava a escola da comunidade. As professoras, de maneira gentil, me entregavam atividades simples como letrinhas para colorir, o que gradualmente me aproximou do mundo das palavras.
Aos seis anos, finalmente fui matriculada na Escola Municipal Manoel Costa Barreto, localizada na comunidade Olhos D’Água. O primeiro dia de aula foi uma explosão de emoções, meu coração parecia querer saltar do peito, pois ali começava uma longa jornada educacional. A professora Udilene, com sua paciência e dedicação, foi essencial para guiar-me nesse caminho inicial. No segundo ano, algo mágico aconteceu: aprendi a ler e adorava me sentar no cantinho de leitura e imergir nas histórias em quadrinhos da Turma da Mônica. Era um verdadeiro encanto. Sempre comparava as aventuras da Vovó Bastião comendo feijão com as histórias do meu avô, que também se chamava Bastião.
Em 2014, dei início ao sexto ano na escola municipal do distrito de Freire Cardoso, localizado em Coronel Murta. Essa nova fase trouxe consigo desafios significativos. O transporte escolar me levava diariamente por quilômetros de distância, atravessando estradas poeirentas e muitas vezes áridas sob o sol escaldante, tornando o retorno para casa uma verdadeira luta diária. As condições climáticas severas e a longa jornada afetavam não apenas o meu ânimo, mas também a disposição dos colegas. Em alguns dias, a merenda escolar, por mais que fosse bem-vinda, não era suficiente para nutrir-nos adequadamente, resultando em mal-estar durante a volta para casa. Esses desafios cotidianos moldaram não apenas a minha resistência física, mas também fortaleceram o meu compromisso com os estudos e a determinação em superar adversidades.
Apesar das dificuldades enfrentadas na escola do distrito de Freire Cardoso, em Coronel Murta, durante o sexto ano em 2014, essa experiência deixou marcas profundas em minha vida acadêmica. No entanto, lamentavelmente, o ensino de português não alcançou o padrão desejado. A professora concentrava-se excessivamente na gramática, deixando a leitura em segundo plano, o que limitava nosso desenvolvimento linguístico e cultural. Felizmente, por iniciativa própria, muitos alunos buscavam enriquecer seus conhecimentos frequentando a biblioteca da escola. Lá, descobrimos novos mundos através dos livros, expandindo nossos horizontes para além das limitações do currículo escolar. Essa autonomia na busca pelo conhecimento não só complementava, mas também compensava as lacunas no ensino formal, preparando-nos melhor para os desafios futuros na educação e na vida.
Minha trajetória no mundo do conhecimento começou de forma única. Desde cedo, descobri que tinha facilidade com as partes gramaticais da língua, mas ao mesmo tempo, a literatura, que sempre me cativou, acabou perdendo espaço para o foco nas disciplinas exatas. Os elogios dos professores de matemática eram como notas musicais para mim, embora minha timidez muitas vezes me limitasse a expressar plenamente meu potencial. Foram quatro anos intensos de esforço e aprendizado, nos quais busquei equilibrar minha dedicação aos estudos gramaticais com o desafio constante das ciências exatas. A cada conquista e desafio superado, percebia que essa jornada não apenas fortaleceu minha base acadêmica, mas também moldou minha perseverança e determinação para enfrentar novos desafios no futuro.
Em 2018, tudo mudou. Ingressei no ensino médio na Escola Família Agroecológica de Araçuaí. Enfrentei o desafio de estar longe da família, o que foi difícil no início, mas consegui me adaptar. Houve momentos em que pensei em desistir, mas a motivação para continuar meus estudos sempre prevaleceu. A escola tinha uma abordagem pedagógica inovadora, focada na agroecologia e na sustentabilidade, o que me permitiu aprender não apenas o currículo tradicional, mas também práticas agrícolas sustentáveis e gestão ambiental. Tive a sorte de contar com professores de alta qualidade, que, apesar de alguns deslizes, sempre me incentivaram e apoiaram.
Além das aulas teóricas, participei de várias atividades práticas e projetos comunitários, que fortaleceram meu entendimento sobre a importância da agricultura sustentável para a comunidade local. Fiz amizades valiosas, que me ajudaram a superar a saudade de casa e contribuíram para meu crescimento pessoal.
Essa experiência me proporcionou um crescimento pessoal significativo e solidificou minha determinação em buscar meus objetivos acadêmicos e profissionais. A convivência com colegas e professores me ensinou a importância da cooperação e do trabalho em equipe, habilidades que levarei comigo para o futuro.
A parte mais complexa? Formar-me durante a pandemia. Não foi apenas difícil para mim, mas para meus colegas, professores e o mundo inteiro. A EFA se tornou uma das minhas maiores conquistas. O período de alternância, com quinze dias na escola e quinze em casa, proporcionou uma educação diferenciada. Lá, o jovem do campo convive com a sustentabilidade, a liderança e a formação crítica.
No ano de 2021, realizei minha inscrição para o vestibular da Licenciatura em Educação do Campo (LEC). Hoje, estou aqui, enfrentando mais uma nova jornada na área de Linguagens e Códigos. Embora não seja minha zona de conforto, estou determinada a aprimorar meus conhecimentos e expandir minhas habilidades. Essa escolha representa um passo significativo na minha trajetória. A licenciatura em Educação do Campo me oferece a oportunidade de aprofundar meus estudos em linguagens e códigos, áreas fundamentais para a comunicação e a educação. Estou ciente dos desafios que essa nova etapa traz, mas acredito que cada obstáculo superado me fortalece e fortalecerá ainda mais. Entre lembranças e saudades, compartilho minha jornada de letramentos, uma jornada de descobertas.
SOBRE A AUTORA:
Elidiana Martins da Silva é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Educação do Campo. Produziu este relato na disciplina Gêneros Textuais/Discursivos, ofertada de julho a novembro de 2024.
Este trabalho foi orientado pelo professor Carlos Henrique Silva de Castro e faz parte do livro Memórias de letramentos 5, que pode ser baixado gratuitamente. Clique na capa ao lado.
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