Passo a passo

Passo a passo

Por Solidade da Conceição Figueira [1]

Ao voltar no tempo e relembrar minhas memórias vividas na escola, vejo como uma escada, onde cada conquista era um passo fundamental na trajetória de minha vida, e como cada degrau foi essencial para ser e fazer o que escolhi hoje. Meu primeiro contato com a leitura foi com livros didáticos, pois tenho quatro irmãs mais velhas que já estavam ingressadas na escola e sempre que as via fazendo suas tarefas eu as atormentava para me dar um papel e uma caneta e ali começava minhas “escritas”, também em casa possuía jornaizinhos da igreja onde minha mãe era presidente da reunião de todos os domingos, ela levava alguns já vencidos para nossa casa e com eles acendia o fogo no fogão a lenha e sempre deixava um ou mais para minhas brincadeiras de leitura, canto e escrita. 

Comecei minha trajetória na escola já bem cedo, aos quatro anos de idade fui direto para primeira série. Minha primeira professora foi Edna que até hoje atua na área da educação, sempre que ela me vê relembra e me elogia pelo esforço, esperteza e força de vontade e ainda diz que espera que todas essas qualidades estejam me acompanhando. Meus colegas de sala também me ajudaram muito, era a única da sala que estava naquela serie, lembro-me com carinho de cada um de meus companheiros que mesmo estando em series mais avançadas que eu sempre me ajudaram, eram  primos, amigos que até hoje me acompanham e me dão  incentivo. Essa fase da minha vida foi marcada pelo deslumbre de frequentar pela primeira vez uma sala de aula, pelo anseio de aprender a escrever meu nome e o nome de minha mãe.

Com muita paciência e persistência fui aprender os primeiros traços, enchíamos uma folha inteira com traços e círculos que nos auxiliaram na coordenação motora. Aos poucos e ao passar de séries, comecei a desenvolver então a escrita conhecendo as letras, os números, as figuras, cores, e mais todos os tipos de leitura que nos rodeiam, mas que naquela época era sempre uma novidade diferente. Ao passar dos anos as coisas foram tomando sentido, formas, nomes, valores, cores, me ensinando uma coisa diferente. Veio à quarta depois a quinta serie o Ensino Fundamental II e as responsabilidades e compromissos foram vindos juntos, números misturados com letras, histórias antigas misturado com a realidade de hoje, o ensino de português fora do contexto em que eu cresci. Aos poucos fui me adaptando e entendendo o que a escola queria me passar e me ensinar, todas as lições aceitadas com respeito. Assim passando os anos cheguei ao Ensino Médio e mais responsabilidades e desafios surgiram, por exemplo, a necessidade de continuar a estudar. Como diziam meus professores: a garantia do meu futuro.

Com essa ideia e esse “incentivo” sentia como se finalmente chegasse ao auge de minha responsabilidade, até entrar na Universidade. O curso Licenciatura em Educação do Campo o qual eu hoje estou ingressada me mostrou vários olhares diferentes os quais eu não tinha, sempre entendi que educar é somente passar o que está nos livros, mas hoje percebo que como futura educadora eu posso ir mais além e mostrar aos meus futuros alunos o mundo por trás dos livros, textos e números. Agradeço sempre a Socorro Amaral por ter me apresentado este curso e ter me inscrito nele, pois se não fosse também por ela e por sua insistência jamais teria conhecimento sobre este modelo de curso.  No primeiro momento após conseguir a vaga e entrar na universidade pela primeira vez, me senti como se estivesse na escola, e realmente era até a hora em que percebi o quanto tinha que me dedicar para realização das tarefas e trabalhos. Cada dia um aprendizado sobre matérias, convivência e conduta que me leva a crer que estou no caminho certo de minha escolha.

Em vista dos degraus que até hoje subi e agora no terceiro período do curso. Tenho a dizer que toda essa minha trajetória na vida escolar e fora dela me mostra que quando achamos que estamos no auge do aprendizado sempre podemos aprender mais, que a vida é um constante aprendizado, cada dia uma lição e visão nova sobre o mundo. Espero que ao final de tudo isso eu olhe para trás e sinta uma gratidão tão grande como a que sinto, em ver que cada acerto e cada erro foram de extrema importância para o que vivo hoje, e que eu trilhe sempre o caminho da perseverança com a vontade de aprender e ser sempre mais!

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.

Trajetória escolar de uma campesina

Trajetória escolar de uma campesina

 

Por Solange Santos [1]

 

Nasci em uma comunidade rural chamada Boa Vista do Choro, localizada na zona rural de Padre Paraíso, no médio Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Neste ambiente rural, cresci e tive os primeiros ensinamentos que se tornaram base para minha vida e para minha formação como ser humano: fé, família, amor à minha terra e aos estudos.

Sou a oitava filha de uma família com 11 irmãos. Iniciei os estudos aos sete anos e, até a terceira série do Fundamental I, tive aulas diárias, em turmas multisseriadas. Nesta época, eu tinha a companhia minha prima Vilania, da mesma faixa etária que eu. Fazíamos o trajeto de uma hora até a escola a pé. Enfrentamos vaca brava, poeira, chuva e frio e, na maioria das vezes, sem tomar o café da manhã. Na escola, havia apenas sete alunos. A professora era respeitadíssima por nós, mas era um respeito adquirido de forma mais enérgica: ela possuía uma vara que não saía de sua mesa, usada quando necessário, ou seja, quando um aluno agredia outro, desobedecia às regras ou mesmo para chamar nossa atenção para algo.

 O recreio era um momento muito esperado, tínhamos um tempinho para brincar de correr, de pique-salvo, de pedrinhas, dentre outras brincadeiras. Na terceira série, formação máxima ofertada por essa escola, parei de estudar. Em 1998, a escola foi contemplada com uma verba para ampliação do espaço e das atividades. Vi uma oportunidade para dar sequência aos estudos, porém, estudei nesta instituição por apenas mais um ano, até concluir a quarta série do Ensino Fundamental I.

 Para continua a estudar, tive que me transferir para outra escola, que ficava em um povoado chamado Encachoeirado, local em que pude concluir meus estudos.

No período em que cursei o Ensino Fundamental II, algo marcante ocorreu em minha vida. Voltando ao meu passado sombrio, faço um esforço, agora, para relatar parte destes acontecimentos.  Quando eu tinha 13 e 14 anos, já cursando a 7ª série do Ensino Fundamental II, Vilania, minha única companhia para ir à escola, mudou-se para outra comunidade. Passei a fazer o trajeto para a escola sozinha e, por duas vezes, por volta de cinco horas, sofri duas tentativas de estupro.  Por causa disto, quase parei de estudar, pois sempre passaria por aquele local. Nem mesmo o tempo será capaz de apagar estas lembranças dolorosas.

Na juventude, mudei-me para a sede da cidade de Padre Paraíso, onde trabalhei como doméstica, para conseguir terminar meus estudos e, assim, concluir o Ensino Médio, cursado na Escola Estadual. O sonho de continuar os estudos foi novamente adiado, pois me casei e os afazeres de dona de casa, mãe e esposa soterraram, naquele momento, meus sonhos.

A vontade de cursar o ensino superior voltou quando meu amigo, da cidade vizinha, Itinga, percebendo meu desejo de voltar a estudar, apresentou-me a LEC – Licenciatura em Educação do Campo (UFVJM) e me incentivou fazer o vestibular.

Estar em uma Universidade Federal abriu-me um leque de oportunidades, como o acesso à educação de qualidade, à profissão, a convivências individuais e coletivas enriquecedoras.  Hoje, vejo o Vale do Jequitinhonha como lugar de riquezas diversas, dentre as quais destaco a cultura local e os eventos, principalmente, os literários.

 Atualmente, sou voluntária no telecentro na cidade de Caraí, onde resido há mais de 12 anos. Pretendo dar continuidade aos meus estudos, fazer mestrado ou, no mínimo, uma especialização, tratando de um tema que me é caro: a falta de formação adequada dos professores que atuam em sala de aula. Tentarei compreender como é possível transformar a educação, como é possível propiciar aos professores uma educação contextualizada, porque há falta de espaço físico e de materiais na educação brasileira, ou seja, a ideia é justamente entender por que alguns educadores, principalmente no meio rural, não têm acesso a conceitos relevantes sobre a educação em geral. 

[1] Este texto é parte do ebook Memórias de Letramentos II: Outras Vozes do Campo, disponível para download gratuito aqui: auladigital.net.br/ebooks.