Relatos de uma infância de letramentos

Lucimar

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Lucimar Cabral de Oliveira, Pedra Azul/MG

Lembro-me de quando eu era pequena e minha irmã contava muitas histórias para mim e para meu irmão, além dos amiguinhos que eram nossos vizinhos, como fábulas e outras histórias que ela aprendeu na escola com a professora de português. Ela também contava as histórias que meu pai e minha mãe contavam a ela e aos meus outros irmãos quando éramos pequenos. Meu pai e minha mãe são analfabetos, mas, ainda assim, eles conhecem muitas histórias e casos que os pais deles contavam entre um trabalho e outro na roça. Eles não tiveram a oportunidade de frequentar uma escola, mas, mesmo assim, são muito sábios. Não sabem ler nem escrever, mas têm uma mente brilhante.

Minhas irmãs mais velhas tinham alguns cadernos de confidências, onde faziam colagens de personagens de novelas que saíam em jornais e revistas. Também havia escritos, como poemas e versos que diversas colegas de escola escreviam para elas. Eu ainda não sabia ler, mas ficava horas olhando aqueles cadernos e gostava muito quando minha irmã lia as mensagens escritas neles. Todas as noites, só dormia depois que minha irmã chegava da escola para contar histórias para eu dormir; a que mais gostava de ouvir era a da formiguinha e a neve.

Comecei a estudar na creche com três anos de idade. Meus primeiros contatos com letras e números na escola foram através de atividades de coordenação motora, contornando letras e números com bolinhas de papel crepom, jogos de cartas, contato com livros, histórias que a professora contava e musicalização com músicas do alfabeto e números.

Aos quatro anos, tive meus primeiros contatos diretos com livros e textos, pois, nesse momento, não ficava só no pátio como antes; havia um período pela manhã em que ia para a sala de aula, onde fazia várias atividades, colorindo letras e trabalhando com meu nome completo. Cantava a música das vogais e o alfabeto da Xuxa. Gostava muito quando a professora começava a cantar as músicas com as continhas e as letras; era muito legal. Sempre fui curiosa para saber das coisas, e, apesar de meus pais serem analfabetos, desde muito cedo nos incentivaram a estudar. Com cinco anos, já sabia os números de 1 a 20 e reconhecia letras; ainda não sabia ler, mas gostava de brincar com quebra-cabeças de números e letras.

Comecei a ler aos sete anos, mas tinha muito medo de ler. A matéria que mais gostava era matemática, mas, à medida que fui crescendo, tive um pouco de dificuldade nessa matéria. Mesmo assim, ainda era apaixonada por ela. Certa vez, a professora, ao ver que alguns alunos ainda não conseguiam resolver a tabuada, teve uma ideia: perguntou se na casa de vocês havia um pé de árvore. Respondemos que sim. Então, ela disse: “Vocês vão pegar a tabuada e vão se sentar embaixo da árvore, repetindo cada tabuada em voz alta dez vezes. Vocês vão ficar ótimos!”

Não era muito fã de português porque sempre tive dificuldade em fazer leitura em público. Tinha muito medo, pois, quando criança, as leituras e tabuadas eram feitas na secretaria da escola pela diretora ou pelo conselheiro tutelar. Dizia-se tanto que eles eram bravos que quem lia mal ganhava uma varada. Ao chegar na porta, já me sentia mal e não dava conta de ler a tabuada; era tranquilo, mas a leitura sempre ia mal. Lia bem na sala, mas na secretaria gaguejava demais. Só que nunca me bateram. Além do medo das pessoas que tomavam a leitura, era muito tímida, e sou até hoje. Tenho muita vergonha de falar em público.

Creio que passei por etapas da minha vida que ficaram um pouco falhas, principalmente nos anos iniciais. Não gosto muito de ler nem de escrever; acredito que seja algo que trouxe das séries iniciais. No entanto, no ensino fundamental, algumas coisas mudaram. A professora começou a nos levar à biblioteca da escola, onde, no início, nunca íamos. Antes, era só para os professores pegarem livros para copiar algo no caderno, e eu não gostava muito disso.

Contudo, como já disse, houve uma mudança e passamos a pegar livros na biblioteca da escola para lermos e falarmos sobre o que tínhamos lido. Comecei então a gostar de ler livros de história e poemas. Gostava muito, principalmente de contos infantis e fábulas. No fundamental II, a professora dava textos e matérias para lermos, fazer resumos explicativos e trabalhos em grupo para apresentar aos colegas. Apesar da timidez, conseguia, do meu jeito, fazer tudo. Nunca fiquei sem fazer um trabalho.

No ensino médio, no mesmo ano em que comecei, surgiu na escola um projeto no qual cada semana os alunos tinham que ler um livro diferente e recontá-lo. A atividade contava como nota e a professora cobrava muito de nós, tanto em leitura quanto em produção de textos. Também, quando eu ou meus colegas tirávamos nota baixa nas provas, tínhamos que copiar quase toda a prova. Eram textos muito grandes e, se não fizéssemos o que a professora pedia, perderíamos o bimestre.

Reclamávamos muito dela, pois sentíamos aquela prática como algo ruim, mas, quando se aposentou e parou de dar aula, ficamos tristes, pois percebemos que iríamos perder uma excelente professora. Ela era um pouco rígida na sua forma de ensinar, mas contribuiu muito para nossa aprendizagem. Não fiquei muito tempo nessa escola, pois tinha que estudar à noite, já que só consegui vaga para o período noturno. Então, resolvi terminar meus estudos em uma escola voltada para jovens e adultos. Lá, esperávamos os livros para estudar, havia dias para tirar dúvidas e fazer as provas.

Terminei o ensino médio em 2012. Tempos depois, fiz alguns cursos, e nos cursos que fiz éramos incentivados a ir à biblioteca pegar livros para ler, e fazíamos resumos deles. Era muito legal. No curso, o último livro que li foi “O Pequeno Príncipe”. O incentivo é bom, pois até as matérias eram mais bem compreendidas. Lá, havia até projetos de leitura e olimpíadas de matemática; era maravilhoso poder participar de tudo.

Certa vez, quando estava fazendo curso técnico em informática, o professor chegou e disse: “Vocês vão ter que dar uma palestra sobre determinado assunto do curso para toda a escola. Se preparem.” Eu comecei a tremer, pensando como iria conseguir falar para a escola toda, se mal conseguia falar na frente dos meus colegas. Mas fui e, para minha surpresa, consegui! Naquele dia, percebi que não devemos deixar a timidez falar mais alto. Fiquei muito feliz nesse dia e agradeço a ele por ter me incentivado.

Não sou nem a metade do que almejo para mim, mas estou a caminho e estou muito feliz em estudar na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Licenciatura em Pedagogia. Estou cada vez mais adquirindo novos conhecimentos, pois pretendo ser uma pedagoga, uma professora maravilhosa para meus pequenos, assim como meu exemplo, que é minha irmã, professora e supervisora de uma determinada escola.

Por fim, devo tudo que sou hoje aos meus familiares e professores que me incentivaram a continuar com meus sonhos e projetos.



SOBRE A AUTORA:

Lucimar Cabral de Oliveira, de Pedra Azul/MG, é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), onde cursa Pedagogia. Produziu este relato na disciplina Práticas de Leitura e Produção de Textos, ofertada de julho a novembro de 2024.


A orientação deste trabalho e a organização do e-book foram realizadas por Carlos Henrique Silva de Castro, Kátia Lepesqueur e Virgínia Batista.

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