Ana Maria da Silva, Contagem/MG
Recordo, com um sorriso no canto da boca, minha infância e o processo de aprendizado pelo qual passei. Foram anos desafiadores; confesso que só na atual conjuntura pude perceber isso. Morava em uma pequena comunidade rural, e a escola ficava a uma hora de caminhada exaustiva. Eu não dava conta; chegava cansada e dormia durante as aulas. Acompanhava minha irmã mais velha.
Éramos muito pobres, e o calçado era o velho chinelo feito de pneu. Na época das chuvas, havia um ribeirão a ser atravessado. Sempre aparecia algum adulto para nos guiar e segurar nossas mãos, para que a correnteza forte não nos levasse. Era perigoso, mas, na minha inocência de criança, com apenas seis anos, aquilo parecia uma aventura.
Meu primeiro contato com os livros foi através da literatura de cordel, por meio de minha mãe e das histórias de Lampião. Durante as aulas, em que acompanhava minha irmã, eu era o xodó da professora Altamira, que gritava e batia nos alunos. Eu tinha medo dela, tanto respeito que nem chegava perto, pois o medo era muito grande.
Não me lembro quanto tempo essa aventura de acompanhar minha irmã durante as aulas dela durou, mas me recordo de ir sempre saltitante para a escola com ela. Comecei minha jornada oficial aos nove anos, na primeira série, e minha mãe fez com que meu pai nos levasse para a escola onde iniciei e concluí meus estudos.
Aprendi os números e as letras sem dificuldade. Meu desafio, e claro, o dos abençoados professores, era me fazer ficar quieta; eu falava demais e era “peralta” na sala inteira. Pobres colegas que tinham dificuldade para aprender, eu os deixava “no chinelo”. A professora ficava de “cabelo em pé” com minhas “levadezas”. Em casa, ouvíamos o rádio. Minha mãe não vivia sem a Rádio Nacional da Amazônia. Lembro que ouvíamos novelas; era emocionante. O radinho funcionava a pilhas, mas minha mãe nunca ficava sem.
A escola era mais perto; morávamos a uns 25 minutos dela. Era uma criançada indo na mesma direção. Como a pobreza era grande, lembro-me de ter que levar lenha para a escola. Funcionava assim: quando o caderno, o lápis ou a borracha acabavam, a professora nos dava outro, mas era uma troca; tínhamos que levar um “pau de lenha” para as cantineiras cozinharem, já que não havia fogão a gás na época.
O caderno era daqueles de páginas amareladas e precisava ser desmanchado com cuidado, caso contrário, a página rasgava. Meu enorme sonho naqueles dias era um caderno com páginas branquíssimas. Sonhava também em ter uma mochila, pois levávamos o material em uma embalagem de arroz.
Só tive o “luxo” da mochila no quarto ano; era uma belezura, feita de um plástico vermelho. Chapeuzinho Vermelho teria inveja da minha maravilhosa mochila.
A hora do recreio era uma farra sem fim: pega-pega, polícia e ladrão, rouba-bandeira, peteca e, é claro, descer a rampa de grama da escola com um papelão como apoio, estilo Velozes e Furiosos.
A merenda, muitas vezes, era escassa. Recordo que a diretora ia de sala em sala pedindo que levássemos uma batata, uma cenoura ou alguma outra leguminosa. Eu sempre levava chuchu, já que tínhamos um pé em casa que produzia o ano inteiro.
Após concluir o ensino médio, mudei para Belo Horizonte para trabalhar e tentar ingressar na faculdade. Isso aconteceu tardiamente; só consegui iniciar a faculdade aos 35 anos. Levei seis anos para concluir, sendo mãe solo e trabalhando. Foi muito exaustivo. A escrita, sem uma base muito sólida, dificultou a conclusão do temido Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), por se tratar de uma escrita mais técnica, e senti muita dificuldade.
No período do ensino médio, tive uma excelente professora de Literatura, que nos incentivava muito à leitura. Autores como Machado de Assis, Cecília Meireles e Paulo Coelho marcaram essa fase. O primeiro livro que li, de que não me recordo o autor, contava a história de uma adolescente que vivia com o pai em uma ilha e seus desafios ao frequentar a escola na cidade pela primeira vez.
A faculdade me proporcionou muitas descobertas; tive que aprender coisas novas e desenvolver novas habilidades. Lembro de passar mais de uma hora assistindo a vídeos no YouTube sobre como formatar uma planilha no Excel. Desafios à parte, venci mais essa etapa.
SOBRE A AUTORA:
Ana Maria da Silva, de Contagem/MG, é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Práticas de Leitura e Produção de Textos, ofertada de julho a novembro de 2024.
A orientação deste trabalho e a organização do e-book foram realizadas pelo Professor Carlos Henrique Silva de Castro e pelos Tutores Daniela da Conceição Andrade e Silva, Luís Felipe Pacheco e Patrícia Monteiro Costa.