Flaviane Barbosa Sena, Rubim/MG
Quando criança, antes de frequentar a escola, era comum ver textos em minha casa, pois meus irmãos já frequentavam a escola. Minha mãe tinha um caderno de receitas, um livro de plantas medicinais e alguns livros e dicionários antigos. Ela sempre lia a Bíblia e frequentava os cultos ou a missa na comunidade aos domingos. Com a escrita, ela fazia lista de alimentos que faltavam para o meu pai trazer do mercado, além de escrever algumas receitas. Eu sempre observava.
Aos cinco anos, comecei a frequentar o pré-escolar com meu irmão, que na época tinha seis anos. Fazíamos cirandinha para ajudar na coordenação motora. No ano seguinte não teve o pré-escolar e eu não tinha idade para entrar no primeiro ano. Sem a escola, fiquei muito triste e sempre reclamava quando os meus irmãos iam pra escola, pois eu não podia mais ir e ficava com minha mãe em casa.
Aos sete anos, ganhei da minha tia Gislene um livro que não me lembro exatamente o nome, mas era algo tipo O Circo do Palhaço Pipoca. No início, observava as imagens: um menininho com dois cachorrinhos equilibrando-se em uma bola. Quando aprendi a ler, sempre lia esse livro e gostava muito, mas cresci e não me lembro do seu paradeiro. Já pesquisei na internet tentando encontrar, mas não tive sucesso. Por isso, imagino que o nome esteja errado.
Lembro que meu irmão tinha um quebra-cabeças que, quando nossa mãe permitia, nos reuníamos pra montá-lo. Ouvia músicas através do “toca-discos”, que tocava discos de vinil, e rádio. Todas as noites, o meu pai ligava o rádio pra ouvir A Voz do Brasil e, de madrugada, ao acordar, ligava o rádio novamente e estava sempre bem-informado.
Aprendi a contar e a escrever na escola. Tenho lembrança de que a professora havia passado alguns probleminhas pra serem resolvidos, e ela sempre pedia pra irmos ao quadro. Meus colegas “mais velhos” já sabiam resolver e elaborar a resposta. Eu, incentivada ao ver meus colegas, fui fazer igual. Eu sabia fazer a conta, mas não sabia elaborar a resposta como se devia; quando escrevi a minha resposta do problema no quadro, e não tinha nada a ver, todos riram de mim.
Desde pequena, sempre via o meu pai pagar as pessoas pelos serviços prestados na roça, como colheita, capinas etc. Assim, sabia que o dinheiro tinha importância, mas não entendia isso completamente. Quando era pequena, a moeda era o Cruzeiro, e até hoje não entendo muito sobre ela. Quando tinha 11 anos, houve a troca da moeda e, por um tempo, passou pra Cruzado e depois pra Cruzado Novo, voltou a ser Cruzeiro e, só depois, passou a ser Real. Lembro-me também que as pessoas demoraram a compreender o “real valor” do Real.
Durante a minha vida escolar, tive um bom desempenho na escrita, leitura e cálculos. Não era a melhor aluna da classe, mas não era aquela com maiores dificuldades. Sabia da importância de me dedicar aos estudos, pois sempre ouvia meus pais e professores me incentivando. A família foi fundamental no incentivo, cuidado e apoio, pois minha mãe tinha o cuidado de fazer o almoço mais cedo, quando eu estudava à tarde, ou se levantar bem cedinho pra preparar o café, quando eu estudava pela manhã. A nossa roupa sempre estava limpinha pra irmos pra escola, mesmo que fosse sempre a mesma roupinha. Lembro-me que alguns dos meus colegas não deram sequência aos estudos por falta de apoio e cuidado dos pais.
Mudei de escola quando estava na terceira série e, na nova escola, tinha biblioteca, mas eu era muito tímida e não me atrevi a conhecê-la. Na quinta série, mudei pra outra escola, onde permaneci até o ensino médio. Com o tempo, fiz amizades e, a partir daí, comecei a ir à biblioteca da escola e pegar livros pra ler aleatoriamente. Outros, a professora de literatura indicava. Mas não tinha muito tempo pra leitura, pois tinha que ajudar meus pais com as tarefas na roça.
Quando cursava o ensino médio, ouvia sempre os professores e colegas falando em fazer vestibular. Então, eu ficava imaginando terminar o ensino médio pra fazer um curso superior; queria muito ter uma formação. Ao concluir o ensino médio, não consegui ingressar na faculdade imediatamente. Tentei o vestibular e fiz o Enem, mas não consegui naquela época, devido à distância e às condições financeiras, apesar do meu desejo. Apenas seis anos depois surgiu a oportunidade. Então, cursei Licenciatura em Biologia pela FTC EaD. Tive várias dificuldades, mas foi muito gratificante concluir o curso. Atualmente, estou cursando uma pós-graduação pelo IFES; falta apenas concluir o Trabalho Final de Curso. E recentemente ingressei no curso de Química pela UFVJM. São muitos os obstáculos; é preciso muita dedicação, organização e esforço pra conseguir estudar e fazer as leituras necessárias.
Procuro incentivar meus filhos na leitura e na escrita, pois sei da importância delas em nossas vidas. Meu filho, hoje com 20 anos, está cursando o segundo período do curso de Direito, e minha filha, com 13 anos e no Ensino Fundamental II, escreveu seu próprio livro com o incentivo da professora de português e da escola, e está trabalhando no segundo. É muito gratificante estar vivendo tudo isso.
SOBRE A AUTORA:
Flaviane Barbosa Sena, de Rubim/MG, é acadêmica da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e produziu este relato na disciplina Práticas de Leitura e Produção de Textos, ofertada de julho a novembro de 2024.
A orientação deste trabalho e a organização do e-book foram realizadas pelo Professor Carlos Henrique Silva de Castro e pelos Tutores Daniela da Conceição Andrade e Silva, Luís Felipe Pacheco e Patrícia Monteiro Costa.